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Gestão Serra e a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

CAPÍTULO 2 – Violência nas escolas paulistas e a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

2.3 Gestão Serra e a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania

Logo no início de 2007, ao assumir o governo estadual, Serra68 cortou pela metade o

orçamento previsto para o Escola da Família, o que ocasionou seu fechamento em 2.882 escolas da rede estadual. Segundo a secretária de educação à época, Maria Lúcia Vasconcelos, a determinação das escolas que deixariam de ser beneficiadas foi feita com base em análises sobre a frequência, a vulnerabilidade social e a localização geográfica (DIMENSTEIN, 2007). A partir de então o programa passou a perder visibilidade, apesar de esforços posteriores da SEE para integrá-lo a outros programas de prevenção (SCOTUZZI, 2012).

No início de 2008, uma resolução conjunta entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria da Educação instituiu um grupo de trabalho para “estudar e propor medidas visando a elaboração de um programa de promoção da segurança para as escolas públicas estaduais, principalmente as localizadas na Capital e sua Região Metropolitana” (SÃO PAULO, 2008a). O grupo de trabalho situou-se sob responsabilidade do gabinete da secretária de educação, tendo representantes – além deste órgão – da cúpula da Secretaria de Segurança Pública, da FDE, do COGSP, da CEI e das Polícias Civil e Militar.

Em agosto do mesmo ano, foi também criada por resolução uma Comissão Permanente de Estudos para implementação do “Programa Justiça e Educação: uma parceria para a cidadania” (SÃO PAULO, 2008b). Formada por representantes de órgãos similares (gabinete da secretária de educação, FDE, Cenp, COGSP e CEI), esta comissão incluía – em lugar dos órgãos de segurança pública – representantes convidados do Poder Judiciário, responsável pelo programa, e do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que também vinha

68 José Serra, do PSDB, foi governador do Estado de São Paulo entre janeiro de 2007 e março de 2010, quando renunciou para candidatar-se a presidente da república.

desenvolvendo ações piloto de justiça restaurativa e mediação de conflitos.69

Considerando “a necessidade de se ampliar a justiça restaurativa, mecanismo eficaz de prevenção contra a violência e de combate aos conflitos, no âmbito das escolas” (SÃO PAULO, 2008b), a resolução previa que a comissão propusesse medidas para ampliação do programa para o Ensino Médio e Fundamental da rede pública paulista. É interessante notar que, enquanto na primeira comissão a FDE era representada por seu presidente e pelo chefe do Departamento de Educação Preventiva, sem vinculação específica aos projetos já desenvolvidos no âmbito da fundação, nesta são também designados profissionais ligados ao projeto Comunidade Presente, evidenciando a intenção de maior integração entre as duas iniciativas.

Assim, entre 2007 e 2008, as políticas de prevenção à violência nas escolas públicas do estado de São Paulo: a) encontravam-se enfraquecidas (Programa Escola da Família); b) possuíam ainda capacidade de ação limitada na rede, ainda que bem estruturadas (Programa Comunidade Presente e Projeto Justiça e Educação: uma parceria para a cidadania); c) eram ainda de caráter muito incipiente (como o grupo de trabalho e a comissão recém-constituídos). Foi nesse contexto que os incidentes de violência em escolas públicas estaduais tradicionais na cidade de São Paulo repercutiram na mídia, e assim recolocaram o tema na agenda de prioridades do governo estadual e exigiram deste um reposicionamento sobre o assunto.

O primeiro episódio, ocorrido em 12 de novembro de 2008, refere-se à depredação da Escola Estadual Amadeu Amaral, no bairro do Belém. Segundo notícias da época, a escola enfrentava um histórico de episódios de violência e convivia com um clima de insegurança provocado particularmente pela presença de duas gangues estudantis (a “Família do Belém” e o “Primeiro Comando do Amadeu”). O tumulto teria sido motivado pelo impedimento de alguns alunos de participarem de uma excursão a um museu, gerando revolta e o início da depredação. A Polícia Militar foi acionada para conter a situação70 e, posteriormente, seis

alunos envolvidos no episódio foram transferidos ou expulsos.

Além de uma notória cobertura da mídia, o episódio da Escola Amadeu Amaral teve

69 O programa “Parceria na Construção de uma Cultura de Paz no Ambiente Escolar” foi implementado em 2007 pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, a partir de um inquérito civil aberto na cidade de São

Bernardo do Campo para o enfrentamento da violência nas escolas. O programa reunia atores de diversos setores das políticas públicas, como forma de melhorar o fluxo de informações e encaminhamento de casos de violência e de violação de direitos de crianças e adolescentes identificados pelas escolas (CASTRO et al, 2010).

