CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
NOURAIDE FERNANDES ROCHA DE QUEIROZ
IMAGENS MÍ(S)TICAS DO GATO
IMAGENS MÍ(S)TICAS DO GATO
Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Marcio Venício Barbosa
Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Queiroz, Nouraide Fernandes Rocha.
Imagens mí(s)ticas do gato / Nouraide Fernandes Rocha Queiroz. – Natal, RN, 2010. 105 f.
Orientador: Marcio Venício Barbosa
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.
1. Simbologia – Dissertação. 2. Gato – Dissertação. 3. Poesia – I, Barbosa, Marcio Venício. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
IMAGENS MÍ(S)TICAS DO GATO
Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Literatura Comparada Data de defesa: 13 de novembro de 2009 Resultado: Aprovada
BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Marcio Venício Barbosa
Co-orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Profa. Dra. Hilza Matias
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Profa. Dra. Helena Parente Cunha
Ao meu filho Francisco Júnior, eterno amante dos
A Deus por todas as coisas “visíveis e não visíveis”, que fazem parte da minha trajetória; por toda a minha vida.
À Mãe Rainha, a quem tantas vezes rogo em minhas preces para interceder por mim e pelos meus entes queridos junto ao seu Filho e ao Pai Eterno.
A minha mãe Geralda, que me incentivou a trilhar o caminho que me leva a conquistas e realizações.
Ao meu marido Francisco Queiroz, que me apoia e compartilha comigo momentos de dificuldades, de tristezas; e de conquistas e alegrias, com quem compartilho a vida.
Aos meus filhos Luiza Marinine, Liana Carine e Francisco Júnior, que têm importância crucial na minha existência. São protagonistas no enredo da minha história de vida que, mesmo sentindo a minha ausência em momentos dedicados ao estudo e à pesquisa, compreenderam que esse capítulo não poderia deixar de ser escrito.
À professora Sandra Erickson, a quem devo os primeiros estudos sobre a presença do gato na literatura e, sobretudo, pelo grande incentivo para o ingresso no mestrado.
À professora Christina Ramalho, pela sua amizade, pelos estudos compartilhados e os conhecimentos adquiridos, pelos caminhos que me conduziram à circularidade cultural das imagens mí(s)ticas e ao encontro com o gato na literatura.
Ao professor Marcio Venício pela orientação que culminou na transposição de mais uma etapa na minha trajetória acadêmica.
À professora Helena Parente Cunha, pela leitura deste trabalho, e a fundamental participação na banca examinadora. A minha admiração pelo seu carisma e por tão bem imprimir a sua experiência de vida em suas ações, transmitindo ensinamentos e demonstrando muita sabedoria.
À professora Ilza Matias, pela leitura do trabalho e disponibilidade de participar da banca examinadora
A Josefa Maria Campelo (Deca) por estar comigo nos momentos mais importantes da minha vida, nas alegrias e tristezas. Pela força, pelos cuidados e carinhos tão sinceramente dedicados a mim e a minha família, propiciando-me a tranquilidade necessária para continuar a enveredar pelo caminho das letras.
A Simone Leal, o agradecimento pela sua amizade incondicional, em todas as horas. Meu espelho, meu exemplo.
A Juvaneide Regis com quem sempre pude contar nos mais importantes e significativos momentos da minha vida,
A Adir, que me impulsiona a voltar o olhar para dentro de mim mesma, buscando as respostas às minhas inquietações e conduzindo-me ao equilíbrio para administrar as diversas situações em minha trajetória de vida.
O mundo será cada vez melhor à medida que houver mais pessoas empenhadas em ‘restabelecer pontes sobre todas as fronteiras artificialmente criadas e mantidas pelo espírito humano, ponte sobre tudo o que divida os homens, atomize o seu coração e a vida’.
O valor evocativo, mágico ou mí(s)tico atribuído à relação homem/animal pode ser observado na cultura desde épocas remotas. Na simbologia animal encontra-se imensa carga semântica, fundamentando as crenças mais antigas que os seres humanos já tiveram. Os animais estão na base do simbolismo mítico e constituem fonte para rica produção artística, englobando grande variedade iconográfica e textos de natureza diversa. Tomando como referência da simbologia animal a imagem mí(s)tica do gato, observamos como a linguagem poética contempla os perfis mítico-simbólicos a ela relacionados, destacando aqueles que se referem às relações entre o mundo humano e o felino. A partir da antologia temática Assinar a pele; de pressupostos teóricos; e de
abordagens mitocríticas, buscamos analisar como as diversas imagens mí(s)ticas associadas ao gato foram exploradas em algumas das muitas poesias acerca desse felino. A definição de uma tipologia que engloba categorias tais como: gato doméstico, gato de rua, gato mulher, gato noturno, gato demoníaco e gato divino, entre outras,
sustenta o reconhecimento de identidades possíveis entre esses poemas e assinala a recorrência de um repertório simbólico diverso em si mesmo, mas, de outro lado, coerente com a presença do gato na sociedade humana através dos tempos.
La valeur évocative, magique ou my(s)thique attribuée à la relation homme/animal peut être observée dans la culture depuis les époques lointaines. Dans la symbologie animale on trouve une immense charge sémantique justifiant les croyances les plus anciennes que les êtres humains ont déjà eues. Les animaux sont à la base du symbolisme mythique et ils se constituent en tant qu’une source pour la riche production artistique englobant une grande variété iconographique et des textes de nature diverse. Ayant comme référence de la symbologie animal l’image my(s)thique du chat, on observe la façon par laquelle le langage poétique contemple les profils mythique-symboliques qui ont un rapport avec ce langage, tout en mettant en relief ceux qui ont des rapports aux relations entre le monde humain et le félin. À partir de l’antologie tématique Assinar a pele ; des concepts théoriques ; et des abordages mitocritiques,
nous cherchons à analyser les façons par lesquelles les différentes images mythiques associées au chat ont été explorées par la poésie. La définition d’une typologie englobant des catégories telles : chat domestique, chat de rue, chat femme, chat nocturne, chat démoniaque et chat divin, parmi d’autres, soutient la reconnaissance
d’identités possibles entre ces poèmes et signale la répétition d’un répertoire symbolique divers en soi, mais, cohérent avec la présence du chat dans la société humaine à travers les temps.
