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Violência nas escolas e políticas públicas: um estudo sobre a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

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Academic year: 2017

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PATRICIA DE OLIVEIRA NOGUEIRA PRÖGLHÖF

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E POLÍTICAS PÚBLICAS:

um estudo sobre a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

SÃO PAULO – SP

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VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E POLÍTICAS PÚBLICAS:

um estudo sobre a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, para obtenção do título de Mestre em Administração Pública e Governo.

Campo de conhecimento:

Governo e Sociedade Civil em Contexto Subnacional

Orientador:

Prof. Dr. Francisco César Pinto da Fonseca

SÃO PAULO – SP

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PRÖGLHÖF, Patrícia de Oliveira Nogueira.

Violência nas escolas e políticas públicas: um estudo sobre a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania / Patrícia de Oliveira Nogueira Pröglhöf. -2015.

169 f.

Orientador: Francisco César Pinto da Fonseca.

Dissertação (CMAPG) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

1. Políticas públicas – São Paulo (Estado). 2. Violência escolar – São Paulo (Estado). 3. Cidadania. I. Fonseca, Francisco César Pinto da. II. Dissertação (CMAPG) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título.

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VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E POLÍTICAS PÚBLICAS:

um estudo sobre a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, para obtenção do título de Mestre em Administração Pública e Governo.

Campo de conhecimento:

Governo e Sociedade Civil em Contexto Subnacional

Data de aprovação: 24/02/2015

Banca examinadora:

__________________________________ Prof. Dr. Francisco César. Pinto da Fonseca (Orientador)

FGV/EAESP

__________________________________ Prof. Dr. Peter Kevin Spink

FGV/EAESP

_________________________________ Profa. Dra. Flávia Inês Schilling

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Ao Pedro, pelo companheirismo e cumplicidade, por todos os cuidados atenciosos ao longo destes anos.

Aos meus pais e irmãs, pelo amor de sempre e pelo interesse e participação ativa na pesquisa (não há pizzas que paguem as transcrições e a leitura atenta).

Aos meus sogros e cunhadas(os), pelas orações e pela compreensão em todos os finais de semana que não fomos para São José dos Campos “porque a Pati tem que estudar”.

Ao professor Francisco Fonseca, pela orientação, interesse e confiança; aos professores Flávia Schilling e Peter Spink, pelos precisos comentários na banca de qualificação e defesa; e a todos os professores da FGV, pelo cuidado com a formação de pesquisadores consistentes e atuantes.

À Samira e ao Renato, pelo incentivo ao mestrado e por todo o apoio e flexibilidade durante sua realização. A todos os colegas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Aos amigos da Terceira Turma e do Zuzuround, pelo amadurecimento conjunto e pelos momentos de descontração durante estes anos todos. Aos novos amigos da FGV, pelo tempo, angústias e descobertas compartilhadas. À Paty e à Thaís, pela amizade incondicional.

A todos os entrevistados, pela receptividade e pelas longas e valiosas horas de conversa.

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Il y a l’infirmité des débuts. Il y a la grâce vers la fin. Entre les deux, la croissance nécessaire de l'esprit, l'égarement dans un travail, une durée. Le début et la fin sont donnés ensemble, on ne voit qu’après.

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Sendo diversos os entendimentos sobre o que significa violência nas escolas e, consequentemente, sobre as possibilidades de intervenção por parte do poder público, como são formuladas as políticas que lidam com esse fenômeno? Pautada por esta pergunta, a presente pesquisa estrutura-se a partir de uma ampla revisão da literatura e de um estudo de caso sobre o processo de formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania, criado em 2009 pelo governo do estado de São Paulo. Os resultados apontam que o surgimento da política foi marcado por um modelo reativo de políticas públicas e que o processo de seu desenho apresentou elementos típicos de um modelo de política incremental. Verificou-se que a iniciativa foi capaz de fazer avançarem práticas e de introduzir algumas inovações na forma como as políticas públicas lidam com o tema; no entanto, as características impressas por seu processo de formulação limitam a possibilidade de que a política contribua para a construção de mudanças mais consistentes na realidade da violência nas escolas.

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Being several the understandings about what school violence means and, therefore, the possibilities of intervention by the public services, how are formulated the policies that deal with this phenomenon? Guided by this question, the present research is based on a large literature review and on a case study about the formulation process of the School Protection System, created in 2009 by the Government of the State of São Paulo. The results point that a reactive public policy model marks the setting of this policy and that its designing presents typical elements of an incremental public policy model. Although the initiative is capable of advancing and introducing some innovations on the way that public policies deal with the theme, the characteristics imprinted by its formulation process restrain the possibility that the policy contributes to more consistent changes in the reality of school violence.

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Tabela 1 – Proporção de escolares frequentando o 9º ano do Ensino Fundamental, por questões ligadas a acidentes, violência e segurança. Capitais e Distrito Federal – Brasil –

2009-2012 34

Gráfico 1 – Proporção percentual de respondentes, por principal problema da educação

pública hoje – Brasil – 2014 36

Gráfico 2 – Proporção percentual de respondentes, por fator mais importante para que a escola

seja de qualidade – Brasil – 2014 36

Gráfico 3 – Proporção percentual de respondentes, por tipo de violência ocorrida na escola

do(a) filho(a) – Brasil – 2014 36

LISTA DE QUADROS E ORGANOGRAMAS

Quadro 1 – Principais atores envolvidos na criação do Sistema de Proteção Escolar e

Cidadania, órgão de atuação, cargo e período 74

Quadro 2 – Formação acadêmica, instituição de ensino e ano de conclusão da graduação dos principais atores envolvidos na formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania 75 Quadro 3 – Atores envolvidos na criação do Sistem de Proteção Escolar e Cidadania com atuação prévia na área de Segurança Pública, por atividade e período 76 Organograma 1 – Estrutura do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania durante formulação

100 Quadro 4 – Eixos e atividades da segunda consultoria prestada pela Fundap 135 Quadro 5 – Situação e característica das medidas durante a formulação do Sistema de

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Alesp Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

Apeoesp Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

BO Boletim de Ocorrência

Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Cebrap Centro Brasileiro Análise Planejamento

CEI Coordenadoria de Ensino do Interior

Cenp Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

COGSP Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo

Conseg Conselho Comunitário de Segurança Cravi Centro de Referência e Apoio à Vítima

Dare Drug Abuse Resistance Education Program

Denarc Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico DPCDH Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

EqP Escola que Protege

FDE Fundação para o Desenvolvimento da Educação FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Fundap Fundação para o Desenvolvimento Administrativo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Ilanud Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente

ISPCV Instituto São Paulo Contra a Violência MPSP Ministério Público do Estado de São Paulo

PC Polícia Civil

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PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMEC Professor Mediador Escolar e Comunitário PNDH Programa Nacional de Direitos Humanos Proeis Programa Estadual de Integração da Segurança Proerd Programa Educacional de Resistência às Drogas PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

ROE Sistema de Registro de Ocorrências Escolares Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica Scielo Scientific Electronic Library Online

SEB Secretaria de Educação Básica

Secad Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Seduc Secretaria de Estado da Educação do Rio de Janeiro

SEE Secretaria da Educação do Estado de São Paulo Signa Signalement des actes de violence

Sivis Système d'information et de vigilance sur la sécurité scolaire SJDC Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo SPEC Supervisão de Proteção Escolar e Cidadania

SSP Secretaria de Segurança Pública de São Paulo TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

Udemo Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo

Undime União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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INTRODUÇÃO 9 CAPITULO 1 – Violência nas escolas nas agendas de pesquisa e de políticas públicas 19

