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O espaço social das mulheres e a referência para o cuidado na prática da amamentação.

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Academic year: 2017

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O ESPAÇO SOCI AL DAS MULHERES E A REFERÊNCI A PARA

O CUI DADO NA PRÁTI CA DA AMAMENTAÇÃO

Ana Már cia Spanó Nak ano1 Már cia Cr ist ina Guer r eir o dos Reis2 Mar ia José Bist afa Per eir a3 Fláv ia Azev edo Gom es3

Est e est u do t ev e com o obj et iv o iden t if icar os agen t es ou in st it u ições t om adas por r ef er ên cia pelas nut r izes, na pr át ica da am am ent ação. Realizou- se pesquisa qualit at iva, cuj os suj eit os for am 20 puér per as que pr ocur ar am , por r azões alheias à am am ent ação, as 5 Unidades Básicas de Saúde, selecionadas nest e est udo. Os dados foram colet ados por ent revist a do t ipo sem i- est rut urada realizada no dom icílio e a análise foi baseada n a t écn ica de an álise de con t eú do- m odalidade t em át ica. I den t ificou - se qu e o pr ofission al de saú de assu m e p a p e l n o r m a t i za d o r d a a m a m e n t a çã o , r e sp a l d a n d o - se e m co n h e ci m e n t o s ci e n t íf i co s. No co t i d i a n o d a am am ent ação, a fam ília ocupa o pr im eir o lugar de r efer ência par a as m ulher es, t r ansm it indo cr enças, hábit os e condut as. Acr edit a- se na v alor ização do cont ex t o fam iliar pelo pr ofissional de saúde, desenv olv endo ações e int er ação nas quest ões da am am ent ação, const it uindo- se as bases de um nov o m odelo de assist ência em am am ent ação, que consider e as div er sidades dessa pr át ica, adequando as ações à plur alidade de ser m ãe/ n u t r iz/ esposa/ t r abalh ador a n o con t ex t o social.

DESCRI TORES: aleit am ent o m at er no; saúde da m ulher ; enfer m agem m at er no- infant il

W OMEN’S SOCI AL SPACE AND THE REFERENCE FOR BREASTFEEDI NG PRACTI CE

This st udy aim ed t o ident ify agent s or inst it ut ions t aken as reference by wom en when breast feeding. A qualit at ive st udy was carried out on 20 prim iparous who were assist ed, for reasons not relat ed t o breast feeding, in t he five healt h services select ed by t his st udy. Dat a were collect ed by sem i- st ruct ured int erviews carried out in t he part icipant s’ households and were analyzed by cont ent analysis in t he t hem at ic m ode. We ident ified t hat h ealt h p r of ession als p lay a st an d ar d ize r ole of b r east f eed in g b ased on scien t if ic k n ow led g e. I n t h e d aily br east feeding r out ine, t he fam ily is t he fir st r efer ence for w om en, t r ansm it t ing beliefs, habit s and behav ior s. We believe in t he valorizat ion of t he fam ily cont ext by t he healt h professional, in which act ions and int eract ions in t h e b r east f eed in g issu e ar e d ev elop ed in or d er t o con st it u t e t h e f ou n d at ion s f or a n ew car e m od el in br east feeding. This m odel should, t her efor e, consider t he pr act ice div er sit y , adapt ing act ions t o t he m ult iple r oles of being m ot her / for t r ess/ w ife/ w or k er in t he social cont ex t .

DESCRI PTORS: br east feeding; w om en’s healt h; m at er nal- child nur sing

EL ESPACI O SOCI AL DE MUJERES Y SU REFERENCI A PARA

EL CUI DADO EN LA PRÁCTI CA DE LA LACTANCI A

Est e est udio t uv o com o obj et iv o ident ificar los agent es o inst it uciones consider adas com o r efer encia por las m adr es lact ant es en la pr áct ica de am am at ación. I nv est igación cualit at iv a con 20 puér per as quienes bu scar on por r azon es aj en as a la lact an cia u n a de las 5 u n idades básicas de salu d seleccion adas en est e est udio. Los dat os fuer on r ecolect ados a t r av és de ent r ev ist as sem i- est r uct ur adas r ealizadas en su dom icilio; su análisis se apoy ó en el análisis de cont enido, m odalidad t em át ica. Fue ident ificado que el pr ofesional de salud asum e un r ol nor m at iv o en est e pr oceso, apoy ándose en conocim ient os cient íficos. Dent r o del pr oceso d e am am an t ar , la f am ilia ocu p a el p r im er lu g ar d e r ef er en cia p ar a las m u j er es, t r an sm it ien d o cr een cias, hábit os y conduct as. Se cree que la valorización del cont ext o fam iliar por el profesional de salud, al desarrollar acciones e int er acciones dur ant e la lact ancia, se const it uy en en bases par a un nuev o m odelo de at ención en lact ancia, que considere las diversidades de est a práct ica, adecuándolas a la pluralidad de ser m adre/ lact ant e/ esposa/ t r abaj ador a dent r o de su cont ex t o social.

DESCRI PTORES: lact ancia m at er na; salud de la m uj er ; enfer m er ía m at er no- infant il

1 Enferm eira, Livre- Docente, e- m ail: nakano@eerp.usp.br; 2 Enferm eira, Coordenadora do Program a de Aleitam ento Materno da Secretaria Municipal de

Saúde de Ribeirão Preto, Pós- Graduanda; 3 Enferm eira, Professor Doutor, e- m ail: zezebis@eerp.usp.br; flagom es@eerp.usp.br. Escola de Enferm agem de

(2)

I NTRODUÇÃO

A

pesar dos avanços conseguidos na adesão das m ulheres à prát ica da am am ent ação nos últ im os anos, o desm am e precoce ainda é um a preocupação, ocupando espaço nas agendas públicas no que diz respeit o às polít icas de aleit am ent o m at erno( 1).