Figura 01 – Sapo-cururu ... 29
Figura 02 – Barata ... 29
Figura 03 – O rato humano ... 29
Figura 04 – A mosca ... 30
Figura 05 – Gato mumificado ... 34
Figura 06 – Exemplares da raça abissínio ... .35
Figura 07 – Tentações de Santo Antão ... 40
Figura 08 – Gatos de Théophile A. Steinlen ... 41
Figura 09 – "Olympia" Edouard Manet, 1863. Musée d'Orsay, Paris ... 42
Figura 10 – Renoir: a) “Menina com gato”, ou “Menina adormecida”; b) “Menino com gato”; c) "Mulher com gato” ... 42
Figura 11 – Dora Maar com Gato” ... 43
Figura 12 – Gatos pintores ... 44
Figura 13 – Bastet com os gatos filhotes aos seus pés... 55
Figura 14 – Estátua de Bastet na forma de gato ... 56
INTRODUÇÃO ... 11
CAPÍTULO 1 ... 13
1.1 OS SÍMBOLOS ... 13
1.2 OS BESTIÁRIOS ... 22
1.3 SIMBOLISMO ANIMAL ... 23
CAPÍTULO 2 ... 34
2.1 O GATO ... 33
2.2 O GATO NAS ARTES ... 39
2. 2. 1 Gatos pintores ... 44
2. 2. 2 O gato na fotografia ... 45
2. 2. 3 O gato nos quadrinhos e no desenho animado.. ... 46
2. 2. 4 O gato na arte cinematográfica ... 47
2. 2. 5 O gato na publicidade ... 47
2. 2. 6 O gato na literatura ... 49
2.3 O GATO: METÁFORA DO HUMANO ... 51
CAPÍTULO 3 ... 53
3.1 A IMAGEM MÍ(S)TICA DO GATO ... 53
3.1.1 sentidos poéticos da imagem mí(s)tica do gato ... 62
3.1.1.1 Gato/erotismo ... 63
3.1.1.2 Gato/mulher ... 65
3.1.1.3 Gato/lua ... 66
3.1.1.4 Gato/noite ... 68
3.1.1.5 Gato/divino ... 69
3.1.1.6 Gato/demônio ... 71
3.1.1.7 Gato/lar ... 72
3.1.1.8 Gato/liberdade ... 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75
REFERÊNCIAS ... 77
INTRODUÇÃO
Os animais estão na base do simbolismo mm(s)tico e constituem fonte para
rica produção artmstica, que engloba grande variedade iconográfica e textos de
natureza diversa. Nessa perspectiva, tomamos como referência da simbologia
animal a imagem mm(s)tica do gato, sob o ponto de vista da semiótica literária e
cultural que analisa os sentidos dessa simbologia dentro de um contexto social,
cultural e histórico. Para isso, enfatizamos, no âmbito das leituras teóricas, as
contribuições de Verena Kast, Carl Jung, Roman Jakobson, Voisenet, Todorov,
Ronecker, Mircea Eliade, Tresidder e Nely Novaes Coelho, como também nos
ancoramos no conceito de imagem mítica, que se encontra em A circularidade
cultural das imagets míticas, de Christina Ramalho.
Importante destacar que várias pesquisas foram feitas na ittertet, embora
esse não seja canal usual no âmbito acadêmico. Justificamos a utilização desse
recurso pelo fato de entendermos que se torna legmtimo no caso deste estudo, uma
vez que se faz necessária a verificação das imagens mm(s)ticas do gato que circulam
pelas culturas diversas, considerando que nesse sentido a ittertet é nos dias atuais
vemculo de significativa referência, mesmo que, provavelmente, as informações
possa não ter a mesma autoridade e o mesmo recothecimetto de veracidade e/ou
seriedade que num livro sobre mito ou sobre culturas, por exemplo.
Quanto à estrutura deste trabalho, enfatizamos que, a fim de contemplarmos
a questão de modo mais abrangente, a priori, analisamos como se dá a elaboração
semântica do signo identificado como smmbolo para, em seguida, verificarmos de que
modo o universo dos bestiários constitui-se referente simbólico bastante explorado
pela literatura, uma vez que o animal, desde sempre, teve a propriedade de se fazer
espelho para a reflexão sobre a natureza humana. Do instinto que prende o humano
ao animal àquilo que no ser humano o distingue desse universo, encontramos
subsmdios para a criação de referentes simbólicos que ora ratificam as relações de
semelhança entre homem e animal, ora dão destaque às diferenças. Feito isso,
partimos para a imagem mm(s)tica que nos instigou a elaborar este estudo: a do gato.
Nessa perspectiva, observamos que entre os animais que integraram os
bestiários e os que permaneceram na simbologia, associada ao universo animal
presença no seio da sociedade humana atravessou fronteiras distintas. Do divino ao
demonmaco, o gato transitou por várias esferas e gerou, por isso, imagens mm(s)ticas
muitas vezes paradoxais.
Assim, temos na literatura ambiente profmcuo em que essa polissemia ou esse
caráter paradoxal pode ser facilmente observado, bastando, para isso, reunir textos
em que o uso da simbologia do gato apresenta-se como forma de pensar e repensar
a condição humano-existencial. Desse modo, lançando o olhar sobre alguns
poemas, cuja temática versa sobre a imagem do gato, pretendemos apreender as
imagens desse felino decorrentes da sua presença na literatura e a possmvel
configuração de estereotipias simbólicas que acabam por se tornar referências
constantes no âmbito da criação literária.
Destacamos que na busca do corpus que permitiria a investigação a que nos
propusemos, tomamos como referencial alguns poemas que se encontram na
antologia de poesia sobre gatos Assitar a Pele, organizada pelo escritor português
João Lums Barreto Guimarães, cuja temática utiliza a imagem simbólica do gato,
propiciando-nos uma reflexão sobre a condição humana ou o que chamamos de
formas de representação do humano na poesia felita.
Amparados pela definição de uma tipologia que abarque as diferentes
imagens mm(s)ticas do gato nos poemas que integram o livro, pretendemos definir
uma metodologia de leitura dessas simbologias e verificar quais são as
redundâncias semânticas e/ou as transgressões significativas que perpetuam e
CAPÍTULO 1
1.1 OS SÍMBOLOS
O ser humano utiliza-se de diversos tipos de código, para comunicar-se,
exprimir sentimentos, opiniões, conhecimentos. Associados a esses códigos,
verificamos o uso de vários tipos de linguagem, tais como: afetiva, cognitiva,
denotativa, lúdica, dentre outras, das quais destacamos especialmente a linguagem
simbólica. Essa utiliza um nome, uma imagem constituinte do smmbolo o qual
representado por um objeto, por seres, cores etc., caracteriza-se por uma
pluralidade de significados, que ultrapassa as evidências, o convencional. Assim
sendo, o smmbolo representa uma ideia, ou um conceito amplo, complexo, podendo
também, em alguns casos, exprimir forte carga emotiva.
Tendo em vista a importância do smmbolo, para esta pesquisa, que trata da
simbologia animal e da sua relação com o ser humano, i. e., os laços existentes
desde a ancestralidade, observamos que a própria etimologia da palavra símbolo
reporta-nos à relação complementar, na qual podemos inserir homem/animal.
Lat. symbòlum,í 'sinal, marca distintiva, insmgnia', adp. do gr. súmbolot,ou 'sinal, signo de reconhecimento, orign., um objeto partido em dois, em que dois hospedeiros conservam cada um uma metade, transmitida a seus filhos; essas duas partes comparadas serviam para fazer reconhecer os portadores e para comprovar as relações da hospitalidade contramda anteriormente, donde 'signo, sinal, convenção, der. do v. sumbálló 'lançar, jogar conjuntamente, comparar. (HOUAISS, 2001, versão 1.0).
Nesse sentido, para melhor compreendermos as relações entre a ideia e o
objeto que a representa, faz-se importante a abordagem sintética, acerca de alguns
dos conceitos atribumdos aos smmbolos, sobretudo numa perspectiva da lingumstica,
da literatura e da psicanálise, tendo, essa última, ligação direta com a simbologia,
visto que é consabida a atuação dos smmbolos no nmvel psicológico do ser humano,
influenciando nos aspectos comportamentais e, até mesmo, no estilo de vida de um
Ressaltamos a relevância do smmbolo como algo essencial no processo de
comunicação, que mesmo presente ainda em nosso dia a dia, propagado pelas mais
diversas vertentes do saber humano, possui valor evocativo, mágico ou mm(s)tico.
Tem importante influência, em determinados casos, também porque inspira ações
coletivas. Podemos observar que pessoas ainda lutam e morrem por algo a que se
atribui valor simbólico, a exemplo de emblemas, estandartes, bandeiras, ideias, etc.