1.1. O problema da violência nas escolas: emergência e multiplicidade 19

1.2 Mensurando o problema: pesquisas e dados 26

1.3 Respostas ao problema: políticas públicas 38

1.4 Reflexões sobre o capítulo 51

CAPÍTULO 2 – Violência nas escolas paulistas e a formulação do Sistema de Proteção

Escolar e Cidadania 54

2.1 Violência nas escolas públicas paulistas: o (pouco) que sabemos 54 2.2 Políticas de prevenção à violência nas escolas da rede pública do Estado de São

Paulo: de Montoro ao primeiro governo Alckmin 57

2.3 Gestão Serra e a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania 68 2.4. Gestão Serra e (os bastidores da) formulação do Sistema de Proteção Escolar e

Cidadania 74

2.5. Reflexões sobre o capítulo 92

CAPÍTULO 3 – Discussão de medidas no processo de desenho do Sistema de Proteção

Escolar e Cidadania 96

3.1 Medidas discutidas durante a preparação e o lançamento público da política (2008

-2009) 96

3.2. Medidas discutidas a partir do momento de regulamentação da política (2010) 119 3.3. Medidas discutidas ao longo das consultorias da Fundap (2010-2013) 127

3.4. Reflexões sobre o capítulo 141

4. CONCLUSÕES 145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 150

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INTRODUÇÃO

A análise sobre as relações entre a violência e a escola surge de forma expressiva nas agendas nacional e internacional de pesquisa a partir da década de 1980. O tema revela-se como um fenômeno complexo, com diversas definições e interpretações, e até hoje não existe consenso sobre a que se refere ou sobre os fatores que o determinam. No entanto, devido ao sentido de urgência e insegurança trazido pela ocorrência de episódios compreendidos amplamente como situações de “violência nas escolas”, acentuado principalmente pela mídia, o poder público é cada vez mais demandado na busca por respostas concretas e efetivas para o problema.

O período entre o final da década de 1980 e início da década de 1990 marca a entrada do tema na agenda das políticas públicas brasileiras e coloca um complexo desafio a seus formuladores, uma vez que a multiplicidade de leituras sobre o fenômeno produz consequências adversas no sentido da sua resolução (SPOSITO, 2002). Trata-se assim da necessidade de lidar com objeto marcado por uma verdadeira “batalha de palavras”, que gera desentendimentos tanto de natureza teórica quanto política, impactando as escolhas sobre as medidas a serem tomadas em função da perspectiva que se adote (DEBARBIEUX, 2002).

Passados hoje mais de 25 anos desde que as primeiras políticas públicas começaram a ser implementadas na área, verifica-se considerável acúmulo de experiências, principalmente nas esferas estadual e municipal. Embora expressem ações muitas vezes fragmentadas e descontínuas, estas iniciativas demandam estudos capazes de avaliar sua eficácia e proporcionar elementos para a formulação de novas orientações (GONÇALVES; SPOSITO, 2002).

A produção acadêmica brasileira sobre o tema das políticas públicas relacionadas à violência nas escolas revela-se, contudo, ainda reduzida. Embora o número de teses e dissertações sobre o fenômeno venha aumentando nas últimas décadas,1 os principais aspectos abordados por estes trabalhos parecem dedicar-se prioritariamente a questões como a percepção do público escolar (alunos, professores e gestores) sobre o problema, os discursos da mídia na divulgação de episódios de violência nas escolas, estratégias pontuais de enfrentamento elaboradas por professores ou diretores, além de uma importante produção –

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sobretudo nos últimos anos – sobre o fenômeno do bullying.2 Entre os poucos trabalhos que se ocupam do papel das políticas públicas no enfrentamento deste problema, uma parcela significativa dedica-se a analisar a implementação ou a avaliar os resultados de programas e projetos desenvolvidos pelo poder público. São raros, assim, os estudos que analisam os processos de formulação de tais iniciativas.

É interessante destacar que esta situação alinha-se com a percepção de que, nos estudos sobre a Administração Pública em geral, o processo de elaboração das políticas públicas e de definição de seus objetivos é muitas vezes preterido (VILLANUEVA, 2006; SUBIRATS; 2006). Para Villanueva (2003), isso decorre do fato de que, por muito tempo, a ciência política esteve marcada por teorias que entendiam as decisões políticas como elementos determinados pelas forças e estruturas sociais, de modo que o governo não tinha capacidade de eleger seus propósitos e ações (sendo “mais governado do que governo”). Já na Administração Pública, a separação entre políticos (que decidem) e administradores (que executam as decisões), nesse mesmo período, determinou que as decisões sobre os rumos das políticas não fossem objeto de estudo, uma vez que seriam dadas a priori e constituiriam etapa anterior aos propósitos da matéria.

Entretanto, com as diversas mudanças contextuais e sociais ocorridas nas últimas décadas, estas percepções passaram a ser revistas. Do lado da Ciência Política, o sentido e a função do próprio Estado são alterados, sendo este cada vez mais demandado a intervir autonomamente para conciliar e ajustar interesses diversos. O crescimento do aparato estatal seria, assim, sinal de que as grandes forças e estruturas sociais (como a estrutura econômica, as lutas de classes e as disputas entre grupos de interesse) não eram capazes de resolver muitas das questões e garantir o bem-estar público, sendo necessária uma atuação autônoma e direta do Estado. Do lado da Administração Pública, a complexidade, a escala e a interdependência dos problemas públicos exigem cada vez mais especialização nos processos de tomada de decisão, com o suporte de cálculos de custos e consequências, de informações confiáveis, entre outros elementos que revelam a indissociabilidade entre a política e a técnica na construção das políticas públicas.

Em tal cenário, o estudo do processo de formulação das políticas e de definição de seus objetivos passa a ser percebido como cada vez mais necessário, sendo importante tanto

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em si mesmo – uma vez que as características desse processo, dos atores envolvidos, das alternativas consideradas, entre outros, contribuem para o desenho da política – e também para a análise dos momentos de implementação e avaliação, os quais serão em grande medida determinados pelos objetivos e rumos inicialmente estabelecidos.

Assim, este trabalho procura contribuir de modo amplo para o aprofundamento dos estudos sobre formulação de políticas públicas e, de modo mais específico, para a investigação deste processo nas políticas ligadas à temática da violência nas escolas. Nesse sentido, o problema de pesquisa refere-se centralmente à pergunta sobre como são formuladas as políticas públicas que lidam com a violência nas escolas, e interessa-se particularmente pela análise dos elementos que contribuem para a prevalência de determinadas abordagens diante dessa amplitude conceitual que caracteriza o tema e da decorrente multiplicidade de intervenções possíveis por parte do poder público.

Para explorar essa questão, foi realizada ampla pesquisa bibliográfica sobre o tema e um estudo de caso sobre o processo de formulação da política pública Sistema de Proteção Escolar e Cidadania, criada em 2009 pelo governo do Estado de São Paulo e até hoje em vigor na rede estadual de educação.

Para a pesquisa bibliográfica, foram consultadas bibliotecas online de periódicos acadêmicos nacionais e internacionais, sistemas de bibliotecas de Educação e Administração Pública, o banco de teses e dissertações da Capes, ferramentas de busca online, bem como a lista de referências dos diferentes materiais pesquisados.3 As buscas foram feitas em português, inglês, espanhol e francês, escopo linguístico a partir do qual foram reunidos e analisados artigos de periódicos, livros e capítulos de livros, relatórios de pesquisas, entre outros documentos. A análise dos conteúdos presentes nestes recursos foi feita por meio de classificação em categorias temáticas, definidas em: conceitos, pesquisas internacionais, pesquisas nacionais, pesquisas paulistas, políticas internacionais, políticas nacionais e políticas paulistas.