As ações de incent iv o, pr ot eção e apoio à a m a m e n t a çã o se su st e n t a m e m r a zã o d o reconhecim ent o do aleit am ent o m at erno com o fat or im por t ant e na m anut enção e desenv olv im ent o das est rut uras econôm icas de um país e por int erferir na sobrevivência da criança. O desm am e precoce coloca em risco a saúde da criança, aum ent ando os índices d e m o r b i m o r t a l i d a d e i n f a n t i l . Um a d a s ca u sa s ap on t ad as p ar a o d esm am e p r ecoce é a f alt a d e conhecim ento que a m ãe tem a respeito da qualidade de seu leit e, t ant o par a sanar a fom e, com o par a conduzir ao adequado desenvolvim ent o do seu filho. O con h ecim en t o da m u lh er é f at or im por t an t e n o processo de m udança do com portam ento, entretanto, esse por si só, não garant e m udança de at it ude. As i n f o r m a çõ e s e a s p r á t i ca s i n a d e q u a d a s d o s profissionais de saúde tam bém têm influência negativa n o est abelecim en t o e m an u t en ção do aleit am en t o m at erno. Dent re elas est á a falt a de habilidade para dar supor t e às m ães que am am ent am e o m anej o clín ico in adequ ado do aleit am en t o m at er n o. Ou t r o obst áculo diz r espeit o às pr át icas hospit alar es que são paut adas em nor m as e r ot inas que at r asam a prim eira m am ada, separam m ãe e filho, est abelecem horários para am am entação e, freqüentem ente, fazem indicação desnecessária de leit e não hum ano, bicos e chupet as( 2).

Na vivência cot idiana da am am ent ação pelas m ulheres, o reducionism o biológico se faz present e, deix ando de lado out r as dim ensões dessa pr át ica, com o as d e b ase p sicológ ica, social e cu lt u r al. A p r át ica d a am am en t ação su r p r een d e as m u lh er es quando se atém ao reducionism o biológico, esperando ser um processo fácil, natural, instintivo e na realidade v iv en ciam u m p r ocesso com p licad o q u e d em an d a aprendizado, sentindo- se inapropriadas para a função de nutriz( 3).

O t em p o d e p er m an ên cia d o b in ôm io n as unidades de puerpério nem sem pre é suficient e para que as m ulheres recebam orient ações necessárias e se si n t a m a p t a s e se g u r a s p a r a o m a n e j o d a am am entação no dom icílio. Ao que se pode identificar n a lit er at u r a cien t íf ica, os p r ob lem as n a lact ação

t endem a sur gir nas pr im eir as sem anas pós- par t o, m om ento em que as m ulheres estão fora do am biente h osp it alar, em seu s lar es. Mu it as v ezes elas n ão dispõem do suport e social necessário para m inim izar ou resolver seus problem as, o que tende a com plicar o quadro de int ercorrências, const it uindo- se em fat or de desm am e pr ecoce.

A falta ou insuficiência de suporte do contexto r elacional fam iliar, dos pr ofissionais de saúde e da co m u n i d a d e à m u l h e r n a a m a m e n t a çã o t e m contribuído para que as m ulheres percam a confiança em sua capacidade de am am ent ar plenam ent e( 2). A

condição das m ulheres para am am entação apresenta-se lon g e d e apresenta-ser t an g en ciad a p elas p olít icas p r ol am am ent ação. As ações em pr eendidas ainda est ão ce n t r a d a s e m h a b i l i d a d e s t é cn i ca s d e e n f o q u e biológico e fr agm ent adas, na cont r am ão do que se e sp e r a d e u m n o v o p a r a d i g m a d e sa ú d e , q u e con t em p l e a i n t eg r al i d ad e d o su j ei t o( 4 ). So b r e a

perspectiva de assistência por profissionais de saúde, pode- se ident ificar que esses, em bor a r econheçam elem ent os de ordem social e em ocional, no processo de am am entar, na prática esse parece ser um cam po ainda não dom inado pelo profissional.

Pode- se considerar que sendo o aleit am ent o m a t e r n o u m p r o ce sso so ci o cu l t u r a l , q u e t e m h ist or icid ad e, a ex p licação lin ear d os f at os e d as causas que det erm inam o aleit am ent o m at erno não cabe com o interpretação. Sob a am plitude desse novo o l h a r é q u e é b a se a d a a p r o p o st a , a q u i , d e co m p r e e n d e r a s v i v ê n ci a s d a s m u l h e r e s n a am am en t ação.

No contexto dos serviços de saúde, o pronto atendim ento é o m odelo predom inante de assistência e as ações são desencadeadas pela queixa de ordem biológica, im possibilit ando ao pr ofissional de saúde apr een der o qu e est á além dos sin ais e sin t om as apr esen t ados.

Se de um lado há o pr ofissional de saúde q u e se v olt a ao cor p o com o m er o d ep osit ár io d e processos biológicos indicadores de saúde e doença, por out ro, há m ulheres que t endem a int erpret ar as se n sa çõ e s co r p o r a i s d e a co r d o co m có d i g o s específicos de seu m eio, nem sem pr e congr uent es com os dos profissionais de saúde.

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quest iona- se qual o lugar ocupado pelo profissional de saúde com o elem ento de referência de assistência/ a j u d a , n a s q u e st õ e s d a a m a m e n t a çã o p a r a a s m u lh er es.

Bu sco u - se n esse est u d o , co m p r een d er a vivência de am am entação em um grupo de m ulheres, usuárias do serviço de saúde do m unicípio de Ribeirão Pret o, SP, no sent ido de ident ificar as propriedades atuantes dos agentes e instituições na construção dos significados da am am ent ação para as m ulheres. Esse o b j e t i v o é p a r t e d e u m a p e sq u i sa m a i o r so b r e d if icu ld ad es d as m u lh er es f r en t e ao aleit am en t o m at erno( 5).

Acr e d i t a - se q u e a co m p r e e n sã o d e ssa s qu est ões possibilit ar á v islu m br ar est r at égias m ais ef et iv as à assist ên cia of er ecid a às m u lh er es, n a m ed i d a em q u e se a p r een d a a s r ep r esen t a çõ es a t r i b u íd a s p o r e l a s à s su a s v i v ê n ci a s co m a am am entação, o que perm itirá desm istificar o discurso t écnico a fim de adequá- lo à realidade apresent ada.

OBJETI VO

I dentificar os agentes ou instituições tom adas por r efer ên cia pelas n u t r izes, n o cu idado fr en t e à sit uação de dificuldades na am am ent ação.

METODOLOGI A

A com pr eensão e a análise das r efer ências p ar a o cu i d ad o , co n si d er ad as p el as n u t r i zes em sit u ação d e d if icu ld ad es n a am am en t ação, f or am fundam entadas na abordagem qualitativa, que se volta par a os significados e a int encionalidade das ações nos cont ext os das est rut uras sociais( 6).

