• Nenhum resultado encontrado

Trabalho e saúde mental: o caso dos agentes do sistema prisional no Rio Grande do Norte

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Trabalho e saúde mental: o caso dos agentes do sistema prisional no Rio Grande do Norte"

Copied!
205
0
0

Texto

(1)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro se Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPgPsi/UFRN)

TRABALHO E SAÚDE MENTAL:

O CASO DOS AGENTES DO SISTEMA PRISIONAL NO RIO GRANDE DO NORTE

ANA IZABEL OLIVEIRA LIMA

Natal 2017

(2)

ANA IZABEL OLIVEIRA LIMA

TRABALHO E SAÚDE MENTAL:

O CASO DOS AGENTES DO SISTEMA PRISIONAL NO RIO GRANDE DO NORTE

Tese elaborada sob orientação do Profa. Dra. Magda Dimenstein e co-orientada pelo Prof. Dr. Rafael de Albuquerque Figueiró e apresentada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Psicologia.

Natal 2017

(3)

UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede. Catalogação da Publicação na Fonte.

Lima, Ana Izabel Oliveira.

Trabalho e saúde mental: o caso dos agentes do sistema prisional no Rio Grande do Norte / Ana Izabel Oliveira Lima. – 2017.

205 f. : il.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Magda Dimenstein.

Coorientador: Prof. Dr. Rafael de Albuquerque Figueiró.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Natal, RN, 2017.

1. Psicologia – Tese. 2. Sistema prisional – Tese. 3. Agentes penitenciários – Tese. 4. Condições de trabalho – Tese. 5. Saúde mental – Tese. 6. Álcool e drogas – Tese. I. Dimenstein, Magda. II. Figueiró, Rafael de Albuquerque. III. Título

RN/UF/BCZM CDU 159.9

(4)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A Tese " Trabalho e saúde mental: o caso dos agentes do sistema prisional no Rio Grande do Norte", elaborada por "Ana Izabel Oliveira Lima", foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de DOUTORA EM PSICOLOGIA.

Natal, RN, 31 de agosto de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________________ Profa. Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein (UFRN)

_________________________________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Alves Filho (UFRN)

_________________________________________________________________________ Prof. Dr. Fellipe Coelho Lima (UFRN)

_________________________________________________________________________ Prof. Dr. João Paulo Sales Macêdo (UFPI)

_________________________________________________________________________ Prof. Dr. Telmo Ronzani (UFJF)

(5)

“Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo” (Eliane Brum)1

(6)

Agradecimentos

Á minha tão querida orientadora, professora Dra. Magda Dimenstein, pela confiança e apoio nessa jornada da pós-graduação. Sempre um exemplo de perseverança, responsabilidade, profissionalismo e afeto, é uma honra ter você como professora, orientadora, colega e amiga.

Á Rafael Figueiró, meu co-orientador, pelo caminho percorrido até aqui. Desde do trabalho de conclusão de curso na graduação até o doutorado é uma alegria e uma honra tê-lo por perto. Sem você essa Tese não teria se materializado.

Aos professores leitores desta Tese, que desde as qualificações até o momento da defesa contribuíram significativamente para seu aperfeiçoamento.

Á todos os meus colegas de jornada na pós-graduação, em especial a Aparecida França, Antonimária Bandeira, Ana Helena Bomfim, Maria da Graça Gomes (juntas desde o mestrado) e Martha Figueiró pelo companheirismo nos momentos de desabafo e alegrias. Compartilhar esse caminho com vocês foi uma honra!

Á Universidade Federal do Rio Grande do Norte por viabilizar o desenvolvimento dos meus estudos na pós-graduação.

Ao meu marido Washington Luiz da Silva por ser meu companheiro, meu apoio nos momentos mais delicados. Sem você torcendo por mim e me ensinando a leveza da vida, minha jornada seria mais rochosa e sofrida.

Ás minhas filhas, Ana Clara e Ana Beatriz , meus motivos para continuar, fontes de inspiração e força, sempre proporcionando momentos únicos e me fazendo enxergar que um sorriso desfaz qualquer preocupação ou entrave.

(7)

Sumário

Lista de Figuras ... xi

Lista de Tabelas ... xii

Lista de quadros ... xii

Resumo ... xiii

Abstract ... xiv

Resumen ... xv

INTRODUÇÃO ... 16

CAPÍTULO 1. Condições de Trabalho e Saúde Mental no Sistema Prisional ... 31

1.1. Funcionamento do sistema carcerário no Brasil e condições de trabalho do Agente Penitenciário ... 31

1.2. Efeitos do trabalho no cárcere: Transtorno Mental Comum e consumo de álcool e drogas ... 41

1.3. Saúde, Trabalho e Subjetividade ... 50

CAPÍTULO 2. Construindo o percurso metodológico ... 56

2.1. Mapeamento de TMC e consumo de álcool e drogas entre agentes penitenciários: delineamento metodológico da Etapa 1 ... 57

a) Planejamento e preparação para ida a campo ... 57

b) Local e participantes da pesquisa ... 59

c) Instrumentos ... 61

d) Análise de dados ... 64

2.2. Condições, processos e organização do trabalho do agente penitenciário no Rio Grande do Norte: construindo o percurso da Etapa 2 de pesquisa ... 64

2.2.1 Instrumentos ... 67

2.2.2 Análise de dados ... 70

CAPÍTULO 3. Mapeamento de TMC e consumo de álcool e drogas entre agentes penitenciários: Resultados e Discussão da Etapa 1 ... 75

3.1. Perfil dos participantes ... 75

3.2. Perfil dos participantes por unidade prisional e indicativo de Transtornos Mentais Comuns e consumo de drogas. ... 77

(8)

3.3. Padrão de uso de álcool e outras drogas nas unidades prisionais do Rio Grande do Norte 104

3.4. O trabalho do agente como produtor de sofrimento ... 110

3.5. Consumo de álcool e drogas e sua relação com o trabalho ... 118

CAPÍTULO 4. Condições, processos e organização do trabalho do agente penitenciário no Rio Grande do Norte: construindo as discussões da Etapa 2 ... 126

4.1. Análise da relação saúde mental-trabalho à luz do conceito de vulnerabilidade ... 150

4.1.1 Trabalho: O agente de mãos atadas ... 152

4.1.2. Subjetivo: a sofrida sustentação de um ideal ... 163

4.1.3. Familiar: o homem quebrado ... 171

4.1.4. Social: uma categoria abandonada ... 174

4.1.5. Programático: a necessidade de articulação política ... 177

5. Considerações finais ... 187

(9)

Lista de Figuras

Figura 1. Celas do Centro de Detenção Provisória de Pirangi ... 32

Figura 2. Corredores Centro de Detenção Provisória de Pirangi ... 36

Figura 3. Corredores do Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio ... 36

Figura 4. Sala de revista do Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio ... 36

Figura 5. Celas do Centro de Detenção Provisória da Ribeira ... 36

Figura 6. Mapa das mesorregiões do Rio Grande do Norte ... 60

Figura 7. Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento ... 77

Figura 8. Penitenciária Estadual de Parnamirim ... 78

Figura 9. Penitenciária Estadual do Seridó ... 79

Figura 10. Penitenciária Estadual Rogério Coutinho Madruga ... 80

Figura 11. Penitenciária Estadual de Alcaçuz ... 81

Figura 12. Complexo Penal Estadual de Pau dos Ferros ... 82

Figura 13. Complexo Penal Estadual Agrícola Dr. Mário Negócio ... 83

Figura 14. Complexo Penal Dr. João Chaves ... 84

Figura 15. Cadeia Pública de Natal ... 85

Figura 16. Cadeia Pública de Nova Cruz ... 86

Figura 17. Cadeia Pública de Mossoró ... 87

Figura 18. Cadeia Pública de Caraúbas ... 88

Figura 19. Penitenciária Federal de Mossoró ... 89

Figura 20. Complexo Penal Feminino Dr. João Chaves ... 90

Figura 21. Centro de Detenção Provisória de Pirangi ... 91

Figura 22. Centro de Detenção Provisória da Ribeira ... 92

Figura 23. Centro de Detenção Provisória da Zona Norte ... 93

Figura 24. Centro de Detenção Provisória de Potengi... 94

Figura 25. Centro de Detenção Provisória da Zona Sul - Candelária... 95

Figura 26: Resultado positivo SRQ-20 versus unidade Prisional ... 100

Figura 27: Resultado positivo SRQ-20 versus tempo de trabalho ... 101

Figura 28: Resultado positivo SRQ-20 versus estado civil ... 102

Figura 29: Resultado positivo SRQ-20 versus renda familiar ... 102

Figura 30: Resultado positivo SRQ-20 versus ter outra ocupação ... 103

Figura 31: Resultado positivo SRQ-20 versus ocupação na área de segurança ... 103