O recurso ao estudo de caso como estratégia de pesquisa fundamentou-se nos argumentos sobre o método apresentados por Flyvbjerg (2006), para quem o aprendizado

3 Entre os principais periódicos, foram consultados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

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obtido por meio de estudos de caso pode muitas vezes ser generalizado, contribuindo para o desenvolvimento científico da área em questão, ou ainda – nas situações em que essa generalização não possa ser realizada – pode constituir uma etapa importante do processo de acumulação de conhecimento coletivo, levando a desenvolvimentos posteriores.

Nesse sentido, dada a particularidade dos processos de formulação de políticas públicas, os quais envolvem contextos, atores e problemas específicos, o estudo de caso apresentado não pretende ser uma vasta explicação sobre como são criadas as políticas que lidam com o tema da violência nas escolas. Em sentido mais restrito, a pesquisa pretende contribuir, a partir de um caso específico, para o aprofundamento dos conhecimentos sobre as políticas públicas da área, introduzindo um recorte analítico ainda pouco explorado e abrindo caminho para novos estudos sobre o tema.

Destacamos, ainda, que no entendimento desta pesquisa os processos de formulação não são estanques e limitados a apenas uma etapa inicial do ciclo de políticas públicas, mas ocorrem durante todo o curso de vida das políticas.4 Assim, o estudo de caso compreende o período entre 2007 e 2014, e abarca o período das duas gestões do governo estadual que perpassam todo o desenvolvimento do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania e no qual observam-se definições e redefinições de seu desenho.

A escolha dessa política para explorar a relação entre o fenômeno da violência nas escolas e a formulação de políticas públicas decorre de diversos fatores. No que se refere ao contexto de análise, a opção por uma política estadual reflete, primeiramente, o posicionamento da pesquisadora em relação à linha de pesquisa na qual se insere, a saber, a dos estudos sobre Governo e Sociedade Civil em Contexto Subnacional. Diante desse enquadramento – e da verificação das poucas possibilidades de análise identificadas em âmbito nacional, como será apresentado adiante –, o processo de escolha centrou-se entre os planos municipal e estadual. A definição pelo estudo de uma política estadual fundamentou-se em três aspectos centrais:

a) na estrutura de competências federativas brasileira que, na área da educação, confere às redes estaduais prioridade aos ensinos fundamental e médio (sendo estes os níveis educacionais em que o tema da violência escolar parece ser mais perceptível) e que, na área da segurança pública, também atribui

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competência primária aos estados;

b) na possibilidade de, a partir de uma política estadual, analisar o desafio da administração pública em estruturar uma resposta ao fenômeno tendo em conta, para além da multiplicidade de situações agrupadas sob este termo, também os diferentes problemas encontrados em função dos contextos social, econômico e político dos diversos municípios;

c) no potencial de impacto das políticas estaduais em termos de abrangência populacional e geográfica.

Para a escolha de uma política estadual capaz de balizar o estudo, foi realizada pesquisa exploratória por meio de websites das Secretarias de Educação e Segurança Pública de diferentes estados, além de busca por teses e dissertações sobre políticas públicas ligadas ao tema. Como critérios, foram estabelecidos: a) a seleção de uma política recente, para que fosse possível ter ainda acesso a seus formuladores e b) a seleção de uma política que lidasse com a violência nas escolas como um fenômeno em si – e não associado a outros temas, como gênero ou drogas – o que permitiria enxergar de modo mais claro e isolado os elementos que influenciam a definição de uma política sobre a questão. Entre as poucas políticas que atenderam a esses critérios, o Sistema de Proteção Escolar e Cidadania revelou-se o mais interessante. Como será esclarecido mais adiante, a política aborda o fenômeno com medidas educativas e repressivas, levando a reflexões instigantes sobre o processo de formulação que poderia ter levado a esta combinação.

Por fim, a facilidade da pesquisadora em ter acesso aos atores e documentos referentes à formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania, em função de sua residência na cidade de São Paulo e de sua atuação profissional em uma organização da sociedade civil cuja missão relaciona-se à discussão sobre segurança pública, foram também fatores importantes na escolha desta política como estudo de caso para a dissertação.

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outros); d) documentos não publicados de preparação e diagnóstico da política fornecidos pelos entrevistados.5

As entrevistas realizadas foram semiestruturadas e compreenderam o universo de dez pessoas envolvidas nas diferentes etapas de formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania. O roteiro elaborado procurou investigar suas narrativas sobre este processo, identificando fatos, conceitos e atores considerados centrais. Foram também enfocadas as principais medidas discutidas no período em que os entrevistados estiveram envolvidos com a política, bem como as motivações para sua adoção ou não como parte do sistema. Assim, ressalta-se que o trabalho analítico realizado, embora contrastado com informações documentais e midiáticas, baseia-se em grande medida nos relatos orais obtidos, não sendo possível precisar de modo absoluto a veracidade das afirmações e, em muitos momentos, sendo apresentadas as informações e opiniões contraditórias expressas nas entrevistas.

O conjunto de entrevistados é composto por gestores que participaram do processo de formulação da política a partir da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE), da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (SJDC), da Fundação do Desenvolvimento da Educação (FDE) e da Fundação para o Desenvolvimento Administrativo (Fundap). Devido ao compromisso assumido no momento das entrevistas, ao longo do trabalho não são identificados nomes, cargos ou gênero destes atores, sendo usadas apenas referências genéricas como “um entrevistado” ou “um gestor”.

Os áudios das entrevistas foram transcritos e analisados a partir de classificação em categorias temáticas, também utilizadas para a análise documental, a saber: conceitos, referências de outros locais, antecedentes da política, episódios de violência nas escolas, processo de formulação, medidas discutidas (diversas subcategorias), trajetórias pessoais, consultorias realizadas.

5 A maior parte das notícias de jornal utilizadas na pesquisa contribuiu para a reconstituição histórica das políticas de prevenção à violência nas escolas no estado de São Paulo a partir da década de 1980, como será apresentado no Capítulo 3. Assim, as buscas foram feitas sobretudo a partir do nome das políticas referidas em textos acadêmicos ou em documentos oficiais, visando complementar informações contextuais e de

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A leitura prévia de documentos sobre a política e as entrevistas exploratórias conduziam à hipótese inicial de que a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania teria tido lugar a partir de um processo de competição e negociação entre grupos de atores ligados a concepções distintas sobre a violência nas escolas, representados de um lado por uma abordagem pedagógica e, de outro, por um enfoque mais normativo e repressivo. Com esse pressuposto, o processo de formulação da política passou a ser explorado a partir da ótica do Modelo de Coalizão de Defesa (Advocacy Coalition Framework), proposto por Paul A. Sabatier (1988).6

De acordo com este modelo, as políticas públicas são constituídas por subsistemas relativamente estáveis e articulados com os eventos externos; nesse cenário, “cada subsistema que integra uma política pública é composto por um número de coalizões de defesa que se distinguem pelos seus valores, crenças, ideias e pelos recursos de que dispõem” (SOUZA, 2006, p. 31). Tais coalizões, formadas por pessoas de posições e origens variadas – como representantes eleitos e funcionários públicos, empresários, representantes da sociedade civil, entre outros –, apresentam também ações coordenadas ao longo do tempo, que consistem em tentativas de alcançar seus objetivos políticos e envolvem processos de disputa com outras coalizões, as quais também tentam impor suas visões de mundo dentro daquele subsistema (VICENTE; CALMON, 2011). Assim, diferentes coalizões se relacionam e, mediadas por policy brokers (atores responsáveis pela estabilidade do sistema e que buscam conciliar interesses das coalizões em disputa), tentam definir a direção a ser dada em uma determinada política pública, sendo essa dinâmica de interações cooperativas e competitivas que produz os policy outputs (RUA; ROMANINI, [2013?]).

