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As histórias de vida foram utilizadas com a finalidade de propiciar aos professores homens falarem de si: das suas trajetórias de vida desde a infância até se tornarem professores, do exercício da profissão docente, de suas facilidades e dificuldades na tarefa de cuidados e educação de meninos e meninas e de suas perspectivas profissionais.

Ao escolher esse tipo de abordagem, tínhamos em mente estar em contato com os professores em sua corporalidade. Possibilitar que falassem de si, de seus tempos de menino, jovem e adulto, de suas escolhas, dos caminhos e descaminhos que trilharam até chegar nesta profissão e dos sentimentos que permearam e permeiam essas vivências, onde se entrecruzam passado, presente e futuro. Como afirma Bosi, “[...] a memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo ‘atual’ das representações” (BOSI, 1994, p. 46-7). Portanto, não se trata de colher informações factuais, mas fazer emergir delas uma visão do que é ser professor, e principalmente, na Educação Infantil.

As narrativas dos professores são carregadas do sentido que eles, individualmente, atribuem às suas experiências de vida e, ao mesmo tempo, revelam sentimentos, valores e representações sobre a profissão que exercem – o magistério. Entrecruzam-se nessas narrativas o eu pessoal e o eu profissional ao revelarem suas práticas cotidianas, posto que estas não estão restritas somente e simplesmente ao que fazem, mas ao sentido que a elas são atribuídos.

Assim, importa-nos saber como os professores homens narram suas relações e inter- relações, estabelecidas no percurso de suas vidas, a partir das lembranças que submergem de seu passado, sobre sua infância, a família, a escola, o seu tempo como aluno, os amigos, a relação com o conhecimento, enfim todo esse universo que compõe tal cenário e que revela(m) sua(s) história(s). Nessa perspectiva, tal como enfatiza Bosi (1994), seguindo os passos de Halbwachs, as relações se expandem do individual para o social, “a memória do indivíduo depende de seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a Igreja, com a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo” (BOSI, 1994, p. 54).

Nessa perspectiva, ao relatar suas memórias, os professores homens deste estudo trazem lembranças que estão interligadas à memória coletiva ou memória do grupo e, consequentemente, à tradição, que é a memória coletiva de cada sociedade, visto que o caráter da memória não é só pessoal, é também familiar, grupal e social (BOSI, 1994).

As narrativas dos professores homens, entrevistados por nós, vão sendo entretecidas “no dizer-se sobre si”, e nos permite conhecê-los e ao mesmo tempo os possibilitam conhecer um pouco mais sobre eles próprios. Mas também, como sugere Nóvoa (apud BUENO, 2006, p. 398), em prefácio de livro citado por Bueno, “[...] a história de vida é sempre uma‘construção’, na qual também participa o investigador”. Essa interação face a face, espaço de relações, enquanto experiência humana influencia quem fala, o que é falado e como é falado, mas também quem ouve.

Assim sendo, ao ouvirmos as histórias de suas vidas fomos arrebatadas por fatos e acontecimentos sem necessariamente seguir uma cronologia. Muitas vezes as histórias fluíam: leves, soltas, com risos, flutuavam no ar. Outras vezes, precisavam de um tempo maior para “dizer-se”, vinham aos pedaços, em volteios, com explicações minuciosas ou finalizações abruptas.

Moita (1995, p. 116) ressalta que numa história de vida é possível identificar as continuidades e descontinuidades, as coincidências no tempo e no espaço, as preocupações,

interesses, os desejos, e “permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo ela própria, se transforma”.

