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CAPÍTULO 3 – Discussão de medidas no processo de desenho do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

3.1 Medidas discutidas durante a preparação e o lançamento público da política (2008 2009)

3.1.3 Criação de um canal de denúncias anônimas

Durante a formulação da política, foi também pensada a necessidade de um canal de denúncias anônimas para que qualquer cidadão pudesse relatar informações sobre atos violentos envolvendo as escolas e/ou a comunidade escolar. Para além de um sistema de registro de ocorrências escolares que também estava sendo pensado – e cuja competência de preenchimento seria limitada aos diretores de escola, principalmente para registro de incidentes já ocorridos – esse canal serviria para que fossem transmitidas diretamente às autoridades competentes, com agilidade, situações de perigo real e iminente comunicadas pela própria comunidade.

88 Comporiam este conselho órgãos como CEI e COGSP e demais órgãos centrais da Secretaria da Educação; o Cravi e os Centros de Integração da Cidadania (CIC), da SJDC; a Polícia Militar; a Polícia Civil; a

Assim, a proposta pautava-se na ideia de que parte das ações necessárias para garantir a proteção da comunidade escolar não estaria sob escopo das competências legais da Secretaria da Educação – por exemplo, ações essencialmente de cunho criminoso, as quais necessitariam da intervenção dos órgãos de segurança pública e de proteção da infância e da juventude. No entanto, julgava-se que a SEE deveria ter ciência sobre tais ocorrências e acompanhar o andamento das ações tomadas por estes outros atores, de modo a auxiliar no desenvolvimento de estratégias de atuação conjunta de prevenção.

Assim, o modelo imaginado à época para viabilização desse canal seria o de uma parceria com o serviço Disque Denúncia 181, desenvolvido no estado de São Paulo desde 2000 pelo governo estadual, por meio do Instituto São Paulo Contra a Violência (ISPCV).89

Na parceria discutida, a central de atendimento do Disque Denúncia seria disponibilizada para receber informações sobre situações de risco à comunidade ou ao patrimônio escolar. Além disso, o ISPCV emitiria relatórios periódicos para a FDE sobre as denúncias recebidas, com informações sobre: identificação do ato denunciado, data, endereço completo da ocorrência e informação da unidade policial à qual foi encaminhada a denúncia.

Contudo, conforme relatado por um entrevistado, esta parceria não avançou na velocidade necessária para sua divulgação no momento do lançamento da política.90 Assim,

de acordo com outro entrevistado, em maio de 2009 foi disponibilizada uma ferramenta online chamada Canal Livre, que teria como base o modelo de ouvidoria utilizado em diversos órgãos públicos,91 mas que poderia evoluir no sentido da proposta de um canal

estruturado de denúncias:

o tal do Canal Livre seria um canal de denúncias para qualquer um, professores, alunos, pais. [...] Na verdade chamava disque denúncia antes da gente lançar, aí na véspera do lançamento, a gente falou ‘não, não é um disque denúncia, pelo amor de Deus, olha a estrutura do negócio’ e isso, você não cria um canal de denúncia assim... aí, a gente deu uma ‘tucanada’

89 Fundado em 1997, o ISPCV é uma organização não governamental que atua na área da segurança pública. Sua principal atividade consiste na execução do serviço Disque Denúncia 181 a partir de uma parceria instituída entre a organização e o governo estadual por meio da Resolução SSP-471/2000. O serviço é um canal de atendimento telefônico – e, a partir de 2014, também virtual – que recebe denúncias sobre situações de crime e violência e as encaminha para as autoridades policiais. O acesso ao canal é gratuito e todas as denúncias feitas por meio dele são anônimas.

90 Segundo este entrevistado, a proposta do ISPCV consistia em realizar um estudo de seis meses antes de apresentar esta parceria, o que – no tempo da administração pública, que naquele momento exigia uma resposta rápida – seria inviável.

91 Vale lembrar que, como mencionado no Capítulo 2, o então Supervisor de Proteção Escolar e Cidadania, Marco Aurélio Chagas Martorelli, havia participado da criação da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, sendo familiar a este modelo de atuação.

legal e virou o tal do Canal Livre e que era mais ou menos assim: ‘depois a gente vai ver, vamos ver se a gente pega o know how, de repente essa parceria com o São Paulo Contra a Violência, isso vira algo que de fato possa ser um canal de denúncias.

Nas notícias publicadas pelo próprio governo de São Paulo sobre o lançamento do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania, o Canal Livre de fato não é apresentado como um mecanismo de denúncias, mas como um “espaço para que a comunidade, os professores, os diretores e os próprios alunos expressem suas dificuldades, ideias e soluções para problemas do cotidiano escolar”, (ESTADO..., 2009). Na fala de um entrevistado, o Canal Livre constituiria um canal de escuta ou um “fale conosco” para situações menos relevantes, que não deveriam ser registradas pelo sistema de ocorrências que estava sendo criado, mas para as quais seria preciso “dar vazão”. Assim, o Canal Livre seria

um sistema espelho irmão paralelo, que independente de uma ocorrência específica, mas o professor pode dar vazão, o professor, o diretor, enfim, a comunidade escolar pode dar vazão a um problema que é repetitivo, que todo mundo sabe que vai terminar mal, mas também é aquelas coisas que pelo tamanho do estado não permite que ele fique microgerenciando as situações de conflito em cada uma das 5500 unidades onde são as escolas.

No entanto, diversas dificuldades apresentaram-se em sua execução, principalmente relacionadas à demanda por retorno por parte dos que utilizavam o canal – que não podia ser atendida, uma vez que se tratava de um canal anônimo – e pelo volume de trabalho que a gestão da ferramenta exigia por parte da equipe da SPEC:

Para você ter uma ideia, ele foi ao ar e logo na primeira semana a gente percebeu que [...] o problema era quando as pessoas pediam um retorno, só que a gente não tinha a identificação dela e a pessoa ficava esperando um retorno, enfim o Canal Livre foi o maior tiro do pé [...]. A gente tentou ainda lidar com isso e percebemos que era necessário muito mais foco nisso se fosse essa a ideia, e o foco não estava nisso.

Assim, segundo entrevistados, o Canal Livre não chega a funcionar por muito tempo, ficando no ar por menos de um ano. Na resolução que criou formalmente o Sistema de Proteção Escolar e Cidadania em 2010, de fato, não há referências a canais de comunicação ou denúncia para a comunidade, sendo apenas mencionado o sistema de Registro de Ocorrências Escolares. Essa medida, portanto, foi apenas parcialmente implementada, durante um curto período, não tendo sido retomada posteriormente.