Figura 32: Resultado positivo SRQ-20 versus ASSIST derivados do tabaco ... 108

Figura 33: Resultado positivo SRQ-20 versus ASSIST álcool ... 108

Figura 34: Resultado positivo SRQ-20 versus ASSIST maconha ... 109

Figura 35. Banheiro dos agentes (Completo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio) ... 112

Figura 36. Penitenciário Estadual de Alcaçuz ... 113

Figura 37. Alojamento dos agentes penitenciários ... 138

Figura 38. Parte externa do Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio ... 139

(10)

Figura 40. Local de armazenamento de armas ... 139

Figura 41. Dimensões de vulnerabilidade do agente penitenciário ... 150

Lista de Tabelas

Tabela 1. ... 60 Tabela 2. ... 63 Tabela 3. ... 75 Tabela 4. ... 96 Tabela 5. ... 154

Lista de quadros

Quadro 1. Roteiro de observação das condições de trabalho ... 699

(11)

Resumo

Agentes Penitenciários estão constantemente expostos às situações de violência e ameaças, as quais estão associados ao surgimento de enfermidades ocupacionais como Transtornos Mentais Comuns/TMC e consumo de abusivo/dependente de substâncias psicoativas. Em função disso, objetivou-se investigar a relação entre trabalho e saúde mental entre agentes penitenciários do Rio Grande do Norte, categoria pouco investigada no âmbito acadêmico. A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. A etapa 1 constou do mapeamento da incidência de TMC e padrão de consumo de drogas junto a 403 agentes penitenciários de um total de 902 trabalhadores. Como ferramentas metodológicas, utilizamos o Self-Reporting Questionnaire/SRQ-20, o ASSIST e questionário sócio demográfico. Constatou-se uma incidência de 23,57% de casos suspeitos de TMC e consumo abusivo/dependente em tabaco, álcool, maconha, cocaína, anfetamina, inalante, hipnótico, dado que inspira preocupação e cuidado. A etapa 2 consistiu em visitas às unidades prisionais cujos agentes apresentaram maiores índices de TMC e consumo abusivo/dependente de drogas, visando identificar aspectos relacionados aos problemas mapeados na etapa anterior. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 6 gestores, com 19 agentes e 9 familiares que concordaram em participar. Detectou-se uma evidente desvalorização social da profissão, que associada às precárias condições de trabalho e às particularidades do processo e organização do trabalho, tornam esses trabalhadores vulneráveis nas dimensões subjetiva (dinâmica cotidiana que leva ao sofrimento), familiar (devido à rotina de trabalho amedrontadora), relacionada ao trabalho (falta de controle, sentido e autonomia) e programática (baixa visibilidade no âmbito das políticas públicas). Essa pesquisa buscou contribuir com o debate crítico sobre o Sistema Prisional Brasileiro por meio de análises acerca do encarceramento, considerando suas configurações e efeitos no próprio agente do Estado que se encontra na mesma condição do apenado. Reafirma-se, por fim, que tal sistema é tão perverso que adoece e condena a todos, em particular, os que nele trabalha.

Palavras-chave: sistema prisional; agentes penitenciários; condições de trabalho; saúde

(12)

Abstract

Corrections officers are constantly exposed to situations of violence and threats, which are associated to the emergence of occupational illnesses such as Common Mental Disorders/CMD and abusive/dependent consumption of psychoactive substances. Because of this, it was aimed to investigate the relationship between work and mental health among corrections officers from the state of Rio Grande do Norte, a category little investigated in academic scope. The research was developed in two stages. The stage 1 consisted in mapping the incidence of CMD and drug-consumption pattern with 403 corrections officers out of 902 total workers. We used the Self-Reporting Questionnaire/SRQ-20, ASSIST and social-demographic questionnaire as methodological tools. It was found an incidence of 23,57% of suspect cases of CMD and abusive/dependent consumption of tobacco, alcohol, cannabis, cocaine, amphetamine, inhalant and hypnotic, which implies concern and care. The stage 2 consisted in visitations to the prison units whose agents showed higher indications of CMD and abusive/dependent drug consumption, aiming to identify aspects related to the problems mapped in the previous stage. Semi-structured interviews were realized with 6 managers, 19 agents and 9 relatives who agreed to participate. It was detected an evident social devaluation of the profession, which associated to the precarious work conditions and the particularities of the process and work organization, make these workers vulnerable in the subjective (daily dynamics that leads to suffering), family (due to frightening work routine), work-related (lack of control, sense and autonomy) and programmatic (low visibility in the scope of public policies) dimensions. This research sought to contribute with the critical debate about the Brazilian Prison System through analyses regarding incarceration, considering its configurations and effects on the very State agent who is found in the same condition as the convict. Lastly, we reaffirm that such system is so perverse that it sickens and condemns everyone, especially those who work in it.

Keywords: prison system; corrections officers; work conditions; mental health; alcohol and

(13)

Resumen

Guardias penitenciarios están constantemente expuestos a las situaciones de violencia y amenazas, a las cuales están asociados al surgimiento de enfermedades laborales como Trastornos Mentales Comunes/TMC y consumo abusivo/dependiente de sustancias psicoactivas. En razón de eso, se objetivó investigar la relación entre trabajo y salud mental entre guardias penitenciarios del Rio Grande del Norte/Brasil, categoría poco investigada en el ámbito académico. La pesquisa fue desarrollada en dos etapas. La etapa 1 constó del mapeo de incidencia de TMC y patrón de consumo de drogas de 403 guardias penitenciarios de un total de 902 trabajadores. Como herramientas metodológicas, utilizamos el Self-Reporting Questionaire/SRQ-20, el ASSIST y el cuestionario socio demográfico. Se constató una incidencia de 23,57% de casos sospecho de TMC y consumo abusivo/dependiente en tabaco, alcohol, marihuana, cocaína, anfetamina, inhalante hipnótico, dado que inspira preocupación y cuidado. La etapa 2 consistió en visitas a las unidades prisionales cuyos agentes presentaran mayores índices de TMC y consumo abusivo/dependiente de drogas, visando identificar aspectos relacionados a los problemas mapeados en la etapa anterior. Fueron realizadas entrevistas semi-estructuradas con 6 gestores, con 19 agentes y 9 familiares que concordaron en participar. Se detectó una evidente desvalorización social de la profesión, que asociada a las precarias condiciones de trabajo y a las particularidades del proceso y organización del trabajo, vuelven eses trabajadores vulnerables en las dimensiones subjetiva (dinámica cotidiana que leva al sufrimiento), familiar (debido a la rutina de trabajo amedrentadora), relacionada al trabajo (falta de controle, sentido y autonomía) y programática (baja visibilidad en el ámbito de las políticas públicas). Esa pesquisa busco contribuir con el debate crítico sobre el Sistema Penitenciario Brasileño por medio de análisis acerca do encarcelamiento, considerando sus configuraciones y efectos en el propio agente del Estado que se encuentra en la misma condición del apenado. Reafirmase, por fin, que tal sistema es tan perverso que enferma y condena a todos, en particular, los que en ello trabaja.

Palavras-chave: sistema penitenciario; guardias penitenciarios; condiciones de trabajo; salud

(14)

INTRODUÇÃO

Em junho de 2017 foi apresentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada/IPA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública/FBSP, o Atlas da Violência2 2017, apresentando dados sobre violência e criminalidade no Brasil. O estudo aponta que entre os anos de 2005 e 2015, apenas oito estados, mais o Distrito Federal, tiveram queda na taxa de homicídios: Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia e São Paulo. Este último, registrou a maior diminuição na taxa, com queda de 44% no período. No entanto, o Rio Grande do Norte é apontado como o estado brasileiro que registrou o maior crescimento da taxa de homicídios (232%), maior taxa de homicídios por arma de fogo (303,1%), maior variação entre pessoas negras assassinadas (331,8%), e ainda aparece em primeiro lugar quanto aos jovens entre 19 e 25 anos que cometeram crimes (292,3%).