O t r abalh o de cam po foi desen v olv ido em cinco Unidades Básicas da Saúde da Secr et ar ia de Saúde do m unicípio de Ribeir ão Pr et o, SP. Das 35 unidades básicas exist ent es, na época da colet a dos dados, selecion ou - se par a est a pesqu isa, as cin co u n i d a d e s d e sa ú d e q u e o b t i v e r a m , se g u n d o o s r e su l t a d o s d e p e sq u i sa e p i d e m i o l ó g i ca so b r e alim entação no prim eiro ano de vida, no Município de Ribeirão Pret o, nos anos 1999 e 2003, o m aior e o m en o r v a l o r r ef er en t e a o i n d i ca d o r Al ei t a m en t o Mat erno Exclusivo ( AME)( 7).

O recort e em pírico do est udo foi const it uído de 20 puérperas que procuraram as unidades básicas

d e saú d e, sel eci o n ad as p ar a est a p esq u i sa, p o r r azões alh eias à am am en t ação, in d ep en d en t e d e est arem am am ent ando. As puérperas foram incluídas com base nos seguint es crit érios: serem prim íparas, visando m aior hom ogeneização ent re os suj eit os do est udo; que se encont r av am no per íodo pós- par t o inferior a um m ês, em razão de ser esse um período r e co n h e ci d o co m o d e m a i o r i n ci d ê n ci a d e int ercorrências no processo de lact ação. Não fizeram p a r t e d a a m o st r a m u l h e r e s q u e t i v e r a m f i l h o s p r e m a t u r o s, co m m a l f o r m a çã o o u q u a l q u e r int ercorrência que dificult asse a am am ent ação.

O contato com os suj eitos da pesquisa ocorreu nas unidades básicas de saúde, local onde era feito o agendam ent o da dat a e local das ent revist as. Todas as en t r ev ist as f or am r ealizad as n o d om icílio d as m ulher es e t iv er am dur ação m édia de um a hor a e m e i a . Ut i l i zo u se d a e n t r e v i st a d o t i p o se m i -est r u t u r ada, qu e in clu ía con t eú dos r ef er en t es aos d ad os d e id en t if icação; ao p r ocesso r ep r od u t iv o, part icularm ent e sobre am am ent ação com o descrição de ex per iências; pr ocedim ent os; hábit os e r ot inas; co n h e ci m e n t o s; p e r ce p çõ e s e v a l o r e s f r e n t e à s dificuldades e inform ações sobre a unidade fam iliar/ co n t ex t o r el a ci o n a l . To d a s a s en t r ev i st a s f o r a m g r a v a d a s, a p ó s co n se n t i m e n t o i n f o r m a d o e esclar ecido das depoent es.

O cor pu s de análise foi com post o por dados

das ent r evist as e obser vações descr it as nos diár ios de cam po. No t rat am ent o dos dados, foi ut ilizada a análise de conteúdo tem ática( 8), que consiste em “ ( ...)

descobr ir os ‘n ú cleos de sen t ido’ qu e com põem a co m u n i cação e cu j a p r esen ça, o u f r eq ü ên ci a d e aparição pode significar algum a coisa para o obj etivo analít ico escolhido”( 6). Nesse procedim ent o analít ico,

o “ núcleo de sent ido” é vist o com o um a unidade de significação no conj unto de um a com unicação( 6). Neste

estudo, os núcleos de sentido foram entendidos com o idéias- eixo em t orno das quais giram out ras idéias. Mediante a análise tem ática, tam bém se pode cam inhar na direção da “ descobert a do que est á por t rás dos cont eúdos m anifest os, indo além das aparências do que est á sendo com unicado”( 9).

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Nesse sent ido, a pesquisa buscou t rabalhar com d u as cat eg or ias t em át icas: “ as sit u ações d e dificuldade na am am ent ação” e “ os agent es at uant es no cuidado”. As discussões das cat egorias t em át icas depr eendidas est ão fundam ent adas nas concepções de corpo e m at ernidade.

Em n o ssa so ci e d a d e , a m a t e r n i d a d e é so ci a l m e n t e v a l o r i za d a e i n st i t u íd a co m o r esponsabilidade/ dev er da m ulher pelo cuidado do f i l h o , o q u e e st á e m p a r t e f u n d a m e n t a d a n a ca p a ci d a d e q u e e l a t e m d e e n g r a v i d a r, p a r i r e am am ent ar, e em const r uções sociais de ser em as m ulheres m ais t ernas, carinhosas e habilidosas para cuidar da prole. A apropriação social do corpo fem inino para o exercício da m at ernidade, especificam ent e da am am ent ação, é est rat egicam ent e im port ant e de ser analisado com o cat egoria própria. As represent ações do corpo e da saúde estão diretam ente vinculadas às dif er en t es f or m as de per ceber, r epr esen t ar e agir sobre o m undo social que os indivíduos com partilham com o seu grupo social( 10).

A pesquisa teve aprovação do Com itê de Ética da Escola de Enferm agem de Ribeirão Preto- USP. Com o ob j et iv o d e g ar an t ir o an on im at o d os su j eit os pesquisados, nos fragm ent os das ent revist as, serão ut ilizados nom es fict ícios.

RESULTADOS E DI SCUSSÃO

Ribeirão Pret o possui est rut ura im par para a assist ên cia n as qu est ões do aleit am en t o m at er n o. Desde 1988, a Secr et ar ia Municipal de Saúde, por m eio do Program a de Aleit am ent o Mat erno, invest e no t r einam ent o de pessoal par a dar assist ência na a m a m e n t a çã o , e m p a r ce r i a co m o Nú cl e o d e Aleit am ent o Mat er no da Escola de Enfer m agem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - NALMA-EERP/ USP. Além desses serviços básicos de saúde, o m u n i cíp i o d i sp õ e d o Ban co d e Lei t e Hu m an o d o Hospit al das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Pret o da USP, que é referência est adual em Bancos de Leite Hum ano para o interior do Estado de São Paulo. At ualm ent e o m unicípio cont a com t r ês Hospit ais Am igos da Criança.

