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Relações entre poder e subjetividade em uma organização familiar.

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Academic year: 2017

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R

ELAÇÕES ENTRE

P

ODER E

S

UBJETIVIDADE EM UMA

O

RGANIZAÇÃO

F

AMILIAR

Fe r n a n da Ta r a ba l Lope s* Ale x a n dr e Ca r r ie r i* * Lu iz Ale x Silv a Sa r a iv a* * *

Resumo

N

est e ar t igo, o obj et ivo é discut ir os vínculos ent r e indivíduo e or ganização, que carac-t er izam a per m anência, ou não, de suj eicarac-t os indicados com o sucessor es na em pr esa da fam ília, t endo com o base de análise as cat egor ias int er- r elacionadas de subj et ividade e poder. Tal pr opósit o or iginou um a pesquisa qualit at iva, na qual o foco foram as hist ór ias de vida dos t r ês fi lhos do fundador de um a em pr esa fam iliar. No t rat am ent o dos dados, foi usada a t écnica da análise do discur so para a ident ifi cação das est rat égias discur sivas usadas pelos ent r evist ados em seus depoim ent os, t endo elas sido agr upadas em duas cat egor ias discur sivas: hist ór ias sobr e o t rabalho e hist ór ias sobr e a fam ília. Na pr im eira cat egor ia, a par t ir do m it o do her ói fundador, a hist ór ia sobr e o t rabalho é r om anceada, em um pr ocesso que, por m eio da socialização prim ária, esconde o cont role por int erm édio da inserção de valores do pai na precoce ent rada na em pr esa por par t e dos fi lhos do sexo m asculino. Sobr e a fam ília, os depoim ent os suger em que a em pr esa é sua cont inuação; sendo est endidos, ao negócio, os laços fam iliar es. A em pr esa liga, sim bólica e afet ivam ent e, os fi lhos ao legado do pai, o que a t or na um pr oj et o de vida r eapr opr iado e r ealim ent ado por eles. As conclusões aler t am que as em pr esas fam iliar es não deixam de ser em pr eendim ent os econôm icos m esm o sendo int ensas em afet ividade, sen-do os fi lhos vít im as sen-dos m esm os est rat agem as que diver sos aut or es denunciam em em pr esas capit alist as por ader ir em a um sonho que não lhes per t ence, m as que lhes cabe m ant er vivo.

Pa la v r a s- ch a v e : Relações de poder. Vínculo. Subj et ividade. Em pr esas fam iliar es.

Relations between Power and Subjectivity in a Family Business

Abstract

T

his ar t icle discusses t he bonds bet w een subj ect and or ganizat ion t hat charact er ize t he per m anence or not of individuals appoint ed as successor s in a fam ily business, based on t he analysis of t he int er r elat ed cat egor ies of subj ect ivit y and pow er. This gave r ise t o qua-lit at ive r esear ch focused on t he life st or ies of a fam ily ent er pr ise founder ’s t hr ee childr en. We used discour se analysis for t he t r eat m ent of dat a t o ident ify t he r espondent s’ discur sive st rat egies in t heir t est im onies. They w er e gr ouped int o t w o discur sive cat egor ies: life st or ies about w or k and life st or ies about t he fam ily. I n t he fi r st cat egor y, st ar t ing fr om t he founding her o m yt h, t he st or y about t he w or k is r om ant icized. Thr ough pr im ar y socializat ion t her e is a pr ocess t hat hides cont r ol by t he inser t ion of t he fat her ’s values in t he ear ly ent r y of his m ale childr en int o t he fam ily business. About t he fam ily, t he st at em ent s suggest t hat t he com pany is a cont inuat ion of t he fam ily as t he fam ily t ies ar e ext ended t o t he business. The com pany links t he childr en t o t heir fat her ’s legacy sym bolically and em ot ionally, t hus m aking business a life pr oj ect appr opr iat ed and r eplenished by t he childr en. Conclusions show t hat fam ily businesses ar e essent ially econom ic ent er pr ises despit e being full of int ense affect ivit y display. Childr en ar e vict im s of t he sam e st rat agem s t hat several aut hor s cr it icize in capit alist business as t hey adher e t o a dr eam t hat does not belong t o t hem but t hat t hey m ust keep alive.

Ke y w or ds: Pow er r elat ions. At t achm ent . Subj ect ivit y. Fam ily business.

* Mest r a em Adm inist r ação pela Univer sidade Feder al de Minas Ger ais – UFMG. Pr ofessor a da Uni-ver sidade do Est ado de Minas Ger ais, Belo Hor izont e/ MG/ Br asil. Ender eço: R Maj or Lopes, 574. Belo Hor izont e/ MG. CEP: 30330 050. E- m ail: fer nandat ar abal@hot m ail.com

* * Dout or em Adm inist r ação pela UFMG. Pr ofessor da UFMG, Belo Hor izont e/ MG/ Br asil. E- m ail: Ale-xandr e@face.ufm g.br

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Introdução

A

s for m as de m anifest ação de poder e cont r ole obser vadas nas or ganizações confi guram - se as m ais var iadas possíveis. No que concer ne a em pr esas fam ilia-r es, veilia-r ifi ca- se a pilia-r esença de ilia-r elações em inent em ent e subj et ivas e m ailia-r cadas poilia-r laços for t em ent e afet ivos, or iundos de um a ligação que ant ecede aos negócios; as m anifest ações subj et ivas de poder e cont r ole apr esent am - se de m aneira singular. Um dos m ot ivos pelos quais isso ocor r e é que, no am bient e da or ganização fam iliar, m esclam - se os papéis pr ofi ssional, racional e obj et ivo, e o fam iliar, indissolúvel e car r egado de afet ividade decor r ent e das r espect ivas hist ór ias de vida. Essa conj unção caract er izar ia, singular m ent e, esse t ipo de or ganização: a onipr esença de dim ensões hum anas infl uenciando o seu r it m o e lógica de funcionam ent o ( DAVEL; COLBARI , 2003) . Assim , por não haver dissociação ent r e gest ão or ganizacional e dinâm ica da inst it uição fam iliar, os aspect os subj et ivos r elat ivos à fam ília int er fer em de m aneira expr essiva na lógica das r elações de t rabalho.

Além da subj et ividade, as relações de poder se dest acam na agenda de discussões sobre em presas fam iliares. Confl it os inerent es às relações sociais se fazem present es na hist ória dessas organizações, o que, em part e, se deve ao fat o de os signifi cados, crenças valores, sím bolos e form as de exercício de poder e dom inação, inst it uídos no âm bit o fam iliar, serem corriqueiram ent e t ransferidos para o am bient e organizacional e vice-versa ( CARRI ERI , 2005) . A afet ividade da vida fam iliar se refl et e em quest ões relacionadas aos padrões de gest ão do t rabalho, o que dissim ula out ras dim ensões da fam ília com o inst âncias de poder, disput a e com pet ição ( DAVEL; COLBARI , 2000) .

As relações de poder em em presas fam iliares agem sobre os indivíduos, colocando suas forças em um a relação de docilidade- ut ilidade, im pondo- lhes rest rições, lim it ações, proibições e obrigações. Essas relações se m anifest am com o form adoras de suj eit os obedient es e út eis, que, enquant o vinculados à organização, t êm sua apt idão aum ent ada e sua subm issão acent uada, de m aneira a possibilit ar um a int erface út il sim ult aneam ent e ao que se espera em t erm os profi ssionais e às expect at ivas fam iliares, const it uindo, assim , um elem ent o diret am ent e im bricado na relação do suj eit o com a organização.