70 Parte das notícias menciona desproporcionalidade e truculência na atuação da Polícia Militar nesse episódio, a qual teria agredido indistintamente os estudantes e agido sem identificação.

também repercussão na Alesp. Em seção ordinária do dia 14 de novembro, dois dias após o incidente, deputados atribuíram o ocorrido a aspectos como a falta de investimentos do Estado na educação, a falta de política educacional definida e a ausência de gestão democrática e participação da comunidade nas escolas. A conduta da Secretaria da Educação no episódio foi também criticada por alguns deputados, que alegaram uma postura de criminalização dos estudantes por parte do órgão, a imposição de dificuldades de acesso dos parlamentares que não eram da base governista ao local, bem como a presença de assessores de imprensa da secretaria com o objetivo de promover uma “operação abafa” sobre o caso.71

Nesse contexto, foi convocada uma reunião extraordinária da Comissão de Educação da Alesp para 3 de dezembro de 2008, em que – entre outros assuntos – foram abordados os episódios ocorridos na Escola Estadual Amadeu Amaral. A secretária da educação à época, Maria Helena Guimarães de Castro, compareceu à reunião e, em sua fala, anunciou que uma comissão multissetorial prepararia um plano antiviolência nas escolas, o qual seria apresentado em um prazo máximo de duas semanas ao governador José Serra e que compreenderia

o estabelecimento de diretrizes gerais de convivência e de respeito dentro da escola, a elaboração de manuais de procedimentos e de orientação dos professores e das equipes sobre como lidar com as situações de conflito, o estabelecimento de um serviço multidisciplinar voltado às escolas que apresentarem algum tipo de problema, o reforço da ronda escolar em locais com incidência maior de situações de violência, além da implantação de fóruns de mediação de conflitos, visando a uma interação com as famílias dos alunos. (CAPRIGLIONE, 2008).

Em 22 de dezembro de 2008, em entrevista ao jornal Diário de São Paulo (RODRIGUES, 2008), a secretária relatou que o pacote de medidas a ser implantado incluía a instalação de câmeras de vídeo em todas as unidades da Grande São Paulo, bem como a contratação de vigilantes terceirizados nas instituições mais violentas e o recurso a um programa de computador para que as escolas informassem casos de agressão e vandalismo. Outra medida anunciada foi a ampliação do projeto de Justiça e Educação: uma parceria para a cidadania, conforme estava sendo preparado pela Comissão Permanente instituída no início do mesmo ano. Segundo Maria Helena, algumas das propostas já haviam sido aprovadas pelo governador naquele momento – como a ampliação do programa de justiça restaurativa e o monitoramento das escolas mais vulneráveis – enquanto outras haviam sido apresentadas

71 Reportagem veiculada no dia do episódio afirma, no mesmo sentido, que os professores da escola foram impedidos de falar sobre o ocorrido. Segundo a reportagem, os professores redigiram uma carta à redação do jornal, na qual relatavam sua visão sobre os fatos e o medo de retornar à escola (VIDEO..., 2008).

naquela semana e ainda aguardavam a análise de Serra.

Em 21 de janeiro de 2009, a secretária novamente se pronunciou sobre o assunto, relatando que o plano de segurança nas escolas – elaborado em parceria entre as Secretarias da Educação, de Segurança Pública e de Justiça e Defesa da Cidadania – seria lançado no início de fevereiro e que algumas medidas já seriam implementadas no primeiro semestre do ano letivo. Nesse momento, foi também anunciada a criação de um setor de prevenção à violência dentro da estrutura da FDE, além da designação de um capitão da Polícia Militar como interlocutor entre as Secretarias de Educação e de Segurança Pública (SÃO PAULO..., 2009c).

Ato contínuo, em 2 fevereiro de 2009, a Portaria FDE nº 5 criou na estrutura administrativa da fundação a Supervisão de Proteção Escolar e Cidadania, ligada diretamente à presidência da instituição, tendo como atribuições iniciativas bastante relacionadas ao que vinha sendo apresentado pela SEE por meio da mídia:

a) propor, implementar, monitorar e avaliar programas, projetos e ações voltados à manutenção da convivência pacífica e harmônica no ambiente escolar;

b) propor e estabelecer medidas e procedimentos de segurança destinados aos prédios da rede escolar e aos bens patrimoniais neles instalados ou alocados;

c) organizar profissionais e equipes técnicas e operacionais destinadas a realizar as ações necessárias ao cumprimento de suas atribuições, inclusive intervenções de apoio destinadas à prevenção de distúrbios e ameaças à harmonia no ambiente escolar;

d) estabelecer diretrizes, coordenar e viabilizar a criação e o funcionamento de equipes de mediação e conciliação de situações de conflitos nas escolas, capacitando agentes, monitorando sua atuação e resultados;

e) promover palestras, seminários, encontros, cursos de capacitação e produzir material didático e de apoio voltados aos professores, alunos e servidores da rede escolar, necessários ao cumprimento de suas metas e objetivos;

f) coletar, registrar e promover o intercâmbio de informações necessárias à proteção e à manutenção da convivência harmônica da comunidade escolar;

g) estabelecer a interlocução e cooperar com órgãos e entidades públicos e da sociedade civil, nacionais e internacionais, de forma a construir um sistema de inteligência que vise à manutenção da convivência harmônica e preservação do patrimônio da comunidade escolar. (SÃO PAULO, 2009c).