Sobre a questão, afirma Tresidder:
Alguns smmbolos encapsulam as crenças mais antigas e fundamentais que os seres humanos tiveram sobre o cosmo, seu lugar nele, como se comportar e o que honrar ou reverenciar. Muitos têm implicações psicológicas. Mesmo os que incorporam as idéias mais simples elevam o significado do objeto comum, escolhido como smmbolo, ampliando-o do particular para o geral [...] Um sistema coerente de smmbolos vivos poderia fazer com que as pessoas se sentissem em harmonia consigo mesmas, com a sua comunidade, com o cosmo. Poderia inspirar ações coletivas [...] No começo, os smmbolos mais importantes representavam tentativas de conferir ordem e significado à vida humana num universo misterioso. (TRESIDDER, 2003, p. 7; 8).
Assim, podemos entender que alguns smmbolos fazem parte de uma
convenção universal, transpondo fronteiras e sendo reconhecidamente
internacionais, outros são compreendidos dentro de um determinado contexto
cultural. Observamos que, desde os primórdios das civilizações, muitos deles são
portadores de grandes cargas semânticas nas quais se refletem o modo de vida de
um povo, de uma comunidade.
Nessa perspectiva, entendemos que a representação especmfica para cada
smmbolo pode emergir como resultante de um processo natural, como também de
uma convenção, de maneira que o receptor consiga interpretar o significado
implmcito e atribuir-lhe determinada conotação. Associar os smmbolos a nossa
vivência favorece-nos uma compreensão mais ampla de nós mesmos,
conduzindo-nos à interioridade, às profundezas do inconsciente.
Podemos corroborar nosso entendimento, utilizando-nos do pensamento
junguiano o qual, no âmbito da psicanálise, distingue dois tipos de smmbolos: os
smmbolos taturais e os smmbolos culturais. Aqueles (os naturais) derivam-se dos
conteúdos inconscientes da psique, representando, assim, imensa quantidade de
variações das imagens arquetmpicas fundamentais; estes (os culturais) foram
religiões. Conservam muito de sua magia original, segundo Jung [200?], podendo
evocar reações emotivas profundas em algumas pessoas, e essa carga psmquica faz
com que funcionem um pouco como os preconceitos. Constituem-se elementos
importantes da nossa estrutura mental e forças vitais na edificação da
sociedade humana.
Em A ditâmica dos símbolos, Kast (1997) afirma que o smmbolo é um sinal
vismvel de uma realidade invismvel ideal, logo, nele, podemos observar nmveis
antagônicos: em algo externo, é possmvel revelar-se algo interno; em algo vismvel,
algo invismvel; em algo corporal, algo espiritual; em algo particular, algo geral. Assim,
entrar em contato com o mundo simbólico, na busca de estabelecer sentidos, é
envolver-se num mundo de realidades invismveis, que nos transcende e se encontra
encoberto por algo vismvel (a materialidade do smmbolo); é entrar em contato com a
sedução e com o fascmnio exercidos por essa caractermstica paradoxal inerente ao
smmbolo que é revelar e ocultar simultaneamente.
Entendemos que, no homem, o processo imagmstico constitui um fenômeno o
qual surge tanto de dentro para fora como de fora para dentro. O interno e o externo
movimentam-se em sincronia, proporcionando, assim, um significado de existência.
Em trabalho de especialização, apresentado no curso de piscologia analmtica,
na Pontifmcia Universidade Católica (PUC) – PR (1998), Sheila Woller discorre
acerca da atitude simbólica, na obra de Jung, cujo conceito permeia grande parte da
obra desse autor. A concepção de tal atitude ocorre por intermédio de uma
consciência que nos proporciona um contato com o smmbolo, percebendo-o como
algo relativamente desconhecido, logo uma consciência que caminha lado a lado
com o inconsciente, que acredita no mistério e respeita-o.
Essa atitude simbólica aproxima o smmbolo do consciente, que, por meio da
compreensão, permite também que o smmbolo seja sentido e reconhecido de
modo relativamente imbricado ao eu, contudo o smmbolo na qualidade
de estrutura significativa plural continua vivo e atuante, na medida em que não é
revelado inteiramente.
Ainda discorrendo sobre os estudos junguianos e citando James Hillman
(autor que aprofunda e desenvolve alguns conceitos apresentados por Jung), Woller
(1998) demonstra-nos o que diz Jung: psique é imagem. Hillman recorre a essa
definição, afirmando que devemos ficar com a imagem, que ficar na alma é ficar com
No plano literário, destacamos, de acordo com Massaud Moisés, em seu
Diciotário de termos literários, que o símbolo pode estar diretamente associado à
significação de imagem:
Smmbolo: vocábulo de ampla instabilidade semântica [...] exibe conotações variáveis, discutmveis e infensas a todo esforço de precisão e rigor. [...] Da perspectiva literária, a imagem se relaciona ou se confunde com o smmbolo, [...] a ponto de levar alguns crmticos de poesia a cunhar expressões como ‘imagem figurativa’ e ‘imagem simbólica’. (MOISÉS, 1985, p. 282; 283).
Nesse sentido, é interessante observarmos que, quanto à associação
imagem/smmbolo na perspectiva semiótica, todo o signo em que a convencionalidade
predomina possui uma relação direta com o smmbolo. Tomando como paradigma a
paz mundial e a pomba da paz, enfatizamos que a convenção fez da imagem
semelhante a uma pomba branca um smmbolo de paz. Com isso, a
convencionalidade, de certo modo, ao estar arraigada a um referente marcado,
diminui o impacto multissignificativo do smmbolo.
A fim de desenvolver, mesmo que brevemente, essa ideia, citamos Peirce
para quem o homem significa tudo o que o cerca. Segundo ele, todo petsametto é
um sigto:
Signo ou Representâmen é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado, denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do representâmen. (PEIRCE, 1995, p. 46).
Peirce conclui que tudo o que a consciência registra é feito numa gradação de
três propriedades, correspondentes a três categorias que são inerentes à toda e
qualquer experiência: qualidade; relação (termo que mais tarde foi substitumdo por
reação); e representação (que veio a ser substitumdo por mediação). Porém,
cientmficamente, Peirce utiliza a terminologia de primeiridade, secundidade e
terceiridade, sendo: primeiridade, a categoria que dá à experiência sua qualidade
distintiva, seu frescor, sua originalidade e liberdade; secundidade, aquilo que dá à
à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos. Como podemos entender
pela descrição que se segue (PEIRCE, 2008):1
• Primeiridade – a qualidade da consciência imediata é uma impressão (sentimento), invismvel, não analisável, frágil. Tudo o que está imediatamente presente à consciência de alguém é tudo aquilo que está na sua mente no instante presente. O sentimento como qualidade é, portanto, aquilo que dá sabor, tom, matiz à nossa consciência imediata, aquilo que se oculta ao nosso pensamento. A qualidade da consciência, na sua imediaticidade, é tão tenra que mal podemos tocá-la sem estragá-la. Nessa medida, o primeiro (primeiridade) é presente e imediato, ele é inicialmente, original, espontâneo e livre, ele precede toda a smntese e toda a diferenciação. Primeiridade é a compreensão superficial de um texto (leia-se texto não ao pé da letra; ex: uma foto pode ser lida, mas não é um texto propriamente dito).
• Secundidade – é a arena da existência cotidiana, estamos continuamente esbarrando em fatos que nos são externos, tropeçando em obstáculos, coisas reais, factivas que não cedem ao sabor de nossas fantasias. O simples fato de estarmos vivos, existindo, significa, a todo momento, que estamos reagindo em relação ao mundo. Existir é sentir a ação de fatos externos resistindo a nossa vontade. Existir é estar numa relação, tomar um lugar na infinita mirmade das determinações do universo, resistir e reagir, ocupar um tempo e espaço particulares. Onde quer que haja um fenômeno, há uma qualidade, isto é, sua primeiridade. Mas a qualidade é apenas uma parte do fenômeno, visto que, para existir, a qualidade tem que estar encarnada numa matéria. O fato de existir (secundidade) está nessa corporificação material. Assim sendo, Secundidade é quando o sujeito lê com compreensão e profundidade de seu conteúdo. Como exemplo: 'o homem comeu banana', e na cabeça do sujeito, ele compreende que o homem comeu a banana e possivelmente visualiza os dois elementos e a ação da frase.