O g r u p o d e est u d o f oi con st it u íd o p or 2 0 puérperas de baixa renda, m oradoras em bairros da periferia. Dessas, treze eram adolescentes com idade entre 15 e 19 anos, e sete estavam em idade adulta que variou de 20 a 26 anos. A conclusão dos estudos

de ensino m édio foi obser v ada em apenas seis do total das m ulheres desta pesquisa; dez interrom peram os est udos, sendo seis no prim eiro grau e quat ro no seg u n d o g r au . No m om en t o d a p esq u isa, q u at r o m u lh er es est av am cu r san d o o seg u n d o g r au , em r eg i m e d e l i cen ça co n ced i d o p el a esco l a . Ci n co m u lh er es d o g r u p o er am casad as, oit o em u n ião con sen su al e set e solt eir as. Qu an t o à ocu p ação, ap en as d u as est av am en g aj ad as n o m er cad o d e t rabalho form al, as dem ais est avam desem pregadas com planos fut uros de inserção, na dependência das im posições da m at er nidade e do supor t e que t er ão do seu m eio relacional.

No co n j u n t o d a s f a l a s d a s p u é r p e r a s ent revist adas, ident ificou- se dois núcleos t em át icos: “ as sit uações de dificuldade na am am ent ação” e “ os agent es at uant es no cuidado”, os quais se m ost ram a r t i cu l a d o s, ca r a ct e r i za n d o a p r á t i ca d a a m a m e n t a çã o d e u m g r u p o d e m u l h e r e s n o s diferent es espaços sociais ( inst it ucional e fam iliar) .

A m u l h e r i n i ci a su a e x p e r i ê n ci a d e a m a m e n t a çã o co m b a se n o s l i m i t e s t é cn i co s e norm at ivos que conform am as ações de incent ivo ao a l e i t a m e n t o m a t e r n o . O p r o f i ssi o n a l d e sa ú d e , aut or idade no saber cient ífico, assum e o papel de n o r m a t i za d o r e r e g u l a d o r d a p r á t i ca d a a m a m en t a çã o , r esp a l d a n d o - se em u m co r p o d e conhecim ent o cent r ado nos benefícios nut r icionais, im unológicos, em ocionais e fisiológicos da saúde da cr ian ça.

Na sala de parto eu am am entei ele, a enferm eira segurou

ele, colocou ele no seio ( Selm a, 19a, 1° GC, solt eira) .

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No cam po da ação do pr ofissional, esse se apresent a condicionado e condicionant e de seu papel n o i n ce n t i v o a o a l e i t a m e n t o , co m o e d u ca d o r e prom ot or dessa prát ica, caract erizando- se pela ação disciplinar da am am ent ação( 4).

Ut ilizando- se da r acionalidade cient ífica, os p r of ission ais d e saú d e, com o ag en t es, assu m em posição estratégica no espaço social da instituição de saúde. O aspect o at ivo de seus discursos cient íficos so b r e a m a m e n t a çã o p o d e se r i d e n t i f i ca d o n o significado que as m ulheres dest e est udo at ribuíram à am am ent ação: “ dar o m elhor para o bebê”, t endo p or b ase a ex p er iên cia social, ap r op r ian d o- se d o d i scu r so m é d i co e r e i n t e r p r e t a n d o - o , co m o se depr eende no depoim ent o abaixo.

O leit e m at erno é o m elhor alim ent o para a criança para

ela desenvolver, t em t udo, t em água, t em vit am ina, t em o açúcar,

é a t em perat ura norm al pra a criança e não precisa est ar ali

esquent ando o leit e ou fazer m am adeira. O leit e m at erno t em t udo

isso. Previne várias doenças, um a alergia, a gent e t am bém é

prevenida com o câncer que dá na m am a, e out ras coisas, ent ão o

leit e m at erno é m uit o im port ant e para o crescim ent o com o pra

um a alim ent ação boa ( Lucila, 20a, 2° GC, união consensual) .

É no espaço inst it ucional de saúde que se busca est abelecer o padrão de aleit am ent o para m ãe e filho, num j ogo de perm issões e rest rições.

A pediat ra falou que não precisa acordar ele...o sono

sust ent a( ...) quando acorda vai t irar o at raso ( ...) . No hospit al

falaram que o cert o do m enino m am ar é de um a em um a hora

( Tais, 16a, 1° GI , união consensual) .

As pr opr iedades at uant es dos pr ofissionais de saúde m ost ram - se present es na m edida em que sã o t i d a s e m co n si d e r a çã o co m o p r i n cíp i o d e const r ução do espaço social( 1 1) - am am ent ação no

cont ext o da inst it uição de saúde. Tais pr opr iedades se constituem em um conj unto de relações de forças ob j et iv as im p ost as a t od os os q u e en t r am n esse cam po, sendo irredut íveis às int enções dos agent es in div idu ais, ou m esm o às in t er ações dir et as en t r e agent es( 11).

Apreende- se que, por vezes, os profissionais d e saú d e t r an sm it em in f or m ações con t r ad it ór ias, deixando as m ulheres inseguras e preocupadas ant e a su a p r á t i ca d e a m a m e n t a çã o . No co n t e x t o inst it ucional hospit alar, onde a am am ent ação é um a n o r m a a se r cu m p r i d a p o r t o d a s a s m u l h e r e s int er nadas, o fat o de “ o bebê não quer er pegar o peit o” ganha a m agnit ude de problem a.

Enferm eira m e aj udava, ela falava que t inha que pegar

bem assim no seio, nas aréolas...Ele t em que pegar ela int eira...eu

fazia, só que não sei se fazia direit o, ele não est ava conseguindo

pegar ( ...) . Ela falava que t inha que cont inuar t ent ando, forçar ele

pegar ( Sônia , 26a, 1° GC, união consensual) .

Os profissionais de saúde assum em a postura de supervisores da prát ica de aleit am ent o, prest ando or ien t ações, cu id ad os t écn icos e u t ilizan d o- se d e racionalizações cient íficas para j ust ificar a sit uação-p r o b l e m a ; e n t r e t a n t o , n e m se m uação-p r e e ssa s se su st en t am n a p r át ica p or en v olv er em d im en sões psicossociais que o m anej o clínico da am am ent ação não cont em pla. Out ro aspect o a ser considerado é a falt a de form ação do profissional de saúde para lidar com a diversidade apresent ada, pois as prát icas de saú d e en v olv em u m con j u n t o d e p r oced im en t os, n or m as e r ot in as, r est an d o p ou co esp aço p ar a a e x p r e ssã o d a d i f e r e n ça . No p r o ce sso i n t e r a t i v o pr ofissional e m ulher, as ações educat ivas buscam t r an sm it ir in f or m ações f u n dam en t adas n o m odelo b i o m é d i co , r e st r i t a s a o d e se n v o l v i m e n t o d e habilidades cognit ivas.