Nessa per spect iva, apr esent a- se out ra quest ão r elevant e nas or ganizações fam iliar es: a escolha e pr eparação de m em br os da fam ília com o sucessor es de posi-ções- chave. Tais suj eit os são incent ivados – em alguns casos, desde a infância – a se inser ir nos negócios fam iliar es, r epr esent ando papéis out or gados que podem ou não est ar de acor do com seus pr ópr ios desej os pessoais e pr ofi ssionais. Relações polít icas assent adas sobr e laços fam iliar es e/ ou or ganizacionais se m ost ram , em cer t as sit ua-ções, com o det erm inant es na const rução das t raj et órias pessoais e profi ssionais desses suj eit os, desdobrando- se na sua vinculação à organização ou na rej eição a essa lógica.

Nest e ar t igo, o obj et ivo é discut ir os vínculos ent r e indivíduo e or ganização, que caract er izam a per m anência, ou não, de suj eit os indicados com o sucessor es na em pr esa da fam ília, t endo com o base de análise as cat egor ias de subj et ividade e r elações de poder, ent endendo- as com o quest ões em dir et a int er- r elação. Afi nal, as r elações de t rabalho const it uem - se, t am bém , em r elações de poder e não apenas de pr odução ( FARI A; MENEGHETTI , 2007) , e as r elações de poder incidem dir et am ent e sobr e o cor po físico e as subj et ividades dos indivíduos, im pondo- lhes padr ões de condut a e com por t am ent os.

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Organizações Familiares: relações

de poder, vínculo e subjetividade

Para Lim a ( 1999) , as r elações fam iliar es e pr ofi ssionais dos envolvidos com em pr esas fam iliar es int er penet ram - se cont inuam ent e, um a vez que as pessoas se unem não apenas por int er esses econôm icos, m as t am bém por um a r ede densa de r elações fam iliar es. Segundo esse aut or, t al sit uação é r elat ivam ent e desconfor t ável, considerando- se a condut a da m aior ia das pessoas, que afi r m am , não obst ant e t raba-lharem em um a em presa fam iliar, possuírem relacionam ent o est rit am ent e profi ssional no t rabalho, o que é cont radit ór io, se levada em consideração um a análise das ações dessas pessoas ( LI MA, 1999) .

Tom ando com o base em pr esas fam iliar es de Por t ugal, é int er essant e dest acar com o códigos, valor es, at r ibut os e at it udes da fam ília são per pet uados na em pr esa com o concepções de valor cent ral da har m onia e da or dem , r epr esent adas por ideais de r espeit o e obediência ao pai, e obediência das m ulher es, concepções cent rais nas grandes fam ílias da elit e em presarial port uguesa. Out ra caract eríst ica de t ais em presas é a sua perpet uação com o um a m anut enção dinást ica e sust ent ação de relações at ivas ent r e os m em br os de fam ílias alar gadas: a em pr esa at ua com o font e de união ent r e par ent es dist ant es, m uit as vezes m ais at é do que a pr ópr ia r elação de par ent esco. Nesse cont ext o, quest ões de gêner o est ão t am bém pr esent es. Os hom ens são os m ais desej ados para a cont inuação dos negócios, desem penhando as m ulheres papéis pr edom inant em ent e fam iliar es. A par t icipação de acionist as fem ininas nas em pr esas fam iliares é pequena. Quando ocorre, as m ulheres cost um am exercer papéis de m enor r esponsabilidade, cor r oborando um sist em a cult ural que pr ior iza sim bolicam ent e os hom ens, ao se basear no pat r iar calism o e na aut or idade m asculina. Assim , cabem a hom ens e m ulheres papéis diferent es, pois enquant o eles são t alhados para a sucessão à fr ent e do negócio, elas se apr esent am com o “ gest oras fam iliar es” ( LI MA, 1999) .

Tais aspect os suger em a im por t ância do r esgat e do papel da fam ília na for m a-ção do suj eit o, para que, ent ão, se possa r efl et ir sobr e as possíveis r eper cussões na gest ão, um a vez que se pr essupõe que, nesse t ipo de em pr esa, a fam ília const it ui um a inst ância fundam ent al de socialização. Ber ger e Luckm ann ( 1985) enfat izam que a socialização pr im ár ia ocor r e por int er m édio da fam ília, à m edida que o indivíduo é int r oduzido na sociedade ou em par t e dela. É quando a r ealidade é int er ior izada, ist o é, quando acont ecim ent os de out r em ( pais, r esponsáveis, et c. – a fam ília) se t or nam signifi cat ivos para o indivíduo, de for m a que est e apr eenda o m undo com o um a r eali-dade social. Carrieri ( 2005) afi rm a que a socialização prim ária aj ust a os indivíduos aos papéis e padr ões sociais da fam ília, int r oj et ando noções de or dem e aut or idade que ir ão at uar, post er ior m ent e, na for m ação da per sonalidade individual. A fam ília defi ne com por t am ent os desej áveis e indesej áveis em um pr ocesso de cont r ole e aj ust am en-t o social, r epr esenen-t ando um elo enen-t r e o indivíduo e a sociedade, uen-t ilizando aspecen-t os afet ivos e em ocionais na confi guração de um padr ão m oral e socialm ent e aceit o.

A afet ividade da vida fam iliar r efl et e- se em quest ões r elacionadas à cult ura da or ganização e aos padr ões de gest ão do t rabalho, incluindo as r elações de poder ( DAVEL; COLBARI , 2000) . De acor do com Gonçalves ( 2000) ,

deve ser lem brado que a fam ília é um pequeno grupo social, no qual são desenvolvidos os sent im ent os m ais for t es que possam m ar car um ser hum ano: am or es e ódios; as em pat ias e as r epugnâncias cr iadas em apar ent e subj et ividade; a pr oxim idade e a rej eição; a prot eção cast radora e a indiferença; e, m uit o especialm ent e, a invej a. Esse m undo fam iliar, povoado por for ças ocult as e alguns fant asm as, pode ser t ransfer ido para o m undo da em pr esa, quando inevit avelm ent e os r esult ados ser ão lam ent áveis. ( GONÇALVES, 2000, p. 11) .

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neces-sar iam ent e, im plica or ganizações const it uídas sobr e laços sociais, o que é ainda m ais int enso se o que est á em análise são em presas fam iliares. Nesses casos, a precedência da fam ília sobr e os negócios e a est r eit a r elação ent r e r elações afet ivas e o cont ext o or ganizacional t or nam a sit uação par t icular m ent e com plexa, um a vez que as r elações polít icas se assent am sobr e vínculos ant er ior es à em pr esa e que im pact am sobr em a-neira as subj et ividades dos envolvidos.

Lopes e Car r ier i ( 2010) dest acam que o cont r ole sobr e as subj et ividades dos m em br os de em pr esas fam iliar es r elaciona- se à sua vinculação ou não à or ganiza-ção. Far ia e Meneghet t i ( 2007) , por sua vez, sust ent am que as r elações de poder nas or ganizações incidem sobr e a subj et ividade do indivíduo, im pondo- lhe padr ões de condut a, de for m a que os t ipos de cont r ole nas or ganizações visam at ingir não apenas o cor po físico dos indivíduos, m as t am bém sua subj et ividade. Nesse sent ido, a for m ação e m anut enção do vínculo ent r e indivíduo e or ganização ser iam for m as de exer cer o cont r ole, um a m aneira de cont r ole sut il, quase sem pr e im per cept ível, que se r elaciona com os aspect os m ais ínt im os do indivíduo, com o seus desej os e neces-sidade de per t ença, fi liação e r ealização. Para Far ia e Schm it t ( 2007) :

Vínculo é a dinâm ica psíquica da int er- r elação ent r e suj eit o e obj et o ( obj et o/ pessoa/ coisa visada pelas pulsões) , que se dá no espaço subj et ivo. É o processo que possibilit a ao suj eit o r econhecer o out r o enquant o obj et o de desej o e enquant o suj eit o, assim com o se r econhecer enquant o suj eit o. ( FARI A; SCHMI TT, 2007, p. 32) .

