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completamente novas, nas quais o índio já não era um parente, mas mão de obra recrutável como escrava.

O sistema de donatarias foi implantado mais

vigorosamente por Martim Afonso, trazendo as primeiras cabeças de gado e as primeiras mudas de cana. Não há registro de que tenha trazido negros africanos e os deixado aqui. Mas, como os portugueses viviam cercados de

escravos já em Lisboa, é até improvável que ele e seus capitães não tenham vindo acompanhados dos seus serviçais.

Pero Lopes registra nestas palavras a obra de Martim Afonso:

A todos nós pareceu também esta terra, que o capitam Martim Afonso determinou de a povoar, e deu a todolos homês terras para fazerem fazendas: e fez hûa villa na ilha de Sam Vicente e outra 9 leguas dentro pelo sartam, á borda d’hum rio que se chama

Piratininga: e repartiu a gente nestas 2 villas e fez nellas officiaes: e poz tudo em boa obra de justiça, de que a gente toda tomou muita consolaçam, com verem povoar villas e ter leis e sacreficios e celebrar matrimonios e viverem em comunicaçam das artes; e ser cada um senhor do seu: e vestir as enjurias particulares; e ter todolos outros bens da vida sigura e conversavel (apud Marchant 1943:68).

O donatário era um grão-senhor investido de poderes

feudais pelo rei para governar sua gleba de trinta léguas de cara. Com o poder político de fundar vilas, conceder

sesmarias, licenciar artesãos e comerciantes, e o poder econômico de explorar diretamente ou através de

intermediários suas terras e até com o direito de impor a pena capital.

Martim Afonso, o principal deles, veio com quatrocentos povoadores. Trouxe, ainda, nove fidalgos cavaleiros, sete cavaleiros afidalgados, além de dois moços da Câmara

Real. Foi a maior injeção de nobreza que o Brasil recebeu.

De seus bagos veio a pretensiosa nobreza nativa, quase toda fracassada.

O trabalho ao longo da costa se fazia cada vez mais intenso. Numerosíssimas eram as naus que aportavam, mandadas por armadores de diversos países europeus, principalmente da Holanda e Alemanha. A carga que levavam não era pequena. Podia alcançar 3 mil toras de pau-brasil, 3 mil peles de onça, muita cera e até seiscentos papagaios falantes. O equivalente em ferramentas e

quinquilharias devia ser algo respeitável. Juntar tudo isso ocuparia quantidade de índios, largo tempo cortando

árvores a léguas de distância e transportando-as para a costa. Esforços que contrastavam com o seu modo habitual de viver e produzir.

Cargas tão grandes como essas eram depositadas nas feitorias pelos portugueses. Os franceses, não podendo

mantê-las, usavam as próprias naus para isso, ancorando-as durante o tempo necessário para que os índios coletassem ou colhessem tudo que queriam traficar. Esse trabalho se fazia, naturalmente, sob a direção imediata dos intérpretes ou truchements, também chamados de caramelus pelos franceses, nome mais tarde dado aos próprios mamelucos por eles gerados.

Múltiplas eram as dificuldades que iam surgindo com essa prosperidade crescente. O fracasso se deu em grande parte pela hostilidade dos índios, principalmente pelos que se estabeleceram em áreas de aliados aos franceses, como Itamaracá, e em Ilhéus, onde o próprio donatário acabou devorado.

A sorte corria variadamente em cada província quando a Coroa, descontente com o que se alcançara, põe sob

controle as donatarias que sobreviveram. Implanta para isso um Governo Geral, com Tomé de Souza. Agora, na forma de vilas, com pelourinho, contingentes militares armados e fortificados, trazendo ao Brasil numerosos povoadores.

O primeiro governador chega ao Brasil em 1549, em três naus, duas caravelas e um bergantim. Traziam funcionários civis e militares, soldados e artesãos. Mais de mil pessoas ao todo, principalmente degredados. Com ele vieram novos colonos, bem como os primeiros jesuítas. Nóbrega, mais velho e experiente, à frente, e mais três padres e dois irmãos; Anchieta, um rapagão de dezenove anos, veio na leva seguinte.

O governo instala-se na Bahia, construindo a cidade com a gente que trazia e com o apoio dos índios e mamelucos de Caramuru. É assinalável a quantidade e qualidade de

profissionais que iam de cirurgiões, barbeiros,

sangradores, a quantidade de pedreiros, serradores, tanoeiros, serralheiros, caldeireiros, cavaqueiros,

carvoeiros, oureiros, calheiros, canoeiros, pescadores e construtores de bergantins.