Tal estudo também destaca as mortes em rebeliões que ocorreram em presídios3, como a que houve em janeiro em Alcaçuz4 - maior penitenciária potiguar. Na ocasião, 26 detentos foram assassinados e 15 decapitados durante um confronto envolvendo membros de duas facções criminosas rivais (PCC – Primeiro Comando da Capital – e Sindicato do Crime do RN)5.

De acordo com o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Brasil, 2015), um dos estados com pior sistema prisional do Brasil é o Rio Grande do Norte/RN, ao

2 Relatório disponível em: http://ipea.gov.br/atlasviolencia/

3 Em janeiro de 2017 ocorreu uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus/AM que durou 17 horas e terminou com 56 pessoas mortas dentro do presídio. Esse evento foi o segundo maior massacre na história do Brasil (em primeiro lugar continua o massacre do Caradiru, 1992 que deixou 111 detentos mortos). Depois do ocorrido foi possível ver em jornais, sites de notícias e redes sociais que a referida rebelião foi ocasionada por conflitos entre facções criminosas e os presos que morreram eram ligados ao Primeiro Comando da Capital (maior facção criminosa do Brasil) e presos por estupro. Cinco dias depois do ocorrido no Amazonas, 31 presos morreram na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo em Roraima3. Dessa vez o cenário foi ainda mais aterrorizante, a maioria das vítimas foi decapitada, teve o coração arrancado ou foi desmembrada. Os corpos foram jogados em um corredor que dá acesso as alas. Nenhum preso chegou a fugir.

4 O episódio foi batizado de o ‘Massacre de Alcaçuz’ – o mais violento do sistema prisional potiguar. 5 Ver http://especiais.g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/2017/1-mes-do-massacre-em-alcacuz/

(15)

lado do Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe (Brasil, 2015). Pouco mais de 10% dos homicídios ocorridos no Estado do RN no ano de 2015 têm ligação com o sistema prisional. Segundo os dados da Câmara Técnica de Mapeamento de Crimes Violentos Letais Intencionais, até março de 2015 foram registradas 1.310 mortes violentas das quais 133 foram de detentos que cumprem pena em regime fechado, provisórios ou presos do semiaberto (Rio Grande do Norte, 2015). Em 2015, o governo do Estado decretou situação de calamidade pública no sistema prisional devido a uma série de rebeliões que atingiu 14 das 34 unidades prisionais do estado, agravando vários problemas estruturais, como paredes com infiltração, celas escuras e sem ventilação, presença de insetos e sujeira, assim como a superlotação em suas unidades - fatores que afetam diretamente o dia a dia dos trabalhadores do sistema prisional.

Aliado a esse cenário de constante instabilidade, as fugas tornaram-se uma prática comum nos presídios do Rio Grande do Norte. Na madrugada do dia 25 de maio de 20176, o Estado teve a maior fuga de sua história, quando 91 presos escaparam por um túnel escavado na Penitenciária Estadual de Parnamirim (com capacidade para 436 presos e, atualmente, custodiava 589 presos), localizada na região metropolitana de Natal/RN.

Apesar de tais acontecimentos vividos esse ano e a evidente degradação do sistema prisional do Rio Grande do Norte (e do Brasil) - com celas abarrotadas de presos (com capacidade para 8 apenados abrigam, em certos casos, até 22 presos), sem preocupação em separar presos condenados de presos provisórios, estrutura deteriorada devido a depredações e motins, insalubridade característica das unidades prisionais, dentre outros fatores a serem explorados nos próximos capítulos deste trabalho - o governo do Estado do RN emite constantes pronunciamentos evidenciando as medidas que estão sendo tomadas (para acalmar a situação e

6 Ver http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/direcao-confirma-fuga-de-presos-da-penitenciaria-estadual-de-parnamirim-na-grande-natal.ghtml

(16)

evitar mais confrontos7), através do discurso de que “está tudo sob controle”, endossado pelo fato de que o acontece nos presídios não interessa a população, que não questiona a existência das prisões e clama pela solução penal das questões sociais (Rauter, 2006). A defesa do encarceramento como solução para o crime é uma recorrente no contexto brasileiro.

No entanto, é preciso questionarmos: o que pensar de uma situação como essa? Seria “culpa” dos presos? Dos agentes que podem ter facilitado as rebeliões? Rauter (2016) menciona Hannah Arendt, por considerar que o genocídio dos judeus, ciganos, comunistas, homossexuais nos campos de concentração, durante a segunda guerra mundial (1939-1945) só foi possível porque a realidade do que se passava nos campos foi ignorada pela população. A autora afirma que os moradores das vizinhanças dos campos de concentração diziam não saber o que acontecia, uma vez que se interessavam por isso. Citando Bauman (1998), a autora pontua que “falar do Nazismo hoje não é falar de um fenômeno que passou exclusivo a uma época ou a um povo degenerado. É preciso lembrar que o nazismo foi um laboratório da contemporaneidade” (p.54).

É possível enxergar a relação entre o Nazismo e a indiferença que a sociedade brasileira evidencia quanto ao destino dos “bandidos”, e também com relação aqueles que nem condenados foram, mas que vivem a mesma situação. O que acontece quando as pessoas são levadas para as cadeias? O que acontece dentro dos presídios? Quais os efeitos do sistema prisional?

Torna-se importante pensarmos que como consequência do encarceramento, provocamos apenas o isolamento do apenado, com efeitos mortificadores não só sobre ele próprio, mas que se estendem sobre aqueles que lhe estão próximos, alastrando-se pelo campo

7 Geralmente tais medidas se resumem a transferência de presos envolvidos com as facções criminosas para unidade prisionais mais afastadas da capital do Estado.

(17)

social (Rauter, 2012). As prisões, enquanto instituições totais8, são reconhecidas por promoverem sistematicamente a “mortificação do eu” (Goffman, 2005, p. 24). A retirada dos bens pessoais na entrada, a separação do interno das relações que mantinha no mundo externo, a obrigatoriedade de realização de uma rotina diária que não considera suas vontades (e sim a organização institucional), bem como a perda de espaços e de momentos de intimidade e privacidade são alguns dos aspectos que compõem a mutilação e degradação do eu em tais instituições, uma vez que promovem a uniformização dos indivíduos (Goffman, 2005). Aliado a esse processo de destituição da identidade pessoal, se o apenado era alguém que não tinha emprego antes de cumprir a pena, depois de cumpri-la terá muito mais dificuldades de conseguir trabalho lícito. Se cometeu um delito leve, depois da prisão terá, muitas vezes, entrado de vez na carreira criminosa. No entanto, no panorama político atual, nada sobressai tanto quanto a demanda crescente por mais punições e condenações (Rauter, 2012).

Uma das vertentes dos discursos que apontam a prisão como solução é o de que a certeza da punição pela pena de prisão teria o poder de inibir o crime (Wacquant, 2003). Os indivíduos desistiriam de praticar atos criminosos diante da certeza da punição, como se fosse uma escolha do sujeito, como se houvesse a possibilidade de optarem entre cometer ou não um delito. Todavia, muitos atos criminosos resultam não desse cálculo racional, mas justamente da impossibilidade de pensar a própria realidade. É preciso compreender que a operacionalização do crime e da violência corresponde não a uma tendência inerente ao humano ou à sociedade humana, mas processos a serem compreendidos, produzidos em um campo social dado.

Um sistema social como o nosso, onde a guerra de todos contra todos é incentivada através o estímulo à competição, acarreta como resultado que muitos tenham que lutar com as armas que têm. Para Wacquant (2001), o desenvolvimento do Estado neoliberal (evidenciando a defesa da

8 Nestas instituições, todas as atividades que dizem respeito à vida de uma pessoa são realizadas em conjunto, sob uma única autoridade. Assim, mesmo os menores segmentos das atividades do indivíduo estão sujeitos a regulamentos e julgamentos por parte daqueles qu administram a instituição (Goffman, 2005, p. 24)

(18)

economia de mercado e da livre competição) impõe, na mesma medida, a proeminência do Estado penal, “segundo uma lógica na qual deixa-se de investir em políticas públicas para o desenvolvimento socioeconômico da população em geral para, em seguida, aprisionar as classes marginalizadas” (p. 7). Desse modo, o controle social das classes consideradas perigosas seria, na verdade, a função real da pena e dos processos de criminalização de determinados comportamentos e categorias de indivíduos.