A polít ica at ual de am am ent ação, at ravés da I HAC, instituiu que a am am entação é prática que tende a ser obrigat ória, devendo ser adot ada com o norm a nos hospit ais. Dent r e as ações r ecom endadas, est á aquela que indica a alt a hospit alar som ent e quando tal prática m ostrar- se efetiva aos olhos do profissional de saúde. Nest e est udo, a adesão a t ais norm as foi revelada na fala de Suzana.

No hospit al falaram pra m im t er paciência, que ela é

novinha ( ...) sem pre passa um a enferm eira pergunt ando se ela

não t inha pegado o peit o( ...) ela m e ensinou( ..) , falou que depois

eu ia gost ar de dar de m am ar, im agina! Mas é verdade, agora eu

gost o ( ...) . Se ela não m am asse, eu não podia ir em bora...eu fiquei

com m edo dela ficar lá ( ...) . O nenê não t em hora para m am ar, se

ele est iver dorm indo bast ant e eu t enho que oferecer ( Suzana,

15a, 2° GI ,solt eira) .

Na i n st i t u i çã o d e sa ú d e , o p o d e r d o p r of ission al m ost r a- se ob j et iv ad o n as su as ações j unto às m ulheres na am am entação. Entretanto, esse se apresent a de form a t em poral, lim it ado ao período de int ernação, que é efet ivam ent e curt o para que se g a r a n t a a a d e sã o d a s m u l h e r e s à s n o r m a s estabelecidas para am am entação. Tais aspectos levam a r e p e n sa r a p r á t i ca a ssi st e n ci a l , e m q u e o s pr ofissionais de saúde, inv est idos da t écnica e do saber cient ífico, at uam sem considerar os elem ent os co n t e x t u a i s d a v i v ê n ci a d a s m u l h e r e s e m am am en t ação.

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em outro cam po, extram uros da instituição de saúde, o n d e se o p e r a m o u t r o s p o d e r e s. As d i f e r e n t e s espécies de poder ou de capit al estão na dependência da posição que o agente ocupa nos diferentes cam pos. En t r e a s e s p é c i e s d e c a p i t a l , e st ã o i n cl u íd o s o e co n ô m i co , o cu l t u r a l , o so ci a l , o si m b ó l i co , ger alm en t e ch am ado de pr est ígio, r epu t ação e/ ou fam a( 11).

No cam p o social d as v iv ên cias cot id ian as d essas m u lh er es n a am am en t ação, a p osição d o profissional de saúde/ inst it uição de saúde apresent a-se hierarquicam ent e a-secundária nas decisões e ações diant e de dificuldades com a prát ica de am am ent ar.

Par a além do que se consider a apr opr iado em term os de estrutura do serviço para o atendim ento nas questões da am am entação, as m ulheres do estudo par ece se or ient ar em , num pr im eir o m om ent o, por out ros valores present es no cont ext o fam iliar. Out ro a sp e ct o a se r co n si d e r a d o é q u e a b u sca p e l a assist ência no serviço de saúde guarda relação com o que elas per cebem por pat ológico, r em ont ando a um a necessár ia alusão à or igem da pr át ica clínica, que passa a se concent rar no est udo do corpo com o espaço de doença, t ornando- se um t ext o passível de diferent es leit uras acerca dos sinais e sint om as que nele se m anifest am .

Na am am ent ação, sensações cor por ais são ex per en ciadas pelas m u lh er es n as in t er cor r ên cias m a m á r i a s, f a ze n d o - a s t e r v i sã o d i f e r e n t e d a int er pr et ação clínica dos pr ofissionais de saúde. Na prát ica clínica, o t raum a m am ilar e o ingurgit am ent o m am ário são considerados int ercorrências m am árias d a l a ct a çã o ( p r o b l e m a s) , r e q u e r e n d o m e d i d a s pr ev ent iv as e de t r at am ent o. Par a os especialist as d a á r e a d a sa ú d e , o co r p o é o d e p o si t á r i o d e processos biológicos indicadores de saúde ou doença. As se n sa çõ e s co r p o r a i s e x p e r i m e n t a d a s p e l o s indiv íduos ( sint om as) e as m anifest ações obj et iv as que fazem parte do aspecto visível da doença ( sinais) const it uem elem ent os do sist em a de r epr esent ação que fundam ent am a const rução de um diagnóst ico e a dedução de um prognóstico à situação apresentada. A i n t e r p r e t a çã o , e n t r e t a n t o , n ã o se f a z apen as com base n as sen sações f isiológicas, m as t am bém na const r ução social. I sso significa que a p e r ce p çã o d a s se n sa çõ e s, co m o a l t e r a çã o o u n o r m a l i d a d e , f a z p a r t e d e u m a e st r u t u r a d e significados socialm ent e com par t ilhados.

A c u l t u r a l i z a ç ã o d a s m a n i f e s t a ç õ e s n o cor po, par t icular m ent e, as de ocor r ência no cor po

m at er no guar da r elação com a abnegação da m ãe para com o filho( 12).

Com eçou a doer eu fiquei m eio assim ... depois você se

acost um a, sabe! ( Taís, 16a, 1° GI , união consensual) .

A con st r u ção cu lt u r al d e q u e a m u lh er é r e si st e n t e à d o r p o d e se r u m co m p l i ca d o r n a co n cep ção t écn i ca e i n st r u m en t al d a sem i o l o g i a m édica, pois retarda a detecção precoce dos traum as m am ilares, agravando- os. Tant o a percepção da dor com o a procura de recursos m édicos para seu alívio est ão diret am ent e relacionadas com a represent ação de corpo( 13), o que possibilita com preender porquê as

m u l h e r e s d e st e e st u d o t e n d e r a m a n ã o b u sca r a ssi st ê n ci a p r e co ce d i a n t e d o s si n a i s d e int ercorrências m am árias, j á que é nat ural e próprio da condição de m ãe suportar tudo em razão do bem -estar do filho. Assim , a intensidade da dor é suportada p ela m u lh er em r azão d a su a con d ição p r óp r ia e nat ural de ser fem inina( 14).

