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Professor homem na educação infantil: a construção de uma identidade

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E

CIÊNCIAS HUMANAS

MARIA ARLETE BASTOS PEREIRA

PROFESSOR HOMEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E

CIÊNCIAS HUMANAS

MARIA ARLETE BASTOS PEREIRA

PROFESSOR HOMEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE

Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Ciências – Educação e Saúde na Infância e na Adolescência no Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência.

Orientadora: Profª Drª. Maria Sylvia de Souza Vitalle

Co-Orientador: Prof. Dr. Marcos Cezar de Freitas

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Ficha Catalográfica

Universidade Federal de São Paulo

Biblioteca da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Pereira, Maria Arlete Bastos

Professor Homem na Educação Infantil: A Construção de uma Identidade, Maria Arlete Bastos Pereira – Guarulhos, 2012.

162 p.

Dissertação (Mestrado em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2012.

Orientadora: Profª Drª Maria Sylvia de Souza Vitalle Co-orientador: Prof. Dr. Marcos Cezar de Freitas

Título em inglês: Male teacher in early childhood education: building an identity.

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MARIA ARLETE BASTOS PEREIRA

PROFESSOR HOMEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE

Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Ciências – Educação e Saúde na Infância e na Adolescência no Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência.

Orientadora: Profª Drª. Maria Sylvia de Souza Vitalle

Co-Orientador: Prof. Dr. Marcos Cezar de Freitas.

Aprovado em: 03/ setembro/ 2012.

________________________________________________________

Profª Drª Amélia Maria Jarmendia

________________________________________________________

Profª Drª Teresa Schoen Ferreira.

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela possibilidade desta travessia.

À professora Sylvia Vitalle e ao professor Marcos Cezar.

À professora Márcia Gobbi e ao professor Bretâs, e também às professoras Amélia Jarmendia e Teresa Schoen.

Aos professores e professoras do curso de mestrado.

A todos os funcionários e funcionárias da UNIFESP, em especial a Maria. À minha turma do mestrado.

Aos/As colegas da Secretaria de Educação, em especial, Sandra Sória, Marli Siqueira, e também Luana, Alex, Marli e João Fausto.

Aos gestores e gestoras das escolas da Prefeitura de Guarulhos, em especial, nas que eu estive entrevistando alguns dos professores desta dissertação.

Às minhas amigas do trabalho Cláudia, Nereide, Silvana, Sueli e Bete. À Claudia Sampaio, Maurício, Wilson, Herbert e Rosemary Fey.

A todos os familiares - meus e de meu marido, em especial, Priscila, James e Silmara.

Ao meu pai Albino (in memoriam) e a minha mãe Alice pelo seu amor...sempre.

Aos professores Alexandre, André, Cláudio, Eduardo e Gilberto que deram vida a este estudo.

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Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma de nosso corpo... E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares... É o tempo da travessia... E, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.

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RESUMO

Nesse estudo, a questão central é compreender a construção da identidade do professor-homem na Educação Infantil, ou seja, nesse universo de mulheres, sob a perspectiva da categoria gênero como categoria analítica, no exercício de sua profissão docente em creches e pré-escolas da rede municipal de ensino da cidade de Guarulhos. Ao se analisar o quadro do magistério, nos anos iniciais de escolarização de meninos e meninas, constata-se um número significativamente maior de mulheres em relação ao número de homens, e que não é diferente na rede de ensino do município de Guarulhos, tanto na Educação Infantil (creche e pré-escola), como nas séries iniciais do Ensino Fundamental (ciclo I), sendo que há uma prevalência maior de professor homem no Ensino Fundamental do que na Educação Infantil. A Educação Infantil, embora tenha mais de um século de história, como cuidado e educação extradomiciliar, somente nos últimos anos foi reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever do Estado e como primeira etapa da Educação Básica, daí podermos inferir o número menor de homens neste nível de educação, visto sua concepção estar mais voltada ao cuidar – tendo o corpo de meninos e meninas no centro do debate, do que propriamente a educar, como se fosse possível separar uma da outra, visto que são ações indissociáveis. Entretanto, ao eleger a Educação Infantil como forma de atuação com as crianças, estariam os homens excluídos deste fazer? Para buscar responder a esta questão, tomou-se como referencial teórico os estudos das relações de gênero, entendendo-o como uma construção social que influi na construção de identidades presentes no espaço institucional específico a ser estudado: a escola. Buscou-se através das histórias de vida de cinco professores homens conhecer suas trajetórias como docentes deste tempo de vida.

Na análise das entrevistas constatou-se que a identidade do professor homem está em construção, considerando-se a complexidade das mudanças ocorridas na Educação Infantil que afetam a todos e todas os/as profissionais que trabalham com este nível de ensino e, consequentemente, os professores homens.

Considerando as relações de gênero, como construções sociais para as diferenças sexuais entre homens e mulheres, os resultados demonstram que embora haja mudanças nas subjetividades dos professores homens deste estudo, devido às relações com as crianças e as mulheres profissionais, onde “masculino” e “feminino” se entrecruzam; por outro lado, nestas mesmas interações, fica explícito que não foi possível romper totalmente com a masculinidade hegemônica que ainda permanece e se traduz principalmente nos binarismos – masculino e feminino – presentes e arraigados “neles próprios”, como muitos deles explicitaram ao longo das entrevistas, e que se traduzem nas práticas cotidianas, visto serem culturais e históricas.

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ABSTRACT

In this study, the central debate is to understand the construction of the identity of a male teacher in children education, in this women universe; from the perspective of gender as an analytical category, in the exercise of their profession teaching in municipal nurseries, pre-schools and pre-schools of the city of Guarulhos. When analyzing the context of teaching in the early years of schooling of boys and girls, the number of women are significantly higher than men, and that is no different in the school system in the city of Guarulhos, including nurseries and pre-school, whereas in the early grades of elementary school (first cycle), there is a higher prevalence of teacher man in.

The Early Childhood Education, although it has more than a century of history as an extra care and education, only recently has been recognized as the children rights, families, and the duty of the Government and as the first stage of basic education, then we can infer the smaller number of men at this level of education, since its conception be more focused on care - having the body of boys and girls in the center of the debate, than to educate, as if it were possible to separate from each other, since they are inseparable actions. However, when choosing a Primary school as a way of working with children, men were excluded from this rule? To attempt to answer this question, taken as theoretical studies of gender relations, understanding it as a social behavior that affects the construction of identities present in the specific institutional space to be studied: the school. Was sought through the experience of five men teachers to know their careers as teachers in this lifetime.

On the analysis of the interviews it was found that the identity of the male teacher is under construction, considering the complexity of the changes in Childhood Education that affect everyone and all the professionals who work with this level of education and therefore the male teachers.

Considering gender relations, as social constructions for the sexual differences between men and women, the results show that although there are changes in the subjectivities of male teachers in this study, because of the relationships with children and professional women, where "masculine" and "feminine" intersect, on the other hand, on these same interactions, it is clear that it was not possible to break completely with the hegemonic masculinity that remains and is reflected mainly in binarisms - masculine and feminine - present and entrenched "in themselves" as many of them made explicit during the interviews, and which are reflected in daily practices, since they are cultural and historical.