Sob esta perspectiva, o desenho do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania refletiria o resultado das relações de poder envolvidas em uma disputa entre grupos com diferentes abordagens sobre a violência nas escolas, o que teria gerado uma política marcada pela combinação entre medidas pedagógicas e repressivas. Essa configuração poderia ser verificada, por exemplo, na estrutura da Supervisão de Proteção Escolar e Cidadania (SPEC), órgão responsável pela formulação e implantação da política, que apresenta um eixo mais relacionado ao primeiro conjunto de medidas (Departamento de Atuação Preventiva) e outro mais próximo do segundo (Departamento de Proteção Escolar). Além disso, a adoção de

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medidas como a criação dos professores mediadores comunitários e de equipes multidisciplinares seria enquadrada em uma linha de ação educativa; enquanto a instalação de videomonitoramento e a alocação de um oficial da Polícia Militar na SPEC seriam respostas associadas a um grupo com enfoque mais repressivo.

No entanto, apesar da confirmação da existência de um desenho híbrido, em que se misturam medidas pedagógicas e repressivas, o desenvolvimento da pesquisa permitiu-nos verificar a inexistência de disputas acentuadas em torno destas perspectivas no processo de formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania. Como será apresentado, o conjunto das medidas presentes na política foi defendido pela maior parte dos entrevistados, revelando certo acordo comum entre estes atores sobre a necessidade de se enfrentar a violência nas escolas a partir de ambos os enfoques.

Outros aspectos que indicam a ausência de coalizões em disputa referem-se à falta de embates conceituais sobre o problema, ao perfil dos atores envolvidos (que apresentam certa unidade de trajetórias acadêmicas e profissionais), à ausência de diferenças de recursos entre os participantes (a maior parte representa os altos escalões das secretarias estaduais e, portanto, com acesso a recursos similares) e à não identificação de atores que pudessem ser considerados como policy brokers do processo de formulação da política.

Diante dessa constatação e de outras informações obtidas a partir dos relatos dos entrevistados, observamos que a origem deste desenho do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania refere-se, sobretudo, a um processo de escolha de alternativas marcado pelo que Charles Lindblom (1959; 1979) denomina “incrementalismo desarticulado”.

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Como aponta Lindblom (1959), por um lado as políticas concebidas a partir de lógicas incrementais têm a vantagem de que, ao não se distanciarem significativamente do já realizado, proporcionam menor chance de consequências indesejadas e, por não implicarem grandes mudanças, permitem que eventuais erros sejam remediados com maior rapidez. Por outro lado, estas mesmas políticas fazem por vezes com que ganhos de curto alcance sobreponham-se a propostas que – embora jamais examinadas ou realizadas – trariam resultados mais significativos, o que parece ser o caso da política analisada.

Além dessa característica, destaca-se no processo de criação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania a existência de episódios críticos, que induzem sua elaboração e o caracterizam como uma política essencialmente reativa. Ressalta-se igualmente a importância da trajetória dos atores envolvidos, reforçando uma percepção empírica inicial da pesquisadora de que, na análise de política públicas, a compreensão sobre quem são as pessoas mobilizadas e quais suas histórias de vida é, na maior parte das vezes, tão importante quanto o recurso a modelos teóricos explicativos.

Para além das reflexões que serão apresentadas, orientadas pela questão central da dissertação, a pesquisa busca contribuir para a construção de uma “história do presente”, atualizando as discussões sobre as políticas públicas paulistas que lidam com a violência nas escolas e procedendo ao resgate e ao registro da elaboração do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania. Ainda, reconhecemos que, embora a perspectiva teórica adotada na pesquisa dialogue centralmente com os autores do campo da Administração Pública, a contribuição de outras áreas do conhecimento – como a sociologia e a educação – é indispensável para a compreensão do problema da violência nas escolas e apresenta-se, indiretamente, como pano de fundo das reflexões propostas pela dissertação.7

Os resultados da pesquisa são expostos em quatro seções, além desta introdução. O primeiro capítulo expõe a discussão sobre a violência nas escolas a partir dos diversos enfoques conceituais e científicos existentes. São também discutidas as dificuldades em se dimensionar o fenômeno e os tipos de pesquisas realizadas, além das principais tendências nas políticas públicas que lidam com a questão no Brasil e em outros países. O segundo capítulo destina-se à análise da questão da violência nas escolas estaduais paulistas e ao histórico das políticas estaduais que lidam com o fenômeno; neste contexto, são apresentados os principais

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momentos da formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania, tanto a partir dos dados obtidos por meio de documentos oficiais e notícias, quanto sob a ótica dos principais atores envolvidos. No terceiro capítulo, observa-se a formulação da política não mais a partir de uma perspectiva histórica, e sim por meio da análise do conjunto de alternativas discutidas pelos atores ao longo de três períodos centrais de seu desenvolvimento.

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CAPITULO 1 – Violência nas escolas nas agendas de pesquisa e de políticas públicas

1.1. O problema da violência nas escolas: emergência e multiplicidade

As relações entre escola e violência não são novas. A escola, desde seu surgimento, utilizava-se da violência física como instrumento de disciplina e punição, e tais práticas foram questionadas e abolidas apenas no século XIX (POSSAS, 2001). Episódios envolvendo o uso de armas em escolas norte-americanas ocorreram ainda em meados do século XIX (HASSENPFLUG, 2004) e explosões de violência nos estabelecimentos de ensino profissional franceses foram relatadas nas décadas de 1950 e 1960 (CHARLOT, 2002).

No entanto, a interpretação e a importância dadas a este fenômeno variam de modo expressivo a depender da época e do contexto, evidenciando que seu significado – e, portanto, o objeto de estudo de pesquisadores – é construído socialmente, em função de um sistema de normas e de pensamento (DEBARBIEUX, 2001). É nesse sentido que Debarbieux afirma ser um erro acreditar na possibilidade de aproximação de um conceito absoluto, e torna-se necessário admitir que “definir a violência na escola é, antes, mostrar como ela é socialmente construída em sua própria designação, como seu campo semântico se amplia a ponto de se tornar uma representação social central” (2001, p. 164).

Cabe assim apontar que, nos últimos 30 anos, a percepção sobre o que constitui a violência nas escolas alterou-se sensivelmente. Anteriormente esta era entendida de modo restritivo, simplificada às questões de disciplina e perturbação da ordem escolar, ao passo que hoje o fenômeno pode ser compreendido a partir de diversas situações, que vão “da delinquência aos comportamentos de indisciplina, dos crimes ao suicídio, do assédio aos rumores, às brincadeiras e às mentiras”, podendo estender-se infinitamente e englobar qualquer mínima situação de fuga às normas (CARRA; FAGGIANELLI, 2003, p. 208).

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violência poderia levar à desconsideração da experiência de algumas vítimas, sujeitas a diversas e importantes “microviolências” que não são percebidas no quadro dos tipos penais.