• Terceiridade – corresponde à camada de inteligibilidade, ou do pensamento em signos, através da qual representamos e interpretamos o mundo. Por exemplo: o azul, simples e positivo azul, é o primeiro. O céu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul é um segundo. A smntese intelectual, e laboração cognitiva – o azul no céu, ou o azul do céu –, é um terceiro. A terceiridade, vai além deste espectro de estrutura verbal da oração. Ou seja, o indivmduo conecta à frase a sua experiência de vida, fornece à oração, um contexto pessoal. Pois 'o homem comeu a banana' pode ser ligado à imagem de um macaco no zoológico; à cantora
1
Carmem Miranda; ao filme King Kong; enfim, a uma série de elementos extra-textuais.
Quando se refere especificamente à categoria signo, Peirce (2008)2
estabelece uma distinção que interessa para a nossa compreensão do impacto
significativo do smmbolo. Tal distinção contempla as três formas de expressão
conhecidas como mcone, mndice e smmbolo.
• O mcone, que mantém uma relação de proximidade sensorial ou emotiva entre o signo, representação do objeto, e o objeto dinâmico em si - exemplo: pintura, fotografia, o desenho de um boneco. É importante falar que um mcone não só pode exercer esta função como é o caso do desenho de um boneco de homem e mulher que ficam anexados à porta do banheiro indicando se é masculino ou feminino, a priori é mcone, mas também é smmbolo, pois ao olhar para ele reconhecemos que ali há um banheiro e que é do gênero que o boneco representa, isto porque foi convencionado que assim seria, então ele é mcone e smmbolo.
• O mndice, ou parte representada de um todo anteriormente adquirido pela experiência subjetiva ou pela herança cultural – exemplo: onde há fumaça, logo há fogo. Quer isso dizer que através de um indmcio (causa) tiramos conclusões. É importante referir que um signo, ou represettamet, é qualquer coisa que está em vez de (statds for) outra coisa, em determinado aspecto ou a qualquer tmtulo, (e que é considerado ‘representante’ ou representação da coisa, do objecto - a matéria fmsica) e, por último, o ‘interpretante’ – a interpretação do objecto. Por exemplo, se estivessemos a falar de 'cadeira', o representante seria o conceito que temos de cadeira. O objeto seria a cadeira em si e o interpretante o modo como relacionamos o objecto com a coisa representada, o objeto de madeira sobre o qual nos podemos sentar.
A principal caractermstica do signo indicial é justamente a ligação fmsica com seu objeto, como uma pegada é um ‘indmcio’ de quem passou. A fotografia, por exemplo, é primeiramente um mndice, pois é um registro da luz em determinado momento.
• O símbolo, de forma arbitrária estabelece uma relação convencionada entre o signo e o objeto, como por exemplo o termo cadeira. (Grifos nossos).
A visão de Peirce acerca da categoria smmbolo e da convencionalidade nele
estabelecida faz-nos retomar o conceito do smmbolo cultural, ou seja, registra o
smmbolo como uma estrutura comunicativa de valor coletivo. Entendemos que é
possmvel, também, relacionar o smmbolo cultural, a que corresponde o smmbolo
peirciano, ao smmbolo natural, uma vez que convencionalidades coletivas podem
acionar estruturas simbólicas mentais.
Nesta pesquisa, faz-se importante tecermos algumas considerações acerca
das funções da linguagem, uma vez que a questão do smmbolo como um signo
convencional acaba por nos reportar às funções conhecidadas como referencial e
poética, já que o smmbolo, ao mesmo tempo, agrega um referente e um valor
conativo. Cabe, então, lembrar as considerações de Jakobson e Todorov sobre o
tema.
Jakobson (2005), em Litgüística e Comuticação, ao abordar a questão da
tradução, dá relevo a uma caractermstica do smmbolo que nos parece interessante:
A definição semiótica do significado de um smmbolo, como sendo sua tradução em outros smmbolos, tem uma aplicação eficaz no exame lingüistico da tradução intra e inter lingual; e tal abordagem da tradução semântica concorda com a proposta de Shannon de definir a informação como ‘aquilo que fica invariável através de todas as operações reversmveis de codificação ou tradução’, numa palavra como a ‘classe de equivalência de todas essas traduções’. (JAKOBSON, 2005, p. 84).
Observamos, pois, que, nessa visão, o smmbolo possuiria um traço referencial
que independe do tratamento verbal a ele dado. Talvez seja esse traço de
permanência que nos faça associar determinadas formas simbólicas a um sentido
cultural dado que pode, inclusive, não se legitimar no texto de onde o retiramos,
lembrando que “a supremacia da função poética, em relação à referencial, não faz
desaparecer a referência (a denotação), mas torna-a ambmgua”. (JAKOBSON apud
TODOROV, 1977 , p. 300).
O que isso quer dizer no âmbito desta pesquisa? Que a simbologia do gato
está carregada de uma convencionalidade cultural anterior à própria construção
significativa interna de um poema no qual essa imagem se presentifique. Assim, é
necessário compreendermos os referentes diversos que compuseram essa(s)
convenção (convenções) – uma vez que a simbologia do gato é dual e até
antagônica, a depender da época –, para que se possa dimensionar a simbologia do
Objetos de estudo, como um filme ou uma estrutura de mitos, são encarados
como textos que transmitem significados, sendo esses tomados como derivações da
interação ordenada de elementos portadores de sentido, encaixados num sistema
estruturado, de maneira parcialmente análoga aos elementos portadores de
significado numa lmngua. Nessa perspectiva, os smmbolos, portadores que são de
imensa carga semântica, assumem função determinante para o conhecimento mais
aprofundado da cultura de um povo.
Imbricado intimamente no mundo sensmvel, o smmbolo, em sua função
operativa, torna possmvel que o homem estruture as suas relações com tudo o que o
cerca, em dupla perspectiva semântica, aliando o sentido literal e o indireto.
O smmbolo é também deflagrador de um trabalho de inúmeras possibilidades
interpretativas, visto que ele é produto da obra e da imaginação humana, e que
possui função criadora e poética. Nessa perspectiva, vemos o homem inserido no
universo simbólico, constitumdo pela linguagem, pela arte, pela religião e pelo mito,
formadores do tecido simbólico em que se entrelaçam os fios aos quais está
enredada a experiência humana.
Retomando nossas considerações acerca da relação smmbolo/signo,
ressaltamos que Tresidder, no Diciotário de símbolos, coloca uma diferença
essencial entre o smmbolo e o signo, pois este tem significado “prático e sem
ambigüidade”; aquele tem “uma ressonância imaginativa maior e significados mais
complexos, às vezes ambmguos”. Assevera-nos também que “O smmbolo tem com
freqüência a forma de mcone, que imita a forma da coisa a qual se refere” (2003, p.
7;8), tendo seu significado autoevidente, ou, às vezes, inesperado. Observamos,
então, que o smmbolo apela tanto para a dimensão perceptiva, quanto para a
intelectiva, na medida em que existe por si próprio. Nesse sentido, assinalamos a
sua caractermstica de detentor de uma coerência interna, em função de possuir a
intransitividade do significante, pois cada coisa pode significar o que realmente é,
sem remeter para outra diferente de si.