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Lista de Figuras

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Lista de Tabelas

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Lista de Siglas

ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa ADI – Agente de Desenvolvimento Infantil

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais ANPOLL – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística ANPUH – Associação Nacional de História

CEFAM – Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

DPIE – Departamento de Planejamento e Informática na Educação (SME/Guarulhos) ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

GT – Grupo de Trabalho

LDBN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LBA – Legião Brasileira de Assistência

ONU – Organização das Nações Unidas PMG – Prefeitura Municipal de Guarulhos SAS – Secretaria de Assistência Social

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SCIELO – Scientific Electronic Library Online

SME – Secretaria Municipal de Educação SMG – Secretaria Municipal de Guarulhos

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial TED – Tecnology, Entertainment and Design

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

1 DESCOBERTAS, PERCURSOS E DESAFIOS ... 21

1.1 A Descoberta do Objeto de Estudo ... 21

1.2 Objetivos do Estudo ... 28

1.3 Revisão Bibliográfica ... 30

2 GÊNERO – QUE CONCEITO É ESTE? ... 33

3 EDUCAÇÃO INFANTIL ... 40

3.1 Sentimento de Infância ... 40

3.2 Educação Infantil no Brasil ... 41

4 IDENTIDADES ... 48

4.1 Identidade – A Busca do Conceito ... 48

4.2 Identidade - Feminilidades e Masculinidades ... 56

4.2.1 Magistério: profissão feminina?... 56

4.2.2 Masculinidades – Homens no Plural ... 61

4.3 Identidade Docente ... 67

5 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ... 76

5.1 Histórias de Vida ... 76

5.2 O Lugar do Estudo: A Cidade de Guarulhos ... 79

5.3 Os Sujeitos Pesquisados ... 84

5.4 As Entrevistas ... 88

6 DISCUSSÃO – HISTÓRIAS DE VIDA DOS PROFESSORES HOMENS ... 90

6.1 A travessia do Professor Alexandre ... 91

6.1.1 A docência na Educação Infantil ... 94

6.1.2 Ver-se com os olhos do Outro... 98

6.2 A travessia do Professor André ... 100

6.2.1 A docência na Educação Infantil ... 102

6.2.2 Ver-se com os olhos do Outro... 107

6.3 A travessia do Professor Claudio ... 109

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6.3.2 Ver-se com os olhos do Outro... 116

6.4 A travessia do Professor Eduardo ... 118

6.4.1 A docência na Educação Infantil ... 121

6.4.2 Ver-se com os olhos do Outro... 122

6.5 A travessia do Professor Gilberto ... 128

6.5.1 A docência na Educação Infantil ... 129

6.5.2 Ver-se com os olhos do Outro... 138

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 140

8 CONCLUSÃO ... 147

REFERÊNCIAS ... 148

APÊNDICES ... 156

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INTRODUÇÃO

O importante quando se pensa a diferença é que ela não é o oposto da igualdade e sim à padronização – ela se opõe ao que é uniforme. O que se quer ressaltar é que as diferenças devem ser compreendidas como elementos que formam a produção da multiplicidade. Diferença nada tem a ver com falta ou desigualdade. A produção da diferença é um processo social e, portanto, não se trata de qualquer referência ao natural ou ao biológico. Diferenças afirmam-se na relação com outras, elas são forças. Produzir diferenças não quer dizer, apenas, anular limites e, sim, requer uma reflexão sobre alteridade fora da polarização homem x mulher, branco x não-branco, adulto x criança, urbano x rural. Aliás, as diferenças não pedem respeito ou tolerância, elas são apenas diferenças, são forças constitutivas que circulam, transitam, fazem-se enxergar e encontram se com os jogos de poder. O que se quer, quando falamos que as diferenças não se cansam de se produzir e serem produzidas é problematizar o status de verdade que permeia as relações humanas (JARDIM; ABRAMOWICZ, 2005, p.111)

Fazemos uso destas palavras como epígrafe deste trabalho, pois embora, atualmente, haja uma busca pela valorização das diferenças, através de leis, decretos, a história das relações humanas, desde os seus primórdios, nos conta sobre a difícil arte de lidar com elas e, consequentemente, com os sujeitos que carregam essas diferenças.

As marcas permanentes que atribuímos à escola dizem muito mais respeito às situações, vivências e experiências comuns e importantes que vivemos no seu interior, com colegas, professores/as, equipe escolar do que com os conteúdos curriculares a nós apresentados, e que têm a ver com a construção das identidades sociais, sobretudo nossa identidade de gênero e sexual (LOURO, 2000). Assim sendo, diante da responsabilidade da Educação, e consequentemente dos/as educadores/as que a compõem, nada mais desafiador do que começar nossas reflexões a partir da primeira etapa da educação básica, visto a sua importância na educação de nossas crianças – meninos e meninas.

Outros desafios se impõem ao nos debruçarmos sobre essa etapa da educação e observarmos um número reduzido de professores homens. Mais do que tentar entender porque eles não estão, buscamos compreender como eles chegaram lá. E como é estar lá. Ouvi-los. E buscar saber quais desafios se colocam cotidianamente para eles em suas vivências nesse “universo feminizado” – creches e pré-escolas.

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Assim, [...] se estamos a favor da vida [...] da equidade [...] do direito [...] da convivência com o diferente [...] Não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção [...]” (FREIRE, 2000, p. 67). A deles, de estar na Educação Infantil e a nossa de buscar compreender como se constitui “este estar”, tendo como foco as relações de gênero, na compreensão das relações sociais fundadas na “luta” e na “lida” cotidiana, com as crianças, pela igualdade na diferença.

Deste modo, a questão central deste estudo é compreender como se dá a construção da identidade do professor homem1 na Educação Infantil, nas modalidades creche e pré-escola, ou seja, nesse universo de mulheres, no exercício da profissão docente da rede municipal de ensino da cidade de Guarulhos, sob a perspectiva da categoria gênero como eixo de análise das narrativas de cinco professores homens que participaram desta dissertação.

A Educação Infantil, conforme consta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança, em seus aspectos: físico, psicológico, intelectual e social, numa ação complementar entre família, escola e sociedade. Cuidar e educar são ações integradas e indissociáveis, e fazem parte da especificidade da Educação Infantil, portanto necessitam ser desenvolvidas e articuladas entre escola, família e comunidade, importantes agentes e mediadores dessas ações. Embora tenha mais de um século de história como cuidado e educação extradomiciliar, somente nos últimos anos foi reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever do Estado e como primeira etapa da Educação Básica.

Ao se analisar o quadro do magistério, nos anos iniciais de “escolarização” das crianças, constatamos um número significativamente maior de mulheres em relação ao número de homens, uma vez que cuidado e educação são atribuídos mais especificamente às mulheres, de acordo com um modelo de feminilidade, que considera sua capacidade biológica de reprodução e a relação mãe-mulher. Nas creches e pré-escolas – instituições que acolhem crianças de até cinco anos de idade – o predomínio da presença feminina neste tempo de vida é marcante.

A feminização do magistério (SAPAROLLI, 1997; CARVALHO, 1996, 1998a, 1998b; DEMARTINI e ANTUNES, 2002; VIANNA, 2002; SAYÃO, 2005) é uma realidade, não só no Brasil, mas em outros países da América e Europa, discussão que trataremos no terceiro capítulo desta dissertação, e que não é diferente na rede de ensino do Município de

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Guarulhos/ SP, quer na Educação Infantil (creche e pré-escola), como nas séries iniciais do Ensino Fundamental (ciclos I e II), sendo que há prevalência maior de professor homem no Ensino Fundamental do que na Educação Infantil.