D i v e r g ê n ci a s d e i n t e r p r e t a çõ e s e n t r e o p r of ission al d e saú d e e a m u lh er, sob r e o q u e é norm al, m ost ram - se evidenciadas nas m anifest ações do próprio corpo, de ingurgitam ento m am ário - “ peito e m p e d r a d o ”. Na se m i o l o g i a cl ín i ca , a s a çõ e s p r e v e n t i v a s e d e t r a t a m e n t o p a r a o “ p e i t o em pedrado” paut am - se no cont role da produção de l ei t e, o q u e p a r ece est a r d i sso n a n t e f r en t e a o s elem ent os da cult ur a apr esent ados pelas m ulher es dest e est udo. Par a elas, a boa pr odução de leit e é co n d i çã o d e u m co r p o sa u d á v e l e f u n ci o n a l , desarticulando a noção de peito cheio com o indicativo de desequilíbrio e anorm alidade na produção de leite, conform e o depoim ent o abaixo.

Est á ficando duro por causa do leit e, eu est ou t endo

bast ant e leit e graças a Deus... ( Marisa, 20a, 2° Grau em curso,

união consensual) .

I sso possibilit a com preender porque m edidas preventivas e curativas de retirada do leite acum ulado, prescritas pelos profissionais de saúde, não encontram a adesão esperada ent re as m ulheres, de um m odo ger al.

(7)

É n a v i d a co t i d i a n a q u e o s i n d i v íd u o s adquir em t odas as h abilidades im pr escin dív eis ( ...) p a r a se u a m a d u r e ci m e n t o , n a m e d i d a e m q u e

a s s i m i l a m a m a n i p u l a ç ã o d a s c o i s a s ( a p r e n d e am am en t ar ) e est ab elecem u m a m e d i a çã o e n t r e cost u m es, n or m as e a ét ica d e ou t r as in t eg r ações

m aior es. No conj unt o dessas m ediações, int egr am -se o grupo fam iliar e relacional e o de profissionais d e sa ú d e , a m p l i a n d o - se p a r a o s a m b i e n t e s d a sociedade em geral( 15).

É no espaço social fam iliar que as m ulheres procuram acolhim ent o e aj uda para organização das t a r e f a s d o m é st i ca s e m a t e r n a s, a j u d a q u e , t r adicionalm ent e, adv ém do pr ópr io gêner o: m ães, sogr as, ir m ãs, cunhadas e am igas. Com o se pode observar na fala abaixo.

O nenê com eça a chorar, você fica sem saber o que

fazer...m inha sogra cuida e dá orient ação...ela t em prát ica ( ...) ela

passou segurança, eu passei a dar valor à m inha sogra...eu vi o

quant o ela m e faz falt a ( Maria, 19a, 2° GI , casada) .

O reconhecim ent o do valor social da prát ica dos cuidados prest ados pelas m ulheres fundam ent a-se no prest ígio da experiência int eriorizada e vivida no seu pr ópr io cor po( 16). Ent r et ant o, essa condição

não est á disponív el a t odas as m ulher es do gr upo, com o se ident ificou no caso de Josiana. A ausência da fam ília t em reflexos m ais profundos sobre ela, do que propriam ente não ter com quem socializar tarefas, por que incide na falt a de um alicer ce segur o par a ancorá- la no seu papel de m ãe, esposa e dona- de-ca sa , f a t o q u e e l a e x p r e ssa so b a f o r m a d e ressentim ento de não ter alguém de sua fam ília para con v er sar.

At r a v é s d a s f a l a s, i d e n t i f i co u - se q u e a produção láct ea foi aspect o bast ant e valorizado pela m ulher, no seu cont ex t o fam iliar, sendo v ist o, por v ezes, com o pr oblem a.

Minha irm ã falava que o leit e est á sendo pouco pra ele

( ...) , ele est ava chorando dem ais, chorando de fom e ( ..) não vaza

( ..) falou para procurar a M. do posto ( ...) . Minha m ãe, m inha sogra

falou: vai dar chá! ( ...) . Eu não queria dar a chuquinha de chá ( ...) ,

t inha m edo que ele pegava a chuquinha e não pegava o peit o ( ...) ,

acabei de dar chá para ele, arrot ou e dorm iu. Pra m im foi bom

porque eu estava cansada ( Janete, 18a, 2° Grau em curso, solteira) .

Ap e sa r d e i n f o r m a d a s so b r e co n d u t a s r e co m e n d a d a s n a a m a m e n t a çã o e d a s co n t r a -i n d -i caçõ es, as m u l h er es ag em d e aco r d o co m a sit uação v iv ida, adot ando as pr át icas de seu gr upo cult ural. Nesse sent ido, o chá é cult uralm ent e aceit o com o rem édio para alívio dos desconfort os habit uais

dos pr im eir os m eses de v ida da cr ian ça, com o as cól i cas ab d om i n ai s. Usad o com o est r at ég i a p ar a acalm ar a criança, ganha espaço frent e à realidade apr esent ada às m ulher es e, à m edida que m ost r a result ados sat isfat órios, firm a- se com o prát ica.

Dent re as prát icas e saberes populares que possibilit am m ant er a produção de leit e, as m ulheres d o est u d o r econ h ecer am com o essen cial p ar a si, com o n u t r izes, a b oa alim en t ação e o est ad o d e t r anqüilidade.

Minha vizinha fala que eu t enho que com er bem para

dar leit e pro nenê...não dá vont ade de com er ( ...) só falt a m eu leit e

secar ( ...) . Eu não est ou com endo direit o não ( ...) , se m eu leit e

secar fica ruim para ele ( Josiana, 18a, 1° GI , união consensual) .

Cu lt u r alm en t e p r eg a- se q u e a in g est a d e cert os alim ent os aum ent am a produção de leit e. No entanto, estudo realizado no Pará m ostrou a condição de alim ent ação m at erna e o cansaço decorrent e de algum as at iv idades desem penhadas por elas com o fat or es que det er m inam a decisão de adot ar em ou não o leit e m at erno com o alim ent o para seus filhos, no prim eiro ano de vida( 17).