Duarte e Veiga (2006) argumentam que a ampliação das interpretações sobre o fenômeno faz com que situações corriqueiras – de conflitos entre alunos ou entre estes e professores – passem a ser vistos não mais como problemas educacionais ou pedagógicos, mas como questões de violência. No mesmo sentido, as condutas autoritárias ou repressivas da direção ou do corpo docente também passam a ser vistas como problemas de violência, deixando de ser consideradas como problemas de gestão educacional. Para as autoras, com tal ressignificação, ao aproximar todas essas situações do conceito de violência, acaba-se por associar “fenômenos que guardam pouca semelhança entre si e que, portanto, têm provavelmente determinantes distintos e requerem intervenções distintas para sua minimização” (DUARTE; VEIGA, 2006, p. 12).

Debarbieux (2006) indica que um dos principais fatores que dificultam maior conhecimento sobre o fenômeno da violência nas escolas reside, justamente, na recusa em aceitar sua especificidade. Embora o autor analise o contexto específico da França, os fatores que aponta parecem também adequados à realidade brasileira e retratam que, muitas vezes, essa recusa provém da primazia dada nos debates científico e político às questões de violência urbana, de modo que a violência nas escolas fica perdida no meio dessa discussão ou restrita às questões de delinquência juvenil. Além disso, esse não reconhecimento seria também reflexo da forte tradição republicana das escolas, sacramentada ao ponto de essas instituições não conseguirem rever seu papel e, assim, assumirem que há violências também em seu interior. Nesse contexto, as escolas são vistas como vítimas de uma violência que lhes é exterior e alheia e que, portanto, cabe a outras instituições – como polícia e justiça – combater.

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mesmo nesses casos, as pessoas costumam ser conhecidas, como ex-alunos ou parentes de alunos.

Para Charlot (2002), o reconhecimento de que a violência nas escolas não é algo novo, mas que – ao mesmo tempo – é específico, deve levar à consideração das novas formas que o fenômeno assumiu recentemente. O autor menciona quatro mudanças, e destaca primeiramente a ocorrência nas escolas de fatos mais graves do que antigamente, como homicídios, estupros e agressões com armas, além de ataques ou insultos a professores. Embora aponte que estas novas situações são relativamente raras no ambiente escolar, o autor indica que elas levam hoje à sensação de que não há mais limites para o que pode acontecer, gerando uma angústia social em relação à violência nas escolas.

O segundo aspecto mencionado pelo pesquisador refere-se à idade dos jovens envolvidos nas situações de violência no ambiente escolar, que é cada vez menor. Este também é considerado por Charlot como um fator de angústia social, uma vez que a representação da infância como inocência passa a ser questionada, gerando temor sobre como essas crianças irão se comportar quando se tornarem mais velhas. Já a terceira mudança refere-se ao fato de que a escola não pode ser mais considerada como um local protegido de agressões externas, pois passa a ser atingida também por violências ocasionadas por “intrusos”, como bandos de jovens, pais e mães de alunos, entre outros atores.

Por fim, a quarta principal mudança mencionada pelo autor refere-se à percepção de as ocorrências serem frequentes, ainda que de gravidade menor, o que coloca as equipes escolares em estado de alerta constante, já que a calma pode ser quebrada a qualquer momento. Para Charlot (2002), a angústia social acarretada por estes novos fenômenos leva à percepção de que a violência na escola não seria mais um fenômeno acidental, e sim uma questão estrutural estendida a diversos estabelecimentos, bem como à disseminação de “discursos sociomidiáticos que têm a tendência de amalgamar fenômenos de natureza muito diferente” (p. 434).

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pequenos atos que, isoladamente, não apresentam grande importância, mas que em sua repetição geram graves consequências a todos os envolvidos. Assim,

Relativizar a incidência de crime não é para nós uma questão de relativizar sua gravidade, mas de recusar a nos deixarmos ser fascinados pelo mesmo. Não se trata, muito menos, de negligenciar as vítimas, mas ao contrário, de ouvi-las melhor. Essa fascinação pelos crimes violentos e pela violência dura é muitas vezes uma encenação que esconde as violências diárias opressivas. (Debarbieux, 2006, p. 443, tradução nossa).

Diante desse desafio conceitual e contextual, diversos pesquisadores têm se dedicado a estabelecer categorias que possibilitem entender e definir o fenômeno e que ajudem a pensar estratégias de ação em meio a tal complexidade.

Com este propósito, Charlot e Émin (1997) sugerem classificar a violência escolar a partir de três níveis de análise: o nível da violência direta (como golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismos), o das incivilidades (tais como humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito) e o da violência simbólica ou institucional (falta de sentido de permanecer na escola por tantos anos, o ensino como um desprazer, que obriga o jovem a aprender matérias e conteúdos alheios aos seus interesses, a violência das relações de poder entre professores e alunos, entre outros).

Charlot (2002) propõe ainda a existência de três tipos de violência ligados ao ambiente escolar: a violência na escola (quando a escola é apenas o lócus de uma violência que poderia ter acontecido em outro local e que não se relaciona diretamente à natureza e/ou às atividades da instituição escolar), a violência à escola (esta sim ligada a sua natureza e/ou atividades, representada pelo ataque direto à instituição escolar, através de seu patrimônio físico e/ou seus professores) e a violência da escola (ligada à violência institucional e simbólica expressa pela própria dinâmica escolar, por exemplo, pela composição das classes, pela forma como se dá a relação entre professor e aluno, pelos métodos de avaliação, entre outros.). Para o autor, essa distinção é necessária pois permite perceber que “se a escola é largamente (mas não totalmente) impotente diante da violência na escola, ela dispõe (ainda) de margens de ação diante da violência à escola e da escola” (p. 435).8

Carra e Faggianelli (2003) também abordam a multiplicidade conceitual da violência nas escolas, identificando que a construção deste objeto responde, simultaneamente, à

8 De modo análogo à tipologia de Charlot, para Debarbieux (1999) a violência nas escolas pode ser associada às dimensões da gestão escolar (cujas dificuldades resultam em estruturas deficientes), do contexto externo (as violências que surgem de fora para dentro da escola) e de componentes internos (específicos a cada

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demanda social, aos financiamentos de apoio e às opções teóricas dos pesquisadores segundo as regras internas de seus campos científicos específicos. Para os autores, a amplitude exagerada do conceito responde em alguma medida aos discursos midiáticos e políticos que enxergam o fenômeno sob uma ótica de escalada, segundo os quais é preciso medir e monitorar toda a gama de comportamentos que prenunciam a ocorrência de violências graves.