Entretanto, ao eleger a Educação Infantil como forma de relação com as crianças estariam os homens excluídos deste campo de atuação? Deste universo de mulheres? Se considerarmos como são construídas as identidades de gênero, sim, uma vez que são consideradas como características femininas: passividade, fragilidade, sensibilidade, cooperação, meiguice, entre outras. Ao masculino, correspondem atributos como coragem, competitividade, agressividade, espírito empreendedor, força e racionalidade, assim sendo como poderia o homem educar os/as pequeninos/as? Há lugar para os professores homens nesse locus?

Diante disso, podemos afirmar que a educação, apesar das grandes transformações sociais, ainda se mantém resistente às mudanças e distante do resultado da educação que é sempre uma repetição e uma diferença. Isto é, ela “mantém” e “transforma” ao mesmo tempo. Entretanto, observamos que as práticas pedagógicas predominantes na educação ainda são influenciadas por uma mentalidade onde há predomínio do “desenvolvimento maturacionista” – etapas estanques a serem ultrapassadas – no que diz respeito à infância e, como afirma Kramer (2008) “um campo minado de dicotomias”, ou seja, mente/corpo; aprender/brincar; forte/fraco; masculino/feminino; público/privado, natureza/cultura, criança/aluno etc., presentes no cotidiano das escolas.

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Giddens (1993), ao discorrer sobre o surgimento da ideia do amor romântico, a partir do final do século XVIII, que implica em qualidades de caráter e que fazem da pessoa “virtuosa” e “especial”, afirma que este tem de ser compreendido no bojo de um conjunto de influências que afetaram principalmente as mulheres, assim como: a criação do lar, a modificação nas relações entre pais e filhos, a “invenção da maternidade” e, consequentemente, a idealização da mãe. Ideias estas associadas à “subordinação da mulher ao lar e ao seu relativo isolamento do mundo exterior” (GIDDENS, 1993, p. 54), a partir da imagem “esposa e mãe”.

Ainda com relação aos “lugares” do homem e da mulher na sociedade, durante o período colonial (1500 a 1822) no Brasil, a educação formal era destinada exclusivamente ao sexo masculino, não sendo considerada necessária para as mulheres, devido às funções que esta iria desempenhar na sociedade, sendo o casamento a principal delas. Assim sendo, conforme acentua Demartini e Antunes (2002, p. 69), cabia às mulheres “[...] aprender e dedicar-se a tarefas ditas ‘próprias ao seu sexo’: costurar, bordar, lavar, fazer rendas e cuidar das crianças”.

Em 1852, de acordo com os padrões familiares e morais vigentes na época, um relatório do presidente da província de São Paulo, segundo Campos (2002, p. 19), elucida que o destino das mulheres apresentava duas possibilidades: “casamento ou magistério”, sendo este último visto como um prolongamento das atividades do lar. De acordo com essa mentalidade Horace Mann, educador americano do século XIX, tal como os europeus Pestalozzi e Froebbel argumentavam que o ensino era trabalho de mulher, posto que este envolveria uma parte natural da maternidade, estando, portanto, as mulheres “mais aptas” do que os homens para trabalhar em escolas (apud CAMPOS, 2002).

Elisabeth Badinter, ao referir-se à heterogeneidade dos sexos, no século XIX, e aos destinos e direitos diferentes entre homens e mulheres, afirma:

Fortalecida com seu poder de gerar, a mulher reina comosenhora absoluta no lar, orienta a educação dos filhos e encarna sem contestação a lei moral que decide sobre os bons costumes. É do homem o resto do mundo. Incumbido da produção, da criação e da política, a esfera pública é seu elemento natural (BADINTER, 1993, p. 9, grifo nosso).

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fundamentadas em valores socioculturais estabelecidos e que atribuem lugares sociais distintos a homens e mulheres.

Estas afirmações explicitam o quanto o aspecto social exerceu e exerce influência na construção das identidades dos sujeitos masculinos e femininos. Entretanto, embora passados séculos destas afirmações e, dada a devida distância histórica contingente do lugar da mulher na sociedade, podemos afirmar que ao longo do século XX, com certeza a mulher buscou e conseguiu um outro lugar na sociedade – transpondo o espaço privado e conquistando o espaço público, através do acesso à educação formal e ao mercado de trabalho; o direito ao voto; a quebra de tabus sexuais; a participação política, etc.; no entanto, ainda existe um tradicionalismo que busca perpetuar a mulher em determinados papéis, e que não é diferente com os homens, porém de outra ordem, pois supõe a supremacia de um (homem) sobre o outro (mulher).

Para Louro (2000, p. 9): “[...] a inscrição dos gêneros – feminino ou masculino – nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura”. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas, definidas e moldadas pelas redes de poder de uma sociedade, consequentemente são vivenciadas diferentemente, porque homens e mulheres têm papéis diferentes que lhes são atribuídos, e é no campo das relações sociais que se constroem e se reproduzem as desigualdades entre os sujeitos.

Nessa perspectiva, ao discutir o conceito de gênero, não se questiona apenas diferenças sexuais entre homens e mulheres, mas se considera como estas diferenças são constituídas a partir de relações sócio-históricas. Da mesma forma, os estudos de Scott (1995), historiadora norte-americana e estudiosa pioneira das relações de gênero, contribuem para elucidar que, quando se reflete a respeito dos papéis femininos e masculinos na sociedade, não se está colocando em oposição homens e mulheres, porém aprofundando-se a necessidade de desconstruir a supremacia do gênero masculino sobre o feminino, na direção de uma igualdade política e social, que inclui não somente o sexo, mas também a classe social e a raça.

E incluiríamos também geracional, religiosa, uma vez que para explicar a complexa realidade social em que vivemos faz-se necessário acionar outras categorias que tratam da diferença no interior das diferenças.

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em dois momentos: pesquisa bibliográfica sobre os temas que compõem o objeto de estudo e pesquisa de campo.

Posteriormente, no segundo capítulo conceituamos e contextualizamos gênero, a partir das contribuições de alguns/as autores/as que se fizeram presentes, no todo ou em parte, neste estudo.

Em continuidade à organização do texto, optamos por mais quatro capítulos, tendo como eixo as relações de gênero, que perpassam por todos eles. No terceiro capítulo apresentamos a Educação Infantil, a partir do conceito de infância e de um breve resgate histórico desta etapa da Educação Básica no Brasil.

No quarto capítulo conceitua-se “identidades”, tendo como foco a construção da identidade do professor homem na Educação Infantil, considerando o processo de feminização do magistério, como também as noções de “feminilidades” e “masculinidades” entretecidas na vida dos sujeitos, na formação e trabalho docente, visto serem interdependentes e constitutivas das relações sociais.

No quinto capítulo, descrevemos a metodologia de investigação do trabalho de campo: histórias de vida e, na sequência, o lugar do estudo e os sujeitos pesquisados. No sexto capítulo, apresentamos as histórias de vida dos cinco professores homens e as análises e interpretações das suas narrativas.

Nas considerações finais registramos reflexões para algumas questões levantadas nesta dissertação, uma vez que é impossível esgotá-las, pois outras tantas inquietações surgiram no desenvolvimento desta, possibilitando abrir espaço para novas investigações.

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1

DESCOBERTAS, PERCURSOS E DESAFIOS

1.1 A Descoberta do Objeto de Estudo

Pensar no porquê escolhi2 falar do professor homem na Educação Infantil, me remete ao início de trabalho na Prefeitura de Guarulhos/SP, mais especificamente na Secretaria de Educação e Cultura, como era denominada à época.