No m ei o r el aci o n al f am i l i ar, as m u l h er es envolvem - se num j ogo de const ant es invest idas, de cobranças e de avaliações de seu com port am ent o e at it udes frent e ao desem penho na função de nut riz.

Minha m ãe fala pra m im t er calm a e fazer as coisas

direit o que não ia doer. Foi quando eu com ecei a t om ar sol, fazer

m assagem no bico do seio ( ...) ( Selm a, 19a, 2° GC, solt eira) .

Nesse j og o d e r el ações, “a s e sp é ci e s d e capit al” se fazem valer na const rução dos elem ent os constitutivos da prática da am am entação, a depender d e q u an t o às p essoas são si g n i f i cat i v as a essas m u lh er es n o cam p o social, o q u al é “ u m esp aço m ult idim ensional de posições”( 11).

Historicam ente, as m ulheres têm ocupado um lugar de destaque no ciclo reprodutivo e o prestígio a elas atribuído é resultante das experiências acum uladas de ou t r as v iv ên cias m at er n as. At r av és das ações, i n t er a çõ es e i n t er p r et a çõ es, o s a g en t es d ei x a m evidenciar seu caráter solidário às m ulheres, ao m esm o tem po em que retransm item e reafirm am a existência de preceitos éticos e m orais relacionados ao “ser um a boa m ãe”( 12). As relações hierárquicas conform am - se

(8)

Ele ( bebê) gost a m ais do colo da m inha m ãe do que do

m eu ( ...) . Quando m inha m ãe est á em casa, ela quer ficar com ele

( ...) , eu fico pert o para aprender com o ela faz, t udo... ( Selm a, 19a,

2° GC, solt eira) .

O prest ígio da avó result a da habilidade em lidar com pequenas sit uações iner ent es ao cuidado m a t e r n o q u e , p a r a e ssa s m u l h e r e s, co n st i t u e m m om en t os de in t en sa an siedade, por se sen t ir em inábeis par a execut á- las.

O dom ést ico e o m at er no são socialm ent e est r an h os aos h om en s/ com p an h eir os; en t r et an t o, e sse s co m o a g e n t e s, f i ca m “ a ca n t o n a d o s n u m a posição”, deixando evidenciar as suas “ propriedades at uant es”( 11).

Ele ( pai da criança) fica nervoso porque ele acha que eu

não quero dar de m am ar ( ...) , ele acha que eu t enho m edo do peit o

cair...eu fico quiet a, fico um pouco t rist e t am bém dele falar assim ,

de eu não t er vont ade de dar ( ...) ( Rosim eire, 18a, 1° GI , solt eira) .

A participação m asculina se esboça de form a própria, e em suas ações est á im plícit o o papel que integra a referência do sistem a de gênero, autoridade m oral e provedor da fam ília.

Ele ( m arido) se preocupa com o que ela ( bebê) est á, se

ela est á m am ando, se est á falt ando com plem ent o ( ...) . Pergunt ou

se ela não est ava ficando com fom e...eu não t inha prest ado nem

at enção ainda ( ...) fica preocupado porque falei que o bico est ava

m achucado, ele viu ( ...) ele se preocupa com a nenê, m as com igo

t am bém ( Aline, 22a, 2° GC, casada) .

Alguns com panheiros das m ulheres do nosso est udo ex er cit am um est ilo m ais flex ív el e afet iv o, na m edida em que se propõem a socializar as tarefas de cuidado e vigilância do filho. Esse é um im portante pont o de part ida para a m archa de um processo de revisão ou de at ualização do m odelo de pat ernidade.

Na hora que ele ( com panheiro) est á em casa...porque

ele t rabalha m uit o...ele procura olhar o nenê pra m im , ele procura

est ar em cim a na hora do arrot o, quando à noit e eu dou de m am ar,

que às vezes eu est ou m uit o cansada ( Tais, 16a, 1° GI , união

consensual) .

Foi n o con t ex t o f am iliar q u e as m u lh er es est udadas buscar am , pr im ar iam ent e, aj uda par a o reconhecim ent o do que consideravam problem a, ant e as int er cor r ências m am ár ias apr esent adas.

Com ent ei com m inha cunhada, ela falou que est ava

t endo m uit o leit e, m as não est ava em pedrando. Fui fazer o t est e

do pezinho, a m oça conversou com igo e falou que o leit e est ava

em pedrado, que se não t irasse ia em pedrar, ficar dolorido ( ...) ,

que poderia doar ( ...) ( Silvia, 23a, 2° GC, casada) .

A esse respeito, a fam ília é sede prim eira da a ssi st ê n ci a à sa ú d e e m q u a l q u e r so ci e d a d e e ,

t r adicionalm ent e, são as m ulher es que pr est am os cuidados( 18). Na ident ificação da pr át ica de cuidado

com a m u lh er, desde os t em pos m ais r em ot os da h ist ór ia da h u m an idade n a sociedade ociden t al, o p ap el d a “ m u lh er q u e aj u d a” é est ab elecid o p ela herança cult ural( 16).

Sobr e o con h ecim en t o fam iliar do cu idado f r en t e às sit u ações de “ peit o em pedr ado” e “ bico m achucado”, tal com o para o processo saúde/ doença, obser v a- se qu e esse é r esu lt an t e de u m a pr át ica e x p e r e n ci a d a , n a q u a l se a sso ci a m r e ce i t a s d e co m a d r e s, r e m é d i o s ca se i r o s, o r i e n t a çõ e s e / o u a co n se l h a m e n t o s d e v i zi n h o s, d i a g n ó st i co s e m e d i ca m e n t o s d o s p r o f i ssi o n a i s d a m e d i ci n a acadêm ica( 19). Acr escent a- se que o fat o de se usar

de procedim ent os im próprios agrava o quadro clínico da m ulher.

Me falaram ( am iga da irm ã que t eve nenê há pouco

t em po) para pôr a bom binha pra t irar um pouco de leit e pra parar

de doer ( ...) . Os m édicos falaram que não é bom que racha o peit o

( ...) , m as a dor era t ant a que eu usei, at é o dia seguint e eu não ia

agüent ar ( ...) . Eu t irei m as não passou a dor, porque não consegui

t irar bast ant e. Aí cont inuou em pedrado, at é o dia seguint e ( Janet e,

18a, 2° grau, solt eira) .