De acordo com Malaguti (2012), ao analisar o que Wacquant chama de “administração penal dos rejeitos humanos”, é demonstrado como o neoliberalismo9 fez com que governantes desconstruíssem o Estado de bem-estar social10 para “priorizar a administração penal dos rejeitos humanos”, conduzindo o subproletariado urbano à marginalização. O capital neoliberal que precisa do aumento do controle de força sobre os que estão fora do mercado de trabalho e a infestação de uma cultura policial e prisional, produziu um limite à discussão da “questão criminal” e da questão penitenciária no Brasil. Esse limite produz a escalada do Estado policial, da lógica punitiva, em todas as suas facetas: números astronômicos de execuções policiais disfarçadas de autos de resistência, uso da prisão preventiva como rotina, aumento das teias de vigilância.

Não importa que tudo isso nos afaste cada vez mais de um convívio aceitável nas nossas grandes cidades, cenário de tantas injustiças e desigualdades sociais; o importante foi a construção de um senso-comum criminológico que, da direita fascista à esquerda punitiva, se ajoelha no altar do dogma da pena. Incorporam ambas o argumento mais definitivo para o capital contemporâneo: é a punição que dará conta da conflitividade

9 Conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia. De acordo com esta doutrina, deve haver total liberdade de comércio (livre mercado), pois este princípio garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país.

10 Uma perspectiva de Estado para o campo social e econômico, na qual a distribuição de renda para a população, bem como a prestação de serviços públicos básicos, é visto como uma forma de combate às desigualdades sociais.

(19)

social, é a pena que moraliza o capitalismo. E, como diria Pavarini, para cada colarinho branco algemado no espetáculo das polícias (à la FBI ou SWAT), milhares de jovens pobres jogados nas horrendas prisões brasileiras. O importante é a fé na purificação pelo castigo, o grande ordenador social dos dias de hoje. (Malaguti, 2012, p. 24)

Para Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar (2003), todas as sociedades que institucionalizam o poder do Estado selecionam um número reduzido de pessoas que serão submetidas à sua coação e às suas penas. Nesse viés, é possível dizer que o processo legislativo é, em sua gênese, seletivo e voltado para a tutela dos interesses das classes dominantes. Exemplo disso está no tratamento penal de certos crimes, como a diferenciação entre as penas previstas para os crimes contra o patrimônio público e o privado. Como se vê, o crime de roubo, tipificado como “proteção” ao patrimônio privado é punido de forma mais severa do que o crime de sonegação fiscal, voltado para a “proteção” do patrimônio público.

Assim, o sistema penal mostra-se seletivo, repressivo e estigmatizante, atuando como instrumento de controle social institucionalizado. Evidencia-se como uma ferramenta para o gerenciamento da miséria, aprisionando pessoas com o objetivo de excluí-las da vida em sociedade, revelando-se importante “instrumento de controle dos indesejáveis, em um processo de dominação inaugurado pelo modo de produção capitalista, que, a partir da miséria que gera, necessita de amplos meios de combate dos males que lhe são intrínsecos”. (Souza, 2015, p. 402)

Podemos relacionar esse processo de gerenciamento da miséria com o que Foucault (2002) descreveu como produção da delinquência, ou seja, quando o cometimento de atos ilegais passa a ser expressão de um certo modo de subjetivação que tem na infração à lei um sintoma.A produção da delinquência, operada na engrenagem carcerária, fará com que muitas manifestações de rebeldia ganhem uma conotação patológica e apolítica. Não que todo crime possa ser considerado diretamente político, mas muitos crimes dizem respeito às condições de exploração geradas pelo capitalismo. Ao separar atos considerados como crime e outros tipos de rebeldia popular, a prisão

(20)

e a produção da delinquência impedem ou diminuem as possibilidades de que a contestação se alastre (Rauter, 2012). Nesse sentido, concordamos com o criminólogo inglês Jock Young (2002) quando fala que a difusão do medo, do terror e das soluções penais e policiais frente ao crime são mais sintoma que solução.

Fica então cada vez mais evidente o quanto as engrenagens carcerárias são letais. São muitas as mortes e sofrimentos em nossas prisões (embora não haja dados oficiais sobre isso), evidenciando a necessidade de incluir nas análises da lógica prisional não somente discussões relacionadas aos apenados, como também direcionadas aos que trabalham nos cárceres – os quais são também afetados por processos mortificadores.

É nesse sentido que, para contribuir com o debate crítico sobre o sistema prisional brasileiro, a Tese que defendemos aqui fundamenta-se na necessidade de estabelecer análises direcionados ao encarceramento dando ênfase a partir da perspectiva de olhar as configurações do sistema prisional e seus efeitos por dentro, ou seja, pelo próprio agente do Estado que se encontra na mesma condição do apenado no Sistema. Ou seja, defendemos aqui que o Sistema é tão perverso que, como diz Rauter (2006), adoece, reprime e condena todos, inclusive os que nele trabalha.

Dessa forma, profissionais da segurança pública são constantemente citados por diversos autores (Santos, Dias, Pereira, Moreira, Barros & Serafim, 2010, Vasconcelos, 2000, Rumin et al., 2011) como sujeitos que estão submetidos a um alto risco de sofrimento mental, tendo em vista as condições infra estruturais de trabalho, as dificuldades para a realização das atividades, jornada excessiva, perda de liberdade e predominância dos sentimentos e sensações típicos de tensionamento devido à insegurança, ansiedade e sensação de estar sendo vigiado. O agente de segurança penitenciária faz parte desse cenário.

Tais profissionais são responsáveis pelas tarefas de revista dos presos, visitantes e das celas, condução de presos na área interna e externa da unidade prisional e vigilância da mesma.

(21)

Em termos da segurança penitenciária os agentes devem cuidar da disciplina e segurança dos presos; fazer rondas periódicas; providenciar assistência aos presos; informar as autoridades competentes sobre as ocorrências surgidas no seu período de trabalho; verificar as condições de segurança física do estabelecimento; verificar as condições de limpeza e higiene das celas; efetuar registros de suas atividades; fiscalizar a entrada e a saída de pessoas e veículos nos estabelecimentos penais, incluindo execução de serviços de revistas corporais e efetuar a conferência periódica da população carcerária (Vasconcelos, 2000). Como o horário de funcionamento do presídio é ininterrupto, os agentes trabalham em escala de 12 horas de atividade laboral, seguidas de 36 de descanso ou ainda de 24 horas de trabalho por 72 horas de descanso.

Apesar de ser atrativa, uma vez que significa para muitos a tão desejada estabilidade financeira (pois obtida por meio de concurso público), a profissão de agente penitenciário está associada a fatores indesejáveis como: o pouco reconhecimento social, a baixa remuneração, relações fortemente hierarquizadas nas instituições e ausência de poder de decisão em determinadas situações como em rebeliões, por exemplo (Kalinsky, 2008). Além disso, a superlotação da maior parte das unidades prisionais do país e relações tensas entre colegas se constitui como fator de risco para o trabalho no cárcere. Ademais, o agente penitenciário precisa, muitas vezes, lidar com situações para as quais não foi preparado: síndromes de abstinência (álcool ou outras drogas), transtorno mental, HIV, tuberculose, e até mesmo com reações emocionais dos detentos frente ao abandono familiar ou sentenças proferidas (Santos et al., 2010). Assim, a categoria de agente penitenciário pode ser classificada como uma ocupação arriscada e estressante, podendo levar a distúrbios físicos e psicológicos.

