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4.2 Identidade Feminilidades e Masculinidades

4.2.1 Magistério: profissão feminina?

Para entender o fenômeno da feminização do magistério, e as consequências desta na educação, faz-se necessário remontar aos primeiros séculos da colonização brasileira, quando o ensino tinha o objetivo de internalização de valores, principalmente morais e religiosos e da tradição cultural portuguesa, até porque inicialmente esta era feita por homens (padres jesuítas) e para homens (meninos da elite e os meninos indígenas) e é somente a partir do século XIX que se dá a entrada das mulheres na educação (CAMPOS e SILVA, 2002).

Os homens, desde o século XIX, vão abandonando as salas de aula nos cursos primários e as escolas normais vão formando cada vez mais mulheres, devido à expansão do

ensino público, com ênfase na escolaridade média e superior, como condição para ascensão social, visto a expansão da urbanização e da industrialização e a oferta de vagas no mercado de trabalho para os homens (VIANNA, 2002). As mulheres entravam na escola primeiro como alunas e depois como professoras, uma vez que estava interditado a elas, durante o império, o ensino superior.

Campos (2002, p. 18), com relação à formação nas primeiras escolas normais, destinada inicialmente e exclusivamente ao sexo masculino, como já dito anteriormente, surgidas no século XIX, ressalta que esta era ministrada de uma forma difusa e superficial. Não havia preocupação com conhecimentos especializados no currículo dessas escolas, como por exemplo: “metodologia do ensino”, devido a uma tendência geral da época, de que o magistério não era uma profissão, mas sim uma vocação, segundo a tradição cristã, um chamado interior de origem divina, o qual exigia abnegação, dedicação, qualidades morais e aptidão, portanto, era tida como “um sacerdócio”.

Ideias que talvez ainda atualmente se mantenham no imaginário social e que subtrai do exercício da profissão docente o que ela tem de profissional, desqualificando-a.

Retornando à autora (CAMPOS, 2002, p. 23), ela aponta que ao fim do Império, não havia entre os/as alunos/as normalistas, no número de matrículas, predomínio do sexo feminino em relação ao masculino. No entanto, em 1880, com a criação da primeira escola preparatória ao curso normal, o número de mulheres era de 72 e o número de homens 55, que já prenunciava a feminização, sendo que no final do século XIX, as mulheres já eram a maioria na profissão de professora.

Ao fenômeno da feminização da Escola Normal, por outro lado, reforçou-se a imagem de que a atividade docente era uma profissão de segundo nível ou complementar, isto é, uma “semiprofissão”: profissão feminina, mal remunerada, desprestigiada, com baixo nível de qualificação, desempenhada por pessoas das camadas populares e com aspirações de ascensão social.

Contudo, faz-se necessário ressaltar a luta das mulheres, de diferentes classes sociais, não só da classe média e alta, como normalmente é veiculado, para se estabelecerem profissionalmente e constituírem-se como professoras, contrapondo-se a um discurso romantizado sobre o ingresso e permanência destas no magistério, além do estereótipo “normalista-espera-marido”. Para Silva (2002, p. 100) “[...] Este saber-fazer tão exaltado, e paradoxalmente, tão desqualificado ao vincular-se à condição de mulher e não à profissional, é construído através de um longo percurso de profissionalização”.

Nessa extensa trajetória, os discursos sobre a profissão da professora primária vão se somando, cruzando, entretecendo de “verdades” de tal monta que muitas delas ainda encontramos no dia de hoje, como apontam os professores desta dissertação em suas narrativas ao referirem-se às características das professoras: delicadeza, sensibilidade, lado maternal, carinhosa com as crianças. Em contraposição à imagem dos professores homens que caminham junto nessa “esteira do passado”, e são repletos de significados e de valores atribuídos do que é esperado para um homem: autoridade, disciplinador, rígido.

Ao longo do século XX, devido a intensas mudanças econômicas, sociais, culturais políticas, entre outras na sociedade; a ampliação da presença das mulheres no mercado de trabalho é uma realidade, principalmente em ocupações consideradas eminentemente femininas, tais como: magistério, enfermagem, secretariado, dentre outras.

São profissões que carregam no seu “ser” e “fazer”, aspectos considerados do gênero feminino, tais como: cuidados, paciência, submissão, afetividade, independente do sexo de quem as realiza. No entanto, são ocupações desvalorizadas socialmente devido à construção do patriarcado que desqualifica essas atividades que tem como referência os cuidados e o trabalho doméstico. Assim, o trabalho de cuidar e educar dos/as pequeninos/as é um excelente exemplo, dado que é uma atividade que é percebida como extensão de atividades domésticas não-remuneradas.