Esse t ipo de vínculo se sit ua no cam po subj et ivo e se const it ui em um for t e laço pelo qual o suj eit o per m anece na or ganização. Nesse sent ido, Pagès et al. ( 1987) dest acam :

A est r ut ura inconscient e de seus im pulsos e de seus sist em as de defesa é ao m esm o t em po m odelada pela or ganização e se enxer t a nela, de t al for m a que o indivíduo r epr oduz a or ganização, não apenas por m ot ivos racionais, m as por razões m ais pr o-fundas que fogem à sua consciência. A or ganização t ende a se t or nar font e de sua angúst ia e de seu prazer. Est e é um dos aspect os m ais im por t ant es de seu poder. ( PAGÈS et al., 1987, p. 144) .

Tal vínculo int egra a subj et ividade dos indivíduos e a possibilidade de r ealiza-ção de necessidades psicológicas. O indivíduo se ident ifi ca com a or ganizaealiza-ção por sent im ent os, com o fam a da em pr esa, st at us, r espeit o no t rabalho e sent im ent o de fam ília, ent r e out r os, que lhe pr opor cionam sat isfação e prazer. De acor do com Far ia e Schm it t ( 2007) , a com pr eensão da hist ór ia da fundação e o desenvolvim ent o da em pr esa per m it em r evelar as for m as de cont r ole social que at uam nos níveis obj et ivo e subj et ivo, per cebendo- se a im por t ância dada às or igens do fundador da em pr esa, seus ideais e t oda a vida de dedicação ao desenvolvim ent o do seu negócio.

Concebendo- se que a vinculação dos suj eit os com a or ganização per passa por r elações de poder e cont r ole das subj et ividades, é im por t ant e dest acar que, especial-m ent e, t rat ando- se de eespecial-m presas faespecial-m iliares, a experiência especial-m ais priespecial-m it iva dessa relação ocor r e na vivência par ent al. O pai, com o inst aurador da lei, t ransfor m a- se, t am bém , em um dom inador em pot encial. Ao m esm o t em po, t em e que o fi lho lhe t om e o poder. Enr iquez ( 1990) enum era m odos de cont r ole social, e dest aca o cont r ole social exer cido pelo am or, que se caract er iza pela ident ifi cação t ot al dos suj eit os ou pela ex-pr essão de confi ança. “ Não há com o falar de poder sem r efer ência ao am or [ ...] . Todo poder usa desse ar t ifício, t ant o para se est abelecer quant o para durar ” ( ENRI QUEZ, 2007, p. 60) . Quant o m aior o am or vindo do obj et o, m ais ele ser á despót ico. Cont u-do, ao m esm o t em po, pr ovocar á ent usiasm o. Tam bém , o am or e o poder encar nam sit uações de subm issão, m anipulação e alienação. Nessa perspect iva, Enriquez ( 1990) discut e sobre essa quest ão e sobre o uso do discurso do am or com o form a de cont role:

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r ivalidade e de aceit ação de cast ração, fenôm enos que se t raduzem em com por t a-m ent os de coa-m pet ição ent r e par es, cuj a saída é a ocupação do lugar do a-m elhor fi lho ( o t em or do abandono e a angúst ia de não ser am ado t êm t am bém poder oso papel no desenvolvim ent o de t ais com por t am ent os) . ( ENRI QUEZ, 1990, p. 308) .

Considerar o cont r ole social e os vínculos est abelecidos pelo am or é de funda-m ent al ifunda-m por t ância, quando se t rat afunda-m de or ganizações fafunda-m iliar es, vist o não apenas as r elações de par ent esco na em pr esa, com o, t am bém , a pr ópr ia im agem fam iliar da or ganização e as r epr esent ações daí r ecor r ent es.

Itinerário Metodológico

A m et odologia ut ilizada na pr esent e invest igação foi a pesquisa qualit at iva, baseada em hist ór ias de v ida. Para González Rey ( 2005) , nesse t ipo de pesquisa, é de grande im por t ância a com pr eensão do pr ocesso de com unicação e do pr ocesso dialógico, v ist o que o hom em per m anent em ent e se com unica nos diver sos espaços sociais em que v ive. Tal ênfase cent ra- se no fat o de que grande par t e dos pr oblem as sociais e hum anos se ex pr essa, de m odo geral, na com unicação das pessoas, de for m a dir et a ou indir et a. A com unicação é um a v ia pr iv ilegiada para se com pr een-der os pr ocessos subj et ivos que caract er izam os suj eit os, assim com o as diver sas condições obj et ivas da v ida social que afet am o hom em . Dessa for m a, por m eio do ent endim ent o da com unicação, busca- se com pr eender as difer ent es for m as de ex-pr essão sim bólica ut ilizadas pelo suj eit o, que se confi guram com o v ias para o est udo da sua subj et iv idade.

Pelo m ét odo, foi possív el com pr eender, em pr ofundidade, as hist ór ias dos suj eit os e com o est as são ent r elaçadas à or ganização fam iliar. Pelos depoim ent os, buscou- se r econst it uir a exper iência vivida pelos suj eit os, com pr eendendo o univer so do qual fazem par t e, sua subj et ividade e r elação com os fat os sociais. Dessa for m a, o foco em quest ão foi o suj eit o e sua r elação com o gr upo, e com o est e se apr opr ia da r ealidade. Além disso, buscou- se com pr eender as hist ór ias de vida não com o fat os at om izados, m as com o r ealidades ent r elaçadas e const it ut ivas das vár ias posições e it iner ár ios da t raj et ór ia do gr upo ( MARRE, 1991; BARROS; SI LVA, 2002; GAULEJAC, 2005; NEVES, 2001; BOSI , 2003) .

As hist ór ias foram t rat adas por m eio da t écnica de análise do discur so, ut ilizada nest e t rabalho com o fer ram ent a de análise m et odológica, com base, pr incipalm ent e, em Fior in ( 2005) . Foram ident ifi cadas est rat égias discur sivas usadas pelos ent r evis-t ados em seus depoim enevis-t os: o uso de aspecevis-t os explícievis-t os, im plícievis-t os e silenciados, a int er discur sividade e os per cur sos sem ânt icos. Os per cur sos sem ânt icos ut ilizados foram : a) o t rabalho; b) a fam ília.

A or ganização, aqui designada por Cur t idora, foi fundada em 1960 e se localiza em um a cidade do int er ior de Minas Gerais. Sua at ual gest ão é for m ada pelos t r ês fi lhos do fundador. I nser ida no segm ent o de benefi ciam ent o de cour o, encont ra- se hoj e em nít ida expansão. Com um a equipe de 282 em pr egados, possui negócios não apenas no Brasil, m as pr incipalm ent e no ext er ior, com cer ca de 70% das vendas des-t inadas ao m er cado indes-t er nacional, pr incipalm endes-t e Eur opa e Ásia. A em pr esa pr oduz cour o para calçados, ar t efat os, acessór ios, vest uár io e est ofam ent o, além de ar t igos em w et - blue1, sem iacabados e acabados, em fl or2 e raspa3.

A hist ór ia da or ganização m ost ra um a em pr esa de nascim ent o m odest o e que se consolidou com o passar do t em po. De grande t radição na com unidade em que se inser e, é for t em ent e ligada à im agem da fam ília e, pr incipalm ent e, à do fundador, fi gura que t ransm it e r igidez e conser vador ism o, que podem ser at r ibuídos à cult ura 1 Cour o que sofr eu pr ocesso de pr é- cur t im ent o e depilação no pr im eir o est ágio de cur t ição. A m aior par t e dos elem ent os poluidor es, com o pelos e r est os de car ne e de sebo, é elim inada e, daí par a fr ent e, o processo de curt ição fi ca relat ivam ent e lim po. Disponível em : < ht t p: / / www.pracuch.com / t ec_wet blue. ht m l> . Acesso em : 23 m aio 2010.