Para Bosi (1994), a lembrança constrói-se pelo conjunto de representações que há à disposição, no momento, e que povoam a nossa consciência atual. Portanto, a imagem que temos do passado, ela não é a mesma da nossa infância, porque também não somos os mesmos, “[...] nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nossos juízos de realidade e valor [...]. [...] Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado [...]” (BOSI, 1994, p. 55). Colocar o/a professor/a no centro do processo, ou seja, dar-lhe voz, através de histórias de vida e estudos autobiográficos, como metodologia de investigação científica, é recente na pesquisa educacional, sendo que no Brasil ganham impulso na década de 1990. A publicação em Portugal, em 1992, de duas coletâneas organizadas por Nóvoa – Vida de professores e Profissão professor, teve grande repercussão no Brasil, assim como sua publicação anterior com Finger – O método (auto) biográfico e a formação, que data de 1988 (BUENO et al., 2006, p. 391).

Para Nóvoa (1995), a aceitação das histórias de vida ou abordagens (auto)biográficas é atual no trabalho acadêmico que estiveram por muito tempo banidas do mundo universitário, mas que sem dúvida, “[...] teve um mérito indiscutível: recolocar os professores no centro dos debates educativos e das problemáticas de investigação (NÓVOA, 1995, p. 15)”, uma vez que se estudava o ensino para além do/a professor/a, sendo realçada na profissão docente, essencialmente, a dimensão técnica da ação pedagógica.

Referindo-se às histórias de vida da profissão docente ressalta:

[...] as abordagens (auto)biográficas mantém intactas todas as suas potencialidades heurísticas e constituem um marco de referência para a renovação das formas de pensar a actividade docente, no plano pessoal e profissional. [...] podem ajudar a compreender melhor as encruzilhadas em que se encontram actualmente os professores e a delinear uma profissionalidade baseada em novas práticas de investigação, de acção e formação (NÓVOA, 1995, p. 7-8).

Acompanhando o argumento do autor é possível afirmar que ao “dar voz” ao professor é possível compreender melhor o mal-estar que os/as atingem para além dos aspectos relacionais da profissão em si, mas também as pressões institucionais, políticas, sociais e pedagógicas, e consequentemente, favorecer a tomada de medidas, tanto no interior como no exterior da profissão docente, delineando um “outro profissional”.

Nessa mesma direção, Goodson (1995, p. 69), também afirma que o que estava faltando era a “voz do professor”, visto que a ênfase estava na prática docente, e que as narrativas dos professores, durante muito tempo, foram consideradas irrelevantes pelos

pesquisadores. Ressalta que os estudos referentes às vidas dos professores favorecem que vejamos o sujeito em relação com a história do seu tempo, ou seja, com a história da sociedade, elucidando, assim, as escolhas, contingências e opções que se apresentam a este, considerando-se, portanto, o seu caráter social.

Nas palavras de Dominicé (1990 apud NÓVOA, 1995, p. 24), “[...] a vida é o lugar da educação e a história de vida o terreno no qual se constrói a formação. Por isso, a prática da educação define o espaço de toda reflexão teórica. [...], o saber sobre a formação provém da própria reflexão daqueles que se formam [...]”. Diante disso, é possível afirmar que a vida é um campo vasto de aprendizagens que se dá na relação com “os outros”, em interação, na troca de experiências e vivências cotidianas, e nesse processo, do próprio percurso educativo, formamo-nos, onde o eu pessoal e o eu profissional se entrecruzam.

Ao relatar lembranças “escarafuncha-se” memórias. Bosi afirma: “a memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento” (BOSI, 1994, p. 39). Desse modo, ao abordarmos as histórias de vida, de cinco professores homens pertencentes à rede pública municipal de Guarulhos/SP, buscamos aflorar lembranças, fragmentos do passado e do presente, relacionados às suas vidas, vivências e interações nas instituições educacionais, no que tange à profissão docente.

É sabido que as práticas e os modos incorporados no exercício profissional determinam e marcam o professorado, assim é pertinente questionar:

Como estes se tornam professores?

Como exercem sua docência com as crianças?

Conhecer e compreender esse jeito de ser e estar na profissão talvez possa vir a favorecer que os professores homens na Educação Infantil não sejam vistos como uma espécie estrangeira, visto que é um “território” que é ou pode vir a ser um lugar de construção de saberes: pessoal e profissional para todos e todas.