Os mesmos autores propõem que, apesar dessa multiplicidade, é possível desenhar uma tipologia das violências escolares a partir de quatro eixos principais – oriundos desta dialética entre as demandas sociais e as regras dos campos científicos – e que se definem a partir dos seus locais de origem e da natureza dos atos identificados. Assim, as discussões sobre violência nas escolas incluem as noções de:

1) comportamentos antissociais: entendidos como “atos cuja ilegalidade não é comprovada, mas que ajudam a desestabilizar a comunidade do bairro ou a perturbar o clima da escola” (CARRA; FAGIANELLI, 2003, p. 208). Esse eixo é identificado principalmente com os trabalhos da criminologia e da psicologia e situa as causas das transgressões no plano dos indivíduos e dos processos de socialização. Assim, as preocupações centram-se majoritariamente nos alunos e no seu grau de conformidade social (adaptação ou inadaptação). Sob esta ótica, as soluções ao problema devem passar pela identificação destes comportamentos e de seus atores potenciais, além da elaboração de programas de prevenção;

2) incivilidades: identificadas como os distúrbios sociais que atingem o cotidiano dos cidadãos, as instituições e também o ambiente escolar. Esse eixo, surgido nos Estados Unidos e mesclado a conceitos europeus, leva em conta os pontos de vista dos diferentes atores envolvidos e se relaciona à problemática da sensação de insegurança. No ambiente escolar, refere-se a atos como o uso de palavras agressivas, humilhações e racismo, os quais – repetindo-se constantemente – afetam o clima escolar e fazem com que a escola passe a ser identificada como um lugar inseguro. Segundo Carra, a noção de incivilidades é relacionada em diversos trabalhos à delinquência e, apropriada pelos atores da segurança pública, abre espaço para a judicialização de fatos até então tolerados e/ou geridos internamente pelas escolas;

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(como a sociologia). O enfoque é dado nas relações interpessoais (violência entre estudantes) e o tema do sofrimento das vítimas se destaca, o que – na visão dos autores – permite a legitimação de respostas ligadas à lógica securitária, uma vez que é preciso “aumentar a proteção dos fracos” (CARRA; FAGGIANELLI, 2003, p. 210);

4) violência com armas e atiradores escolares: uma dimensão da violência nas escolas estudada principalmente nos Estados Unidos, ainda que, mesmo neste país, os pesquisadores considerem a escola como um lugar relativamente preservado da criminalidade e dos homicídios.

Igualmente pautado pela ótica dos campos científicos a partir dos quais se originam os conceitos e as interpretações sobre a violência nas escolas, Sastre (2010) elabora um interessante panorama sobre as percepções do fenômeno no Brasil, examinando-o a partir das ciências sociais, da psicologia e da educação. De acordo com essa análise, os autores das ciências sociais que lidam com o tema da violência escolar podem ser divididos em três grupos. Para o primeiro deles, a escola é entendida como uma parte da sociedade que reproduz o todo das relações sociais, não sendo possível separar os componentes “violência social” e “violência escolar”. Nessa perspectiva, as escolas refletem também as estruturas perversas e as relações de poder presentes na sociedade, sendo impossível que se estabeleçam como um ambiente onde “somente as relações afirmativas, inclusivas, respeitosas, heterogêneas, amplas e fluidas aconteceriam, onde todos os seus atores estariam dispostos ao diálogo, ao encontro, à cooperação” (SASTRE, 2010, p.65).

Os conflitos e manifestações de violência são, portanto, inevitáveis no cotidiano escolar e o reconhecimento dessa condição é entendido como parte central do desenvolvimento de estratégias para lidar com ela. Para esses autores, qualquer solução para o fenômeno da violência nas escolas só é possível se ligada a um processo histórico de institucionalização do diálogo na sociedade em que estas se inserem, não sendo possíveis soluções imediatas ou localizadas.

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estratégia majoritária para lidar com a violência escolar relaciona-se ao aumento da capacidade da instituição para submeter o conflito internamente (com o endurecimento de normas e regulamentos), para externalizá-lo (por exemplo, por meio da expulsão de estudantes) ou para mantê-lo fora da escola (com iniciativas como a ampliação da segurança escolar por meio de grades, monitoramento por vídeo, etc.).

Por fim, um terceiro grupo de autores das ciências sociais identificado por Sastre (2010) é constituído pelos pesquisadores que entendem a relação escola-sociedade a partir das especificidades de cada instituição de ensino. A escola é aqui vista como um todo em si mesma e o que acontece nela resulta de sua própria dinâmica. Nessa perspectiva, a violência escolar deve ser trabalhada internamente pelos próprios atores em suas relações, de modo que essa dinâmica não depende necessariamente do contexto social em que a escola se insere (podem existir escolas pacíficas em contextos violentos e vice-versa).

Analisando os estudos sobre violência escolar advindos da psicologia, Sastre identifica que, nesta área, os trabalhos costumam enxergar o tema não tanto sob a ótica escola -sociedade, mas a partir dos efeitos que ambientes violentos podem causar na interioridade dos indivíduos, seja como vítimas, seja como agressores. Nesse sentido, os estudos preocupam-se principalmente em encontrar estratégias capazes de resgatar a identidade e a subjetividade dos sujeitos que participam de eventos violentos, trabalhando com temas como angústia, ansiedade e insegurança de estudantes e professores, os efeitos da violência no desempenho dos atores escolares, entre outros.

Enfim, na perspectiva da educação, a discussão sobre violência nas escolas parece encontrar suas raízes na questão da indisciplina. Nesses debates, a indisciplina é vista tanto a partir de um caráter socio-histórico (como uma dicotomia entre o modelo educativo da classe dominante, que vê a escola como uma ferramenta de “ajustamento social”, e as demandas trazidas por um novo contingente social que chega às escolas com o processo de democratização do ensino público nos anos 1980), quanto a partir de uma perspectiva mais psicológica (em que a dicotomia se dá entre um sujeito que deveria ser capaz de reconhecer a autoridade externa da escola e uma escola que entende que o desenvolvimento da estrutura moral e psíquica para o reconhecimento dessa autoridade não é função dela, mas sim da família).

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o papel da normatização e da autoridade excessivas, as quais buscam expulsar ou deixar de fora do ambiente escolar a violência e a indisciplina, entendendo que “a solução não se encontra nem na ordem absoluta nem na anarquia […] [sendo] necessária uma negociação constante que passa pela aceitação do fenômeno, pela sua acolhida e, portanto, por um viver processando essas tensões” (SASTRE, 2010, p. 87).

Assim, embora pareça haver um consenso mínimo entre os pesquisadores quanto ao entendimento de que a violência nas escolas constitui um fenômeno multicausal, algumas análises conferem destaque a determinados fatores como elementos explicativos, os quais Martínez-Otero Pérez (2005, p.35) sintetiza como: fatores sociais ou ambientais, fatores interpessoais, relações familiares e características relacionadas à personalidade. A partir do exposto, é possível perceber que, para além das variadas interpretações a respeito do que significa a violência nas escolas, há também diferentes visões sobre os motivos que a impulsionam e, portanto, sobre como se deve lidar com o fenômeno.

1.2 Mensurando o problema: pesquisas e dados

Diante da complexidade de conceitos e interpretações sobre o fenômeno, seria possível dimensionar a amplitude do problema da violência nas escolas, ou, ainda, determinar se estas instituições têm se tornado mais ou menos violentas ao longo do tempo?

Como aponta Debarbieux (2004), as fontes de dados oficiais sobre o tema – que permitiriam a realização de tais análises – são bastante insuficientes, com dados pouco contínuos e pouco confiáveis na maioria dos países. Segundo o autor, em países europeus como Inglaterra, Espanha e Alemanha, o recenseamento oficial de situações de violência nas escolas começou a ser feito principalmente a partir de pressões da mídia e dos sindicatos, sem que tenha havido um acompanhamento regular dos dados. Mesmo na França, país marcado por forte centralização administrativa – o que poderia favorecer a realização de tais estudos –, um sistema nacional de coleta de dados sobre o tema foi criado apenas em 2001.9 Nesse

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quadro, os Estados Unidos apresentam-se como país de exceção, realizando há mais de 30 anos pesquisas regulares e séries históricas sobre a violência nas escolas, como a Safe School Study e a National Crime Victimization Survey, que contém uma seção específica sobre o tema.