2 Par t e super ior do cour o.

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de sua r egião, ao cont ext o hist ór ico em que viveu e à sua for m ação: t endo est udado at é o 3º ano do ensino pr im ár io, fi lho de sapat eir o, inicia sua vida pr ofi ssional com o ser vent e de pedr eir o.

A em pr esa vivencia, at ualm ent e, um per íodo de t ransição. A sociedade ent r e ir m ãos foi r ecent em ent e dest it uída, pois o fi lho m ais velho do fundador com pr ou as ações que ant es eram r epar t idas ent r e os ir m ãos, sendo hoj e o único pr opr iet ár io do negócio. No ent ant o, seus ir m ãos cont inuam na em pr esa, exer cendo os m esm os car gos de dir et or ia que ant es j á ocupavam . O pai/ fundador, j á ausent e do cont ext o societ ár io há m ais t em po, não se afast a da em pr esa, fazendo visit as quase diár ias e opinando a r espeit o da gest ão dos fi lhos. Todas as ent r evist as foram r ealizadas nas dependências da em pr esa, nas salas dos r espect ivos ent r evist ados. Houve, t am bém , conver sas infor m ais com a r esponsável pelo set or de r ecur sos hum anos, que auxi-liou o agendam ent o das ent r evist as e for neceu infor m ações sobr e o funcionam ent o da or ganização, com o at ividades diár ias e pr ocesso de pr odução, ent r e out r os. Não foi possível ent r evist ar o fundador da em pr esa, vist o os em pecilhos colocados pelos fi lhos para a r ealização da ent r evist a com o pai. No ent ant o, com o o foco do est udo paut ou- se no vínculo est abelecido ent r e sucessor es e a or ganização, t endo com o pr im azia o ent endim ent o dos suj eit os sobr e suas pr ópr ias vivências, acr edit am os que esse im pedim ent o não pr ej udicou o est udo. Apesar de cer t am ent e sim bolizar um “ silenciam ent o” signifi cat ivo im post o pelos fi lhos, ao não dar voz ao pai, r espeit am os as lim it ações colocadas pelos suj eit os e nos at ivem os às hist ór ias nar radas pelos su-cessor es. O w ebsit e da em pr esa per m it iu acesso a dados com plem ent ar es.

Assim , foram ent r evist ados os t r ês únicos fi lhos do fundador, t odos inser idos no negócio em car gos de gest ão: Joaquim , Mar ia e João4, r espect ivam ent e ident ifi

ca-dos com o ent r evist ado 1 ( E1) , ent r evist ado 2 ( E2) e ent r evist ado 3 ( E3) . O quadr o 1 apr esent a m ais infor m ações sobr e eles.

Qu a dr o 1 – Ca r a ct e r iz a çã o dos En t r e v ist a dos

4 For am ut ilizados nom es fi ct ícios par a os ent r evist ados.

N om e Joa qu im M a r ia Joã o

I dade 48 47 45

Sexo Masculino Fem inino Masculino

For m ação 2º grau com plet o Graduação em Dir eit o 2º grau com plet o Car go Dir et or da indúst r ia Dir et ora fi nanceira Dir et or com er cial

Tem po na em pr esa 36 anos apr oxim adam ent e

30 anos apr oxim adam ent e

33 anos apr oxim adam ent e

Font e: elaborado pelos aut or es.

Histórias de Vida sobre o Trabalho

A análise buscou evidenciar os discur sos pr esent es e a r elação int er discur si-va obser si-vada. Os depoim ent os dos ent r evist ados r em et eram a t em át icas e fi guras r ecor r ent em ent e ut ilizadas pelos suj eit os. I nser idos no per cur so sem ânt ico do t ra-balho, pode- se depr eender os seguint es t em as: “ t rabalho braçal”, “ t rabalho durant e a infância”, “ t rabalho fem inino”, “ est udo”, “ fam ília” e “ t rabalho pr ofi ssionalizado”. A t em át ica do t rabalho braçal apar eceu com fr equência nos depoim ent os dos ent r evis-t ados, apar ecendo com o caracevis-t er ísevis-t ica laboral na época da fundação da em pr esa pelo pai/ fundador, associado à lut a e às difi culdades enfr ent adas por ele para const r uir seu pat r im ônio. O t em a em quest ão caract er iza- se por um quadr o t ípico quando da fundação da em pr esa. De acor do com Davel, Souza- Silva e Fischer ( 2000) , o desen-volvim ent o de em pr esas fam iliar es t em com o caract er íst ica, durant e a fundação, a pr opr iedade de um indivíduo em pr eendedor, que t udo faz para alavancar o negócio.

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a m adr inha e t ia dele, que na escola ele era m uit o vadio, m uit o m oleque. Ent ão, ele não conseguiu com plet ar o gr upo e par t iu m esm o foi para o t rabalho. E, em 1960, ele ingr essou no negócio sem conhecer nada, com a cara e a coragem . Ele t inha feit o um a poupançazinha, por que ele evoluiu no t rabalho de ser vent e de pedr eir o. Ele apr endeu a pr ofi ssão de pedr eir o e com eçou a t ocar pequenas obras. Com isso, ele foi cr iando um gr upo, t am bém de pedr eir os e ser vent es t rabalhando para ele. Ent ão, ele conseguiu alavancar um pr im eir o degrau aí de supor t e. [ ...] ( Joaquim ) .

[ 02] [ ...] Ele era um pedr eir o. Pegou um dinheir o em pr est ado [ ...] at é que ele foi conseguindo er guer a em pr esa. É um a pessoa bat alhadora. Só viveu para t rabalhar. Tá hoj e com 80 anos, ainda est á t rabalhando. ( Mar ia) .

Os fragm ent os discur sivos [ 01] e [ 02] r em et em ao m it o do her ói fundador. A for m a com o a hist ór ia da or ganização é cont ada, à m aneira de um r om ance, m ediant e a exalt ação do m it o do her ói fundador, caract er iza- se com o um a for m a de alienação ( ENRI QUEZ, 1997; FARI A, 2004b) , um a vez que os indivíduos se sent em “ hipnot izados” e se ent r egam aos ideais da em pr esa, t om ando- os para si sem quest ionam ent os, o que pode ser per cebido nas falas seguint es. Nelas, os valor es r elacionados ao t raba-lho do pai são incor porados pelos fi raba-lhos ao descr ever em sua ent rada na or ganização e t raj et ór ia pr ofi ssional. Desse m odo, o esfor ço associado ao t rabalho físico sur ge de for m a valorat iva quando r ecor dado pelos suj eit os. Além disso, obser va- se que a socialização pr im ár ia ( BERGER; LUCKMANN, 1985) dos fi lhos hom ens ocor r e, de m a-neira concom it ant e, ao t rabalho na or ganização, pois eles são levados pelo pai para a em presa, ainda crianças, int eriorizando, precocem ent e, com isso, valores relacionados ao pai e ao t rabalho no negócio da fam ília:

[ 3] [ ...] E eu era cr iança, quer ia fi car acom panhando o m eu pai, ver o que que ele fazia, e fui t om ando gost o pela coisa... [ ...] Com eçam os a t rabalhar de peão, né, com exceção da Mar ia. Mas eu e o Joaquim t rabalhávam os em piso de fábr ica. [ ...] t inha vida boa, não.( João) .