Quando prestei o concurso, na década de 90, havia sete vagas direcionadas para a área da Saúde, não diferente da minha formação no Curso de Psicologia, que tinha fortemente marcada a Clínica como possibilidade de atuação do/a psicólogo/a, única eu diria, haja vista o número de horas de estudos e estágios nesta área, presente no currículo da faculdade, em detrimento das outras duas, Escolar e Industrial, vistas apenas como adendos de um saber com menos status, visibilidade e reconhecimento, inclusive por parte dos/as próprios/as alunos/as.

Lembro-me de minha surpresa, quando me encaminharam para a Secretaria de Educação e Cultura - Departamento de Educação, Divisão de Assistência ao Ensino, e não para uma Unidade Básica de Saúde (ou melhor, Posto de Saúde como era conhecido anteriormente), tal como parecia estar no edital do concurso.

Nesse tempo, havia três Seções Técnicas nesta Secretaria, uma que comportava a Unidade de Atendimento Psicológico, clínica de atendimento às crianças da rede municipal de educação, encaminhadas pelo trabalho de outra Seção, responsável pela ida de psicólogos/as às escolas, e a terceira Seção que trabalhava com orientação vocacional, voltada ao atendimento da rede estadual, uma vez que nesta época, década de noventa, a rede municipal atendia somente a Educação Infantil – recreação e pré-escola –, portanto crianças de cinco e seis anos.

Inicio meu trabalho na Seção Técnica de Assistência Psicológica e Fonoaudiológica, onde a atuação dos/as psicólogos/as nas escolas estava pautada em orientações ao/a Diretor/a e aos/as Professores/as em relação aos/as educandos/as, e também aos/as responsáveis pelas crianças (pais, mães, avós, dentre outros/as) através de reuniões mensais e, atendimentos individuais, quando necessário, uma vez que o acompanhamento à criança se dava por via indireta.

2 O estudo foi escrito na terceira pessoa do plural, entretanto não seria possível falar da descoberta no plural,

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Depois de um tempo neste trabalho, surge a oportunidade de ir para a Clínica, onde atuei por alguns anos. Devido a uma reestruturação na Secretaria de Educação e Cultura, que inclusive é desmembrada em duas Secretarias, e dos serviços oferecidos aos munícipes, escolho retornar à Seção onde havia iniciado meu trabalho anteriormente e, consequentemente às escolas da rede municipal.

Realizávamos muitos fazeres, entretanto não havia uma política pública de formação aos/as professores/as e que eu achava imprescindível, pois as dificuldades (relacionadas à aprendizagem e ao comportamento, tais como: agressividade, falta de limites, sexualidade, entre outras) que se apresentavam expostas por estes/as, me pareciam por demais semelhantes, e consequentemente “repetitivas”, paralisando-os/as em um discurso queixoso, e sem perspectivas de mudança, visto ficarem presos/as na impossibilidade frente à atuação pedagógica.

No ano de 1999, em um curso de aperfeiçoamento - Psicanálise e Educação -, na Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do certificado deste, realizei um trabalho sobre minha prática enquanto psicóloga escolar da rede municipal de ensino; acerca de meus questionamentos e reflexões, que não poucas vezes, como participante desse cotidiano, observei os/as professores/as solapados/as por demandas outras que não o ato educativo, isto é, na relação com o outro, e que resulta no desdobramento de uma diferença.

Meu olhar se amplia, passo a ver, em meu fazer cotidiano, coisas que não via, passo a buscar “saber”; posto que saber tem a ver com estar em relação com as pessoas, coisas que até então não sabia, pois não tinha olhos para ver. Olhos que veem, mas que precisam refletir sobre o que veem, e a partir daí ouvir, dialogar, pesquisar, repensar e criar novos conhecimentos e saberes.

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Num outro momento, fomos convidadas, enquanto representantes da Secretaria de Educação, eu mais duas colegas de trabalho, a participar de uma palestra na Semana do Mês da Mulher, com a professora Daniela Auad, em um evento da Guarda Municipal.

Novamente fui levada a pensar e refletir, o quão pouco sabia sobre “as mulheres”, suas histórias, suas aventuras e desventuras, no mundo do trabalho, nas relações com os homens e nas desigualdades presentes.

Outras mudanças foram ocorrendo, advindas da implantação desta nova política educacional no município, tais como: ampliação da rede física de ensino, do número de vagas para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental regular e de Educação de Jovens e Adultos; assim como uma proposta curricular que orientava o trabalho de todas estas etapas/modalidades de ensino numa perspectiva de uma Educação Inclusivista, permeando todo o processo, como também a reestruturação de Secretarias e Departamentos. Mudanças que refletiram na configuração do trabalho dos/as psicólogos/as e outros/as profissionais, sendo o foco principal deste a formação de educadores/as da rede municipal, que fazia e faz parte da política de Formação Permanente do Projeto Político Pedagógico da rede de ensino municipal de Guarulhos.

Atuando, portanto, neste universo, observo o número grande de mulheres professoras na rede de ensino, em detrimento ao número de homens, sendo que este número fica mais evidenciado ainda quando olhamos para a Educação Infantil. Recordo-me de ter conversado com um Coordenador Pedagógico de uma escola da Rede e este me disse que antes de assumir a coordenação atuava na Educação Infantil, mas que havia muito preconceito, tanto por parte das professoras quanto dos pais das crianças. Não entrei em maiores detalhes, naquele momento, para tentar entender de que preconceito ele falava, entretanto novo desconforto nasce nesse momento, e lembro-me de Françoise Dolto (apud AUBRY, 1989), pediatra e psicanalista francesa, que disse que as mulheres também abusavam de seus/as filhos/as e não só os homens, mas como elas eram quem mais exerciam a maternagem isso não ficava tão evidenciado.

Giddens corroborando o argumento de Dolto, afirma a respeito do incesto, que este é bem mais comum do que pensamos, referindo-se a uma pesquisa realizada por Finkelhor et.al., em 1983, em que “[...] cerca 5% de todos os filhos de menos de 18 anos em algum momento de sua vida foram sexualmente molestados pelo pai ou pela mãe (incluindo madrastas e padrastos)” (GIDDENS, 1993, p. 120).

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É indubitável a crença disseminada de um homem sexuado, ativo, perverso e que deve ficar distante do corpo das crianças. Em contrapartida, há formas explícitas de conceber as mulheres como assexuadas e puras e, portanto, ideais para este tipo de trabalho (em creches).

Quando não é este tipo de preconceito, de um homem sexuado, ativo e perverso; parece estar fora de lugar: “O que este homem está fazendo aqui?” ou ainda, sua sexualidade é posta em suspeição: “Será que é mesmo um homem?". Uma vez que escolheu uma profissão do gênero feminino.

Outras concepções (SAYÃO, 2005), a partir dos diversos campos de saberes, se fazem presentes na “leitura” da atuação dos professores homens com as crianças pequenas. As concepções que se aproximam do campo da Psicologia, aludem que os professores do sexo masculino compensariam a ausência de modelos masculinos para algumas crianças, principalmente para as meninas que são privadas da figura do pai no seio da família; já para os meninos auxiliaria na autoconfiança; favorecendo assim um desenvolvimento emocional mais saudável para ambos. No campo da Sociologia do Trabalho, algumas pesquisadoras sugerem que um maior número de homens trabalhando na Educação Infantil, elevaria a opção de carreira para eles, e ao mesmo tempo, favoreceria a desconstrução da imagem de que é uma profissão só para mulheres, possibilitando talvez a elevação do salário e o status da carreira.