Estudos vêm apontando para o elevado índice de adoecimento psíquico (stress, alcoolismo, transtornos mentais) que marca o cotidiano laboral dessa categoria (Lourenço, 2010; Lopes, 2007; Fernandes, Neto, Sena, Leal, Carneiro & Costa, 2002). Nota-se, portanto,

(22)

que os agentes penitenciários vivem cotidianamente sob condições adversas de trabalho, as quais não se restringem apenas à precariedade e insalubridade das prisões responsáveis pelos altos índices detectados de doenças, mas, especialmente, pelo cenário de vulnerabilidade e violação de direitos que repercute nos modos de vida desses trabalhadores. Torna-se evidente que a inserção nesse ambiente tão peculiar pode produzir sofrimento e induzir mudanças na rotina pela incorporação de novos hábitos de vida e de relação com o trabalho e com as pessoas de forma geral. Essas mudanças podem produzir sofrimento e estar relacionadas ao consumo abusivo de substancias psicoativas (como forma de lidar com a elevada tensão) assim como transtornos mentais comuns (ou seja, exacerbação de sintomas decorrentes de atividades consideradas estressoras que são desempenhadas no dia-a-dia), que evidenciam os efeitos na vida desses profissionais (Santos et al., 2010).

Para pensar tais efeitos, torna-se necessário enveredarmos nas discussões sobre saúde mental e trabalho. O trabalho é comumente reconhecido por importantes funções na vida das pessoas, desde ser fonte de renda, instrumento de socialização, oportunidade de crescimento, desenvolvimento pessoal e construção da identidade individual e coletiva, até interferir na saúde. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho/OIT (2013), anualmente 160 milhões de trabalhadores são atingidos por doenças ocupacionais no mundo e 2 milhões morrem em decorrência de doenças e/ou acidentes ocorridos no ambiente de trabalho. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, em 2013, o Brasil registrou quase 5 milhões de acidentes de trabalho, ocupando o quarto lugar no mundo quanto ao risco de morte no trabalho (2.503 óbitos) e o 15º em relação aos demais acidentes, ficando atrás da China (14.924 óbitos), Estados Unidos (5.764 óbitos) e Rússia (3.090 óbitos) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, 2013; Brasil, 2014a).

Diante de tal problemática, Nascimento (2002) defende o aprofundamento do estudo do processo saúde/doença do trabalhador considerando três condicionantes básicos: as condições

(23)

gerais de vida, de trabalho e o processo de trabalho propriamente dito. As condições de trabalho referem-se às questões mais facilmente perceptíveis e quantificáveis do processo tais como a jornada de trabalho (número de horas trabalhadas, obrigatoriedade de cumprir horas extras), o tipo de contrato de trabalho (carteira assinada, prestação de serviços), a forma de pagamento (por mês, semana, dia, tarefa), o valor da remuneração, o horário de trabalho (diurno, noturno, por turnos), as condições do ambiente de trabalho, dentre outras. Já o processo de trabalho refere-se à forma como as atividades são realizadas em direção a uma finalidade/objetivo. Diz respeito, por exemplo, à hierarquia interna dos trabalhadores, o controle por parte da empresa sobre o ritmo e as pausas de trabalho.

Os fatores subjetivos e psicossociais vêm sendo considerados na análise de acidentes de trabalho, do absenteísmo e na busca de explicações para disfunções, bloqueios de comunicação e incidentes que prejudicam o processo produtivo (Codo, 2002). O sofrimento mental relacionado ao trabalho, como explica Seligmann-Silva (2011), é a manifestação da repercussão da organização, gestão e processo de trabalho sobre a saúde mental dos trabalhadores expostos a inúmeros fatores e situações que contemplam desde a exposição a agentes tóxicos, ruídos, risco de acidente e a integridade física (como no caso de profissões que estão mais expostas a assaltos e demais atos de violência, como também à contaminações e explosões) até a imposição de ritmos de trabalho incompatíveis com a condição humana, e desgaste psíquico em decorrência da anulação da identidade, dos valores e da dignidade dos trabalhadores (Fernandes et al, 2006).

Para pensar tais questões, Barros, Louzada e Vasconcellos (2008) propõem uma compreensão do trabalhar como uma atividade inventiva, criadora de normas, que transborda uma execução mecânica de tarefas, afirmando uma concepção de trabalhador que não se reduz a um autômato reprodutor de normas prescritas e técnicas de trabalho predeterminadas. Partem do princípio de que os trabalhadores para realizarem as tarefas definidas nos ambientes laborais,

(24)

acordadas com a chefia e com os demais companheiros, elaboram, a cada situação o melhor modo de trabalhar, improvisam ações, criam um modo de organizar o trabalho, uma forma específica de agir, de se relacionar com os colegas e de estabelecer regras específicas na divisão de tarefas. Além disso, de acordo com os autores, o trabalho é constituído por um conjunto de atividades simultâneas, que possuem características diferentes e são exercidas por trabalhadores de diversas áreas, com saberes e experiências específicas. A atividade do trabalho, portanto, é submetida a uma regulação que se efetiva entre os trabalhadores, em uma dinâmica que se realiza a partir de diferentes valores.

Dessa forma, a concepção de trabalho aqui defendida está fundada na ação do homem sobre seu ambiente, ação que põe em jogo suas razões e até suas possibilidades de existir. Tudo o que leva a desarticular o trabalho das atividades humanas, individuais, coletivas ou cívicas contribui para sua desumanização. No entanto, ao contrário disso – é o que testemunham as grandes preocupações em matéria de saúde no trabalho –, o sujeito se atrofia e sua vida psíquica fica anestesiada, em situações nas quais, a atividade é reduzida a gestos e condutas programadas, destituídas de afeto (Lhuilier, 2014).

Nesse sentido, abordar o trabalho como produtor de sofrimento configura-se como uma denúncia a realidade atual, mas socialmente pouco reconhecida (Sato, 2009). A organização e condições do trabalho são decisivas no processo saúde-doença, produzindo efeitos no trabalhador, ao impor certo modo de funcionamento, certa modelagem à luz das demandas, conteúdo e exigências da lógica do modo de produção (Fernandes et al, 2006).

Martinez (2002) aponta os reflexos que novas formas de produção (com novas formas de regulação e controle do trabalho, exigindo trabalhadores mais qualificados e polivalentes), e de relações sociais têm sobre o mundo do trabalho: exigência de um novo perfil de trabalhador caracterizado pela aquisição permanente de novos conhecimentos, aumento da produtividade conseguido por meio de uma combinação do aumento do ritmo de trabalho, diminuição das

(25)

pausas para descanso e aumento da carga de responsabilidade dos trabalhadores; flexibilização de horários com diminuição da jornada de trabalho e/ou exigência de horas-extras; medo da demissão e a insegurança quanto ao futuro gerando a competitividade e tendência de controle dos riscos ocupacionais mais agressivos, com persistência de exposições a riscos em baixas dosagens, arriscando a vida em ambientes insalubres.

Esse processo tem produzido mudanças no perfil de morbimortalidade dos trabalhadores, propiciando efeitos físicos (dores musculares, palpitações, aceleração da respiração, úlcera gástrica, hipertensão arterial, diminuição da produção de anticorpos com queda da resistência do organismo), psicológicos (irritação, tensão, depressão, ansiedade, hipocondria, insegurança, desesperança, suicídio) e efeitos no comportamento (diminuição do escopo da percepção, dificuldades na concentração e aprendizado, distúrbio da função da memória, hesitação na tomada de decisões, perda da criatividade, alterações de hábitos alimentares e de exercícios físicos, acidentes de trânsito, agressão, violência) (Martinez, 2002).

No entanto, se, por um lado, as doenças ditas ocupacionais, como intoxicações, contaminações, acidentes e lesões por esforços repetitivos correspondem a mais de 90% das notificações em serviços de saúde, como os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, os transtornos mentais são subnotificados (Sato & Bernardo, 2005). Ainda assim, percebe-se a emergência desse novo perfil de adoecimento, caracterizado principalmente por sofrimento psíquico e transtornos mentais e do comportamento11, já que tais transtornos ocupam o terceiro lugar no que concerne às causas de afastamento do trabalho (perdendo apenas para as do sistema osteomuscular e as lesões traumáticas) (Brasil, 2014a; Seligmann-Silva, 2011).

A partir das discussões aqui iniciadas, é possível afirmar que esta Tese abordará a saúde mental do trabalhador do sistema prisional, que sob condições macroestruturais (considerando

11 Dentre os quais se destacam o alcoolismo crônico, episódios depressivos, estados de estresse pós-traumáticos, neurastenia (síndrome da fadiga crônica), neurose profissional, transtornos do sono e sensação de estar acabado (síndrome de burnout e a síndrome do esgotamento profissional) (Brasil, 2014a)

(26)

as lógicas do sistema prisional, atravessadas por fatores econômicos e criminais), gerenciais (a partir das condições e processos de trabalho no cárcere) e da micropolítica do cotidiano das prisões (os efeitos na vida do agente, de sua família e da produção de saúde mental), há fatores de vulnerabilização em diversos níveis que expõem o agente penitenciário ao adoecimento diante desse sistema violador, excludente e mortal.