Não vieram mulheres solteiras, exceto, ao que se sabe, uma escrava provavelmente moura, que foi objeto de viva disputa. Consequentemente, os recém-chegados

acasalaram-se com as índias, tomando, como era uso na terra, tantas quantas pudessem, entrando a produzir mais mamelucos. Os jesuítas, preocupados com tamanha pouca- vergonha, deram para pedir socorro do reino. Queriam

mulheres de toda a qualidade, até meretrizes, porque “há aqui várias qualidades de homens [...] e deste modo se evitarão pecados e aumentará a população no serviço de Deus” (carta de 1550 in Nóbrega 1955:79-80). Queriam, sobretudo, as órfãs del-rei, que se casariam, aqui, com os bons e os ricos. Poucas conseguiram. Em 1551, chegaram três irmãs; em 1553, vieram mais nove; em 1559, mais sete. Essas pouquíssimas portuguesas pouco papel exerceram na constituição da família brasileira.

Êxito discreto se alcançou na importação de trombadinhas de Lisboa para conviverem com os indiozinhos nos colégios jesuíticos. Em 1550, chegou à Bahia um bando descrito como feito de “moços perdidos, ladrões e maus, que aqui chamam patifes”. Para São Vicente, foram dez ou doze no mesmo ano. Com eles é que os jesuítas esperavam civilizar os curumins, e fazê-los, em aulas conjuntas, aprender

gramática latina. Tarefa difícil, como se pôde ver em pouco tempo, quando esses pixotes, assediados pelas índias, não resistiram à tentação, fugindo com elas. Os padres

mudaram logo de tática, abandonando o ensino de latim a fim de dedicar suas energias à formação de irmãos leigos e de padres, que dominassem bem a língua da terra, o tupi- guarani, para serem os aliciadores dos índios para suas missões de doutrinação religiosa.

Nóbrega assinala que para Pernambuco não era necessário mandar mulheres nem meninos, por haver muitas filhas de homens brancos e de índias da terra, “as quais todas agora casarão, com a ajuda do Senhor” (carta de 1551 in Nóbrega 1955:102). Eram as mamelucas, ingressando na história do Brasil, como suas mães

primárias. Já não sendo índias, procuravam espaço para ser alguma categoria de gente digna. A única que se lhes abria era de fiéis contritas dos santos católicos, seguidoras entusiastas dos cultos. Essa foi a única conversão que os padres alcançaram. Elas foram, de fato, as implantadoras do catolicismo popular santeiro no Brasil, como se documenta, pelo texto de Nóbrega que se segue:

As índias forras, que há muito que andam com os cristãos em

pecado, trabalhamos por remediar por não se irem ao sertão já que são cristãs, e lhes ordenamos uma casa à custa dos que as tinham para nela as recolher e dali casarão com alguns homens

trabalhadores pouco a pouco. Todas andam com grande fervor e querem emendar-se de seus pecados e se confessam já as mais entendidas e sabem-se mui bem acusar. Com se ganharem estas se ganha muito, porque são mais de quarenta só nesta povoação, afora muitas outras que estão pelas outras povoações, e acarretam outras do sertão assim já cristãs como ainda gentias. Algumas destas mais antigas pregam às outras. Temos feito uma delas meirinha, a qual é tão diligente em chamar à doutrina, que é para louvar a N. Senhor (carta “Aos padres e irmãos de Coimbra, Pernambuco”, 13 de setembro de 1551 in Nóbrega 1955:92-3).

O osso mais duro de roer para o novo governador, e

principalmente para os jesuítas, foi o enfrentamento com a França Antártica, implantada quase simultaneamente na baía da Guanabara, com base nos numerosos núcleos de franco-mamelucos que lá viviam. Vieram com Villegaignon uma dezena de calvinistas e uma massa maior de gente que ele descreve como rústica, sem honra nem civilidade,

composta de marinheiros e línguas normandos e bretões.

Somariam seiscentos os que vieram com o próprio

Villegaignon, militares e artesãos principalmente. Com Léry vieram trezentos mais, inclusive cinco jovens noivas, que depois de muita disputa se casaram ali.

No fracasso da França Antártica representou papel

relevante o ardor religioso de Villegaignon, metade monge, metade soldado. Estalaram logo os conflitos entre

huguenotes, calvinistas e católicos, e dilaceraram a

comunidade nascente. A situação se agravou com a revolta dos índios que se negavam a aceitar o novo papel que lhe atribuíam na colonização do Brasil.