Assim, contraditoriamente, se de um lado a presença dos professores homens causam receios e dúvidas; de outro é considerada necessária e importante na e para a instituição escolar diante de certas representações simbólicas “positivas” que sustentam sua presença.

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Entendo que a educação tem um papel importante na desconstrução de verdades absolutas, e o/a professor/a ao falar de “outras histórias”, que não uma única, posto que o resultado da educação é sempre uma repetição e uma diferença, dá à criança/ jovem um lugar de sujeito.

Nessa perspectiva, Jardim e Abramovicz (2005, p. 97) afirmam que quando ficamos atentos às relações de gênero que atravessam todo o sistema escolar “[...] é possível criar modos de ser que possam romper com aquilo que é tido como tradicional e, assim, descortinar supostas verdades que foram fabricadas, também como verdades, em torno das diferenças sexuais”.

Contudo, sabemos que as instituições escolares ainda estão muito preocupadas em eliminar possíveis diferenças buscando homogeneizar o alunado.3 E, quando não, estão engajadas em desenvolver determinados tipos de identidades consideradas como as mais adequadas para meninos e meninas.

Retomando a questão do número significativo de mulheres em contraposição ao número de homens, principalmente na Educação Infantil, surgem para mim as questões centrais deste estudo:

Como é à entrada do homem nesse universo eminentemente feminino? Como se dá a construção de sua identidade?

Como se estabelecem às relações de gênero, quer entre ele e as outras educadoras, quer com as crianças?

Após vinte anos de vivência na Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Guarulhos, prioritariamente com professoras, inicialmente da Educação Infantil, e após o ano de 19974, com professoras do Ensino Fundamental, quer no Acompanhamento às Escolas, quer no Programa de Formação Permanente, sendo que até então praticamente inexistia professor homem nesta rede de ensino; e, embora todos esses anos já tenham se passado constato que ainda há um número reduzido de homens na Educação Básica, principalmente na Educação Infantil.

O levantamento realizado em 2011, para realização desta dissertação, revelou que num total de 2.178 professores e professoras, há 39 professores do sexo masculino, atribuídos a classes de creche e pré-escola (rede própria) e lotados em 29 Escolas da Prefeitura de

3 Usamos a palavra alunado para nos referirmos aos alunos/ meninos e as alunas/ meninas conjuntamente. 4 O atendimento à população no Ensino Fundamental tem início com a criação da Escola Municipal “Paulo

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Guarulhos (EPG), num total de 111 escolas, sendo que em algumas destas, há mais de um professor homem em uma mesma escola da Rede.

Diante disso, penso que é importante considerar as determinações e as relações de gênero em meus estudos, no campo específico da educação até porque esse é o lugar de onde falo, não como professora, embora com anos de vivência com esta categoria profissional, mas como psicóloga escolar.

Outras indagações se fazem presentes neste estudo: Quem são esses professores?

Como atuam com este tempo de vida? O que pensam da profissão que exercem?

Como se veem numa profissão considerada feminina?

As práticas escolares dos professores homens presentes neste estudo, sob a perspectiva de gênero, contribuem de que forma no campo da Educação Infantil?

Assim sendo, surge o desejo de compreender como é a construção de identidade deste professor homem e os desdobramentos dessa no cotidiano escolar e nas práticas pedagógicas desenvolvidas com as crianças a partir das relações de gênero.

Posto que, como afirma Carvalho,

Na produção dos estudos educacionais, parecem não se considerar o sexo dos participantes do cotidiano escolar e os significados de gênero que constituem tal cotidiano. O que corresponde a dizer que o conjunto de símbolos e significações masculinos e femininos que perpassam a realidade escolar não é percebido e apreendido pelas pesquisas educacionais (CARVALHO, 1998a, p. 396).

O que dirá pelos professores e professoras: homens e mulheres imersos neste espaço cotidianamente?

Nesta perspectiva, essas questões relativas ao professor homem na Educação Infantil, pelo que sei, é a primeira aproximação a este debate na rede de ensino municipal de Guarulhos, daí penso ser importante considerar as determinações de gênero em meu estudo, dado as suas consequências no cotidiano escolar.

Finco (2010a, p. 122), afirma:

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Contudo, tal como afirma Scott (1995) sobre os papéis femininos e masculinos na sociedade, que estes vão além, pois inclui não somente o sexo, mas também a classe social e a raça, pois dimensionam e estruturam o ambiente sociocultural dos sujeitos. Finco (2010a, p. 121), em conformidade com o mesmo raciocínio e com foco na qualidade da Educação Infantil enfatiza:

O direito a uma Educação Infantil de qualidade inclui a discussão das questões de gênero. As relações das crianças na Educação Infantil apresentam-se como uma das formas de introdução de meninos e meninas na vida social, principalmente porque oferecem a oportunidade de estar em contato com crianças oriundas de classes sociais, religiões, etnias, valores, comportamentos diversos, interagindo e participando nas construções sociais.

Assim sendo, dada a amplitude das relações sociais e a diversidade de temáticas que estão presentes na Educação Infantil, opto, e acredito que empreender este estudo sobre a construção da identidade do professor homem possa contribuir para reflexões críticas sobre as relações de gênero, e que estão presentes nas práticas do cotidiano da escola,

problematizando o exercício da docência, possibilitando repensar as representações do

feminino e masculino no processo de socialização dos/as pequenos/nas, desde a primeira etapa da educação básica – a Educação Infantil –, que tão recentemente ganha um outro status no plano educacional, buscando favorecer a diminuição da desigualdade entre meninos e meninas, desde a tenra idade, neste locus, na direção de uma sociedade não-sexista e da equidade de gênero, por mais pueril que pareça esse intento.

A concepção de gênero proposta por Scott (1995), e que adoto, enfatiza que homem e mulher, masculino e feminino são conceitos com significados múltiplos e diferentes em contextos culturais e históricos específicos, daí a importância de ampliarmos nosso olhar para as continuidades e semelhanças, posto que as diferenças podem ofuscar nosso olhar, na direção da produção de desigualdades entre um e outro.

Compreendo que a constituição dos sujeitos, tanto da identidade individual quanto da coletiva, a linguagem, as interações e mediações sociais, os processos de significação e o jogo simbólico são importantes no discurso dos sujeitos, posto que, aquilo que é dito e o modo como é dito define o lugar de cada um no meio social e não pode ser ignorado nem tratado de modo superficial.

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1.2 Objetivos do Estudo

Há um número reduzido de estudos em nosso meio (CARVALHO, 1996, 1998a, 1998b; ROSEMBERG, 2001; SAYÃO, 2005; FERREIRA, 2008) que tenham como foco o professor homem na Educação Infantil e as relações de gênero, considerando as masculinidades e as feminilidades, até porque a presença destes neste tempo de vida é bem menor, em comparação ao número de mulheres, principalmente nos anos iniciais de escolaridade das crianças. Mas não só por este motivo. Segundo Rosemberg (2001, p. 63-4), os poucos estudos sobre educação e relações de gênero, principalmente considerando a Educação Infantil, se deve ao “adulto-centrismo”, isto é, “mulheres adultas estudam mulheres adultas”.

Sayão (2005) acompanhando produções teóricas nacionais e internacionais, no campo da Educação Infantil, destaca que no Brasil assim como em outros países há uma insuficiência de pesquisas que consideram o gênero como categoria de análise.