Todorov, em Teorias do Símbolo, afirma que, quanto ao modo de percepção,
“no caso do smmbolo, há como que uma surpresa derivada de uma ilusão: julgava-se
que a coisa existia simplesmente por si própria; depois, descobre-se que ela
também tem um sentido (secundário)”. O smmbolo mantém o valor próprio e a
opacidade a ele inerentes. Ainda segundo Todorov (1977), o smmbolo possui caráter
percepção (e à intelecção) [...] só significa indiretamente de maneira secundária: ele
existe em primeiro lugar por si mesmo, e só depois descobrimos que também
significa” (TODOROV, 1977, p. 205).
Tratando, mais especificamente, do nosso objeto de estudo, podemos
entender que a análise de poemas, contendo imagens poéticas do gato, não pode
fazer uso de um pensamento equivocado, o qual desconsidere que esse felino é,
independentemente de sua presença na poesia, um smmbolo complexo, cuja
convencionalidade prende-se a referentes igualmente complexos. Assim, ao
reunirmos alguns poemas que trabalhem metaforicamente com a imagem do gato,
decerto, observaremos que trarão versões simbólicas diferentes e mesmo
divergentes, uma vez que o gato, antes de ser metáfora lmrica é uma metáfora
cultural plurissignificativa.
Podemos observar ainda que termos simbólicos são frequentemente
utilizados, expandindo o campo da consciência por caminhos desconhecidos, nos
quais esses termos representam conceitos que não podemos definir, e nem
mesmo compreender inteiramente. E é justamente essa impossibilidade da
apreensão do smmbolo em sua completude, que o torna essencialmente vivo. Ele
substitui e compensa uma realidade ausente, mas compreensmvel dentro de uma
determinada cultura.
É próprio do smmbolo ter a multiplicidade de significados e entrar em várias
dimensões do social. A sua ritualização acentua a versatilidade dos significados e,
porque implica sentimentos e afetos, estabelece espaços de identidade, na medida
em que se reveste de significados diferentes conforme a cultura, as circunstâncias
históricas e os costumes de um povo. Os smmbolos podem ser utilizados em prol de
uma ordem cósmica e social que uma cultura manisfesta por meio de metáforas nos
seus sistemas simbólicos de mitos e rituais. O fato de o smmbolo nos remeter para o
imaginário fornece sentido aos acontecimentos ritualizados e permite associações
comunicativas e interativas, possibilitando a apreensão de unidades significativas.
Após essa abordagem sucinta sobre os signos e os smmbolos e algumas das
relações que podem ser estabelecidas a partir desses e ressaltando que “os animais
sempre foram a base mais poderosa e importante do simbolismo. Nenhuma outra
fonte no mundo natural proporcionou uma variedade tão rica de iconografias”.
(TRESIDDER, 2003, p. 27), enveredaremos pelos caminhos que nos conduzem à
1.2 OS BESTIÁRIOS
Estudos realizados por Jacques Voisenet, sobre o bestiário da Alta Idade
Média observam duas constantes que caracterizam a visão do animal nos textos
elaborados durante esse permodo: a naturalista e a religiosa. A partir disso, Voisenet
ressalta a descrição dos seres da natureza e os seus comportamentos em virtude do
que se apreendera, por meio de fontes da Antiguidade Clássica, de textos dos
naturalistas, e da Bmblia.
Voisenet observa que, para os autores da época, havia duas obras que
orientavam a conduta do homem como cristãos: as Sagradas Escrituras e o Livro da
tatureza. Nessas fontes, os animais surgem sempre referidos em função do próprio
homem e como instrumento a serviço da ideologia clerical. Nesse sentido, vê-se que
a aproximação homem/animal relacionava-se, na maioria das vezes, à atribuição
simbólica com a qual os animais eram vistos, o que provocava ou não um
afastamento entre ambos.
Ficou evidente, nesses estudos, que os animais eram classificados pelos
estudiosos da Alta Idade Média de acordo com as funções a eles atribumdas. Desse
modo, considerando a proximidade do animal ao homem, de acordo com as
caractermsticas fmsicas dos animais, o seu habitat e o seu tamanho, enfim os
elementos caractermsticos do seu modo de vida.
Nessa perspectiva, analisaram-se primeiramente as simbologias dos
monstros, isto é, dos hmbridos, mais próximos do homem pelos atributos fmsicos,
seguindo-se as dos animais domésticos, do gado de pequeno e grande porte, das
bestas selvagens, dos pequenos animais, mammferos e insetos, dos rastejantes,
répteis e lagartos, dos vermes, como também daqueles que não se movimentam no
mesmo espaço dos humanos, a exemplo dos peixes e das aves. Tudo isso implica
diretamente a relação homem/animal, podendo provocar entre estes, como já foi
apontado, maior aproximação ou o seu progressivo afastamento, dependendo da
conotação a eles reservada: positiva ou negativa. Consoante esse entendimento, o
animal como smmbolo pode, então, evocar o bem ou o mal.
Há, ainda, no estudo dos bestiários, a divisão quanto aos animais que se
encontram em nmvel superior ou inferior, consoante o eixo vertical que os divide entre
encontram num plano mais elevado, como é o caso das aves, o que igualmente
influencia a simbologia dos animais que tende a se orientar de forma mais positiva
de baixo para cima. Há, ainda, outra subdivisão, que se dá a partir dessa anterior.
Trata-se da divisão de ordem descendente – dos maiores para os metores – que
simbolicamente os insere em categoria inferior, abaixo do plano terreno; e outra, de
ordem ascendente – colocando-os em escala valorativa de subida do inferno ao céu.
Nos bestiários, os animais permitem ao homem sair do quadro da
animalidade, isto é, o animal aparece como espelho refletindo as suas fraquezas e
os seus defeitos, e também como modelo a ser imitado. Assim, observamos a sua
função simbólico-alegórica, uma vez que se encontrando a serviço do homem
permite-lhe descobrir-se a si mesmo. Emerge do mundo onde habitam as coisas
invismveis, ameaçando o homem, e também o encorajando rumo à salvação.
Os animais, assim, são detentores de funções importantes nos milagres, nos
sonhos e nas visões, lugares onde assumem papel relevante como portadores de
sinais, cuja decodificação possibilita ao homem entender a mensagem que lhe é
transmitida de acordo com o animal que lhe aparece nesses campos. Desse modo,
o animal aparece sob a evocação de forças sobrenaturais, das quais se fazem
intermediários objetivando o envio de mensagens endereçadas às comunidades dos
crentes ou às que se pretendia evangelizar.
Diante dessas considerações, faz-se pertinente entendermos que a natureza
ambivalente do animal no plano simbólico, que lhe permite significar, quer o bem,
quer o mal, põe em destaque os binômios antagônicos, a dualidade dos opostos que
rege toda a existência da humanidade.
1. 3 O SIMBOLISMO ANIMAL
A partir da percepção do valor evocativo, mágico ou mm(s)tico atribumdo à
relação homem/animal, discorremos sobre a simbologia animal e sua imensa carga
semântica, na qual se fundamentam as crenças mais antigas que os seres humanos
já tiveram. Essa percepção pode ser exemplificada tomando como referencial
[...] é a transformação – deformação até – da natureza dos seres e das coisas. Para percebermos a essência real, mntima, da natureza e do mundo, devemos olhá-la com os olhos do coração [...]. Não é quem vê que levanta o véu de Ísis. O segredo é revelado só àquelas que compreendem que as portas do infinito são abertas só pela via do coração e da intuição. (RONECKER, 1997, p. 11).
Observamos que das tribos primitivas às grandes civilizações, todas as
culturas produziram mitos e todas têm em comum a presença do animal no seu
imaginário, cuja riqueza simbólica, presente nas manifestações culturais da evolução
humana, reflete a grande importância desses seres na vida do homem, que com
eles sempre compartilhou a terra.