A convivência cordial e igualitária do cunhadismo ia dando lugar à disciplina de uma comunidade pia, num clima insuportável de tensão. Os pastores, querendo acalmar os fervores mais eróticos que religiosos de seus fiéis, enforcaram uns quantos deles, castigando também as índias com que transavam.

Nessa situação crítica é que os franceses tiveram que fazer frente ao ataque das forças índias dos jesuítas, que nisso puseram todo o ardor. Eles, que haviam sido criados como soldados da anti-Reforma, deparavam aqui na terra nova com a Reforma, pretendendo criar sua própria utopia com a indiada nativa.

Uma verdadeira revolução econômica se dá é com o salto da múltipla roça indígena, que se cultivava, misturando dezenas de plantas, para a fazenda de monótonos canaviais açucareiros. Era o passo da fartura-fome para quem

lavrava, porque iam deixando de cultivar o que se comia e usava, para produzir mercadoria.

Por longo tempo foi fácil aliciar índios para esses imensos esforços, tal era a atração das ferramentas e bugigangas.

Com os anos, surgiram dificuldades, porque os índios

queriam melhor retribuição por seus serviços, seja porque os paus-de-tinta ficavam cada vez mais escassos e

longínquos; seja porque as roças que abriam para os brancos em troca do escambo tinham que ser cada vez maiores, dado o aumento crescente do número deles; seja porque os índios estavam saciados dos artigos que os

brancos lhes davam. Nessa altura, a escravidão começou a impor-se, como forma de conscrição da mão de obra.

Os registros mostram que, efetivamente, começa a

crescer o número de escravos índios trabalhando para os donatários. Em São Vicente, havia perto de 3 mil escravos índios trabalhando em seis engenhos de açúcar. Aumentam, também, os enfrentamentos de índios vizinhos para o

resgate como escravos e cresce, a partir daí, cada vez mais, o número de bandeiras de enfrentamentos para buscá-los cada vez mais longe.

Quando da chegada de Mem de Sá como governador, a situação era crítica na Bahia, assolada pela epidemia e pela fome (1563-4). Os índios, rebelados contra os colonos, se negavam a plantar, acossados em terras mais para o

interior. Era ainda mais grave a situação da Guanabara, onde se consolidava a ocupação francesa, fortemente apoiada pelos índios.

Mem de Sá, aconselhado pelos jesuítas, apela

simultaneamente para as guerras mais cruéis contra os índios vizinhos e para a paz do vencedor, que foi sua entrega aos missionários. Cerca de 34 mil índios são

agrupados em onze paróquias, sob a direção dos jesuítas, dando nascimento às missões, ou reduções, e povoações organizadas como vilas, com pelourinho.

Ali, toda a vida indígena é regulada para grupos por sexo ou por idade, que tinham tarefas prescritas a cumprir,

desde a madrugada até o anoitecer, em horários

assinalados por sinos: hora de trabalhar na roça, na caça, na pesca, na fiação, na tecelagem etc. Hora de ler, hora de rezar, hora de fornicar, porque a população diminuía

visivelmente. Para atender ao reclame de braço dos

colonos, o governador proclamou estado de guerra contra os Caeté. Desencadeou-se o dissídio, porque os colonos, em lugar de atacar aqueles índios nas suas aldeias longínquas, foram caçar os já pacificados, que viviam dentro das

missões jesuíticas. Essas se despovoaram rapidamente.

Missões com cerca de 12 mil almas viram-se, em pouco tempo, reduzidas a mil. Nessa situação desesperadora é que ocorrem as epidemias de varíola, de 1562 a 1563, que não atingem os portugueses, mas em três meses matam mais de 30 mil índios e negros. Surge uma nova epidemia na qual morreu mais de um quarto da população indígena sobrevivente. As aldeias, cheias de mortos insepultos, de gente faminta e desesperada, foram abandonadas por muitos índios, que se entregavam aos brancos como escravos, em troca de um punhado de farinha.

Por todo o sertão, o desespero grassa também, seja

porque as epidemias os atingiram, seja porque os colonos assaltam suas aldeias. Salvos ou induzidos, com toda forma de truques, a ir para a Bahia, onde os escravizam. Dados de Anchieta, em sua “Informação dos primeiros aldeamentos”, registram que a população indígena dos arredores da

Bahia, avaliada em 80 mil pessoas, se viu reduzida a menos de 10 mil. Às epidemias de varíola, se somou a de febres malignas, completando a destruição.