[ 4] Mas o m eu pai foi um hom em que colocou a gent e na indúst r ia desde cr iança, desde cr iança. Tinha que var r er chão, r ecolher o lixo, fechar por t ão de t ar de, en-quant o ele r esolvia as coisas no escr it or iozinho que ele t inha. A gent e t inha que est ar fechando os por t ões, m ant er a indúst r ia var r ida t odo dia, por que ele sem pr e foi de m uit a lim peza. Ent ão, essa era a r ot ina nossa. E com ecei t am bém fazendo pequenas t arefas de refi lar couro, que é pegar um a faquinha e recort ar as bordas dele, ent endeu, para dar o acabam ent o... Tam bém acum ulava a t ar efa de aguar a hor t a, que eu m e r ecor do m uit o bem disso. Meu pai t inha um a hor t a m uit o grande. Acum ulava a t ar efa de aguar hor t a... ( Joaquim ) .

Com o se obser va no fragm ent o [ 04] , o t em a do t rabalho braçal se liga ao do t rabalho durant e a infância. Joaquim e João descrevem sua inserção na em presa desde que eram crianças, algo t ido com o nat ural e incent ivado pelo pai/ fundador, colocando- os nas m ais diversas at ividades. Ao se iniciar na infância, o t rabalho na em presa se am al-gam a à socialização pr im ár ia, ist o é, às for m as iniciais de int er ior ização da sociedade. Ao serem socializados no m undo do pai – o do t rabalho na em presa –, t ais suj eit os são, t am bém , cont rolados e disciplinados, inseridos num a relação docilidade- produt ividade ( FOUCAULT, 1987) que os t orna obedient es e aj ust ados aos com port am ent os desej ados pela fi gura pat erna. Tais padrões, ao serem int eriorizados ainda na infância, t ornam - se for t em ent e enraizados nas suas subj et ividades – “ a cr iança int er ior iza o m undo dos pais com o sendo o m undo” ( BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 188) .

A inser ção de Mar ia, única ir m ã, no negócio da fam ília ocor r e de for m a dife-r enciada, vist a com m aus olhos e pdife-r econceit o podife-r padife-r t e do pai, que, ao cont dife-r ádife-r io do incent ivo aos fi lhos, r et ar da a ent rada da fi lha na or ganização e dir eciona- a para ser viços adm inist rat ivos. A difi culdade na aceit ação do t rabalho fem inino r em et e ao int er discur so da subvalor ização dessa at ividade e expr essa quest ões cult urais de gê-ner o de um a época ( década de 1970) em que a at ividade da m aior ia das m ulher es se cir cunscr evia ao ser viço dom ést ico naquela com unidade.

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o escrit ório era m uit o pequeno. Não t inha, assim , depart am ent o. Ent ão, prat icam ent e, quem t rabalhava no escr it ór io fazia t udo: era t elefonist a, era depar t am ent o pessoal, ia dent r o da em pr esa, convivia com os em pr egados. Ent ão, assim , t inha cont at o com os hom ens dir et am ent e, e aquilo pra ele, na cabeça dele, era um escândalo. Ent ão, eu lem br o que eu peit ei m esm o e fi z um concur so na Brahm a e passei. Aí falei: “ Ent ão, se o senhor não deixar eu t rabalhar com o senhor, eu vou t rabalhar na Brahm a”. Aí, ele falou: “ Não, lá não pode de j eit o nenhum . Ent ão, você vem com igo, por que aqui eu t e olho”5. Aí com eçou m eu hist ór ico de em pr esa, foi quando eu t inha 17 anos. [ ...]

Aí eu vim para o escr it ór io... ( Mar ia) .

Dest aca- se no discur so [ 05] de Mar ia a r elação de poder or iunda da fi gura pat er na com o det er m inant e de sua t raj et ór ia pr ofi ssional e do vínculo est abelecido ent r e ela e a em pr esa. A t ent at iva de t rabalho em out ra or ganização e a post er ior vinculação da fi lha ao negócio fam iliar podem ser per cebidas com o est rat égias de r esist ência perant e a r elação de poder inst it uída pelo pai, que pr oibia o t rabalho fem inino na em pr esa. O t r echo sublinhado expr im e um a vigilância per m anent e e a im posição de um a disciplina ligada ao cont r ole da fi lha. O discur so r em et e, t am bém , à dom inação fem inina, pr econizada por Enr iquez ( 1990) , que afi r m a ser est a um a est rat égia m asculina para garant ir e am pliar o poder. Tal com o dest acado por Lim a ( 1999) , ideais de r espeit o e obediência ao pai e obediência ir r est r it a das m ulher es são valor es pr econizados no seio fam iliar que t endem a ser t ransfer idos para o t rabalho na em pr esa. Além disso, obser va- se um sist em a cult ural que est abelece pr im azia ao hom em , sendo est e o indicado ao negócio, cabendo à m ulher a “ gest ão fam iliar ”, que est er eot ipa as m ulher es, ao t om á- las com o infer ior es para assum ir post os de com ando nas em presas ( GRZYBOVSKI ; BOSCARI N; MI GOTT, 2002) . As diferenças nas r elações de gêner o se sust ent am por m eio de pr át icas or ganizacionais, que r efl et em e dist r ibuem m anifest ações de poder e r esist ência, j á que o gêner o é um a for m a de expr essão das r elações de poder no espaço or ganizacional ( CAPPELLE et al., 2004) .

No per cur so sem ânt ico do t rabalho apar ece, t am bém , o t em a “ est udo”. A ausência de est udo, em concor r ência da disciplina do t rabalho braçal, apar ece nos depoim ent os, nos quais os ent r evist ados lam ent am não poder t er est udado m ais, em decorrência da aut oridade pat erna, que, por valorizar m ais o t rabalho, pouco cont ribuiu para a cont inuidade da educação dos fi lhos. É evident e, nesse sent ido, o poder na r elação ent r e pai e fi lhos, na qual o pai, ao assum ir o papel de iniciador e educador, defi ne, t am bém , as exper iências dos fi lhos, o que é bom e r uim , o que lhes é per m i-t ido e pr oibido ( ENRI QUEZ, 1990) . Além de um a quesi-t ão políi-t ica, i-t er esi-t udado pouco cont r ibuiu para a per m anência do pai no poder, um a vez que eles não possuíam nada que, obj et ivam ent e, lhe am eaçasse o com ando, per m it indo, assim , a m anut enção das r elações de poder.

[ 06] Ele abr iu m ão de est udar, no conceit o dele, que era o opost o do conceit o da m inha m ãe, para que a gent e desse pr ior idade ao t rabalho [ ...] Ent ão, quer dizer, se m eu pai t ivesse t ido no passado um a cult ura de t er est udado os fi lhos, o sucesso ser ia out r o, m uit o m aior, m uit o m aior, ent endeu? [ ...] eu não t ive a for m ação de ca-pacit ação pedagógica pra ser o pr ofi ssional que gost ar ia de t er sido, por que eu não t ive a base lá at r ás. ( Joaquim ) .

Os fi lhos fi cam subm issos ao seu poder- saber ( FOUCAULT, 1979) . Pr essupõe-- se que não é pr ovável que o pai não desej asse que os fi lhos est udassem ; cont udo, com o, em algum nível, isso poder ia im plicar am eaças à m anut enção do sist em a polít ico vigent e na or ganização, m ant ê- los longe das opor t unidades de escolar ização const it uiu um m ecanism o efi cient e para a conser vação do poder ; um a das inúm eras am biguidades da pesquisa, com o as ligadas à fam ília. I sso é r efor çado pelo fat o de Mar ia t er est udado, j á que est ar ia fora da em pr esa e não ser um a sucessora “ nat ural”. Aos fi lhos hom ens, isso não foi per m it ido.