Nas pinturas pré-históricas temos o testemunho do grande fascmnio que os
animais exercem sobre os humanos há milênios de anos. Animais, esses, que pelo
homem foram e ainda são caçados; com os quais o homem também trabalha e
devota-lhes até mesmo adoração. A caça tinha, em certos lugares, valor
mágico-religioso. Por exemplo, no Nilo, o hipopótamo, animal pesado e glutão, representava
as forças do mal, logo precisava ser aniquilado. Acreditava-se que com a morte do
animal tais forças seriam destrumdas. Paradoxalmente à caça, temos a criação de
animais; o simbolismo evangélico do pastor revestido de aura mágica, simbolizando
a vigmlia, a proteção, o cuidado, a busca pela ovelha desgarrada. Em função da sua
caractermstica nômade, era alguém sem ramzes, representava, então, a alma sempre
de passagem neste mundo.
Os animais eram reverenciados como detentores de poderes mágicos ou
espirituais. Em algumas crenças ou religiões significavam uma via de acesso a tais
poderes, graças as suas aguçadas capacidades fmsicas e sensoriais especmficas, tais
que: o faro do cão, a visão e o voo do pássaro, a capacidade de renovação da cobra
etc. Atributos que configuravam smmbolo de força e de poder. Com isso,
acreditava-se que os animais estavam intrinacreditava-secamente ligados às forças cósmicas invismveis,
bem mais que o homem. Eram vistos como participantes da unidade da vida e do
cosmos. Todos eles inerentes aos três nmveis do universo: inferno, terra e céu.
Nesse campo simbólico, a maioria dos animais mitológicos é constitumda pelos
hmbridos, dentre os quais se encontram o Cérbero greco-romano, com juba de
dragão de muitas cabeças, das quais se alguma fosse cortada, logo nasceria outra –
representa a dificuldade de vencer os vmcios. Há também os hmbridos
animais-humanos, simbolizando a dualidade animal-espiritual relativa ao ser humano. O
Minotauro (homem-touro), por exemplo, representa a tirania. A cabeça de touro no
corpo de homem, significando que o animal prevalece sobre o homem.
Os mitos refletem as diversas faces do relacionamento homem/animal e
também contam histórias de animais fabulosos, como Pégaso – o cavalo alado;
Fênix – a ave imortal da harmonia; A Serpente Emplumada – lenda que coloca a
inocência dos animais acima da cobiça dos humanos. Há também os que
representam o poder divino, a exemplo do peixe-bode capricórnio – que para os
sumérios era a representação do deus criador Ea. Os animais monstruosos
representavam a força da natureza, como por exemplo Tiamat – deusa do caos e
das águas do mar, que precedeu seu equivalente masculino Leviatã – mostro
marinho da mitologia fenmcia citado na Bíblia, no “Livro de Jó”.
No Egito, a cultura baseava-se no culto dos animais. Seus deuses tinham
como caractermstica predominante cabeças de pássaros – como Thoth, o deus da
sabedoria. Horus, o deus do céu e da realeza que possuma cabeça de falcão. Os
animais de maior prestmgio representavam as qualidades do espmrito.
Na religião celta, os animais possuem um elevado valor simbólico: o javali
simboliza a função sacerdotal; o urso, a função real; o cisne, ou a ave, em geral, o
mensageiro de um outro mundo; o cavalo exerce a função de guia das almas ou do
novo cristão por meio do labirinto da vida.
Na cultura chinesa, observamos que, até os nossos dias, os animais ocupam
lugar de importância mmpar. Na religião, as najas, cobras reais indianas,
foram transformadas em dragões e representam o elo entre todas as instâncias
do cosmos. Habitam o ar, as águas e as profundezas terrestres. São também
smmbolo da chuva, da fertilidade, da boa sorte, afastando os infortúnios, sobretudo
no ano novo.
Na mitologia, o animal simboliza o conjunto das forças profundas que nos
animam. Segundo Ronecker (1997), o interesse do homem pela animalidade é
gerado na visão do animal como uma materialização dos complexos especmficos e
simbólicos do ser humano, permitindo que o mundo interno nasça através do
transbordamento do imaginário, tornando externo esse universo interior. O ser
de desvencilhar-se de algo indesejável, ou então de admiti-lo. Com isso, busca uma
forma de identificar o seu lado obscuro. Nesse sentido,
O mundo interior deve nascer para o mundo exterior [...] faz parte do ser humano projetar seus temores e fantasmas em outros, como se tal comportamento pudesse desembaraçar-se deles, ou até mesmo aceitá-los, nomeando-os, identificando-os. O verdadeiro temor não é o de ter medo? Sem dúvida, nada é mais terrificante do que o desconhecido, o invismvel, o inominável [...] isto é, tudo o que não é acessmvel aos sentidos ou à razão e que por isso, incomoda e perturba. Para dominar esse terror obscuro, surgido na aurora dos tempos e escondido no fundo de nós, devemos identificá-lo, nomeá-lo, e torná-nomeá-lo, senão familiar, ao menos aceitável. [...] Essa natureza monstruosa do ser humano que ele procura banir para o reino do imaginário, não é em última análise, sua natureza animal? Para vencermos o medo, devemos vencer a nós mesmos, porque o verdadeiro objeto de repulsão encontra-se em nós mesmos. Recusando sua natureza animal, o homem a deturpa e atribui-lhe caracteres monstruosos. Por essa ruptura com sua verdadeira natureza, o ser humano provocou o despertar do monstro. E esse monstro – que é a natureza em estado bruto – se defende, resmunga e morde. (RONECKER, 1997, p. 44/5).
Percebemos que a importância da presença dos animais pode ser vista
cotidianamente desde as mais simples expressões correntes que relacionam o
homem a sua natureza animal, até mesmo quando indiretamente são atribumdas ao
ser humano caractermsticas intrmnsecas dos animais: ser uma lesma, ser uma
tartaruga (caractermstica de lentidão); ser uma mula empacada (caractermstica de
teimosia, de inércia).
É possmvel observar, considerando a teoria junguiana, que o animal, como
arquétipo, representa as camadas profundas do inconsciente e o instinto. O animal
intervém nos sonhos e nas artes, compõe o elo de identificação parcial com os
homens: constitui os aspectos e as imagens da sua natureza complexa, os espelhos
das suas pulsões profundas, dos seus instintos domesticados ou selvagens
(RONECKER, 1997).
Ainda sobre os estudos acerca do simbolismo animal, faz-se pertinente
destacarmos que
plenitude do seu desabrochar. (JUNG apud RONECKER, 1997, p. 78; 79).
Em consonância com os estudos de Ronecker, podemos constatar que, às
vezes, o simbolismo, analogicamente, expressa quase tudo o que deseja. Cintando
Fmlon, o autor discorre acerca das associações dos animais com determinadas
caractermsticas que lhe são atribumdas.
Segundo Fmlon, o boi apresenta parentesco com o corpo humano, em razão de sua docilidade. A cabra se refere então aos sentidos, seguindo eles seus impulsos. Por seu caráter masculino e ativo, o carneiro está em relação com o Logos.3 A pomba vem associada à razão em sua apreensão do mundo vismvel; a pomba amorosa da solidão procura a realidade vismvel. [...] A natureza desses animais oferece parentesco com as partes do universo: o boi, com a terra, como arador e cultivador; a cabra, com a água, porque é animal arrebatado e a água é agitada e impetuosa [...]; o carneiro se parece com o ar por sua violência e também porque nenhum animal é mais útil ao homem, uma vez que lhe fornece as vestes; quanto aos pássaros, o elemento que os aparenta é o céu, dividido em diferentes esferas. Pode-se relacionar os planetas com a pomba, porque é animal manso, e os planetas nos são propmcios; as estrelas, com a rola, porque ama a solidão. Acrescentamos que os pássaros são aparentados com as estrelas porque seu vôo assemelha-se ao movimento das estrelas, e seu canto, à música das esferas. (RONECKER, 1997, p. 81; 82).
