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Mapeamento de TMC e consumo de álcool e drogas entre agentes penitenciários:

CAPÍTULO 2. Construindo o percurso metodológico

2.1. Mapeamento de TMC e consumo de álcool e drogas entre agentes penitenciários:

a) Planejamento e preparação para ida a campo

Para que pudéssemos ter acesso as unidades prisionais do Rio Grande do Norte, ao final de 2013, entramos em contato com a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania/SEJUC e com a Coordenadoria de Administração Penitenciária/COAPE a fim de conseguirmos as autorizações devidas. Após a pesquisa ser aceita pelos gestores do sistema prisional, submetemos a presente pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa/CEP da Universidade Potiguar/UNP. Com a aprovação do CEP (parecer número 760.701), teve início o momento de organização da coleta de dados.

Uma vez que contávamos com a ajuda de 5 estudantes de Psicologia da Universidade Potiguar, criamos um grupo de estudo com a finalidade de discutir questões inerentes ao trabalho no sistema prisional e as possíveis consequências que esse trabalho pode desencadear na saúde do trabalhador. Objetivou-se promover o aprofundamento teórico diante de tais questões para que as visitas ás unidades prisionais pudessem ser melhor exploradas e analisadas.

Nesse período, os entrevistadores (seis no total) passaram por um treinamento composto por duas etapas antes de iniciar a coleta de dados, visando se familiarizar com os instrumentos utilizados. Na primeira etapa, os entrevistadores treinaram entre si. No segundo momento, foi

realizada uma etapa piloto, onde 15 agentes penitenciários foram entrevistados (trabalhadores da Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento/Natal), visando oportunizar aos entrevistadores um primeiro contato com o campo de pesquisa, assim como testar os instrumentos. Tal unidade incialmente não fazia parte deste estudo por não se configurar somente como uma unidade prisional, mas também como um local de tratamento destinado às pessoas com transtorno mentais que cometeram atos infracionais. No entanto, depois de testado o instrumento, foi possível constatar sua aplicabilidade e os trabalhadores dessa instituição passaram a compor a amostra final da pesquisa.

Em julho de 2014 demos início a coleta de dados. Para isso, entrávamos em contato previamente por telefone com a direção de cada unidade prisional para avisar da nossa ida e esclarecer que tínhamos em mãos o documento da SEJUC que formalizava a autorização para a realização da pesquisa. Dividimo-nos em duplas para as visitas às unidades, a fim de conseguirmos acessar mais unidades prisionais em um menor período de tempo.

Aproveitando o período de férias no meio do ano (julho/2014), as primeiras Unidades a serem visitadas foram as do interior do Estado, pois em função das longas distâncias de algumas unidades prisionais no RN, a coleta dos dados aconteceu concentrada de maneira que os pesquisadores realizaram a aplicação dos instrumentos durante dez dias ininterruptos em cada unidade prisional. Dessa forma, nos deslocamos apenas uma vez e permanecemos na cidade onde se localiza a unidade prisional visitada. Com isso, evitamos desgaste e custos desnecessários com deslocamento. Após finalização das unidades prisionais do interior do RN, passamos para as Unidades da capital do Estado.

Os participantes responderam aos instrumentos de pesquisa nos seus respectivos locais de trabalho. Os questionários foram aplicados individualmente e todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) de acordo com as especificações do comitê de ética local.

b) Local e participantes da pesquisa

O Estado do Rio Grande do Norte conta com 34 unidades prisionais (9 penitenciárias estaduais, 01 penitenciária federal, 01 unidade psiquiátrica de custódia e tratamento, 03 cadeias públicas e 20 Centros de Detenção Provisória), aproximadamente 7.200 presos, custodiados por 902 agentes penitenciários.

Utilizamos como critério de escolha das Unidades que participariam do nosso estudo: (1) Unidades prisionais destinadas a presos já sentenciados (14 no total)

(2) Devido ao grande número de Centros de Detenção Provisória (CDP) no Estado (20 CDPs), elegemos os CDPs com maiores índices de fugas, motins e intervenções da vigilância sanitária diante das condições estruturais e de insalubridade (de acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania/SEJUC), ou seja, os 5 CDPs que ficam localizados na capital do Estado. Os CDPs têm por função custodiar presos temporariamente, apresentando-se como uma unidade de ingresso e classificação para o sistema prisional estadual, diferenciando-se das penitenciárias que se destinam aos presos já condenados para o cumprimento de pena de reclusão, sendo esta em regime fechado ou semiaberto.