Apesar das evidências relacionadas às condições inadequadas no processo de trabalho, há ainda poucos estudos que se aproximam da produção de saúde/adoecimento de agentes de segurança penitenciária (Lancman & Jardim, 2004), conhecimento importante para o estabelecimento de discussões e questionamentos acerca da viabilidade da existência do sistema prisional nos moldes atuais.

Diante disso, este estudo teve como objetivos:

GERAL: Investigar a relação entre trabalho e saúde mental entre agentes penitenciários do Rio

Grande do Norte.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

 Investigar as condições e processo de trabalho do AP e seus efeitos (riscos e potencialidades) em termos da saúde mental.

 Investigar a incidência de Transtornos Mentais Comuns;

 Identificar os padrões de uso do álcool e de outras drogas e os possíveis problemas associados a essa prática;

 Conhecer os recursos formais (rede de saúde, assistência social, justiça) e informais, utilizados pelos agentes penitenciários e sua família no cuidado em saúde mental e uso de álcool e outras drogas e problemas de saúde relacionados ao trabalho.

A construção do presente estudo partiu de um projeto de pesquisa mais amplo - coordenado pelos professores Dr. Jáder Ferreira Leite e Magda Dimenstein do Programa de Pós

(27)

Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgPsi/UFRN) - intitulado “Condições de trabalho e saúde mental em agentes penitenciários do Rio Grande do Norte”, financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação/MCTI e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq (edital Nº 14/2013) - em parceria com a Universidade Potiguar/UNP12, do qual também fiz parte.

Tal projeto que teve início no final de 2013 e finalizou em dezembro de 2015 - realizou uma pesquisa junto aos agentes penitenciários, cujo escopo foram as unidades prisionais de todo o estado do Rio Grande do Norte. Pretendeu-se com essa proposta produzir dados acerca da incidência de transtornos mentais comuns (TMC) e uso de álcool e outras drogas entre trabalhadores do sistema penitenciário, para que pudesse subsidiar propostas e programas de atenção à saúde do agente penitenciário de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde/SUS e da garantia de direitos.

No entanto, de acordo com Teixeira e Barros (2009), a produção científica sobre o mundo do trabalho tem priorizado a identificação de quadros psicopatológicos, e as pesquisas desenvolvidas neste campo têm se utilizado, predominantemente, de metodologias epidemiológicas que destacam o sofrimento experimentado nos locais de trabalho. Tais caminhos investigativos são importantes, mas consideramos que apenas identificar quadros psicopatológicos associados ao trabalho, privilegiando os processos de sofrimento e adoecimento, pode não ser suficiente para uma possível transformação da situação vivida hoje nos ambientes laborais (Teixeira & Barros, 2009).

Dessa forma, faz-se urgente, a viabilização de pesquisas em psicologia do trabalho, diretamente comprometidas com a análise dos processos de produção de saúde do trabalhador, uma outra via orientada para a afirmação e expansão da vida, a partir da não redução do

12 O professor da Universidade Potiguar Rafael de Albuquerque Figueiró trabalhou na coordenação desta pesquisa selecionando 5 estudantes do curso de Psicologia da UNP para a função de auxiliares na aplicação dos instrumentos de pesquisa, assim como coordenou a articulação com o campo e organização da coleta de dados.

(28)

sofrimento à dimensão exclusivamente individual. Em vez disso, o olhar do investigador se volta para o sofrimento que depende de fatores sociais e para sua ressonância com as questões envolvendo a subjetividade.

Nesse sentido, essa tese de doutoramento teve duas etapas: a primeira foi a pesquisa anteriormente citada (cujo resultados serão expostos na Etapa 1) de natureza quantitativa, que gerou um perfil de adoecimento mental (uso de drogas e TMC) dos agentes penitenciários do Rio Grande do Norte. Para dar continuidade aos questionamentos e discussões acerca da associação entre a saúde mental e condições e organização do trabalho de agentes de segurança penitenciária, foi desenvolvida a Etapa 2 (qualitativa), concretizada a partir de visitas regulares às unidades prisionais de agentes que apresentaram simultaneamente Transtornos Mentais Comuns e consumo abusivo/dependente de drogas e foram realizadas entrevistas semiestruturadas com gestores das unidades prisionais, com alguns agentes e familiares, focando nos riscos e potencialidades à saúde mental relacionados às condições e ao processo de trabalho dentro e fora do presídio.

A Tese está estruturada da seguinte forma: no Capítulo 1 discorremos sobre o funcionamento do Sistema Prisional no Brasil e do Rio Grande do Norte, assim como sobre os aspectos que envolvem o trabalho do agente penitenciário no Estado. O Capítulo 2 é dedicado a apresentar o percurso metodológico (locais, participantes, instrumentos e procedimentos para a viabilização desta pesquisa) tanto da primeira quanto da segunda etapa desse estudo. O Capítulo 3 é dedicado a apresentar os resultados e discussões da primeira etapa desta tese, ou seja, do mapeamento da incidência de Transtornos Mentais Comuns e consumo abusivo de substâncias psicoativas pelos agentes participantes. E, por fim, no capítulo 4 poderão ser encontrados os caminhos analíticos seguidos a partir das entrevistas com os agentes, gestores das unidades e familiares.

(29)

CAPÍTULO 1. Condições de Trabalho e Saúde Mental no Sistema Prisional

A discussões que serão apresentadas neste capítulo objetivam apresentar os aspectos/condições macroestruturais e gerenciais que determinam como o sistema prisional funciona e os efeitos que produzem nas condições de trabalho, formas de adoecimento/sofrimentos e processos de subjetivação dos agentes penitenciários.

1.1. Funcionamento do sistema carcerário no Brasil e condições de trabalho do Agente Penitenciário

A questão prisional no Brasil vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões sobre segurança pública, seja no governo, seja na mídia. Essa notoriedade é dada, sobretudo, pelas dimensões crescentes do sistema prisional brasileiro. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, divulgado pelo Ministério da Justiça (Brasil, 2015), o Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial relacionada à população carcerária. Ao se considerar as prisões domiciliares no Brasil, que totalizam 147.937 pessoas presas, o Brasil chega a 775.668 presos, superando a população carcerária da Rússia (673.818) e assumindo a terceira posição mundial (Estados Unidos da América com 2.228.424 e China com 1.657.812).

Ainda de acordo com dados do Ministério da Justiça (Brasil, 2015), existem no país cerca de 300 presos para cada cem mil habitantes. Número esse consideravelmente superior às quase 377 mil vagas do sistema penitenciário, totalizando um déficit de 231.062 vagas e uma taxa de ocupação média dos estabelecimentos de 161%. Em outras palavras, em um espaço concebido para custodiar 10 pessoas, existem quase 16 indivíduos encarcerados.

Ademais, apesar de sua finalidade complexa e singular, mais de um terço das unidades prisionais no país (36%) não foram concebidas para serem estabelecimentos penais, mas adaptadas para este fim, o que acaba por prejudicar seu funcionamento devido à estrutura

(30)

Figura 1. Celas do Centro de Detenção Provisória de Pirangi

inadequada. É possível, ainda, verificar uma grande movimentação de pessoas no sistema. Observa-se que enquanto entraram 155.821 pessoas no primeiro semestre de 2014, saíram 118.282. Ou seja, para cada 75 pessoas que saíram, 100 pessoas entraram (Brasil, 2015).

O sistema prisional do Rio Grande do Norte se destaca nesse panorama (ver figura 113). De acordo com o Ministério da Justiça (Brasil, 2015), 90% das casas carcerárias estão superlotadas; inexistem espaços adequados para presos portadores de deficiência física e celas específicas para homossexuais e transgêneros. O déficit estimado de vagas no Rio Grande do Norte se aproxima dos três mil, ou seja, quatro presos ocupam espaço destinado para um. Conforme exposto no Relatório de Informações Penitenciárias (INFOPEN), existem 7.605 pessoas presas no estado, no entanto, o número de vagas oficiais estacionou, há alguns anos, nas 4.876.