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Histórias de Vida sobre a Família

O t em a da fam ília é, de for m a r ecor r ent e, abor dado nos r elat os. A pr econização de um a relação fam iliar harm oniosa na organização é, veem ent em ent e, defendida nos discur sos dos suj eit os com o pont o posit ivo, t ant o para a vida fam iliar quant o para a sobr evivência da or ganização, confor m e o fragm ent o discur sivo [ 07] :

[ 07] Por que a gent e vê a fam ília r om per laços por causa do negócio. E a exper iência m ost ra que você, na m aior ia das vezes, per de a fam ília e per de o negócio. E para você pr eser var o negócio, o m eu conceit o é que você pr im eir o pr eser ve a fam ília. O negócio é um a consequência de pr eser var a fam ília. ( Joaquim ) .

A or ganização é per cebida com o cont inuidade e, nesse sent ido, com o um a grande fam ília. Os laços fam iliar es, r elacionados aos sent im ent os de “ am or ”, “ digni-dade” e “ r espeit o”, est endem - se para a esfera do t rabalho. O sent im ent o de fam ília r elacionado à or ganização confi gura- se com o for t e vínculo subj et ivo, que r em et e à possibilidade de r ealização e sat isfação de necessidades de cunho psicológico ( FARI A; SCHMI TT, 2007) . Enr iquez ( 1990) defende que a im agem da or ganização, t al qual a de um a fam ília, apr esent a- se com o im por t ant e for m a de cont r ole dos suj eit os, garan-t indo subm issão, adm iração, r econhecim engaran-t o e am or, de m aneira que a or ganização t ranspar eça com o im agem t ant o da m ãe que alim ent a, com o do pai pr ot et or ( m esm o que cast rador ) . Nessa per spect iva, t am bém se dest aca, na análise sint át ica, o uso de t er m os r elacionados à afet ividade, caract er izando um com por t am ent o de “ pesso-alism o” em r elação ao t rabalho, o que r em et e à infl uência de em oções or iundas da fam ília na em pr esa. I sso é, ainda, m ais nít ido no discur so de Joaquim , que sint et iza a em pr esa no léxico fam ília.

[ 08] [ Sobr e o r elacionam ent o com os ir m ãos, depois que ent raram para a em pr esa] Sem pr e para m elhor. Sem pr e para m elhor. Apesar de que a gent e t á j unt o desde a infância, ent ram os no t rabalho desde novos, nós não t em os essa difer ença... Aliás, t em , por que a m inha ir m ã saiu e volt ou6. Pra nós, foi um a alegr ia m uit o grande. Só

m elhor ou, por que ela foi em bora, fi cou dez anos fora e volt ou. Se a fam ília não t em har m onia, quando ela volt a, a pr im eira coisa que nós ir íam os fazer é bar rar a ent rada dela, não é isso? Nós não só acat am os a volt a dela, com o inser im os ela no cont ext o societ ár io. [ ...] Ent ão, quer dizer, só enr iqueceu o convívio, só enr iqueceu. [ ...] A em pr esa é um a fam ília, ent endeu? A em pr esa é um a fam ília. Se não o é no t odo, nós sem pr e buscam os que sej a. A vida é um a fam ília, né? ( Joaquim ) .

[ 09] [ Sobr e o m ot ivo de ocupar o car go de dir et ora fi nanceira] Foi defi nido por que sem pr e t em aquela ideia, né: quem m exe com dinheir o t em que ser da fam ília. Ent ão, foi defi nido assim . Foi fi cando na m inha m ão, foi fi cando na m inha m ão. Relação de confi ança, fam ília. ( Mar ia) .

A valor ização da infl uência fam iliar na em pr esa apar ece m enos explicit am ent e quando apar ecem t em as com o a “ pr ofi ssionalização” e a “ sucessão fam iliar ”. Nesses casos, a infl uência dos laços fam iliar es, ant es per cebida com o benéfi ca, sur ge com o int er fer ência que pode ser pr ej udicial ao negócio. Nesse m om ent o, m et áforas com o j ogo, peças, t abuleir o de xadr ez, locom ot iva e t r ilho são ut ilizadas, r efor çando a ideia da racionalidade na em pr esa, em cont raposição aos valor es afet ivos r elacionados à fam ília out r ora per cebidos.

[ 10] A m inha m et a é pr ofi ssionalizar a em pr esa. Nós est am os t rabalhando hoj e para pr ofi ssionalizar a em pr esa. [ ...] E o t abuleir o de xadr ez aqui dent r o da em pr esa, a nível de funções, ele t á bem ar quit et ado. O plano t á m uit o bem for m ado. As peças est ão m uit o cim ent adas nas posições que ocupam . O j ogo t á bem t raçado, ent endeu? [ Sobr e a infl uência da fam ília na or ganização] I nfl uencia negat ivam ent e por que a pessoa não pode est ar t om ando as decisões, dir ecionar um a locom ot iva que é um a em pr esa e buscar o t r ilho que quer, que é o cam inho, ou buscar o nor t e da em pr esa, o nicho de m er cado se ela não t em conhecim ent o do cam inho o qual ela t á buscando ir, ent endeu? ( Joaquim ) .

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Out r o pont o de dest aque diz r espeit o à ent rada dos fi lhos dos ent r evist ados na or ganização – a t er ceira geração. Ora per cebida com o indesej ada, ora com o desej ada, observam - se, no discurso dos suj eit os, refl exos da cont radição posit ividade versus ne-gat ividade da infl uência fam iliar na organização, conform e o fragm ent o discursivo [ 11] :

[ 11] Eu não gost ar ia que eles ent rassem na em pr esa. Gost ar ia que eles est udassem e fossem conduzir a vida por si pr ópr ios. Mas, se t ivesse que ent rar, eu ia dizer para eles que é um a em pr esa fam iliar, que pode t er alguns pr oblem as de sucessão, pr inci-palm ent e na t er ceira geração. [ ...] A gent e t em assist ido aí no m er cado é que m uit as fam ílias, m uit os fi lhos fi cam focados na em presa fam iliar. Às vezes, esquecem de out ros cam inhos at é de se for m ar e pr ocurar seu pr ópr io cam inho. A car ga fi ca pesada em cim a da em pr esa. Afi nal, são m uit as pessoas ali em cim a, com r et iradas alt as, com alt os salár ios e, no fi nal, a em pr esa não aguent a, não supor t a, ent endeu? Ent ão, é por isso que eu coloquei que, se cada um pr ocurasse seu cam inho, eu pr efer ir ia. É por isso ... ( João) .

[ 12] No fundo, no fundo, a gent e sem pr e quer que o fi lho dê sequência naquilo que o pai faz, sej a um m édico, um dent ist a, ou pr ofi ssional da ár ea indust r ial, qualquer que sej a. Eu t am bém não sou difer ent e, eu gost ar ia que eles viessem para cá. ( Joaquim ) .