Dessa forma, participaram do estudo 19 unidades prisionais: 12 penitenciárias (06 estão localizadas na capital do estado, 04 ficam da região oeste, 01 na região agreste e 01 na região central), 01 Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento (localizada na capital do estado),

01 Penitenciária Federal (localizada na região oeste do estado) e 05 Centros de Detenção Provisória (todas localizadas na capital) (ver figura 6 e tabela 1).

Fonte: www.baixarmapas.com.br – elaborado a partir de base cartográfica do IBGE

Tabela 1.

Unidades prisionais

Unidade prisional Município Sede

Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento Natal

Penitenciária Estadual de Parnamirim Parnamirim

Penitenciária Estadual do Seridó Caicó

Penitenciária Estadual Rogério Coutinho Madruga Natal

Penitenciária Estadual de Alcaçuz Natal

Complexo Penal Estadual de Pau Dos Ferros Pau dos Ferros Complexo Penal Estadual Agrícola Dr. Mário Negócio Mossoró

Complexo Penal Dr. João Chaves Natal

Cadeia Pública de Natal Natal

Cadeia Pública de Mossoró Mossoró

Cadeia Pública de Nova Cruz Nova Cruz

Cadeia Pública de Caraúbas Caraúbas

Penitenciária Federal do Mossoró Mossoró

Complexo Penal Feminino Dr. João Chaves Natal

Centro de Detenção Provisória – Pirangi Natal

Centro de Detenção Provisória – Potengi Natal

Centro de Detenção Provisória – Ribeira Natal

Centro de Detenção Provisória – Zona Norte Natal

Centro de Detenção Provisória – Candelária Natal

Do total de agentes penitenciários (902), 403 participaram da coleta de dados, ou seja, são agentes que trabalham nas unidades Prisionais acima destacadas, de ambos os sexos e que aceitaram participar da pesquisa através da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Constituíram-se em critérios de exclusão: a recusa em participar da pesquisa e existência de condição médica ou psicológica que impossibilitasse a participação.

c) Instrumentos

Foram aplicados com cada agente penitenciário os seguintes instrumentos:

1. Roteiro de entrevista estruturado para agentes penitenciários, contendo 9 questões, no intuito de evidenciar dados sócio demográficos (sexo, idade, estado civil, renda familiar, escolaridade, religião), bem como relativos ao trabalho em unidades prisionais (se possui outra ocupação, se essa ocupação é na área de segurança e se dobrou de turno no último mês), assim como os recursos formais (rede de saúde ou assistência social) ou não, utilizados pelos agentes penitenciários no cuidado em saúde mental e uso de álcool e outras drogas.

2. ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test).

Esse questionário de triagem breve é um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde/OMS (2002) e por um grupo internacional de pesquisadores, sendo um método simples de triagem do uso nocivo ou de risco de tabaco, álcool, maconha (cannabis), cocaína, anfetaminas, sedativos, alucinógenos, inalantes, opiáceos e outras drogas. O instrumento consiste de oito questões que avaliam o consumo destas substâncias nos últimos 3 meses. Sua utilização é rápida, podendo ser aplicado em cinco a dez minutos. O ASSIST foi traduzido para várias línguas, inclusive para o português falado no Brasil, já tendo sido testado

quanto à sua confiabilidade e factibilidade, quando aplicado por pesquisadores. De acordo com Henrique, Micheli, Lacerda, Lacerda e Formigoni (2004), o estudo da confiabilidade teste- reteste do ASSIST foi realizado com 236 indivíduos, em diferentes locais do mundo, sendo observado bom nível de confiança (coeficientes Kappa entre 0,58 a 0,90 para as principais questões), sendo o seu uso considerado factível em locais de assistência primária à saúde. Algumas características do ASSIST sugerem que ele seja adequado para uso em serviços de assistência não especializados: sua estrutura padronizada, rapidez de aplicação, abordagem simultânea de várias classes de substâncias e facilidade de interpretação.