Antonio Blasquez assim a descreve:

Neste tempo não se viam entre eles nem ouviam os bailes e

regozijos acostumados, tudo era choro e tristeza, vendo-se uns sem pais, outros sem filhos, e muitas viúvas sem maridos, de maneira que, quem os via neste seu desamparo, recordando-se do tempo passado, e quão muitos eram então e quão poucos agora, e como d’antes tinham o que comer e ao presente morriam de fome, e como antes viviam com liberdade e se viam, além de sua miséria, a cada passo assaltados e cativos à força pelos cristãos; considerada e rumiada esta súbita mudança, não podiam deixar de lastimar-se e chorar muitas lágrimas de compaixão (Carta de 1564 in Blasquez 1931:405).

Ao tempo de Mem de Sá foi que mais se assanharam as três pragas do homem branco, representadas pelas pestes, pela guerra e pela escravização, que se abateram mortais sobre os Tupinambá. Ao final, vencidos, seus

remanescentes foram compelidos até a pagar tributos na reconstrução de fortalezas ou de engenhos.

Um novo inimigo surge aí: os Aimoré e outros Tapuia que, até então contidos pelos Tupinambá, começam a atacar os colonos, despovoando áreas antes prósperas, como Ilhéus.

Vencidos os índios, consolidam-se, daí por diante, a Bahia e suas projeções no Espírito Santo, em São Vicente e

Piratininga e suas extensões para o sul. Também em

Pernambuco que, depois de liquidar a resistência dos Caeté e aliados, dos franceses na Paraíba e no Ceará, se imporia adentro, no Maranhão. Só aí, e com índios daqui para lá transladados, fugidos dos brancos, é que os jesuítas iriam encontrar mais índios para catequizar. Também eles, em toda a costa atlântica, estavam vencidos como alternativa para a colonização do Brasil.

Em 1570, a dominação portuguesa estava assentada, solidamente, em oito implantações, com cerca de 4 mil vizinhos (oito a doze pessoas cada), que correspondiam a uma população de 30 ou 40 mil habitantes. E aqueles eram

na maioria mamelucos, porque todos os portugueses que se encontravam no Brasil não somam uma quarta parte.

Destacam-se, nesse conjunto, quatro implantações: Bahia, Pernambuco, Espírito Santo e São Paulo com a

prosperidade crescente. Três outras começaram a decair e iriam desaparecer completamente: Itamaracá, que chegou a ter prosperidade, foi abandonada pelos portugueses em razão dos ataques de índios aliados dos franceses. O

mesmo sucedeu a Ilhéus e a Porto Seguro, que chegaram a ter, cada uma delas, mais de duzentos vizinhos, mas

também sucumbiram acossadas pelos Aimoré.

Acossada pelos mesmos índios, Espírito Santo conseguiu sobreviver, mesmo porque, implantada numa ilha, não teve que destruir seus índios vizinhos, contou indiretamente com eles.

A capitania de São Paulo, composta por três vilas à beira- mar, São Vicente, Santos e Iperoig e, uma serra acima, pela então Piratininga, representava um implante medíocre. Os engenhos de açúcar não prosperaram nem surgiram outras lavouras. Mesmo a produção de pau-brasil foi sempre

medíocre comparada com a de outras províncias. As missões jesuíticas também ali se desenvolveram pouco,

reunindo apenas um bloco de índios. Forte em São Paulo foi a associação dos mamelucos com índios livres e escravos.

Vivendo todos, conjuntamente, uma mesma forma de vida, acabam se expandindo na tarefa de capturar índios para o uso ou para venda.

O Rio de Janeiro português, fundado depois da expulsão dos franceses, 1565, vive em paz com os índios Tupinambá, seus aliados, porque contavam com quantidade de escravos

entre os Tamoio vencidos. Os jesuítas tinham, fora da cidade, duas missões com cerca de 3 mil índios.

A Bahia era o maior núcleo português. Conseguia manter ao redor da cidade, sob o controle dos jesuítas, diversas comunidades indígenas que ajudavam na defesa da cidade e a proviam de braços e de mantimentos. Havia trinta e tantos engenhos, movidos por 3 ou 4 mil escravos negros e 8 mil índios. Nessa proporção, o componente negro-

africano iria aumentar cada vez mais.

