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CAPÍTULO 4. Condições, processos e organização do trabalho do agente penitenciário no

4.1. Análise da relação saúde mental-trabalho à luz do conceito de vulnerabilidade

4.1.4. Social: uma categoria abandonada

Como citado anteriormente, a dimensão social relaciona-se às possibilidades de obter e elaborar informações, acesso aos meios de comunicação, escolarização, recursos materiais, influência nas decisões políticas, enfrentamento de barreiras sociais, etc. Nesse ponto são claras as dificuldades vivenciadas pelos agentes de segurança penitenciária. O contexto de desvalorização profissional é evidente, vivenciando o estigma e discriminação em relação a profissão. O discurso dos gestores das unidades deixa transparecer que um dos grandes responsáveis pelas fugas e desorganização das unidades prisionais é a figura de agentes penitenciário, que devido a corrupção “permite que os presos façam o que quiserem dentro do presídio”. Mais uma vez lógica da desresponsabilização da organização (Estado) centralizam a culpa no trabalhador ao invés de voltar-se para os próprios processos de exclusão e potencialização da violência.

Outra questão que pode ser citada é em relação a impossibilidade muitas vezes de transformar a própria realidade. Alguns agentes afirmaram querer voltar a estudar para buscar outro emprego, mas como além da profissão de agente ainda fazem “bicos” para complementar a renda, não conseguem estudar por falta de tempo. A dificuldade em ter acesso a serviços de saúde também se faz presente nos discursos, pois ou falta dinheiro para buscar um serviço na rede privada de saúde ou vivem o medo de buscar cuidado nos serviços públicos e falar da profissão (o que segundo os entrevistados, pode colocar em risco sua vida). Referindo-se a busca de ajuda psicológica para lidar com o sofrimento, um entrevistado chegou a afirmar:

Quem já procurou ajuda não viu resultado, pois não conseguiu dar continuidade aos atendimentos, seja por falta de dinheiro, seja por não enxergar como aqueles encontros poderiam transformar o sofrimento deles

Dessa forma, a vulnerabilidade está na falta ou na não-condição de acesso a bens materiais e bens de serviço que possam suprir aquilo que pode tornar o indivíduo vulnerável. Para Abramovay, Castro e Pinheiro (2002), a vulnerabilidade social é definida como situação em que os recursos e habilidades de um dado grupo social são insuficientes e inadequados para lidar com as oportunidades oferecidas pela sociedade. Essas oportunidades constituem uma forma de ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deterioração das condições de vida de determinados atores sociais (Guareschi, Reis, Huning & Bertuzzi, 2007).

Durante as entrevistas, outro ponto abordado foi em relação a escolha da moradia. Como explicitado anteriormente, o agente da penitenciária federal, por uma questão de segurança optou por morar em Natal e não em Mossoró. Escolha essa que faz com que o agente tanto invista uma significativa quantia de dinheiro por mês em passagens e alimentação, quanto aumente o estresse e o cansaço - pois depois de sair do plantão de trabalho ainda precisa esperar em média 4 horas para chegar em casa.

Todavia, é importante ressaltar que vulnerabilidade não se restringe à categoria econômica, passando por organizações políticas de raça, orientação sexual, gênero, etnia. Do ponto de vista, por exemplo, da raça negra, os indivíduos tendem a ter restrita sua mobilidade social em função de sua cor, sem necessariamente apresentarem uma situação econômica de desvantagem (Guareschi, Reis, Huning & Bertuzzi, 2007). No caso do agente penitenciário, o profissional não somente esconde a profissão por temer sua segurança, como também por constrangimento diante da reação das pessoas, como exemplifica um dos agentes entrevistados: Uma vez eu estava em um churrasco de família e não percebi que tinha gente desconhecida. No meio da conversa falei sobre o presídio e uma pessoa foi logo perguntando se eu era agente penitenciário. Falei que sim. Ele olhou para mim de um

jeito que fiquei constrangido. Esse povo acha que nós somos carrascos, que a prisão não presta por causa do agente

Dessa forma, as organizações simbólicas também estão intimamente ligadas ao conceito de vulnerabilidade social, uma vez que de acordo com Ayres (1999), a vulnerabilidade cresce quando há falta de confiança ou credibilidade nas possibilidades de transformação social de determinadas populações. No caso dessa pesquisa, os trabalhadores do sistema prisional.

Somado a falta de credibilidade e valorização pelo Estado, gestores e sociedade, as buscas incessantes por resultados, as metas sufocantes e as práticas cada vez mais difundidas de engessamento subjetivo têm intensificado os modos de sofrimento proporcionado pelo trabalho do agente penitenciário, como é possível perceber a partir das discussões aqui construídas. Como forma alarmante de concretização desse sofrimento, em mais de uma entrevista foram relatados casos de agentes penitenciários que tentaram e tiveram êxito na prática do suicídio.

Segundo Venco e Barreto (2010), o suicídio relacionado ao trabalho é uma mensagem brutal de sofrimento à comunidade, aos colegas, ao chefe e à organização de modo geral. Para pensar a questão do pensamento suicida, podemos nos remeter a Lhuilier (2009) quando ela identifica como importante gerador de sofrimento no trabalho a negação do "real" do trabalho - e, como consequência, uma disjunção entre o trabalho que o sujeito realiza e aquele que gostaria de realizar. Este é o caso, por exemplo, dos trabalhos invisíveis, como é o caso do agente penitenciário: ocupações em que há uma negação do trabalho do outro e um apagamento do sujeito que trabalha. Trata-se de uma espécie de sofrimento moral (Renault, 2008), na medida em que o sujeito não é reconhecido como um sujeito moral – ou seja pelo fato de dedicar-se a um trabalho não valorizado socialmente (Bendassolli, 2011).

Esses dados evidenciam o grau de sofrimento desses trabalhadores e, principalmente, a reflexão sobre a urgência de se pensar em estratégias para minimizar esse sofrimento. Greco, Magnago, Urbanetto, Luz e Prochnow (2015) destacam a necessidade urgente de medidas preventivas para superar formas perversas de gestão, que são reveladas como as principais responsáveis pelos eventos fatais. De acordo com os autores, a presença de apoio social tem sido associada a melhores níveis de saúde, pois o apoio age como fator de proteção tanto da saúde física quanto mental do trabalhador. As relações de apoio no trabalho, tanto por parte dos colegas quanto das gestões podem favorecem para a resolução de problemas, contribuem para a redução do estresse, além de favorecerem o bem-estar e a saúde dos trabalhadores.