Neste documento, organizou-se a supervisão a partir de dois departamentos entre os quais foram partilhadas essas atribuições. O Departamento de Ações Preventivas, composto por uma Coordenadoria de Ações Comunitárias Preventivas e por uma Coordenadoria de Intervenções Especiais, ficou responsável pelo “desenvolvimento e implementação de programas, projetos e ações destinados a dotar os membros da comunidade escolar de instrumentos para a prevenção de situações de conflito”. Já o Departamento de Proteção Escolar destinou-se a desenvolver “ações e coleta de dados relativos a ocorrências infracionais no ambiente escolar”, sendo composto por uma Coordenadoria de Informações Estratégicas e outra de Vigilância Patrimonial.

Apesar da criação desse órgão, o pacote de medidas anunciado tardou ainda a ser lançado oficialmente. Em 2 março de 2009, em reportagem ao Estado de S.Paulo, a divulgação do conjunto de ações pelo governo foi postergada para abril (FORMENTI, 2009). No entanto, já em maio, antes que as medidas fossem lançadas pelo governo, um novo episódio de violência ocorreu em uma escola da capital e reacendeu as discussões sobre o tema: no dia 14 do referido mês, a Escola Estadual Professor Antônio Firmino de Proença, na Mooca, foi depredada por alunos durante o período letivo.

Segundo reportagens, o tumulto teria começado após dois alunos terem pulado o muro da escola para entrar na hora do intervalo. Diante da negativa dos alunos em se retirarem, a direção da escola acionou a Polícia Militar, que entrou na escola para retirada dos discentes. A ação da PM – que teria utilizado spray de pimenta contra os dois adolescentes – revoltou os demais estudantes, que iniciaram a depredação.

Após esse segundo incidente, ocorrido em uma escola onde José Serra havia estudado, o pacote de medidas de prevenção à violência nas escolas voltou novamente à pauta. Segundo o governador, o pacote deveria ser formalizado e lançado ainda naquele mês. Efetivamente, em 29 de maio de 2009 o então Secretário de Estado da Educação, Paulo Renato Souza, lançou em uma videoconferência com cerca de 1.700 professores e diretores da rede estadual o programa Sistema de Proteção Escolar e Cidadania.

Sob responsabilidade da Supervisão de Proteção Escolar e Cidadania, criada no âmbito do FDE, o programa divulgado continha diversas das medidas anunciadas nos meses anteriores, como a elaboração de um Manual de Procedimentos e de um Manual de Conduta Escolar, um sistema eletrônico de registro de ocorrências escolares, a implantação de um sistema de vigilância e monitoramento eletrônico, e o desenvolvimento de um canal eletrônico de participação sobre os problemas do cotidiano escolar destinado a professores, diretores,

alunos e à comunidade.

A criação formal da política, no entanto, só aconteceu em 2010, com a publicação da Resolução SE nº 19. Nesse documento, definiu-se que o Sistema de Proteção Escolar e Cidadania coordenaria “o planejamento e a execução de ações destinadas à prevenção, mediação e resolução de conflitos no ambiente escolar”, tendo como objetivo “proteger a integridade física e patrimonial de alunos, funcionários e servidores, assim como dos equipamentos e mobiliários que integram a rede estadual de ensino, além da divulgação do conhecimento de técnicas de Defesa Civil para proteção da comunidade escolar” (SÃO PAULO, 2010a).

A gestão da execução da política foi proposta como “descentralizada e gradativa”, cabendo sua coordenação ao Gabinete da SEE; à FDE, por meio da já criada Supervisão de Proteção Escolar e Cidadania, coube sua execução; às Diretorias de Ensino, sua gestão regional; e, às escolas, a execução local e diária das ações do sistema. Foi instituído um grupo de trabalho, ligado ao gabinete do secretário e coordenado pela SPEC, com o objetivo de assessorar a formulação e a execução das ações do Sistema de Proteção Escolar.

No âmbito das Diretorias de Ensino, previu-se a indicação de dois representantes –um deles, obrigatoriamente, um Supervisor de Ensino – que, além de suas atividades rotineiras, deveriam coordenar a gestão regional do programa. No âmbito das escolas, criou-se a possibilidade de contarem com até dois docentes no papel de Professor Mediador Escolar e Comunitário (PMEC), que tinham como atribuição atuar “na mediação entre as atividades pedagógicas e as relações interpessoais de toda a comunidade escolar” (SISTEMA..., 2010). Também por meio desta resolução foi regulamentado o funcionamento do Sistema de Registro de Ocorrências Escolares (ROE), já em implantação desde o lançamento da política.

Entre 2010 e 2013, a Fundap prestou duas consultorias à Supervisão de Proteção Escolar e Cidadania propondo aprimoramentos ao sistema. No mesmo período, novas resoluções foram publicadas precisando aspectos sobre a figura do Professor Mediador Escolar Comunitário. Até o final de 2014, quando se encerra o recorte temporal desta pesquisa, o Sistema de Proteção Escolar e Cidadania permaneceu como a principal política de prevenção à violência nas escolas em execução no Estado de São Paulo.

2.4. Gestão Serra e (os bastidores da) formulação do Sistema de Proteção Escolar e