Tal déficit de vagas agudiza ainda mais a superlotação que tem como um dos motivos a permanência por mais de 90 dias de homens e mulheres aguardando condenação. Em torno de

13 As imagens apresentadas ao longo desta Tese foram capturadas durante o desenvolvimento da pesquisa ou cedidas pelos agentes penitenciários participantes desse estudo.

(31)

5.364 presos ocupam unidades prisionais superlotadas atualmente. Dados do INFOPEN (Brasil, 2015) apontam que 33% dos presos no Rio Grande do Norte não estão condenados, o que expõe não somente a problemática de execução das penas, como também possibilita situações insustentáveis de superlotação nos Centros de Detenção Provisória14. Na maior parte das unidades prisionais do estado não há atendimento médico, dentário ou psicológico. Muitos presos não recebem qualquer assistência visando prover suas necessidades básicas, como vestuário ou alimentação preparada e estocada adequadamente (as áreas destinadas ao estoque de mantimentos são geralmente sujas, servindo como lugar de moradia de ratos e insetos).

Diante do cenário exposto, como pensar o sistema penitenciário tendo um papel ressocializador, tal como propõe a lei de execução penal (LEP)15? Apesar da referida lei, tal perspectiva cada vez mais vai sendo abandonada. De acordo com Carvalho Filho (2002), o índice de reincidência entre aqueles que conseguem a liberdade chega a 80%, o que põe em questão a possibilidade da ressocialização. Nesse sentido, a prisão não diminui a criminalidade, não traz segurança para a população e nem mantém a ordem social, e sim opera enquanto espaço de violência social (Figueiró, 2015).

Como descreve Wacquant (2008, p.25), as prisões brasileiras são “campos de concentração para pobres” que mais se assemelham a empresas públicas de “depósito industrial de dejetos sociais” do que instituições que servem para alguma função penalógica (como reinserção).

14 A lei de execução penal traz em seu art. 82 a distinção dos estabelecimentos penais, são elas: Penitenciárias: estabelecimentos fechados, geralmente para condenados e também de segurança máxima; Colônias agrícolas e industriais: regime semiaberto; Casa de Albergado: regime aberto; Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: destina-se a inimputáveis e semi-inimputáveis, que dependem de tratamento de substâncias químicas; Cadeia Pública: serve para custódia do provisório e cumprimento de pena breve; Centros de Detenção Provisória: a custódia do provisório.

15 “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (Brasil, 2010, s/p)

(32)

Não demoramos a perceber que a justificativa do encarceramento como estratégia de “guerra contra o crime” mostra-se inapropriada sob três aspectos - a partir das contribuições de Wacquant (2008). Em primeiro lugar, guerras são empreendidas por militares contra inimigos externos da nação, enquanto o combate ao crime envolve órgãos civis que lidam com cidadãos e detentos protegidos por uma série de direitos e que, ao invés de serem expulsos ou aniquilados, são, supostamente, reintroduzidos na sociedade após um período em custódia penal. Como segundo ponto, a chamada guerra declarada por autoridades federais e locais nunca foi empreendida contra o “crime” em geral. As ações eram destinadas a determinadas categorias de ilegalidades cometidas em um setor bem definido dos espaços físico e social: basicamente crimes de rua cometidos em bairros de classes desfavorecidas e segregadas das metrópoles. Terceiro, e mais importante: o acionamento da luta contra o crime serviu como “trampolim para uma reformulação do perímetro e das funções do Estado, que resultou no enxugamento (downsizing) do seu componente de welfare [diminuindo investimento em políticas públicas de assistência e cuidado] e no inchaço (upsizing) dos seus setores policiais, jurídicos e correcionais” (Wacquant, 2008, p. 45)

Nesse sentido, o autor defende que o sistema penal contribui diretamente para a regulamentação dos segmentos mais baixos do mercado de trabalho, provocando a prevalência e o aumento das sanções penais que ajudam a disciplinar as parcelas mais vulneráveis da classe trabalhadora, aumentando o custo das estratégias de resistência ao trabalho assalariado, dessocializado por intermédio de uma “saída” para a economia informal. Diante de uma polícia agressiva, tribunais severos e a possibilidade de sentenças de prisão longas para crimes envolvendo drogas ilícitas e reincidência, muitos evitam entrar ou afastam-se do comércio ilegal de rua e submetem-se aos princípios do trabalho não-regulamentado (Wacquant, 2008).

Dessa forma, o aparato carcerário ajuda a fortalecer o setor de empregos mal remunerados e reduz de maneira artificial a taxa de desemprego, subtraindo à força milhões de

(33)

indivíduos desqualificados da força de trabalho. Esse processo facilita o crescimento da economia informal e de empregos abaixo da linha de pobreza,e o faz gerando continuamente um grande volume de trabalhadores marginais que podem ser facilmente explorados. Ex-detentos dificilmente podem exigir algo melhor que um emprego humilhante em razão das trajetórias interrompidas, dos laços sociais fragilizados e do amplo leque de restrições legais e obrigações civis implicadas. “O encarceramento extremo, portanto, alimenta o emprego contingente, que é a linha de frente da flexibilização do trabalho assalariado nas camadas mais baixas da distribuição de empregos” (Wacquant, 2008, p. 10).

Nessa mesma lógica, Coimbra (2006) discute o que denominou de “criminalização da pobreza” (p. 2). A autora se baseia no dispositivo da periculosidade, apresentado por Foucault e que surgiu com a sociedade disciplinar (em meados do século XIX).

Segundo este dispositivo, tão importante quanto aquilo que o sujeito fez é aquilo que ele poderá vir a fazer, dependendo da sua essência. É aí que a pobreza adquire o caráter de essencialmente perigosa e criminosa e aqueles que provêm das periferias passam a representar um perigo social que deve ser erradicado, justificando o desenvolvimento de medidas coercitivas (Barcinski & Cúnico, 2014, p. 65)

Foucault (2004) denuncia que, desde sua concepção, as prisões são fruto da sociedade disciplinar que se instaurava e tem como propósito organizar o espaço, controlar os corpos e o tempo, mantendo um registro totalitário do indivíduo e sua conduta. Dessa forma, esta instituição surge e se mantém como mais um espaço de expressão de poder. A disciplina fabrica assim corpos submissos, dóceis. E, desde seu início, cabe aos agentes de segurança penitenciária, ou carcereiros como antes referidos, o papel de garantir a fabricação destes corpos, vigiando-os e direcionando-os para o cumprimento das regras e papéis que cabe estas pessoas que ali são encarceradas.

(34)

Figura 2. Corredores Centro de Detenção Provisória de Pirangi

Figura 3. Corredores do Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio

Figura 4. Sala de revista do Complexo Penal Agrícola Dr. Mário Negócio

Figura 5. Celas do Centro de Detenção Provisória da Ribeira

Nesse sentido, se o cárcere se mostra violador e insalubre, as condições de trabalho no sistema prisional não são muito diferentes. A realidade precária e carente de equipamentos e materiais básicos do sistema prisional brasileiro foi apontada por Lourenço (2010) como fator de desorganização psicológica dos trabalhadores. “As penitenciárias são repletas de ambientes úmidos e de iluminação insuficiente, de cadeiras sem encosto ou assento, e janelas de banheiros quebradas, elementos que comprometem o bem-estar e a privacidade de agentes e de sentenciados” (p.36). Com isso, o ‘improvisado’, que é algo corriqueiro dentre os detentos, é assimilado pelos agentes: “O cafezinho de muitos agentes é preparado em latas de sardinha equipadas com resistências de chuveiro que funcionam como um fogão elétrico” (Lourenço, 2010, p. 40). Nota-se que o risco e a vulnerabilidade são inerentes às condições e processos de trabalho no cárcere (ver figura 2, 3, 4 e 5).

(35)

Por serem vistos pelos presos como os responsáveis pelo confinamento, os agentes penitenciários estão constantemente expostos a situações de estresse tais como intimidações, agressões, ameaças e possibilidades de rebeliões, momento em que sua própria integridade física está em jogo (Fernandes, et al. 2002). A Pesquisa de Vitimização e Risco entre Profissionais do Sistema de Segurança Pública produzida pelo FBSP (Fórum Brasileiro de segurança pública) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) (Brasil, 2015) indicou que 75,6% dos agentes já foram ameaçados em serviço e 53,1%, fora dele.