Sendo parte integrante da natureza, constituem com suas imagens
importantes vemculos de expressão da psique, dada a sua relevância no imaginário
humano, o que torna fato comum o sonho com animais. Como vimos, desde a época
dos bestiários, nos sonhos e nas visões os animais ocupam espaço de grande
relevância, uma vez que são portadores de sinais cujas mensagens podem ser
decodificadas de acordo com o animal em questão.
Em Cotceitos psicatalíticos básicos da Teoria dos sothos (segundo Freud),
livro organizado por Humberto Nagera, o autor, em capmtulo destinado ao simbolismo
e discorrendo sobre o seu papel nos sonhos, diz que:
3 Vale salientar que logos “no misticismo filosófico de Fmlon da Alexandria (sI d.C.), no teoplatotismo
Os sonhos ‘fazem uso de quaisquer simbolizações que já estão presentes no pensamento inconsciente, porque se ajustam melhor aos princmpios da construção onmrica em virtude da sua representatividade e também porque, via de regra, escapam à censura’.4
No sonho a imagem constitui elemento indispensável para a sua própria
compreensão, e a imagem do animal, em consonância com os estudos resultantes
desta pesquisa, pode ser apreendida como simbologia da natureza primitiva e
instintiva do homem. De acordo com Ronecker,
Sonhar com animais não pode ser sem significação e o lugar que se lhe dava nas antigas chaves dos sonhos era importante. A psicologia atual considera, sem dúvida, o animal do sonho como um arquétipo. Sejam quais forem o animal e a situação, o sonho incita o sonhador a reencontrar o seu instinto gregário de animal. Pela situação, na qual alguém se encontra em sonho, diante do animal, seu subconsciente mostra-lhe o que está realizando com sua animalidade. O animal (ou a anima) do sonho exerce função mediadora entre o Eu e o Si-mesmo. No sonho, o animal é, pois, a parte essencialmente natural de nosso espmrito. (RONECKER,1997, p. 27).
Ainda no campo simbólico dos sonhos, observamos que os animais acordam
a imaginação, logo, sonhar com eles desperta-nos, provoca-nos sentimentos, aguça
a imaginação, e à medida em que entramos no mundo do imaginário,
aproximamo-nos mais dos animais, pois aproximamo-nossos sentidos tornam-se, instintivamente, mais
aguçados (HILLMAN, 1983).
Porque o mundo do imaginário não tem limites e sabendo que muitas vezes o
animal nos causa medo – embora não seja em decorrência do perigo em si que ele
possa representar e sim da repulsão que nos provoca, causada, às vezes, por sua
aparência, a exemplo do cururu (Figura 1); da barata (Figura 2), caractermstica que
pode ser muito bem apreendida na obra de Kafka, Metamorfose; dentre outros que
igualmente provocam repugnância. Outrossim, até hoje ouvimos histórias
exploradas pelos vemculos de comunicação como a TV e o cinema, a exemplo dos
filmes A mosca e O rato humato, ilustrados a seguir, nas Figuras 3 e 4.
4 Trecho citado por Nagera ( [s./d.], p. 102), com a seguinte referência: (1900a) The itterpretatiot of
Figura 1 – Sapo-cururu
Fonte: meioambiente.culturamix.com.
Figura 2 – Barata
Fonte: reinosdanatureza.com .
Acesso em: 08 dez. 2008.
Figura 3 – O rato humano
Numa calma e misteriosa ilha do Caribe, Marlis, uma modelo, é assassinada violentamente por um manmaco
que, segundo a versão oficial, abandonou o corpo da mulher à mercê dos ratos. Terry, a jovem irmã de Marlis, chega à ilha e ao não receber ajuda da polmcia aceita a de
Fred, um escritor que está de férias.
Ao investigar o caso, descobrem que Marlis ainda está viva e trabalhando com um fotógrafo. Marlis lhe explica que a modelo assassinada estava usando sua roupa. Mas,
depois de pouco tempo o fotógrafo aparece morto, mordido pelos ratos. Os habitantes do local acreditam que
existe um HOMEM RATO. Fred se diverte com esta crença até que presencia o assassinato de Marlis através
das mãos de uma incrmvel criatura de 40 cm de altura e cara de rato.
Figura 4 – A mosca
Seth Brundie (Jeff Goldblum)
é um cientista excêntrico que trabalha numa nova
invenção, uma máquina de teletransporte.
Ao experimentar seu novo invento,
Seth não percebe que uma mosca entrou na cabine.
O imprevisto faz com que os padrões moleculares do
homem e do inseto se misturem e, pouco a pouco, o
cientista vai sofrendo terrmveis transformações.
Remake do filme homônimo de
1958.
Fontes: cinema10.com.br ; produtomercadolivre.com
Entendemos que esse medo pode ser oriundo de um contexto mitológico no
qual se insere a crença da possibilidade da metamorfose fmsica do homem em
animal de forma tão arraigada que ecoa em nossos dias evocando o passado
longmnquo da animalidade humana.
Segundo Ronecker, o lobisomem é exemplo impressionante, “se aterroriza é
porque evoca uma ferocidade arcaica e a perda da personalidade”.5 A transformação
em animal destaca a animalidade que o homem rejeita com toda a força. Essa
obsessão foi largamente ampliada pelo cristianismo, também no fato de pregar a
impureza de certos animais. O animal era, pois, temido porque representava uma
natureza estranha e hostil.
Quanto à metamorfose, segundo Ronecker,
[...] a transformação em animal destaca a animalidade que o homem rejeita com toda a força. Metamorfosear-se em animal é, pois, não só perder a personalidade humana, mas também voltar a uma natureza primitiva pretensamente inconciliável com a natureza humana evolumda ou suposta como tal. (RONECKER, 1997, p. 54).
Destacando o caminho inverso – animal/homem – ressaltamos que Charles
Darwin deixou-nos o legado da Teoria Evolucionista. Nessa perspectiva, ainda de
acordo com Ronecker (1997), enfatizamos que a passagem do animal para o
homem configura uma evolução. O homem, ao conseguir manter-se e andar de pé,
liberta-se do peso que o detém fixo ao solo, com isso, as suas mãos podem
permanecer livres, abrindo-se em ato de liberdade.
Em sua forma humana, o homem provocara uma ruptura com a sua
animalidade, caractermstica essa que passou a ser buscada também por meio da
magia e do xamanismo, campo no qual se descobre o animal presente em cada
um, o nosso duplo. Evoca-se, assim, o animal que representa os poderes
arquetmpicos ocultos, por trás das transformações humanas; evocam-se as suas
qualidades e caractermsticas; estudam-se as suas habilidades naturais e o modo
metafórico pelo qual essas podem ser aplicadas em situações diversas nas quais o
ser humano encontra-se inserido.
É importante também, no xamanismo, o conhecimento acerca da mitologia
dos animais, uma vez que lhe atribui caractermsticas mm(s)ticas. O xamanismo utiliza
ainda da simbologia animal por meio de objetos que são utilizados como etfoque
5 “Perfeitamente ilustrada no admirável romance de Kafka, A metamorfose.”(Nota transcrita da citação
para representar a conexão com o animal pretendido. Nesse sentido, merece
destaque o papel exercido pela dança em que se imita o movimento do animal.