O mesmo havia sucedido com Pernambuco, que tinha mais de mil vizinhos concentrados nas ilhas de Olinda e Igaraçu e comunidades vizinhas. Contava já com dois engenhos altamente produtivos, movidos principalmente por mão de obra africana. Sua população original havia sido

praticamente exterminada pelas guerras, pela fome, pelas pestes e, também, pelas secas. Eram tão poucos que os jesuítas não puderam criar ali nenhuma missão. Os dois portos da baía de Pernambuco começavam a ser as bocas de entrada da mão de obra que iria, daí em diante, edificar quanto se edificou, produzir quanto se produziu no Brasil, que eram os negros africanos.

Os jesuítas, sob forte disciplina inaciana, conseguiam

alcançar certa prosperidade, de tipo diferente da do colono, porque voltada fundamentalmente para prover aos próprios índios, assegurando amplitude e alguma suntuosidade nas suas edificações. Cada missão tinha, também, homens e armas para acudir ao governador sempre que solicitados, e foram muitas vezes contra outros índios, assim como contra negros escravos alçados. Disso proviam alimentos,

mantimentos. As cidades, mediante um sistema complexo

de escambo de mão de obra, tanto para as vilas como para os engenhos, através de negociações cada vez mais difíceis, foram fazendo com que os colonos desistissem dessa fonte de trabalho. A maioria dos índios desapareceu, uma parcela maior do que quantos foram incorporados nos

estabelecimentos portugueses, porque havia bem perto o mato para reorganizar sua vida sertão adentro.

Simultaneamente, ia surgir no Nordeste açucareiro uma nova formação de brasileiros. Compostos originalmente de mamelucos ou brasilíndios, gerados pela mestiçagem de europeus com índios, logo se desdobrou pela presença precoce e cada vez mais maciça de escravos africanos.

Inclusive umas contadas mulheres que passaram a gerar mulatos e mulatas que já nasciam protobrasileiros por carência, uma vez que não eram assimiláveis aos índios, aos europeus e aos africanos e aos seus mestiços.

Em razão dessa presença negra e mulata, e sobretudo pelo reconhecimento posteriormente alcançado, aquela matriz logo se singularizou profundamente. Surge, assim, a área cultural crioula, centrada na casa-grande e na senzala, com sua família patriarcal envolvente e uma vasta multidão de serviçais. Estes, muito semelhantes aos brasilíndios de São Paulo, se diferenciavam também pela especialização subalterna como gente de serviço, provedores de gêneros e pescadores.

Uma fração dessa matriz, assumindo a função de

criadores de gado, também se diferencia, afeiçoando-se às lides pastoris. Diferencia-se, ainda, porque entra em

contato sucessivamente com vários povos tapuias de

cultura especializada à aridez das caatingas, com as quais

se cruza profundamente, o que dá lugar a um fenótipo novo, o cabeça-chata nordestino.

No plano linguístico, o tupi-guarani, como língua-geral, permaneceu sendo por séculos a fala dos brasilíndios paulistas. E no Nordeste açucareiro foi prontamente suplantado pelo português. Isso porque sua população

principal de escravos e mestiços, sendo compelida a adotar a fala do capataz para se comunicar com os outros

escravos, realizou o papel de consolidar a língua

portuguesa no Brasil. Mais tarde, a escravaria maciça, conduzida para a região mineira no centro do país, cumpriria a mesma função de introdutora da língua

portuguesa. A primeira onda de povoamento, constituída por paulistas, deu a quase todas as águas, serras e

acidentes assinaláveis nomes em tupi, língua jamais falada pelos índios nativos da região. O brasilíndio do Nordeste seco, que foi quem ocupou as maiores áreas do Brasil, tangendo gado, não adotou nenhuma língua das regiões que habitou, mas foi outro difusor da língua portuguesa, porque seguramente já saíram do litoral lusitanizados.

Desse modo é que, ao longo de décadas e séculos, vão surgindo modos brasileiros tão diferenciados uns dos outros, por suas singularidades, como homogeneizados

pelo muito mais que têm em comum. Tais são, por exemplo, o baiano da Bahia gorda; o pernambucano do massapê; o são-franciscano da Bahia do bode; o sertanejo nordestino.

Outras variantes iriam surgir nas mesmas linhas, entre elas o caboclo amazonense adaptado à vida nas florestas e aos aguais, que foi quem mais guardou a herança indígena original. Onde suas comunidades originais se mantêm vivas