Para Carvalho (1998), os estudos de gênero apesar dos esforços sistemáticos de algumas autoras, ainda são escassos no campo educacional; já os estudos sobre homens e masculinidades podem ser considerados uma área emergente e, consequentemente, recentes, inclusive no campo das pesquisas de gênero. Em consonância com esta afirmação vários autores (MEDRADO, 2008; FERREIRA, 2008, dentre outros) destacam que no Brasil, a partir do final da década de 1990, surgem os estudos sobre os homens no magistério, influenciados pelos estudos de gênero que, ao tratar da docência como um campo de atuação das mulheres, passam também a se interessar pelos homens e suas práticas.

Assim, dada a relevância deste estudo e com o intuito de também estudarmos os professores homens na Educação Infantil, suas vivências e experiências neste tempo de vida, apontamos os objetivos desta dissertação.

O Objetivo Geral deste estudo é compreender como é construída ou não a identidade do professor homem no exercício de sua profissão docente, na Educação Infantil, na rede municipal de ensino da cidade de Guarulhos/ SP.

Os Objetivos Específicos são:

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Possibilitar através desse conhecimento, discussões sobre a construção da identidade do professor homem a partir das relações de gênero no contexto escolar.

Desta forma, esperamos que este estudo venha a favorecer discussões e reflexões sobre as relações de gênero nas práticas escolares, com o intuito de promover práticas educativas não discriminatórias desde a primeira infância. E assim, embora possa parecer utópico, “(...) não algo impossível de ser realizado, mas algo ainda não realizado” (RIOS, 1999, p. 74, grifos da autora), contribuir para a problematização das desigualdades de gênero na escola e, consequentemente, na sociedade.

Joan Scott, para além das relações entre homens e mulheres, questiona “[...] Como as instituições sociais têm incorporado o gênero em seus pressupostos e na sua organização?” (SCOTT, 1995, p. 29), uma vez que ele é construído igualmente na economia, na organização política, através dos significados e das relações de poder5 socialmente constituídas.

Sobre este aspecto é interessante pensarmos o que significa ser professor/professora de Educação Infantil em uma dada instituição escolar, visto que esta é uma profissão que como assinala Rosemberg (1999, p. 11) “[...] diferentemente de outras formas de ensino, que eram ocupações masculinas e se feminizaram, as atividades do jardim-de-infância e de assistência social voltadas à infância pobre iniciaram-se já como vocações femininas no século XIX [...]”, portanto já nasceram femininas e, consequentemente, como sinônimo da exploração econômica sofrida por mulheres que trabalhavam como professoras, e também como um campo marcado por estereótipos e discriminações.

Nessa perspectiva, os estudos de gênero nos possibilitam observar para além das diferenças sexuais entre homens e mulheres, como os lugares por eles e elas ocupados são socialmente construídos e hierarquizados. Diante disso, gênero, distinto de sexo – identidade biológica do sujeito – será um conceito fundamental para o entendimento dessas construções nas práticas sociais.

Para tanto, é necessário olhar com olhos interdisciplinares, uma vez que a categoria gênero não se encerra em um único campo de saber, ou como afirma Costa (1996) não tem a ambição de reivindicar um território próprio. Mas sim de atravessar e interrogar todos os

5 Fazemos uso da definição do conceito de poder, de acordo com Corazza, “[...] não como alguma coisa

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campos disciplinares, como um instrumento de crítica, de desconstrução e reconstrução desses campos.

1.3 Revisão Bibliográfica

Os estudos, na sua grande maioria de mulheres, têm em Saparolli (1997) o pioneiro, seguido por outros autores e autoras, tais como: Carvalho (1996, 1998); Bueno, Catani e Sousa (1998); Vianna (2002); Sayão (2005), Ferreira (2008), Lima (2008), que discutem a presença de homens não somente na Educação Infantil, mas também de docentes – homens e mulheres – dos primeiros anos do Ensino Fundamental, com o recorte de gênero, contribuindo com importantes reflexões sobre a docência com crianças, a questão das masculinidades e feminilidades e da identidade docente.

Os estudos destes/as autores/autoras, citados/as acima, corroboram com muitos dos dados da presente dissertação, principalmente no que se refere à atuação do professor homem, nesse tempo de vida, que acontece meio que ao acaso e/ou por falta de opção de outro trabalho.

Cabe ressaltar que iniciamos a busca desta revisão, no Banco de Teses e Dissertações da CAPES a partir do descritor: profissão docente. Foram encontradas 918 teses. Dentre estas, somente três referiam-se ao professor homem na Educação Infantil com o recorte de gênero. Abaixo destacamos alguns aspectos dessas teses e dissertações:

SAYÃO, Deborah Thomé (2005): Relações de gênero e trabalho docente na Educação Infantil: um estudo de professores na creche.

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CARVALHO, Eronilda Maria Góis de (2007): Cuidado, relações de gênero e trabalho docente na Educação Infantil: um estudo de professoras e professores da pré-escola pública.

O estudo aborda relações de gênero e trabalho docente de cinco professoras e dois professores de uma pré-escola pública de Itabuna/ Bahia, com crianças de três anos e meio a cinco anos. Tem como foco o cuidado/educação e a presença marcante do cuidado infantil nos ideais e nas práticas pedagógicas dos sujeitos. Articula as atividades de cuidado com a identidade docente e as dimensões do processo de ensino e aprendizagem. O estudo evidenciou, entre outros aspectos, que o controle dos corpos de professores/as e meninos/as é intenso, revelando modelos pré-determinados do que é esperado para cada um dos gêneros, privando-os/as de outras experiências que lhes possibilitariam ampliar a visão de mundo.

FERREIRA, José Luiz (2008): Homens ensinando crianças: continuidade-descontinuidade das relações de gênero na escola rural.

O estudo teve como temática as relações de gênero e as masculinidades, a partir das experiências de cinco professores homens que ensinam crianças nas escolas rurais do município de Coxixola, no Estado da Paraíba. O autor concluiu, dentre outros aspectos, que em muitas escolas rurais, multisseriadas ou não, a presença do homem na tarefa docente é mais comum do que nos grandes centros urbanos, e há grandes chances de crianças começarem o processo de escolaridade com um professor homem.

Outras buscas foram realizadas com o intuito de conhecer mais estudos:

Na base de dados da SCIELO, em artigos, os seguintes descritores foram usados: professor-homem, educação infantil e docência, depois identidade profissional, gênero e educação infantil, posteriormente relações de gênero, magistério e educação infantil e finalmente, masculino, magistério e educação infantil.

Destacamos que não foi encontrado nenhum artigo.

No sítio eletrônico DOMÍNIO PÚBLICO, com o descritor: educação infantil, no link teses e dissertações foram encontradas um total de 307, selecionadas cinco, entretanto só uma delas trata diretamente do professor homem na Educação Infantil e as questões de gênero:

LIMA, Carmem Lúcia de Sousa (2008). Fazeres de Gênero e Fazeres Pedagógicos: como se entrecruzam na Educação Infantil.

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conclusões que diz respeito à articulação entre os saberes domésticos e de experiência de vida e os saberes docentes, sendo que as turmas de Berçário e Maternal, via de regra, são destinadas às professoras, portanto, mais próximas da “maternagem” das crianças pequenininhas, enquanto aos professores as crianças maiores – de quatro e cinco anos de idade.

Ressaltamos que o estudo de Eliana Saparolli nos foi cedido pessoal e gentilmente por ela própria.

SAPAROLLI, Eliana Campos Leite (1997): Educação Infantil: uma ocupação de gênero feminino.