Nessa perspectiva, embora a Educação Infantil, nesses últimos anos, tenha se evidenciado no cenário educacional, ainda é menos valorizada material e simbolicamente nas hierarquiassociais e escolares, nas políticas públicas e na gestão educacional. Essa condição produz efeitos nos/nas profissionais que trabalham com este tempo de vida, quer com relação às questões salariais, quanto ao prestígio social da profissão que refletem no “preconceito” das políticas públicas para com esta etapa da educação.

É acertado dizer que o baixo salário, dentre outras causas, afastou os homens desta profissão, principalmente do magistério primário. Porém, eles sempre estiveram presentes na educação, mas “[...] o magistério infantil, geralmente é associado às mulheres e ao gênero feminino e de certa forma oculta a participação dos homens” (FERREIRA, 2008, p. 64).

Assim sendo, podemos nos perguntar: Onde estão os professores homens?

Se considerarmos, o primeiro Censo do Professor da Educação Básica brasileira (BRASIL/ MEC/ INEP, 1997), divulgado em 1999: 14,1% da categoria são homens e 85,7% mulheres (VIANNA, 2002). Já o Censo de atualmente, divulgado em 2009 (BRASIL/ MEC/ INEP, 2007): 18,2% da categoria são homens e 81,6% são mulheres. Passados dez anos, os dados apontam para a continuidade da ampla presença de mulheres na Educação Básica,

principalmente na Educação Infantil (creches e pré-escolas) e nos anos iniciais (1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental, sendo 98%, 96% e 91% respectivamente.

A Educação Infantil, segundo este último Censo (2007), quanto ao número de homens atuando diretamente com crianças em creches e pré-escolas é de 6%. No entanto, esse número se reduz para o percentual de 2%, quando diz respeito à docência das crianças de zero a três anos.

Mas se os professores homens não estão nas salas de aula, onde estão?

Demartini e Antunes (2002, p. 85-6) no texto: Magistério Primário: Profissão Feminina, Carreira Masculina, escrito em 1993, revela no próprio título o destino de mulheres e homens, respectivamente, já nas primeiras décadas do século XX. Os homens que assumiram o Magistério como profissão, o mais breve possível, segundo as autoras “[...] deixam de ser professores para se tornarem diretores, supervisores, formadores de professores, delegados de ensino, [...] e, dessa maneira, continuar controlando a profissão já então maciçamente feminina”. Portanto, os homens de ontem e de hoje, estão no Ensino Superior onde são maioria (VIANNA, 2002), nos cargos administrativos de mais poder e status social e de melhor remuneração.

Por outro lado, como afirma Bueno, Catani e Souza (1998), os homens são cada vez mais raros no campo educacional brasileiro, inclusive nos postos superiores da hierarquia burocrática e não correspondem mais ao quadro exposto por Demartini e Antunes (1993) sobre a situação do sistema de ensino retratada por elas no início do século XX. A explicação para essa situação, segundo as autoras (idem, 1998), refere-se ao crescente desprestígio da profissão docente, principalmente em decorrência dos baixos salários, levando à evasão crescente do professorado, notadamente os professores do sexo masculino.

Porém, os que estão no Magistério, conforme foi possível depreender nesta dissertação almeja estes postos superiores, haja vista que a maioria dos professores por nós entrevistados enfatizaram este aspecto.

Contudo, se de alguma forma, os homens continuam na educação básica, retornando à leitura dos dados do Censo da Educação Básica (BRASIL/ MEC/ INEP, 2007), cabe ressaltar que na Educação Profissional eles predominam, são 53,3% em relação a 46,7% de mulheres.

Figura 1 - Professores das Etapas da Educação Básica segundo o sexo – Brasil – 2007

Fonte: MEC/ Inep/ Dee in Estudo exploratório sobre o professor brasileiro com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica 2007/ Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –

Brasília: Inep, 2009, p. 21

Cabe, pois, concluir que a distribuição de homens e mulheres no Magistério tem a ver com os significados masculinos e femininos que entretece a docência. No Ensino Técnico há predominância dos homens, enquanto na Educação Infantil são as mulheres na sua grande maioria.

Portanto, o modo como é percebido cada um dos gêneros pressupõe oposição e polaridade, isto é, a maioria dos atributos presentes em um gênero (feminino: reprodução, amor às crianças, delicadeza, abnegação, etc. e no masculino: raciocínio lógico, razão, força) está excluída automaticamente do outro, o chamado sexo “oposto”.

Assim, gênero enquanto categoria de análise permite que compreendamos as relações escolares e a atuação docente, para além da composição sexual da categoria profissional e sua consequente feminização, que reproduzem preconceitos e perpetuam práticas sexistas no cotidiano escolar (VIANNA, 2002).

Diante disso, algumas inquietações surgem: Quem são esses homens? Como se constituem? Questões que buscamos refletir em seguida.