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CAPÍTULO 3 – Discussão de medidas no processo de desenho do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

3.1 Medidas discutidas durante a preparação e o lançamento público da política (2008 2009)

3.1.6 Implementação de sistema de vigilância e monitoramento eletrônico

Conforme análise histórica das políticas de prevenção à violência nas escolas, apresentada no Capítulo 2, a proposta de implementação de sistemas de vigilância nas escolas paulistas não constitui uma inovação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania. O Programa de Segurança Escolar, implementado pelo governo Quércia em 1988, previa a instalação de sistemas de alarme nas escolas. Também o Plano de Segurança nas Escolas, no governo de Alckmin, em 2002, anunciava a aquisição de câmeras e alarmes para as escolas estaduais.99 Assim, a proposta retornou à agenda governamental em 2008, constando desde os

primeiros documentos de elaboração da política a ideia de implementação de um sistema de vigilância e monitoramento eletrônico remoto.

No documento que apresenta a proposta do até então chamado Escola da Gente, previa-se a operação de um sistema de câmeras de vídeo nas 2.200 escolas e 28 Diretorias de Ensino da Capital e Grande São Paulo (COGSP), cujas imagens seriam monitoradas por uma central de ligada à Supervisão de Proteção Escolar e Cidadania:

Serão cerca de 12.000 câmeras (5 para cada escola e para cada DE) instaladas em locais estratégicos nos prédios públicos de modo a acompanhar e registrar ações e pessoas que degradem o patrimônio da escola ou ameacem sua integridade ou a segurança da comunidade escolar. Esse sistema operará 24 horas por dia e não depende da ação direta da direção da escola nem das Diretorias de Ensino. As imagens serão monitoradas por centrais ligadas à SPEC e serão gravadas em sistema exclusivo da FDE, ficando os arquivos disponíveis para colaborar na identificação de pessoas e de situações de risco seja no âmbito da escola ou, eventualmente, nas investigações realizadas pelas instituições legalmente responsáveis. Caso seja necessária a intervenção policial, os operadores treinados das centrais de monitoramento do sistema acionarão imediatamente a Polícia Militar (FUNDAÇÃO, 2009c).

No segundo documento de elaboração consultado, a proposta novamente aparece e, neste momento a contratação deste sistema é indicada como “em andamento”. Conforme

99 Em nenhum momento da pesquisa foi possível identificar se as propostas de sistema de vigilância anunciadas pelo governo em políticas anteriores foram ou não implementadas de fato, sendo este um aspecto ainda passível de aprofundamento em estudos futuros.

relato de um entrevistado, no início de 2009, antes mesmo do lançamento oficial da política, já estava em trâmite uma licitação para a contratação deste serviço. No entanto, esta licitação teria sido marcada por uma série de dificuldades, pois o ramo da empresa Telefônica ligado à área de videomonitoramento estava entrando no mercado brasileiro e fez uma proposta de valor muito abaixo do apresentado pelas demais empresas. Segundo o entrevistado, isso gerou uma grande insatisfação da parte da concorrência e levou a diversas medidas judiciais, que por sua vez demandaram mais de um ano para serem resolvidas.100

No momento em que se resolveram as questões judiciais, segundo um entrevistado, a equipe então responsável pelo Sistema de Proteção Escolar – formada durante a gestão de Paulo Renato na SEE – já não teria muita clareza sobre a pertinência de implementação dessa medida, por não acreditar que seria um mecanismo por si só efetivo. No entanto, haveria uma pressão da rede pública estadual e também política no sentido de dar continuidade à proposta:

Quando chegou, acabaram liberando a contratação, enfim, a gente já estava com as coisas engatilhadas e havia uma expectativa da comunidade escolar com as câmeras, porque as câmeras foram vendidas como uma panaceia... “ah, agora teremos câmeras”. [...] Acabou criando uma pressão, o contrato tava lá e, enfim, tinha um cronograma, e a gente acabou, acabou continuando.

Até porque assim, o próprio governo tava, tinha investido naquela solução, quer dizer... também chegar assim e dizer: “não, não, agora que nós fomos autorizados, nós não vamos fazer porque a gente acha que é uma porcaria”, né... um negócio complicado.