Além do pequeno volume de pesquisas oficiais, o autor destaca que o fenômeno das “cifras ocultas”,10 presente de modo significativo nos dados ligados a temas como violência e segurança pública, revela-se de modo caricatural nos poucos levantamentos governamentais existentes sobre a violência escolar. Como exemplo dessa afirmação, é mencionado o fato de que na França, enquanto as estatísticas oficiais apontam que apenas 0,01% dos alunos revela ter sofrido racismo na escola, em pesquisas de vitimização esse número eleva-se a 16,7% dos estudantes. De modo análogo, o número de extorsões no ambiente escolar relatado pelos alunos chega a 210 vezes o descrito nas estatísticas oficiais (DEBARBIEUX, 2004).

Essa grande diferença nos números da violência nas escolas é atribuída tanto à dependência de uma estrutura hierárquica forte e organizada, que induza a produção dessas informações pelos estabelecimentos – o que nem sempre acontece –, quanto ao receio das escolas em ter má reputação caso apresente grande volume de registros. Nesse sentido, destaca-se que “a instituição escolar tem a tendência de tratar internamente os casos de delinquência e transgressão da ordem, ou até mesmo a escondê-los ou minimizá-los” (DEBARBIEUX, 2006, p. 447).

Carra e Faggianelli (2003) apontam igualmente as dificuldades encontradas na produção de dados oficiais, destacando que os dados gerados pelos sistemas de segurança pública e justiça são pouco utilizados no estudo da violência nas escolas, devido à falta de qualidade das informações, à inadequação das categorias jurídicas utilizadas, ou pelo fato de os procedimentos de gestão desses sistemas estarem sob responsabilidade das polícias e da justiça, de modo que provavelmente não se mostram capazes de apreender todas as situações do cotidiano escolar. De forma complementar, os dados produzidos diretamente pelas instituições escolares são considerados muito recentes pela autora, além de apresentarem coleta com pouca regularidade e revelarem diferenças entre os estabelecimentos de ensino quanto ao uso das ferramentas de registro, à familiaridade dos responsáveis por sua alimentação, às estratégias e à extensão do uso em cada instituição, entre outros aspectos.

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Diante desse contexto de falta de dados oficiais, é possível observar, desde os anos 1990, a emergência de grande quantidade de pesquisas científicas independentes sobre o tema, conduzidas em diversos países por grupos de pesquisas, universidades, organizações internacionais e não governamentais, entre outros atores. Nessa ampla gama de estudos, os autores identificam três eixos ou orientações principais de pesquisa, ligados às abordagens explicativas para o fenômeno da violência nas escolas. Nesse sentido, Carra apresenta como primeira orientação os estudos que identificam os fatores de risco situacionais e individuais que levam ao desenvolvimento do potencial de violência de cada pessoa. A segunda orientação provém dos estudos de sociologia das organizações e se interessa principalmente pelo papel de normas, regras e valores dos estabelecimentos, ou seja, o contexto e o “efeito -estabelecimento”11 nas questões de violência. Por fim, a terceira orientação de pesquisa na área dedica-se à questão da violência escolar centralmente sob a ótica de compreensão das violências interpessoais e das interações entre os atores.

Segundo Débarbieux (2004), essas diversas pesquisas não oficiais conduzidas recentemente apresentam-se sob as mais variadas formas e recorrem a diversas metodologias, podendo ser identificados: estudos de autorrelato de vitimização ou delinquência (self-report

studies), enquetes de saúde pública, enquetes específicas de vitimização nas escolas, enquetes que mesclam estudos de vitimização com estudos sobre o clima escolar e sobre a sensação de insegurança, estudos etnográficos, pesquisas sobre a prevalência de crianças com problemas de comportamento no sistema escolar, entre outros recursos que, para o autor,

Demonstram o interesse científico na questão, a variedade das pesquisas realizadas e a grande importância dos bancos de dados coletados. Não existe uma única fala aqui sobre a violência, mas sim um trabalho empírico falsificável e crítico, em resumo, científico. (DÉBARBIEUX , 2004, p. 15)

Apesar da atual existência de numerosas pesquisas e de dados para diversos países, ainda não é possível estabelecer um panorama mundial sobre o fenômeno, sendo necessário avançar na realização periódica e na compatibilização dos resultados desses diferentes estudos. Para Hayden e Blaya (2002), são “necessários maiores esclarecimentos sobre como obter indicadores confiáveis sobre a violência e a agressão nas escolas, visando, inclusive, desenvolver uma definição e uma compreensão consensual desses temas” (p. 93). No mesmo

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caminho, Artinopoulou (2002) pondera que a relatividade do conceito de violência pode ainda estar influenciando as estimativas sobre seu grau de ocorrência e que abordagens quantitativas por vezes têm traduzido mais a reação social à violência do que sua ocorrência real.

Assim, quanto ao aumento ou à diminuição dos incidentes de violência nas escolas, Carvalho (2010) reflete que toda análise sobre esse tipo de questão deve levar em consideração as prerrogativas de que: a) o senso comum, baseado em intuições, em recordações e em vivências pessoais, tende sempre a considerar que a escola é hoje mais violenta do que era anteriormente; b) a definição do que constitui a violência varia de acordo com circunstâncias, âmbitos e contextos, e um universo cada vez mais amplo de atos é aceito como violência; c) pela maior importância dos meios de comunicação e pela atual organização democrática, a sociedade hoje é mais aberta, com maior circulação de informações e mais canais de denúncia das situações de violência.

Apesar dessas considerações, que supõem que os atos de violência nas escolas seriam identificados em números crescentes ao longo do tempo, a tendência revelada pelas poucas pesquisas de longa duração ou já repetidas em diferentes anos aponta a estabilidade do fenômeno (DEBARBIEUX, 2004). Todavia, dois problemas de análise decorrem desse resultado ainda preliminar e que precisa ser aprofundado: o primeiro refere-se ao fato de que “uma estabilidade média das situações de violência escolar pode esconder melhorias em certos tipos de estabelecimentos e degradação em outros” (p. 18); já o segundo relaciona-se à percepção de que estabilidade na porcentagem de vítimas, como normalmente auferido, pode não representar necessariamente estabilidade da violência, uma vez que as vítimas podem estar sofrendo violências cada vez mais duras e frequentes.

De todo modo, uma importante constatação resulta desse recente esforço de desenvolvimento de pesquisas e indicadores, a partir de taxas similares encontradas em diversos locais: a de que são as violências menores que constituem o cerne do problema da violência nas escolas, sendo rara a ocorrência de incidentes de violência mais graves, mesmo nos países em que há problemas como o de porte de armas de fogo nas escolas (DEBARBIEUX, 2004).

1.2.1 Pesquisas sobre violência nas escolas no Brasil

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partir do aumento da visibilidade do tema impulsionado pela eclosão da questão da violência urbana. Neste momento, segundo Sposito (2001a), apesar da inexistência de um programa nacional de investigação sobre o tema proposto pelo poder público, os primeiros diagnósticos foram realizados por iniciativa dos governos, como forma de obter um quadro da magnitude e extensão do problema. Em consonância com a literatura internacional, são diversas as dificuldades encontradas nesse tipo de registro – como a descontinuidade das pesquisas e do monitoramento do fenômeno, a resistência das escolas em registrar as ocorrências, as mudanças na gestão e consequentes alterações nos procedimentos, entre outros –, de modo que as informações produzidas sejam bastante precárias. Ainda assim, os resultados dessas pesquisas parciais apontaram como principais problemas de violência nas escolas à época as depredações, os furtos e as invasões em períodos ociosos (SPOSITO, 2001a).