A autora relaciona gênero e a atividade profissional. Segundo Saparolli, a desigualdade de gênero se manifesta nas atividades ditas “femininas” e “masculinas”. Portanto, a função de “educador infantil” é uma atividade de gênero feminino devido ao cuidado com crianças pequenas. Uma das conclusões que evidencia em seu estudo, é que a falta de formação profissional é que desqualifica e desprestigia a profissão de professor/a de Educação Infantil, independente de quem a realiza, aproximando-a de uma atividade de gênero feminino, ou seja, a maternidade.

As teses selecionadas, considerando-se a base de dados CAPES, SCIELO E DOMÍNIO PÚBLICO, são em sua maioria recentes, em torno de 10 anos, e foi mais um em meio a tantos outros desafios enfrentados ao longo desta dissertação, dado a pouca familiaridade da pesquisadora com a internet e, principalmente, com estes sites de busca, evidenciando, sem dúvida nenhuma, as questões geracionais neste caso.

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2

GÊNERO

QUE CONCEITO É ESTE?

É um conceito atual e para muitos/as de nós ainda estranho, assim optamos em conceituá-lo e contextualizá-lo historicamente através de alguns/mas dos/as principais estudiosos/as desses estudos, possibilitando favorecer uma maior compreensão sobre este conceito. Além do que, como já dito anteriormente gênero, enquanto categoria de análise nos possibilita buscar compreender o trabalho desenvolvido pelos professores homens na Educação Infantil da rede de ensino municipal da cidade de Guarulhos/ SP.

Os Estudos de Gênero que se consolidaram nos últimos 40 anos, na produção acadêmica ocidental, especialmente no campo das Ciências Humanas e Sociais, foram produzidos, na sua maioria, por pesquisadoras mulheres, que discutiam as relações sociais desiguais entre homens e mulheres, com foco na subordinação destas últimas (MEDRADO, 2008).

Nessa perspectiva, as historiadoras Soihet e Pedro (2007, p. 288), afirmam que gênero,

[...] nas ciências sociais, tomou outra conotação, e significa a distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos e a dimensão biológica dos seres humanos. O grande impacto que vem produzindo nas análises sociais funda-se em ter chamado a atenção para o fato de que uma parte da humanidade estava na invisibilidade – as mulheres –, e seu uso assinala que, tanto elas quanto os homens são produto do meio social, e, portanto, sua condição é variável.

Carvalho (2011, p. 99), professora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em seu artigo O conceito de Gênero: uma leitura com base nos trabalhos do GT de Sociologia da Educação da ANPED (1999-2009), acerca do debate teórico sobre o conceito de gênero e dos/as autores/as que mais são utilizados/as nos trabalhos do referido grupo, no subtítulo Gênero: uma história, relata que o termo gênero foi apropriado inicialmente por autores e autoras da língua inglesa, a partir da palavra gender, tal como em português, e era utilizado no âmbito da gramática para designar palavras femininas e masculinas (ou neutras). Faz referência a Donna Haraway (2004), para quem todos os significados modernos de gênero se enraízam na observação de Simone de Beauvoir, escritora francesa e feminista, de que ‘não se nasce mulher, torna-se mulher’6. Este “paradigma de gênero”, de acordo com Haraway (2004), foi consolidado nos anos 1950/ 1960 por meio de

6Frase do livro “O segundo sexo” de Simone de Beauvoir, publicado em 1949, na França. Marco da questão

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uma versão funcionalista e essencializante da percepção de Simone de Beauvoir, utilizada por psicólogos norte-americanos como Money (1974), Ehrhardt (1974) e Stoller (1968), baseado na distinção binária entre natureza (sexo enquanto base natural, biológica, invariável) e cultura (gênero), apropriada inclusive por feministas7 dos anos 1970 e seguintes.

Com relação a essa apropriação Scott (1995), na década de 1980, afirma que o termo “gênero” aparece como uma rejeição ao determinismo biológico implícito em termos como ‘sexo’ ou ‘diferença sexual’, introduzindo uma noção relacional, ou seja, uma organização social da relação entre os sexos, numa crítica explicita a essa visão funcionalista e essencializante, anteriormente utilizada, buscando desnaturalizar o conceito de papéis sexuais.

Retornando ao texto de Carvalho (2011), esta destaca que ao longo dos anos 80, a já citada Scott, e outra estudiosa feminista Nicholson, buscavam compreender o sexo como uma “categoria teórica” determinada pela história e pela cultura, ou seja, “[...] são as formas sociais de compreensão da diferença e da semelhança entre homens e mulheres que determinam as maneiras como o corpo é apreendido, abandonando completamente a ideia de uma base natural fixa sobre a qual agiria a cultura” (CARVALHO, 2011, p. 102).

Ainda Nicholson: “a população humana difere, dentro de si mesma, não só em termos das expectativas sociais sobre como pensamos, sentimos e agimos; há também diferenças nos modos como entendemos o corpo” (2000 apud SOIHET e PEDRO, 2007, p. 294).

Nessa mesma direção, ainda segundo Carvalho (2011), o pensamento da antropologia feminista tem um papel central ao revelar que em diferentes culturas as noções de corpo, identidade, sujeito, maternidade, masculinidade, feminilidade, entre outras podem ser totalmente diferentes da “ocidental”, ou ainda, não existir enquanto noções fixas ou separadas. O mesmo se dá com relação à reflexão sobre as linguagens, onde os discursos, a historicidade dos conceitos e das palavras, denominado “virada linguística”, produz significados e sentidos que podem e devem ser problematizados. Essa “virada” foi possível verificar ao longo dos anos de 1980 e 1900, não só no pensamento feminista, mas também no conjunto das ciências sociais.

No contexto desta “virada linguística”, Carvalho (2011) faz referência ao texto de Scott – Gênero, uma categoria útil de análise histórica, como o mais citado no Brasil, que foi produzido originalmente em artigo em 1986 e, posteriormente, como capítulo no livro Gender

7

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and politics of History, de 1988, traduzido por Louro, em 1990, tendo grande repercussão no campo de estudos de gênero no país, sendo republicado em 1995 no mesmo periódico. Esse texto, ao colocar o gênero como uma categoria de análise, possibilita problematizar não só o que diz respeito às mulheres especificamente, “mas também às esferas econômica e política e as vidas dos homens tanto quanto das mulheres” (CARVALHO, 2011, p. 103), destacando, portanto, a necessidade de estudar igualmente homens e mulheres.

Outra contribuição importante para o entendimento das relações de gênero, citada no estudo de Carvalho (2011) tem em Bourdieu, intelectual francês, uma referência. Em seu livro a Dominação Masculina (1999), o autor “destaca a dimensão simbólica de toda relação de dominação, [...] inscrito no habitus e nos corpos, uma vez que ‘o essencial da dominação masculina’, é a sua dimensão simbólica, o que o remete a uma ideia de ‘habitus sexuado e sexuante’, o qual produz construções socialmente sexuadas do mundo e do próprio corpo”, enfatizando a partir dessa categoria teórica, que “[...] toda percepção do corpo, da diferença sexual e da sexualidade é socialmente construída. [...] O habitus é produto de ‘um formidável trabalho coletivo de socialização’, por meio do qual cada um incorpora posturas, gestos e maneiras sexuadas, assim como a visão dominante e a divisão sexual do mundo, da sociedade e das coisas” (1999 apud CARVALHO, 2011, p. 107).

