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CAPÍTULO 3 – Discussão de medidas no processo de desenho do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

3.2. Medidas discutidas a partir do momento de regulamentação da política (2010)

3.2.4 Criação do cargo de Professor Mediador Escolar e Comunitário

Conforme relatos de entrevistados, a proposta de criação da figura do PMEC, instituída pela Resolução SE nº 19, surgiu como uma forma prática de lidar com um excedente de professores temporários na rede pública estadual. Como detalha um dos atores, a ideia foi apresentada no final de 2009, por parte do então chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Fernando Padula. Neste momento, sabia-se que um número significativo de professores temporários seria incorporado à rede como professores efetivos, devido à promulgação de uma lei estadual que permitia a formalização destes como professores mediante um processo seletivo simplificado.107 Havia, contudo, a perspectiva de que parte

desses professores não fosse aprovada neste processo seletivo, o que geraria um problema para a secretaria, uma vez que estes temporários tinham – de todo modo – uma jornada mínima de 12h semanais garantida por lei.

Assim, nas palavras do entrevistado, a criação dos PMEC seria uma saída para responder, de uma só vez, à necessidade de alocar este contingente e à possibilidade de, com isso, criar uma figura especificamente ligada à proteção escolar no plano das escolas:

a secretaria tem um contingente monstruoso dos tais professores categoria “F”, que são professores que eram temporários, e... agora realmente eu não lembro, em qual ano houve uma alteração na lei de contratação temporária que deu estabilidade a um contingente de temporários que estavam há 30 anos no Estado [...] Tinha gente há 20, 30 anos como temporário e estabilizou, mas estabilizou também a galera que estava há 2 anos, enfim... eu lembro que eram... acho que eram 80.000 professores categoria “F”, e o Paulo Renato, no escopo da política de valorização profissional, de valorização pelo mérito, criou a tal da provinha dos “F”, assim, uma vez que os caras tinham estabilidade, mas que nunca tinham passado por concurso, eles teriam que anualmente ser submetidos a uma avaliação e uma provinha e se eles não tivessem uma nota mínima eles não poderiam atribuir aulas. Mas, por força de lei, todos os “Fs” têm uma jornada garantida, que é a jornada mínima de 12 hs, então, no primeiro ano dessa política, primeira vez que iam fazer essa provinha, eles estavam calculando que haveria aproximadamente uns 8.000 professores que não iriam atingir o desempenho e que a secretaria teria que descobrir o que fazer com eles. Porque, assim, a gente tinha que pagar 12h/aula para eles, mas eles não podiam estar dentro da sala de aula, então a secretaria começou a pensar uma série de ações, nas quais esses professores poderiam ser aproveitados e a ideia do Padula era criar alguém ligado à Proteção Escolar, e aí que surgiu o Professor Mediador Escolar e Comunitário, enfim, desta necessidade de dar uma destinação a esses professores que não poderiam atribuir aulas.

Ainda conforme este entrevistado, a ideia não deixava de ser problemática, uma vez que se estaria criando um projeto interessante a partir de um público reprovado e que não necessariamente apresentaria as condições para desempenhar o papel esperado. Assim, diversas ponderações teriam sido feitas no âmbito da SEE e da SPEC, até se chegar a um modelo em que todos os professores da categoria F poderiam se candidatar ao cargo de PMEC, por meio de um processo seletivo e de análise de perfil. No entanto, aqueles que ainda apresentassem horas a serem atribuídas teriam prioridade sobre os demais no momento da seleção.

Contudo, na já mencionada Resolução SE nº 19, essa definição apareceu ligeiramente alterada. De acordo com o texto, para além dos docentes da categoria F que não tivessem obtido o índice mínimo no processo de avaliação anual, poderiam também se candidatar à posição de PMEC todos os demais titulares de cargo docente que se encontrassem na condição de adido e os docentes readaptados.108 Aos docentes reprovados da categoria F, no

entanto, era de fato atribuída uma distinção em relação aos demais professores: além de

108 Segundo o Decreto nº 42.966, de 27 de março de 1998, são considerados adidos os “os titulares de

cargos das classes de docentes e das classes de suporte pedagógico, quando o número de cargos providos destas categorias exceder a lotação prevista pelas normas legais para a unidade em que estiverem classificados”. São considerados readaptados os docentes que, por motivos de saúde, não se encontram em condições de exercer sua função de origem. Estes docentes passam a exercer novas funções de acordo com a capacidade de trabalho determinada por meio de perícia médica.

poderem se candidatar no processo seletivo para PMEC, eles poderiam também exercer a função de “auxiliares” dos professores mediadores, caso selecionados pra tal pelo Diretor da Escola em que estavam alocados.

Em 2011, uma nova resolução foi publicada e, além de detalhar as categorias de professores que podiam se candidatar à função, estabeleceu uma ordem de prioridades para a seleção destes docentes, dando preferência aos titulares da disciplina de Psicologia da própria escola ou de outra escola, seguidos de professores de outras disciplinas que se encontrassem nestas mesmas condições (SÃO PAULO, 2011a). A resolução também introduziu a possibilidade de recondução dos PMEC já em exercício; no entanto, tal recondução foi condicionada ao resultado satisfatório destes docentes em avaliação de desempenho a ser conduzida por uma comissão composta por gestores locais e regionais.