No âmbito acadêmico, a autora destaca a existência de apenas dois trabalhos sobre o tema na década de 1980, a saber, as pesquisas de mestrado e doutorado de Guimarães (1984, 1990). Os estudos, realizados na cidade de Campinas (SP), foram uma primeira iniciativa de abordar o tema da violência nas escolas e ao mesmo tempo deslocar o foco das questões de segurança. Procuraram discutir as práticas autoritárias dos estabelecimentos escolares como estimuladoras de um clima de agressão, traduzido nas situações de depredação e invasão.

Já na década de 1990, novos estudos foram realizados por organismos públicos, ao mesmo tempo em que diagnósticos e pesquisas descritivas começaram a ser produzidos por organizações não governamentais e entidades de profissionais da educação, como sindicatos de docentes e associações de diretores (SPOSITO, 2001a). Todavia, como aponta a autora, a maior parte dos levantamentos nacionais produzidos neste momento caracterizou-se como surveys amplos realizados com jovens, nos quais a relação entre violência e escola foi abordada entre outras variáveis de análise, sem constituir o tema central dos estudos. Uma pesquisa nacional específica sobre a temática foi realizada na referida década, com apoio da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Esse levantamento, coordenado por Codo (1999), foi conduzido apenas com professores dos sistemas públicos de ensino do país e revelou como principais situações: a) depredações ao patrimônio, furtos e roubos; b) agressões físicas entre alunos; c) agressões de alunos contra professores.

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resultados sejam bastante fragmentários, os anos 1990 apontaram mudanças no padrão da violência observada nas escolas públicas, abrangendo não só os atos de vandalismo, que continuaram a ocorrer, mas as práticas de agressões interpessoais, sobretudo entre o público estudantil. Entre estas últimas, as agressões verbais e ameaças foram as mais frequentes. O fenômeno alcançou as cidades médias e regiões menos industrializadas e não foi evitado a partir de medidas de segurança interna aos estabelecimentos (SPOSITO, 2001a)

Ainda segundo a autora, a década de 1990 foi também marcada pelo aumento da produção acadêmica sobre o tema, principalmente a partir de teses e dissertações desenvolvidas na área de educação, as quais buscaram analisar as relações entre a vida escolar e a violência urbana, principalmente em bairros periféricos e favelas e em regiões onde havia narcotráfico ou crime organizado. Além desses trabalhos, foram também publicados artigos e livros sobre o tema, os quais “embora não retratem diretamente resultados de pesquisa, examinam reflexivamente a questão, sob aportes teóricos diversos” (SPOSITO, 2001a, p. 95).

Entre as principais reflexões trazidas por estes estudos, verifica-se que a violência social e urbana apresenta intersecções importantes com o desenvolvimento da violência nas escolas no Brasil, mas não pode ser considerada como a única explicação para o fenômeno. Este seria agravado por fatores como a falta de serviços públicos de natureza social, a expansão do ensino público sob condições precárias, as alterações no mundo do trabalho (de modo que a escola não seja mais um caminho seguro de mobilidade social), além da emergência de um padrão de sociabilidade entre os jovens marcado por práticas violentas e agressivas, o qual se dissocia dos fenômenos da delinquência e da criminalidade e aproxima -se das discussões sobre “incivilidade”, abrindo espaço para novas agendas de pesquisa.

Nos anos 2000, os principais levantamentos nacionais realizados especificamente sobre tema no país foram conduzidos sob o escopo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e abordaram os diversos tipos de violência encontrados no ambiente escolar, além de discutirem a questão das drogas (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2003). Destacaram-se nesse sentido os estudos “Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas”, realizada em 2001, e a pesquisa “Cotidiano das Escolas: entre violências”, efetivada entre 2003 e 2004.

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regiões do país. A pesquisa envolveu diretores de escolas, membros do corpo técnico -pedagógico, policiais, agentes de segurança, vigilantes e inspetores/coordenadores de disciplina, além de professores, alunos e pais. A partir de uma abordagem extensiva (aplicação de questionários) e compreensiva (entrevistas individuais e grupos focais), o estudo buscou captar a manifestação de violências físicas, simbólicas e incivilidades nas escolas.

Entre os principais resultados do trabalho, o primeiro de tal magnitude no país, destacou-se a violência contra a pessoa – principalmente as violências físicas, caracterizadas por ameaças e brigas – como o aspecto mais explícito da violência nas escolas brasileiras. Chamaram a atenção os percentuais de relatos de abuso sexual e de presença de armas de fogo e de armas brancas (facas, estiletes, canivetes) no ambiente escolar. A violência contra o patrimônio revelou-se também uma constante, representada pelos furtos e roubos. Segundo os respondentes, as ocorrências mais graves desse tipo de violência seriam cometidas por pessoas de fora da escola, enquanto pessoas da própria instituição seriam responsáveis pelas violências menos graves. Além disso, os atos de vandalismo apareceram com frequência, principalmente nas escolas públicas e associados a administrações escolares autoritárias, indiferentes ou omissas.

Este quadro – que corrobora os resultados de pesquisas internacionais, revelando que as microviolências ou incivilidades, e não os grandes eventos de sangue, constituem a principal forma da violência nas escolas – não deixa de apresentar consequências preocupantes. Nesse sentido, a pesquisa demonstrou que as situações de violência nas escolas foram apontadas pelos alunos como causa de desinteresse, falta de concentração nos estudos, perda de dias letivos, além de provocarem sentimento de revolta, medo e insegurança. Entre os professores, as principais consequências indicadas foram o absenteísmo, a perda de estímulo para o trabalho, o sentimento de revolta e a dificuldade para se concentrar nas aulas (ORGANIZAÇÃO..., 2003).12

Já a pesquisa “Cotidiano das Escolas: entre violências”, realizada dois anos mais tarde e também coordenada por Miriam Abramovay (2005), foi desenvolvida em cinco capitais brasileiras (Belém, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre) e no Distrito Federal

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com professores, diretores, integrantes da equipe técnica das escolas e policiais/seguranças, além de alunos a partir do 6º ano do Ensino Fundamental e de todo o Ensino Médio. O estudo foi realizado em escolas urbanas, estaduais e municipais, e trabalhou com temas como agressões verbais e físicas, ameaças, furtos, armas, discriminação racial, gangues, entre outros. Combinando análises de vitimizações sofridas e praticadas e de percepções sobre o cotidiano da escola, o estudo confirmou resultados da pesquisa anterior sobre a incidência destas situações nas escolas, ao mesmo tempo em que avançou em uma investigação qualitativa e apresentou importantes análises sobre o que estas situações representavam para os diferentes atores envolvidos, para o cotidiano escolar e para o processo de aprendizagem.

Estes estudos específicos sobre violência nas escolas foram complementados nos anos 2000 por outras pesquisas que, embora mais abrangentes, trataram também do fenômeno. É interessante ressaltar que, nesse momento, o poder público volta a produzir dados sobre o tema, não mais pautado pela ótica do registro de ocorrências e sim aproximando-se das metodologias de pesquisa de percepção e vitimização. São exemplos desse novo momento: a) a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2009 e 2012, por meio de parceria firmada entre o Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2009; 2013); b) o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), desenvolvido pelo Ministério da Educação, que desde 2003 inclui um questionário de contexto que aborda questões sobre violência e clima dentro da sala de aula.

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Tabela  1  –  Proporção  de  escolares  frequentando  o  9º  ano  do  Ensino  Fundamental,  por  questões  ligadas  a  acidentes,  violência  e  segurança
Gráfico 2 – Proporção percentual de respondentes, por fator mais importante para que a escola  seja de qualidade – Brasil – 2014

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