No dom ínio do privado, as m ulheres de nosso est udo, em bora se m ost rassem inform adas sobre as cont r a- indicações na ut ilização de cer t os cuidados, na experiência concret a da am am ent ação suas ações são regidas m ais pela em ocionalidade e urgência do que pela racionalidade. Nesse sent ido, pode- se dizer que a consciência de est ar diant e de um problem a e d e e st a r se n t i n d o - se m a l é o r i u n d a d e u m a “ consciência em sit uação”, relacionada com proj et os e cont ext os exist enciais específicos.

A interpretação que fazem do “ bico rachado” e do “ peito em pedrado”, e os cuidados frent e a eles, t ê m u m a d i m e n sã o t e m p o r a l p e l a e x p e r i ê n ci a con cr et a v iv id a e p elo con f r on t o com r ef er ên cias d i v er sas co n st r u íd as n o m ei o r el aci o n al , sen d o , p o r t a n t o , r e co r r e n t e e p r o ce ssu a l , o p o d e se r depr eendido das falas das m ulher es ao at r ibuír em razões com o “ bico rachado” e “ peit o em pedrado”, e m edidas de alívio.

Foi dolorido porque est ava t rincado o seio ( ...) . Quando

eu ia t rabalhar de m anhã, est ava bem frio, pegava aquele vent o, aí

ficou dolor ido assim ... r essecado( ...) . Eu pensava em passar

m ant eiga de cacau, seria bom que iria t irar o ressecado ( ...) , elas

disseram que a pele fica m ais lisa e o nenê não ia conseguir pegar

que era para passar o leit e ( ...) . Passei o leit e e acabou o ressecado

(9)

depois o peit o endurece e se não colocar o m enino pra m am ar,

com eça a endurecer e form ar at é caroços que explodem para fora

( Maria, 19a, 2° GI , casada) .

As m ulheres fizeram associações à ação do clim a f r io, com o cau sad or d o b ico “ r essecad o” e “ t r in cad o”, e ao ar r ot o d a cr ian ça n o seio, com o pr odut or de desequilíbr io int er no no or ganism o. Na reinterpretação do discurso m édico sobre as doenças, as classes populares em geral utilizam categorias que “ cor r espondem a pr opr iedades m ais univ er sais das co i sa s” , u t i l i za n d o - se d a n o çã o e sp a ci a l p a r a descrever o m ovim ent o da doença, seu cam inho no corpo do agent e( 10).

As e x p e r i ê n ci a s, e sco l h a s e i n i ci a t i v a s r efer em - se à for m a com o as pessoas e os gr upos so ci a i s a ssu m em a si t u a çã o o u n el a se si t u a m . I d en t i f i co u - se q u e o co n t ex t o f a m i l i a r co n t r i b u i fundam entalm ente para a configuração de significados e o desenvolvim ento de m odos rotineiros de lidar com a s si t u a çõ e s a p r e se n t a d a s n a p r á t i ca d a am am en t ação, est ab elecen d o e con solid an d o u m padr ão de am am ent ação específico par a cada um a das m ulher es est udadas.

CONSI DERAÇÕES FI NAI S

Reafir m a- se, at r av és dos r esult ados desse est udo, que a or dem de significações cult ur ais que or ien t am as m u lh er es, em t er m os d e r ef er ên cia, o r i e n t a çã o , cu i d a d o e a p o i o n a a m a m e n t a çã o sust ent a- se nas ligações afet ivas e nas relações de p r ox im id ad e. O m eio r elacion al f am iliar ocu p a o prim eiro lugar na referência das m ulheres, sendo a fam ília a t ransm issora de crenças, hábit os, at it udes e condut as.

Dent re os fam iliares, as m ulheres da fam ília ex er cem i n f l u ên ci a d eci si v a n o aco n sel h am en t o , ap oio e cu id ad o à p u ér p er a e r ecém - n ascid o. Os a c h a d o s d e s t a p e s q u i s a c o n f i r m a m o d o m ín i o f e m i n i n o n a e sf e r a d a r e p r o d u çã o , e n t r e t a n t o , a p e sa r d a s d e si g u a l d a d e s d e g ê n e r o q u e a i n d a p o d e m s e r i d e n t i f i c a d a s n a s o c i e d a d e cont em porânea, m udanças vêm ocorrendo e podem ser d ep r een d id as n os ar r an j os f am iliar es em q u e s e i n s e r e m a l g u m a s m u l h e r e s d e s t e e s t u d o . Tam bém a par t icipação m ascu lin a em u m a esf er a em que, t radicionalm ent e, o coloca com o desviant e, p a r e c e c o m e ç a r a r e c e b e r c o n s i d e r a ç ã o d a s m u lh er es.

Na prática da am am entação, o núcleo fam iliar ex er ce funções sociais sust ent adas por r elações de i n t i m i d a d e , a f e t o e so l i d a r i e d a d e . Na d i n â m i ca fam iliar, m obilizam - se as reservas que propiciam às m u lh er es ar t icu lar - se ou desar t icu lar - se f r en t e às vivências cotidianas de am am entação. Essas reservas vão além das físicas, incluindo os recursos psíquicos e sociocult urais dos m em bros da fam ília.

Nest e est udo, ident ificou- se que o cuidado prest ado no cont ext o fam iliar, diant e das dificuldades apresent adas pelas m ulheres na am am ent ação inclui ações r egidas pela em ocion alidade e u r gên cia em d et r i m en t o d a r a ci o n a l i d a d e, m o st r a n d o q u e o s insucessos das ações dos profissionais de saúde não se j ust ificam pela inoperância t écnica no m anej o da am am ent ação, m as sim por esses não considerarem a p l u r a l i d a d e q u e e n v o l v e a a m a m e n t a çã o e o cont ext o de vida dessas m ulheres.

Nesse sent ido, com o profissionais de saúde, deve- se considerar que a assist ência à am am ent ação não pode se pautar som ente no binôm io m ãe e filho, devendo int egrar out ros part icipant es do cuidado em saúde, com o a fam ília. Conhecer a realidade da fam ília r equer buscar infor m ações sobr e a sua hist ór ia de vida, os suportes e os recursos utilizados, bem com o as necessidades e as pot encialidades da fam ília em part ilhar responsabilidades( 20).

(10)

REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS

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