O estudo mostra ainda que pelo risco do trabalho, os hábitos de vida fora do emprego também são alterados. As mudanças mais notadas são a de observar o movimento da rua antes de entrar no prédio ou em casa, não sentar de costas para a entrada em locais públicos. Mais da metade dos agentes evitam utilizar o sistema público de transporte. Alguns têm o hábito de esconder a farda e/ou o distintivo, e uma boa parcela omite a profissão até mesmo de parentes e amigos. Segundo o Sindicato dos Agentes Penitenciário do Paraná (Sindarspen), todo esse cuidado não é em vão. “A maioria dos agentes de segurança conhece companheiros de trabalho que morreram em virtude da profissão” (s/n).

A afirmação do Sindicato também foi comprovada durante o 9° Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ocorrido no Rio de Janeiro, que revelou que 70% dos agentes de segurança de todo o país têm colegas que foram vítimas de homicídios fora do trabalho e 61% em serviço; 15,6% já foram identificados com algum distúrbio psicológico; 75% das mortes dos profissionais da segurança pública ocorreram fora do serviço e 59,6% têm receio desenvolver algum transtorno mental (Brasil, 2015).

Em relação às condições de trabalho, além da precária estrutura física das unidades prisionais, como já exposta anteriormente, o salário, habitação, a falta de lazer/exercícios físicos, treinamento e quantidade insuficiente de trabalhadores, são aspectos que dificultam a

(36)

função de agente penitenciário. O salário do agente penitenciário no Brasil varia entre 1.500 reais (na Bahia) e 5.500 (no Distrito Federal). No Rio Grande do Norte, os agentes ganham em torno de 3.000 reais. No entanto, tal remuneração, em muitos casos, não é suficiente para sustentar o agente e sua família, o que pode fazer com que o profissional busque trabalhos secundários, comprometendo a sua atividade - na medida em que, ao invés de usufruir do horário de folga para descansar, obriga-se a fazer um trabalho extra, a fim de obter um complemento salarial. Essa dupla jornada deixa-o extenuado, pois o tempo de descanso se torna insuficiente para que ele tenha condições físicas e psicológicas de retomar a sua escala de serviço (Lourenço, 2010). Diante dos baixos salários, em especial nas cidades de médio e grande porte, o agente habita em condições precárias, em locais inapropriados, muitas vezes morando próximo a pessoas que já cumpriram pena, fato este que causa preocupação em relação à sua segurança e a de seus familiares.

Considerando que o seu trabalho é de 12 horas de serviço por 36 horas de folga, quando ele cumpre o seu turno e, imediatamente inicia outra atividade por mais 12 horas (trabalhando 24 horas ininterruptas), resta apenas 24 horas de folga, o que impossibilita a prática de exercícios físicos e outras formas de lazer, e consequentemente a possibilidade de preparação para o próximo turno no presídio. Dessa forma, o agente não consegue encontrar tempo para relaxar e se mantem imerso na tensão do cárcere por mais tempo.

Diante da complexidade das suas atividades, o agente necessita de preparo físico e psicológico para lidar com as adversidades inerentes a sua função, pois trata-se de um ambiente de trabalho especial do ponto de vista das relações interpessoais e da autoridade exigida. É comum no sistema prisional a falta de coletes à prova de balas, munições, treinamentos específicos sobre defesa pessoal e discussões sobre qualidade de vida e saúde mental no âmbito do trabalho (Fernandes et al, 2002). Mesmo diante da evidente falta de materiais e estrutura para o desenvolvimento do trabalho do agente, não podemos deixar de questionar: o

(37)

treinamento adequado seria indispensável para que o trabalhador pudesse exercer sua autoridade sem utilizar o recurso da violência?

Rauter (2012) defende que é em torno do fenômeno da criminalidade que se organiza um dos principais dispositivos de controle social contemporâneos, através da disseminação do medo e da multiplicação da experiência da violência. A palavra violência é apontada pela autora como um guarda-chuva, abrigando diferentes fenômenos que pouco têm em comum, como a violência do trânsito, a violência na instituição médica, a forma como o agente penitenciário deve se impor no tratamento com preso, o crime em suas tantas formas. Sua utilidade é despolitizar os enfrentamentos que se dão no campo social, tornando-os inevitáveis, frutos de uma tendência natural e justificando ações repressivas do estado.

O fenômeno da violência criminal está associado ao controle dos grandes contingentes de despossuídos que é produzido por este sistema econômico-social. O controle passa também pelo uso da polícia, exércitos e do sistema penal, de maneira diferenciada. O agente usa da violência como forma de controle dos apenados, tal qual os presos, em momentos de organização dos motins e revoltas dentro dos presídios, também usam da violência para expor suas preocupações e se defender os Estado.

A prisão é vista por Rauter (2012) como um “dispositivo da criminalização” - ou seja, o conjunto de dispositivos que têm um papel central nos processos de produção de subjetividades - do qual também fazem parte uma rede de instituições sociais: a polícia, o sistema prisional, o sistema judiciário em todas as suas ramificações, incluindo as instituições para jovens e a mídia. Um dos efeitos do dispositivo da criminalização é o de produzir um esvaziamento do coletivo, a despotencialização que impede a organização coletiva em prol de atos de resistência (como questionamentos direcionados as lógicas que atravessam o sistema prisional). Tal efeito é conseguido a partir da disseminação do medo à criminalidade.

(38)

Mesmo diante da necessidade de pensarmos essas relações, a formação do agente não é atravessada por discussões que envolvem a análise das engrenagens do sistema prisional. Quando o agente ingressa no sistema depois do concurso público, passa por um Curso de Formação de Agentes Penitenciários com carga horária de 436 horas, sendo 268 horas teóricas e 168 horas de vivência penitenciária. Todavia, de acordo com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Rio Grande do Norte (SEJUC), esse curso que deveria ter a duração de 6 meses, na maioria das vezes acontece em 1 mês. Ou seja, esses trabalhadores não são preparados para exercer o cargo, aprendendo o ofício no dia a dia, o que gera insegurança e automatização nas tarefas e pode comprometer os processos de trabalho no cárcere.

Aliado a esse cenário está o déficit de agentes em exercício no país. A média nacional de presos por agente de custódia é de 8 presos por agente, no Rio Grande do Norte chega a 9,5, quando a recomendação da Resolução nº 1, de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária/CNPCP (Brasil, 2009) é que a proporção mínima desejável seja de um agente para cada cinco presos. Há cada vez menos agentes custodiando mais presos, aumentando o índice de insegurança, tensão e iminente atos de violência, motins e levantes dos apenados.

No entanto, a vida do cárcere não se restringe aos limites da prisão, pois mesmo o agente vivendo em um ambiente e sistema social diferente daquele existente no presídio, ele acaba por absorver valores, vocabulários, códigos, hábitos, etc., que são peculiares ao cárcere. Ou seja, nota-se a ocorrência um processo de “prisionalização”. Tal conceito, elaborado por Thompson (1998), caracteriza-se como uma especial socialização através da assimilação de padrões de comportamento e valores sociais específicos do ambiente carcerário a partir das características organizacionais da instituição, produzindo efeitos no trabalho e na saúde dos agentes (Chies, Barros, Lopes & Oliveira, 2005).

Referências

Documentos relacionados

 Para os agentes físicos: ruído, calor, radiações ionizantes, condições hiperbáricas, não ionizantes, vibração, frio, e umidade, sendo os mesmos avaliados

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Declaro meu voto contrário ao Parecer referente à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresentado pelos Conselheiros Relatores da Comissão Bicameral da BNCC,

Para tanto, no Laboratório de Análise Experimental de Estruturas (LAEES), da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (EE/UFMG), foram realizados ensaios

Durante o exercício de 2008, a sociedade de direito espanhol Cajastur Inversiones, S.A. indicou José Maria Brandão de Brito como seu representante no Conselho Geral e de Supervisão

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Direito da PUC-Rio.. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo

O Banco Mundial está desenvolvendo um projeto de gestão integrada de águas urbanas com o objetivo de estabelecer procedimentos para preparar uma estratégia