Por fim, em 19 de janeiro de 2012, a Resolução SE nº 7 estabeleceu regras comuns para o processo seletivo por meio do qual – em todo o estado – os professores interessados deveriam candidatar-se à posição de mediadores. Entre estas regras de seleção, foi prevista uma avaliação de perfil composta por, entre outras coisas, uma carta de motivação apresentada pelo candidato e certificados de curso ou de participação em projetos que comprovassem alguma experiência prévia com as temáticas correlatas aos princípios do sistema. Esta avaliação, a ser feita localmente, ficou sob responsabilidade dos gestores regionais do sistema e da Comissão de Atribuição de Classes e Aulas da Diretoria de Ensino.

Em todos estes documentos que regulamentavam o papel dos professores mediadores, estava previsto que cada escola pudesse contar com até dois docentes na função109 e que suas

atribuições seriam:

I - adotar práticas de mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento de ações e programas de Justiça Restaurativa;

II - orientar os pais dos alunos, ou responsáveis, sobre o papel da família no processo educativo;

III - analisar os fatores de vulnerabilidade e de risco a que possam estar expostos os alunos;

109 Cabe destacar, para que uma escola possa alocar um professor mediador comunitário, não basta apenas dispor de professores interessados e que se encontrem nas situações previstas pela resolução. Anteriormente a essas etapas, é preciso que a escola interessada encaminhe um pedido à Diretoria de Ensino de sua localidade, contendo um documento de manifestação de interesse e um plano básico de trabalho, elaborado em

consonância com os objetivos e metas estabelecidos pela unidade escolar em sua proposta pedagógica, a ser desenvolvido pelo docente que irá atuar como PMEC.

IV - orientar a família, ou responsáveis, quanto à procura de serviços de proteção social;

V - identificar e sugerir atividades pedagógicas complementares, a serem realizadas pelos alunos fora do período letivo;

VI - orientar e apoiar os alunos na prática de seus estudos. (SÃO PAULO, 2010a, 2011a, 2012).

Segundo as disposições mais recentes, em que estas atribuições são mantidas, são atribuídas 30 horas semanais de atividades aos professores mediadores comunitários, as quais podem ser distribuídas pelo Diretor da Escola de acordo com as necessidades e o funcionamento do estabelecimento de ensino. Entre estas horas, prevê-se que o PMEC tenha disponibilidade para participar periodicamente de “orientações técnicas” de planejamento e avaliação na Gestão Regional do sistema (SÃO PAULO, 2014a). Além destes encontros periódicos, o sistema prevê que todos os professores mediadores comunitários passem por uma formação inicial, composta por momentos presenciais e à distância, totalizando 80 horas de capacitação.

Segundo entrevista publicada em 2011 com a então Supervisora de Proteção Escolar e Cidadania, Beatriz Graeff, nesta formação os PMEC são primeiramente habilitados a realizar um diagnóstico de vulnerabilidade escolar, identificando fatores de risco e de proteção. Após desenvolverem este diagnóstico em suas escolas, os professores passam por um segundo módulo no qual são trabalhados os demais atores envolvidos na proteção escolar, devendo o professor buscar em sua localidade potenciais parceiros para sua atuação, como o conselho tutelar, as varas de infância e juventude, os conselhos comunitários de segurança, entre outros. Finalmente, no terceiro módulo, o professor mediador deve elaborar um projeto transversal, envolvendo a equipe escolar e comunidade para trabalhar um ou mais fatores mapeados no diagnóstico e que constitua um plano de ação adequado ao perfil de sua escola (GRAEFF, 2011).110

Percebe-se assim que, apesar de surgir de uma necessidade operacional e oferecer um formato de atuação diferente do que já havia sido concretamente discutido no curso da política, a criação da figura do PMEC relaciona-se com os objetivos imaginados para as equipes multidisciplinares. Além disso, a medida também responde em alguma medida à vontade inicialmente expressa pelo governador Serra de que, em cada escola, houvesse uma pessoa responsável preparada para lidar com os episódios de violência – o que no início das

discussões sobre a política havia sido considerado inviável.

A instituição dos PMECs parece também recuperar em alguma medida a preocupação de uma atuação intersetorial, de formação de redes e de participação comunitária na prevenção da violência nas escolas. No entanto, destaca-se que esta função do PMEC como um articulador de diferentes atores sociais – estipulada durante a capacitação e até mesmo no nome da função – não encontra respaldo direto em nenhuma de suas competências determinadas em resoluções da SEE. Além disso, como já mencionado, tais diretrizes não são dispostas como objetivos centrais da política – conforme previsto nos primeiros documentos de elaboração – sendo atribuídas como responsabilidade dos atores da ponta (equipes multidisciplinares e, agora, professores mediadores).

Por fim, a instituição dos professores mediadores recupera também, sob alguns aspectos, a proposta de reforço a outras iniciativas realizadas pela SEE/FDE. Nesse sentido, o papel dos PMECs aproxima-se de diversos pontos do projeto Justiça e Educação, e temas como justiça restaurativa, gestão de conflitos e técnicas de mediação são bastante presentes nas capacitações destes docentes. Uma breve busca aos recursos disponibilizados pela Rede do Saber111 também permite identificar que – principalmente nos anos mais recentes – há

tentativas por parte da SPEC de agregar na capacitação destes atores temas relacionados à proposta de outros projetos (como prevenção às drogas, saúde, diversidade sexual, etc.). No entanto, no escopo desta pesquisa não foi possível investigar se, na prática, estes diferentes projetos vêm sendo de fato integrados.