É int er essant e obser var nos depoim ent os [ 11] e [ 12] as opiniões diver gent es em r elação à vinculação ou não da t er ceira geração à em pr esa. Enquant o Joaquim ( o at ual pr opr iet ár io) é favor ável a t al sit uação, João posiciona- se cont r ár io, desej ando que os fi lhos sigam cam inhos pr ópr ios, sem se subm et er ao t io e aos pr im os, dese-j ando, assim , livr á- los da t eia fam iliar de poder. O t er m o “ pr oblem as de sucessão” funciona com o im plícit o subent endido, suger indo que t al sit uação j á ocor r eu. Um a quest ão que r efor ça t al afi r m ação r efer e- se ao fat o de Mar ia e João t er em vendido suas par t es na em pr esa ant es que a segunda sucessão ( que ser ia a ent rada da t er-ceira geração) ocor r esse. A venda das ações é j ust ifi cada no discur so de João, que afi r m a que ele e seus ir m ãos j á vislum bram possíveis confl it os quando da ent rada da t er ceira geração. “ I r m ão com ir m ão com bina; pr im o com pr im o, não”. Dessa for m a, planej am que apenas um deles per m aneça “ 100% com os fi lhos”. No ent ant o, é si-lenciado, em seu discur so e t am bém no do ir m ão, o m ot ivo pelo qual se decidiu pela hegem onia de Joaquim na pr opr iedade do negócio. Apenas Mar ia j ust ifi ca a venda de suas ações, que, segundo ela, se deu pelo fat o de suas duas fi lhas, j á univer sit ár ias, alm ej ar em seguir por cam inhos difer ent es do t rabalho em pr esar ial indust r ial, o que a levou a vender a sua par t e.

Apesar do silêncio nos depoim ent os dos ent revist ados em relação aos problem as de sucessão, que r esult ar iam na venda das ações, é possível pensar que t al ocor r er ia, vist o o desej o de João de que os fi lhos não ingr essem na em pr esa, alegando a pr oba-bilidade desse t ipo de pr oblem a. Out ra quest ão r efer e- se ao fat o de João alm ej ar que os fi lhos sigam cam inhos pr ópr ios ( não quer que os fi lhos façam com o ele fez) , o que t am bém funciona com o im plícit o pr essupost o de que ele não pôde escolher, seguir por out ras ár eas pr ofi ssionais, t endo sido for çado a se vincular ao negócio da fam ília. João r efer e- se à sua per m anência na em pr esa ut ilizando o t er m o “ vou fi cando”, o que confi rm a a análise de que a perm anência é ligada ao fat o de o ent revist ado não possuir out ras opções profi ssionais senão o t rabalho na em presa. Mesm o j á t endo vendido sua par t e ao ir m ão, ele cont inua com o em pr egado, o que dem onst ra o desint er esse na pr opr iedade do negócio ou que seus fi lhos, ainda cr ianças, se t or nem her deir os. Sua acom odação na posição at ual pode dem onst rar sent im ent os de incapacidade ou inabi-lidade para out ra ocupação profi ssional, fat o reforçado pelo baixo nível de escolaridade ( pois t eve de pr ivilegiar o t rabalho em det r im ent o à educação for m al escolar ) , e pelo fat o de t er sido o t rabalho na em pr esa, prat icam ent e, a única at ividade pr ofi ssional de t oda a sua vida. Sobr e esse pont o, é fundam ent al dest acar que João se r econhece com o suj eit o pelo t rabalho na or ganização, e t am bém com o m em br o da fam ília pelo t rabalho. Desse m odo, o vínculo est abelecido com o obj et o “ or ganização fam iliar ” é for t em ent e subj et ivo e per m eado por r elações afet ivas, o que t or na difícil a r upt ura; e, assim , o suj eit o “ vai fi cando”.

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pelo am or m ascara as r elações de poder que se t raduzem em sit uações de subm issão, m anipulação e alienação ( ENRI QUEZ, 1990) . A ideia da em pr esa com o um a grande fam ília e per m eada por sent im ent os de afet ividade, que at uam no im aginár io dos suj eit os, incut e neles sensações sim ilar es àquelas vivenciadas na r elação fam iliar, podendo se t or nar “ um m eio efi caz de subm et er e alienar o indivíduo à or ganização” ( FARI A; SCHMI TT, 2007, p. 42) .

[ 13] Am or... em t udo, am or... Am or m esm o, m uit o am or, em t udo, t udo, t udo, t udo am or. [ ...] por que a gent e apaixona com o cour o, a gent e apaixona com o cour o... ( Joaquim ) .

[ 14] Aí eu fui fi cando, e a gent e vai t om ando am or. ( João) .

Um cont r ole social, com um às falas dos ent r evist ados, r efer e- se à im por t ância dada às or igens do fundador, seus ideais e t oda a vida de dedicação ao desenvolvi-m ent o do seu negócio. Tal fat o est á pr esent e nas hist ór ias dos t r ês suj eit os, at uando, possivelm ent e, com o fat or de vínculo ao negócio da fam ília. A cont inuidade ao legado do pai const it ui- se em um a sit uação de t ransm issão fam iliar, sendo est a não apenas m at erial, m as t am bém afet iva e sim bólica ( CARRETEI RO; FREI RE, 2006) . Dessa form a, o t rabalho na em pr esa signifi ca apr opr iar- se do “ sonho do pai”, dando- lhe pr ossegui-m ent o, r epr oduzir os desej os pat er nos é per pet uar a pr ópr ia faossegui-m ília. Aossegui-m ar a eossegui-m pr esa t al com o ele a am ou é m ais do que um pr oj et o pr ofi ssional, é um pr oj et o de vida do pai, r eapr opr iado e r ealim ent ado pelos fi lhos, que par t icipam do sonho, ao t er em sido nele inser idos desde a infância, e vendo nele par t e da pr ópr ia dinâm ica da fam ília.

Discussão

Ao t razer à baila um a t em át ica j á consideravelm ent e est abelecida nos est udos or ganizacionais, a das em pr esas fam iliar es, est e est udo t raz, com o m aior cont r i-buição, a pr oblem at ização do afet o or ganizacional em um quadr o capit alist a. I sso signifi ca discut ir a noção de que, pelo fat o de os sent im ent os est ar em m ais afl orados em em pr esas fam iliar es, o desem penho possui um a im por t ância m enor, o que não é ver dade. Tant o que os confl it os são ut ilizados com o m ecanism os de m ediação com o int uit o de m it igar event uais pr oblem as para a em pr esa, j á que, fr equent em ent e, ela consist e na pr incipal font e de r enda fam iliar.

Os achados da pesquisa per m it em quest ionar a pr eponder ância dos aspect os afet ivos em relação às relações capit alist as em em presas fam iliares. Não se quer dizer, com isso, que est es sej am elem ent os exclusivos e que se um est á pr esent e, o out r o não est á; m as de duvidar de cer t a com placência com boa par t e dos est udos sobr e em pr esas fam iliar es, que as desenham com o am bient es confl it uosos por cont a das sobr eposições com as r elações fam iliar es, m as “ felizes”, em que o afet o pr edom ina de for m a incont est e. Quest ionam os se est a não é, inclusive, um a for m a encont rada por t ais or ganizações para sobr eviver, j á que as r elações polít icas, um a vez assent adas sobr e os int er esses fam iliar es, const it uem um inst r um ent o de aj ust e social no âm bit o organizacional, o que signifi ca um a via de duas m ãos, pois os m esm os que desej am ver seus int er esses pessoais/ fam iliar es pr esent es na em pr esa, event ualm ent e, silenciam se o negócio pode ser pr ej udicado em função de t ais int er esses.

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Tam bém , é pr eciso quest ionar os raciocínios de que o fam iliar, e leia- se o “ pou-co” pr ofi ssional, o afet ivo em dem asia, é pr oblem át ico por si só – j á que se obser vam inúm eras or ganizações que só chegaram onde est ão, pr ecisam ent e, em função de ser em fam iliar es e não à r evelia disso – t ant o quant o que a fr ieza dos negócios sej a o cam inho inexor ável para as em pr esas fam iliar es. Esses dois ext r em os pouco aj udam a com pr eender a com plexidade efet iva de t ais or ganizações. A afet ividade se faz pr e-sent e nas or ganizações fam iliar es t ant o quant o em qualquer t ipo de or ganização, j á que a dim ensão afet iva não se t rat a de algo que os ser es hum anos possam separar de for m a deliberada de seu com por t am ent o pr ofi ssional. Talvez, haj a explicit ação m aior do afet o em em pr esas fam iliar es do que em em pr esas não fam iliar es. Cont udo, que isso não sej a ent endido com o sinônim o de necessidade pr em ent e de r evisão da for m a com o as coisas são feit as. Or ganizações em que há m uit o “ silêncio”, o que pode ser ent endido com o não m anifest ação de elem ent os que são pr opr iam ent e hum anos, podem ser, par t icular m ent e, difíceis de adm inist rar em função de est ar em os pr oble-m as na sooble-m bra, podendo vir eoble-m a eclodir, de oble-m aneira violent a, a qualquer oble-m ooble-m ent o.