Para Carvalho (2011), Robert Connell ou atualmente Raewyn Connell8, professora da universidade de Sydney, Austrália, sua principal contribuição teórica são os debates sobre as masculinidades, tendo em seu livro Masculinities (1995) sua obra de maior influência, onde aborda a construção social das masculinidades a partir do desenvolvimento do conceito de “masculinidade hegemônica”, recusando-se a toda definição essencialista do que seja masculinidade, posto que em cada sociedade, época e entre diferentes grupos sociais, há formas, excluindo-se o raciocínio binário, de “ser homem” e “ser mulher”, dada as situações contingentes e históricas. Como descreve Carvalho, Connell (1997)

[...] partindo de uma definição de gênero como ‘uma forma de ordenamento da prática social’ (1997, p. 35, tradução Carvalho), afirma que masculinidades e feminilidades são ‘configurações de práticas de gênero’ (idem), que se transformam ao longo do tempo, seja em razão de mudanças externas (econômicas, tecnológicas etc.), seja em razão da dinâmica mesma dessas relações. Além disso, as configurações de gênero podem ser encontradas tanto na vida individual como em instituições como o Estado, o mercado de trabalho ou a escola. Por isso, o gênero está ‘inevitavelmente envolvido com outras estruturas sociais’ (idem, p. 38, tradução Carvalho), ele interage com outras relações de poder tais como as relações de classe e de raça. ‘Para entender o gênero, devemos então ir constantemente mais além do próprio gênero’ (idem, ibidem) (1997 apud CARVALHO, 2011, p. 113).

8

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Joan Scott (1995, p. 21-23), em seu texto Gênero, uma categoria útil para análise histórica, afirma que sua definição de gênero baseia-se em duas proposições interligadas, mas analiticamente distintas: “(a) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos; e (b) o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”. Além disso, para a autora, há ainda quatro elementos relacionados na construção de gênero e que operam entre si:

1) “[...] Símbolos culturais que evocam representações simbólicas (frequentemente contraditórias)” e que variam em diferentes culturas. Cita como exemplos: Eva e Maria, como símbolo da mulher, na tradição cristã do Ocidente; como também mitos de luz e escuridão, inocência e corrupção, dentre outros;

2) Conceitos normativos que estão presentes nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas, e se configuram em uma oposição binária, que afirma o sentido do masculino e do feminino de forma categórica e a posição dominante como a única possível;

3) Noção de fixidez presente na representação binária dos gêneros, cuja origem precisa ser buscada historicamente, incluindo uma noção política, relativo às instituições e às organizações sociais.

4) Identidade subjetiva, demanda uma interrogação histórica da construção e da atualização concreta das identidades de gênero relacionada com uma série de atividades, organizações sociais e representações culturais.

O argumento de Scott (1995, p. 22) nos possibilita perceber que “[...] o gênero é um campo primeiro no seio do qual ou por meio do qual o poder é articulado [...]”, não é o único, como afirma, mas é um meio persistente e recorrente de tornar eficaz a significação do poder, na medida em que ele se torna um conjunto de referências que organiza simbólica e concretamente a vida social, como pudemos depreender dos elementos citados acima. Ainda segundo a autora: “O gênero é, portanto, um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana” (SCOTT, 1995, p. 23).

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Para Rosemberg (2001, p. 515), o conceito e a teoria de gênero pautam-se numa sociedade estruturada em torno de relações de dominação e que considera “as atividades associadas ao masculino como superiores às atividades associadas ao feminino, independentemente do sexo das pessoas que as executam”. Segundo a autora, é a definição desse conceito que sustenta suas pesquisas sobre a construção social da infância e adolescência, tendo como foco a educação.

Ainda Rosemberg (1999), em seu texto Expansão da Educação Infantil e Processos de Exclusão cita Izquierdo, estudiosa catalã, como representante de uma das correntes feministas contemporâneas, e com quem diz ter afinidades no campo político e teórico, para quem nas relações de gênero há uma concepção hierárquica de dominação do gênero masculino sobre o feminino. Segundo Izquierdo,

As capacidades específicas das fêmeas têm a ver com atividades de gênero consideradas de segunda ordem para o funcionamento e desenvolvimento da sociedade precisamente às relativas à produção da vida humana. As atividades específicas dos machos, relativas à produção e administração das coisas, consideram-se fundamentais, de primeira ordem. A partir dessa valorização distinta do masculino e do feminino constrói-se uma hierarquia dos gêneros. A hierarquia dos gêneros conduz ao estabelecimento de relações de dominação/ subordinação entre o gênero masculino e o feminino, independentemente de qual seja o sexo das pessoas que ocupam os espaços sociais de gênero, nas relações de gênero. A título de exemplo, a prática da enfermagem é uma atividade de gênero feminino e a da medicina de gênero masculino. Do ponto de vista das hierarquias, a medicina ocupa um posto superior da enfermagem inclusive quando é uma mulher quem exerce a medicina e um homem quem exerce a enfermagem, porque, acima de tudo, as relações de gênero são relações de caráter hierárquico. (grifos da autora apud ROSEMBERG, 1999, p. 11).

No Brasil, a questão de gênero para Ferreira e Carvalho (2006):

[...] os estudos sobre mulher, sexualidade e relações sociais de sexo, ganharam impulso na década de 1980, motivados pelo estabelecimento da Década da Mulher (1975-1985) pela ONU. Desde então, a academia brasileira vem participando dos diversos eventos dedicados à mulher patrocinados pela ONU, a exemplo da Conferência de Beijing 3, em 1995, e avançando na produção científica sobre essa temática. Já se evidencia uma crescente produção de trabalhos acadêmicos sobre gênero em revistas especializadas (com destaque para Estudos Feministas), dissertações de mestrado e teses de doutorado, núcleos de estudos em universidades, e grupos de trabalho (GTs) em reuniões científicas, a exemplo das Associações Nacionais de Pós-Graduação (ANPED, ANPOLL, ANPOCS, ANPUH) e da SBPC. Porém, essa produção ainda é concentrada no viés feminino (FERREIRA e CARVALHO, 2006, p. 147).

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este é compreendido e representado no campo social, posto que é nele que se constroem as relações (desiguais) entre os sujeitos.

Nesta perspectiva afirma,

As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora de sua constituição social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação (LOURO, 2003, p. 22).

Para Jardim e Abramovicz (2005), gênero, enquanto categoria surgiu para estudar as relações entre mulheres e homens, e também um instrumento importante na produção do conhecimento da pesquisa na área. “Ela produziu lideranças, conduziu ações e atravessou a classe social, que chegou a ser entendida como uma categoria universal, enquanto que a questão do gênero permanecia no plano da ideologia” (JARDIM e ABRAMOVICZ, 2005, p. 112).

Embora possa haver diferentes perspectivas analíticas, com relação ao conceito de gênero: umas que defendem as igualdades e outras que enfatizam as diferenças, todas apontam para sua base relacional. Cabe ressaltar que a construção do conceito de gênero se configura como uma categoria surgida a partir de um contexto de lutas, tendo as mulheres como protagonistas dessas. A adoção desta categoria possibilita questionar a existência de um modelo hegemônico masculino, branco, heterossexual, adulto, cristão, como base na organização social.

Ao discutirmos o conceito de gênero, se faz necessário explicitar que entendemos gênero de acordo com Scott (1995) como uma categoria de análise que permite mapear tanto a história das mulheres como dos homens, assim como explicar as relações, desiguais e hierárquicas, entre homens e mulheres, mulheres e mulheres e homens e homens, que são

social e historicamente construídas.

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