Os resultados do instrumento podem apresentar três tipos de interpretações. (a) pessoas com escores do Envolvimento com Substâncias Específicas menores que 3 (ou 10 no caso de álcool) estão sob baixo risco de apresentar problemas relacionados ao uso de substâncias. Embora usem substâncias ocasionalmente, atualmente eles não apresentam nenhum problema relacionado ao uso de droga e estão sob baixo risco, se continuarem com o mesmo padrão de consumo. (b) Escores médios entre 4 (ou 11 para o álcool) e 26 são indicativos de uso nocivo ou problemático de substâncias. Usuários com escores nessa faixa apresentam risco moderado de passar por problemas por causa de seu padrão de uso. O risco é aumentado para aqueles com história passada de problemas ou dependência. (c) Escores acima de 27 para qualquer substância sugerem que o usuário está sob alto risco de dependência daquela droga e está provavelmente passando por problemas de saúde, sociais, financeiros, legais ou de relacionamento, em consequência do seu uso.

3. SRQ-20 (Self-ReportingQuestionnaire)

A presença de Transtorno Mental Comum foi avaliada utilizando-se o SRQ-20, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde para rastreamento na Atenção Primária. O SRQ-20 tem sido largamente utilizado em inquéritos populacionais uma vez que pode ser

aplicado por entrevistadores leigos, a partir de treinamento rápido. Esse questionário foi projetado por Harding et al. (1980, apud Mari, 1986) para uso em estudos de morbidade psiquiátrica em instituições de cuidados primários de saúde, em países em desenvolvimento coordenados pela Organização Mundial da Saúde (1994). O SRQ é derivado de quatro instrumentos de pesquisa psiquiátrica já existentes. É um instrumento autoaplicável contendo uma escala de respostas sim/não. A versão em português adotou os vinte primeiros itens para morbidade não psicótica.

Foi adotado o ponto de corte em sete ou mais respostas positivas, classificando-se estes indivíduos como sujeitos com indicativo de ter algum transtorno mental comum, o instrumento não indica qual transtorno a pessoa pode estar apresentando. As questões do instrumento são divididas em quatro grupos de sintomas que compunham dimensões específicas, identificadas como: comportamento ansioso e depressivo, decréscimo de energia, sintomas somáticos e humor depressivo (ver tabela 2). Esse escore foi validado por Fernandes (1993), Harding et al. (1980, apud Mari, 1986) e por Mari (1986) que encontraram, respectivamente, sensibilidades e especifidades de 57,1 e 79%, 73 a 83% e 72 a 85%, 83 e 80%.

Tabela 2.

Itens do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) distribuídos por 04 grupos de sintomas Grupo de sintomas e questões verificadas no SRQ-20

Humor depressivo ansioso

Sintomas somáticos Decréscimo de energia vital

Pensamentos depressivos Sente nervoso, tenso

ou preocupado?

Tem dores de cabeça frequentemente?

Você cansa com facilidade? Sente-se incapaz de desempenhar papel útil na vida? Assusta-se com facilidade?

Você dorme mal? Tem dificuldade em tomar decisões? Tem perdido o interesse pelas coisas? Sente-se triste ultimamente? Você sente desconforto estomacal? Tem dificuldade de ter satisfação com

suas tarefas?

Tem pensado a dar fim a sua vida? Você chora mais do

que de costume?

Você tem falta de apetite?

O seu trabalho traz sofrimento?

Sente-se inútil na sua vida?

d) Análise de dados

Os dados coletados foram analisados através do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - pacote estatístico para as ciências sociais, versão 20) em termos de frequência absoluta e percentual, utilizando o teste Qui-quadrado (ᵡ²) para investigar se existe relação de dependência entre as variáveis contrastadas. Esse teste investiga a associação entre as variáveis contrastadas comparando os valores observados (valores reais) com os valores que deveriam ser esperados considerando que as variáveis são independentes.

Foi ainda utilizado o teste Kruskal Wallis para avaliar a hipótese de que várias amostras têm a mesma distribuição. Ou seja, no caso desta pesquisa, este teste indicou a distribuição das respostas positivas do teste SRQ-20 em relação as demais variáveis (evidenciando se existem variáveis que estão relacionadas ao aumento de respostas positivas, e consequentemente a maior probabilidade do desenvolvimento de transtornos mentais comuns). Nos testes aplicados, o índice de significância adotado foi de 5%.

A seguir, apresentamos o percurso vivido na segunda etapa deste estudo.

2.2. Condições, processos e organização do trabalho do agente penitenciário no Rio