Reflexões Finais

Nest e t rabalho, o obj et ivo é discut ir os vínculos ent r e indivíduo e or ganização, que caract er izam a per m anência, ou não, de suj eit os indicados com o sucessor es na em pr esa da fam ília, t endo com o base de análise as cat egor ias subj et ividade e r ela-ções de poder ; ent endendo- as com o quest ões em dir et a int er- r elação, o que foi feit o m ediant e um a pesquisa qualit at iva, baseada em hist órias de vida, m at erial t rabalhado por m eio da análise do discur so.

Os pr incipais achados da pesquisa suger em que os ent r evist ados se encont ram vinculados à or ganização. No ent ant o, a com pr eensão do vínculo, no cont ext o de cada t raj et ór ia, apr esent a nuances par t icular es. No caso de João, o assuj eit am ent o às nor m as e valor es da em pr esa fam iliar apar ece com o r esult ado de devoção ao pai/ fundador, sua hist ór ia de vida e dedicação ao negócio ( FARI A; SCHMI TT, 2007) . No ent ant o, seu discur so apont a o desej o de seguir um cam inho pr ópr io, difer ent e do negócio da fam ília, o que é r efor çado pelo fat o de t er vendido suas ações ao ir m ão, abdicando do papel de pr opr iet ár io do negócio. Mar ia, por sua vez, apr esent a, em sua hist ór ia de vida, um a t raj et ór ia de aut onom ia e r esist ência à sit uação de cont r ole e poder do pai m ediant e sua inser ção no negócio em que “ m ulher não ent ra”, o que t am bém r efl et e a busca de liber t ação da subm issão fem inina. Em cont rapar t ida, o vínculo de Joaquim com a em pr esa dem onst ra est ar em har m onia com as nor m as e valor es da or ganização, o que, em par t e, se explica pelo fat o de ele ser o pr im ogênit o, por t ant o, o candidat o “ nat ural” a dar cont inuidade aos negócios. Em t odos os casos, r essalt a- se o for t e vínculo subj et ivo est abelecido ent r e os ir m ãos e a fi gura do pai/ gest or, que se caract er iza com o um a r elação de poder, im br icada por sent im ent os fam iliares e profi ssionais, reforçando a perm anência desses indivíduos na organização.

Dest aca- se, na análise do caso em quest ão, as r elações polít icas per m eadas por afet os fam iliar es que at uam , dir et am ent e, na dinâm ica or ganizacional. Afi nal, a infl uência fam iliar pode ser per cebida na ent rada dos suj eit os na em pr esa, no t rabalho e, m esm o, na r elação est abelecida com a pr ópr ia or ganização, que se confi gura com o um obj et o de t ransm issão fam iliar, em que sua cont inuidade garant e a perm anência do legado da fam ília e a m anut enção de laços ent r e os fam iliar es ( CARRETEI RO; FREI RE, 2006; LI MA, 1999) . A per m anência dos suj eit os, t am bém , é m ar cada por quest ões fam iliar es. Nesse caso, disposições afet ivas, r elacionadas ao am or e ao sent im ent o de fam ília para com a or ganização são apont adas, r em et endo às for m as veladas de cont r ole e poder por m eio desses sent im ent os ( ENRI QUEZ 1990; 2007) . Tam bém , dest acam - se r elações de poder que em er gem dos confl it os de gest ão ligadas às at ivi-dades do t rabalho na em pr esa. Mesm o nessas sit uações, são evident es as infl uências do t ecido fam iliar, indissociável da vida or ganizacional.

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sua com plexidade dinâm ica, por m eio de seus signifi cados obj et ivos e subj et ivos. Es-sas r elações per passam as hist ór ias dos suj eit os, est ando dir et am ent e r elacionadas à sua vinculação – ou não – à or ganização.

Por fi m , as r efl ex ões r ealizadas só foram possíveis m ediant e o r esgat e da subj et ividade, sendo essencial dest acar que os vínculos est abelecidos pelos suj eit os com a or ganização são for t em ent e subj et ivos. Os indivíduos se r econhecem com o m em br os da fam ília pelo t rabalho que desem penham na em pr esa, e, pr incipalm ent e, reconhecem - se com o suj eit os. Afi nal, grande part e de sua subj et ividade foi const ruída naquele espaço, j á que eles foram socializados, desde cedo, na or ganização, m esm o no caso de Mar ia, em um pr im eir o m om ent o alij ada do cont ext o or ganizacional. Nesse sent ido, o vínculo com a or ganização const it ui- se com o par t e da pr ópr ia subj et ividade desses suj eit os. Essa dinâm ica psíquica engendra, com o as hist ór ias de vida deixam clar o, r elações de poder. Os indivíduos r epr oduzem a or ganização por m ot ivos que ext rapolam quest ões de or dem racional; r epr oduzem - na por razões m ais pr ofundas que, m uit as vezes, lhes escapam à pr ópr ia consciência. Nesse sent ido, “ a or ganização t ende a se t or nar font e de sua angúst ia e de seu prazer. Est e é um dos aspect os m ais im por t ant es de seu poder ” ( PAGÈS et al., 1987, p. 144) .

As pr incipais im plicações do est udo se r efer em à polit ização do cont ext o or ga-nizacional fam iliar. Ainda que em pr esas fam iliar es const it uam or ganizações em que a afet ividade é m ais int ensa do que a ver ifi cada em out r os t ipos de or ganização, em vir t ude da conver gência ent r e fam ília e negócios, elas não deixam de ser em pr e-endim ent os econôm icos. Com o t al, valem - se dos m esm os ar t ifícios que as dem ais or ganizações para conseguir dos seus m em br os com pr om et im ent o e vinculação a um pr oj et o que ant ecede aos par t icipant es. Os fi lhos, segunda geração, abraçam um sonho que não é seu e deixam de lado, em alguns casos, o que lhes é im por t ant e, com o par ece ser o caso de um dos ent r evist ados, que suger e ar r epender- se por não t er usufruído, quando j ovem , das oport unidades que a escolaridade lhe proporcionaria. Um indicat ivo disso é o desej o da não cont inuidade da t er ceira geração nos negócios da em pr esa, o que suger e um desej o de livr e- ar bít r io, do qual não desfr ut aram os fi lhos do fundador, ao ser em subm et idos, pr ecocem ent e, ao am bient e da or ganização. Ainda que não se possa afi r m ar isso de for m a cat egór ica, a par t ir dos dados, um a possibilidade de leit ura é que o pai, na com plexa t essit ura ent r e em pr esa e fam ília, t enha se valido do afet o para consolidar um pr oj et o pessoal/ or ganizacional que se baseava na subm issão, afet iva e pr ofi ssional, ao seu m ando, ao seu poder. Esse caso ilust ra que as em pr esas fam iliar es apr esent am m uit os pont os em com um com out ras or ganizações, pois ainda que sob a infl uência da fam ília, não deixam de ser negócios, sendo, assim , r egidas pelo capit alism o e sua dinâm ica de apr opr iação econôm ica.

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