Assim, embora incluída como proposta desde a preparação e o lançamento da política, a implementação do sistema de videomonitoramento foi iniciada apenas a partir do final de 2010, tendo sido instalado nas escolas da capital e da Região Metropolitana de São Paulo. Segundo o relato, o número de escolas atendidas foi menor do que o esperado no lançamento, também por dificuldades advindas do processo de licitação.101 Quanto ao modelo de operação

100 Segundo relatos, devido a estes processos o contrato que já havia sido assinado com a Telefônica foi anulado por decisão judicial, abrindo brecha para que fosse feita uma nova licitação – embora fosse necessário que ela não constasse exatamente do mesmo objeto. Contudo, enquanto um novo processo licitatório estava sendo desenhado pela FDE com ajuda da Polícia Militar, foi emitida uma nova decisão judicial que agora validava o contrato anteriormente firmado com a empresa Telefônica. Diante da possibilidade de iniciar o contrato já estabelecido (mesmo sabendo que o modelo da segunda licitação estava ficando melhor) ou de arriscar um novo processo de licitação (que poderia melhorar o desenho, mas correria o risco de ter novos problemas, além de impor a necessidade de glosa do contrato anterior), a FDE optou por executar o contrato firmado com a Telefônica.

101 A licitação havia sido dividida em cinco lotes, tendo a Telefônica ganhado quatro deles e perdido o quinto lote por deixar de anexar um documento. Como a empresa que tinha a segunda melhor proposta apresentava um preço cerca de quatro vezes mais alto para a execução do mesmo serviço, este lote não foi homologado pela FDE e não houve nova licitação, uma vez que à época dessa decisão a licitação do sistema de

do sistema de videomonitoramento implementado, um entrevistado apresenta que

[o sistema] é absolutamente focado na questão da proteção patrimonial. Então, são cinco câmeras por escola, integradas, são câmeras integradas a alarmes, são muito básicas, ela gravam por movimento, o que estiver acontecendo na frente das câmeras e estiver registrado, mas a efetividade propriamente dita do sistema, é quando a escola está fechada (e) o alarme está ligado: se houver uma intrusão, o alarme soa em uma Central monitorada, essa Central – através das câmeras – verifica se essa ocorrência é real. [...] a Central é montada dentro de uma Diretoria de Ensino, então cada lote [tem] uma Central que fica instalada em uma Diretoria de Ensino.

O entrevistado discorre ainda sobre o receio de que o sistema de videomonitoramento pudesse ser usado não apenas com foco patrimonial, mas como recurso corriqueiro e despropositado, em detrimento da adoção de medidas mais educativas. A análise dessa possibilidade teria levado à decisão por parte da supervisão de não implementar um controle de acionamento de pânico, previsto no sistema contratado:

o sistema tem um teclado onde o responsável digita a senha para ativar ou desativar o alarme, e o teclado ele tem um comando de pânico [...] e aí eu me lembro que, quando a gente foi apresentar para os Diretores que iam receber as câmeras, a gente fez um vídeoconferência também, a dúvida era se a gente falava para eles que tinha o botão de pânico ou não, e outros falavam assim “o problema é isso virar o comando da síndrome de pânico: ‘não sei o que fazer, os meninos não estão obedecendo, não estão entrando na sala de aula... e ai “pééé’, o cara vai ficar doido, o cara da Central”. E aí a gente acabou não implementando o botão de pânico, teria que fazer um trabalho muito mais elaborado de preparação da equipe escolar para lidar com aquilo.

Segundo reportagens sobre o assunto, as escolas em que o sistema já opera têm acesso às imagens que estão sendo gravadas por meio de monitor instalado na própria escola, mas não conseguem copiá-las. As câmeras são instaladas em áreas comuns, principalmente em espaços em que há computadores, como salas de informática e secretaria, não havendo aparelhos nas salas de aula (MARTINS, 2013; SALDAÑA, 2013).

Quanto aos desdobramentos mais recentes desta medida, de acordo com um gestor, há um novo contrato sendo licitado pela FDE desde julho de 2014 e que deve permitir a completa implementação da medida aprovada em 2009 (o videomonitoramento das escolas da capital e da região metropolitana já contempladas será renovado e serão incluídas as escolas remanescentes dessas regiões). Além disso, o sistema deve ser expandido para as escolas do interior do estado, abrangendo toda a rede pública estadual.

videomonitoramento ainda encontrava-se sob análise judicial. Como resultado, até maio de 2013 haviam sido instaladas câmeras em 1.567 escolas, abaixo das 2.200 escolas previstas inicialmente (MARTINS, 2013).