Em magia e feitiçaria os animais são usados para emitir o flumdo astral
necessário para a realização de alguns de seus procedimentos, em cujos rituais as
relações que se estabelecem dizem respeito à correspondência de alguns animais
com os planetas, como exemplificadas a seguir.
• Saturno: poupa, topeira, sapo, choco (molusco). • Júpiter: águia, servo, golfinho.
• Marte: abutre, lobo. • Sol: cisne, leão.
• Vênus: pomba, bode, foca. • Mercúrio: cegonha, macaco.
(PAPUS apud RONNECKER, 1997, p. 41).
Observamos ainda que no campo simbólico, certos animais eram
relacionados a Cristo, a exemplo do cordeiro e da pomba; outros eram associados
ao demônio e aos seus sectários e eram revestidos de conotação diabólica, por
causa de sua má fama, a exemplo do gato preto, dos sapos e dos morcegos, outros
por causa de sua capacidade sexual, como o bode.
Durante grande parte da história egmpcia, animais vivos associados a deuses
foram criados nos templos e quando morriam eram mumificados, assim como
acontecia com os seres humanos.
Nas sociedades primitivas o mundo é que exercia o dommnio sobre o homem,
logo o culto aos animais e à natureza era algo intrmnseco a essas sociedades. Porém
à medida que o ser humano vai desenvolvendo e ampliando os seus conhecimentos,
passa também a enfrentar a natureza. Com isso, ocorre a diminuição do respeito
pelos mistérios naturais e da sua crença, configurando assim uma maior valorização
das qualidades humanas. Consequentemente, os deuses passam por um processo
de transição de conceitos zoomórficos para antropomórficos, abandonando a forma
animal para assumir a forma humana.
O antropomorfismo foi gradativamente sendo incorporado pelos egmpcios, que
desse modo foram unificando as ideias da natureza, do animal e do homem, cuja
fusão teve em Sekhmet6 uma das primeiras divindades a experimentá-la.
6Na mitologia egmpcia a Deusa Sekhmet, Sachmet, Sakhet, Secmet ou Sakhmet, é uma deidade solar.
Vastmssimo, portanto, é o campo de reflexões sobre a relação simbólica que
se estabeleceu, através dos tempos, entre o universo humano e o animal. Com
carga metafórica positiva ou negativa, a figura do animal ajudou e ajuda o ser
humano a compreender a si mesmo e ao mundo, dam a presença maciça do
referente animal nas artes em geral. Cabe-nos, no âmbito da poesia e da
concentração na imagem simbólica do gato, perceber sua carga semântica e as
leituras possmveis. Para isso, contudo, é necessário, primeiramente, refletir, em
termos gerais, sobre a curiosa e complexa imagem felina.
CAPÍTULO 2
2.1 O GATO
As civilizações primitivas tinham como principal atividade a agricultura. A
colheita era armazenada e por isso atrama grande quantidade de roedores, com eles
apareceram também seu predador natural: o gato, que conquistou os humanos, e
ambos passaram a conviver em parceria.
A convivência entre o homem e o gato, segundo pesquisas realizadas nesse
âmbito, data de tempos longmnquos, desde cerca de 4 mil anos antes de Cristo. Essa
afirmação está embasada no fato de terem sido encontrados afrescos e pinturas
funerárias de gatos caseiros das primeiras dinastias egmpcias. Também se encontrou
no Egito enorme variedade de múmias de gatos, das quais alguns exemplares estão
expostos no Museu Nacional do Rio de Janeiro, como demonstrado na Figura 5.
Figura 5 – Gato mumificado. Museu Histórico Nacional: Sala Egmpcia
A veneração dos egmpcios pelos gatos implicava a proibição da
comercialização e da exportação desses felinos, porém mercadores jônicos
passaram a contrabandeá-los do Egito para a Ásia e Europa.
Foi por meio de embarcações, através dos mares, que o gato espalhou-se
pelo mundo, sendo o gato domesticado egmpcio considerado por muitos
pesquisadores o ancestral da maioria das raças conhecidas atualmente. Segundo
Carlos C. Alberts (2008) – professor e pesquisador da Universidade Estadual
Paulista (UNESP) –, embora fosse proibida a samda dos gatos do Egito, os fenmcios
e os romanos levaram o felino domesticado para a Europa. Tempos depois a
civilização romana passou a considerar o gato smmbolo de liberdade,
transformando-o em masctransformando-ote dtransformando-os exércittransformando-os que invadiram pamses ctransformando-omtransformando-o a Inglaterra. "Os gattransformando-os
ingleses são, portanto, descendentes dos egmpcios e de gatos selvagens locais que
foram domesticados, o que é regra em diversos pamses", acentua Alberts (2008). Há,
no entanto, exceções como o Brasil, onde os gatos domésticos descendem somente
daqueles trazidos pelos colonizadores europeus, o que significa que o gato brasileiro
tem como ancestral o egmpcio.
O pesquisador ressalta que os gatos da raça abissmnio (Figura 6) – cujas
caractermsticas são: pelo curto, corpo esquio e pernas longas, são os que mais se
assemelham aos seus ancestrais.
Figura 6 – Exemplares da raça abissmnio
Fonte: <http://www.petbrazil.com.br/bicho/gatos/020.htm >.
Os povos romanos muito se interessaram por esses animais, fato que
1400, Roma tem no gato o substituto definitivo da fuinha, que era, até então,
utilizada para o controle da população de ratos.
Animal misterioso e fascinante, o gato é amado por uns e odiado e
perseguido por outros, “ele passa imponente por todos, caminhando solitário pelos
muros noturnos e miando suas brigas e seus amores para a lua” (ALBERTS, 2008).
Houve, época – especialmente na Idade Média – em que os gatos eram, na
maioria das vezes, hostilizados, pois foram associados à feitiçaria e tidos como
criaturas demonmacas. Ideia essa divulgada sobretudo pela Igreja Católica que para
atrair os celtas pregava que os sacerdotes druidas eram bruxos e porque viviam
isolados e cercados de gatos, logo esses felinos foram associados ao diabo, à
bruxaria. Os gatos pretos, principalmente eram perseguidos e queimados em
fogueira. Isso acontecia também com os povos germânicos que eram
adoradores da deusa Freya cujo culto era considerado heresia e associado à
adoração de maus espmritos. Imagens da deusa foram destrumdas, mulheres que
tinham gatos foram queimadas – vmtimas da acusação de terem parte com o Satanás
– e os felinos foram enforcados.
Em consequência do enorme mndice de matança desses animais, a peste
negra assolou os povos, na Idade Média, uma vez que quase não mais existiam os
predadores naturais dos ratos, implicando na vasta população de roedores os quais
se espalharam pela Europa, disseminando as doenças por eles transmitidas, a
exemplo da peste bubônica.
A perseguição sofrida pelos felinos alimentou crenças das quais,
provavelmente, algumas chegaram aos nossos dias, como por exemplo: acredita-se
que o fato de encontrar com gato preto traz má sorte. Preconceitos
que atravessam o tempo por meio de lendas e pelo medo que alguns humanos têm
do desconhecido.
Nessa mesma linha de pensamento encontramos o fato de que a data
dedicada às bruxas nos Estados Unidos – 31 de outubro – foi o dia escolhido pela
organização não-governamental de proteção a animais The Humate Society of the
Utited States para veicular em seu site medidas preventivas a serem tomadas por
criadores de animais domésticos. Segundo Alberts (2008), era recomendado,
sobretudo aos donos de gatos pretos, que não deixassem seu bichano solto no
permodo das comemorações de Halloweet, em especial gatos pretos, que poderiam