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Produtos de apoio : engenharia, design e desenvolvimento

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Academic year: 2021

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Ana Maria Vieira Rebelo Correia de Barros

Doutoramento em Engenharia e Gestão Industrial Universidade da Beira Interior

Covilhã, Setembro de 2012

Produtos de apoio

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Produtos de apoio

Engenharia, Design e Desenvolvimento

Tese apresentada por Ana Maria Vieira Rebelo Correia de Barros à Universidade da Beira Interior para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia e Gestão Industrial, sob a orientação do Professor Doutor Carlos Alberto Miranda Duarte, Professor e Presidente das Escolas Universitárias do Instituto Superior de Artes Visuais, Design e Marketing e do Professor Doutor Tessaleno Campos Devezas, Professor Associado da Universidade da Beira Interior.

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Resumo

O número crescente de pessoas dependentes devido a deficiências, incapacida-des, condições médicas ou ao natural declínio funcional que acompanha o enve-lhecimento, é um sério problema em vários países, tendo sido reconhecido que a resposta poderá estar no uso de produtos de apoio. No entanto, estes potenciais benefícios têm vindo a ser minorados devido a parco acesso, rejeição e abando-no destes produtos por parte dos utilizadores.

O objectivo desta tese foi o de tentar compreender as razões subjacentes a estes fenómenos através de investigação acerca do design dos próprios produ-tos de apoio, actuais e potenciais utilizadores destes produprodu-tos e de investigação acerca do sistema que enquadra o seu desenvolvimento e distribuição, de modo a propor formas de actuar, afirmativamente, sobre elas.

Os métodos usados envolveram a recolha de dados junto de um grupo de víti-mas de Acidente Vascular Cerebral em Portugal usado como caso de estudo, aná-lise de produtos existentes no mercado e a realização de experiências para com-preender e actuar sobre as quatro razões principais identificadas como estando na base do parco uso de produtos de apoio: falta de informação, adequação, cus-to e motivos psicossociais.

Estas experiências resultaram em conhecimentos sobre: como se desenvolve o processo do estigma em torno dos produtos de apoio; como métodos provindos do design, engenharia de reabilitação e outras disciplinas podem ser combinados de modo a desenvolver produtos de apoio mais adequados; como o design pode actuar além do desenvolvimento de novos produtos através do design de servi-ços; e como podem ser planeadas linhas de acção destinadas a disseminar resul-tados da investigação, novos métodos e a sensibilizar futuros profissionais acer-ca das suas responsabilidades sociais nestas matérias.

A investigação levou-nos a concluir que o design pode constituir um valio-so contributo para a actual investigação e prática dentro da engenharia de rea-bilitação, mas que, de modo a fazê-lo de forma adequada e sustentável, os seus métodos podem ser optimizados. Concluímos ainda que quer o design quer a engenharia de reabilitação podem, também eles, beneficiar em grande medida do trabalho conjunto com outras disciplinas sob uma perspectiva transdiscipli-nar e que, ao fazê-lo, e dependendo dos cenários encontrados, o seu papel pode passar por ir além do desenvolvimento de novos produtos e incluir o design de serviços e até de sistemas.

Palavras-chave: Acidente vascular serebral, design inclusivo, emoções, enge-nharia de reabilitação, produtos de apoio, transdisciplinaridade.

i Resumo

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Abstract

Increasing numbers on people’s dependence (due to impairments, disabilities, medi-cal conditions, or natural ageing decline) is a serious problem in several countries, which has been said to find an answer in the use of assistive products. Nevertheless, these potential benefits are being hindered due to poor access, rejection and aban-donment of assistive products.

The aim of the present thesis was to look into the underlying reasons for the-se phenomena by conducting rethe-search into the design of assistive products it the- sel-ves, actual and potential users of assistive products, and into the system which fra-mes the development and distribution of these products, in order to propose ways of affirmatively acting over them.

Our research involved data collection from a group of stroke victims in Portugal as a case study, analysis of existing products in the market, and experiments to understand and test courses of action aimed at tackling the four major issues iden-tified as reasons for assistive products scarce use: lack of information, suitability, cost, and psychosocial reasons.

These experiments have resulted in insights about: how the stigma process unfol-ds regarding assistive products; how methounfol-ds from design, rehabilitation engine-ering, and other disciplines may be combined to design more suited assistive pro-ducts; how design can act in other ways beyond product design, by designing a communication system aimed at promoting knowledge exchange between assistive product users and creators; and how courses of action could be planned to dissemi-nate research findings, methods, and raise awareness amongst future practitioners about their social responsibility in these matters.

The research has led us to conclude design could constitute a major contribute to current research and practice within rehabilitation engineering, but that in order to do that in a proper and sustainable fashion, its methods could be optimized. We have further concluded that both design and rehabilitation engineering, too, could benefit from working with other disciplines in a transdisciplinary fashion. And that by doing so, and depending on the scenarios one encounters, their role could be required to go beyond that of developing new products to include the design of ser-vices or even systems.

Keywords: assistive products, emotions, inclusive design, rehabilitation engine-ering, stroke, transdisciplinarity.

iii Abstract

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à Isa à Tita ao Zica ao Jaime

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Aos que, todos juntos e carinhosamente, me deixaram alimentar a minha ilu-são de autonomia:

Em primeiro lugar, aos meus pais, minha irmã e ao Jaime. Sem qualquer um deles eu não seria.

Ao avô Luciano que sempre me adormeceu e que, finalmente, me mostrou como é possível, estando sentado na orla, ensinar alguém a nadar.

À avó Céu e ao avô José Eduardo que, pelos lábios do meu pai, sempre me fize-ram querer que se orgulhassem de mim.

À avó Céu que, felizmente, me pode mostrar todos os dias o quanto se orgulha.

Ao Tiago e à Nair que, além da amizade e inteligência, me deram guarida, fes-tejaram e se preocuparam comigo em todas as alturas.

To Clive Dilnot, who I had the good fortune of meeting and the privilege of talking to, and whose brilliance and goodwill were crucial to structure the ideas on this research.

A todas as restantes pessoas da minha família que não se pouparam a esforços quando se tratou de me ajudar.

A todos os meus amigos que constantemente se preocuparam, que aturaram as minhas longas dissertações e que aceitaram compreensivamente as minhas ausências.

A todas as pessoas que se deixaram entrevistar por mim e que me deram a oportunidade de rir e chorar com elas.

A todas as pessoas e instituições que, com boa-vontade e prontidão, me aju-daram neste processo: Eng.ª Cristina Crisóstomo, Dr. Jerónimo Sousa e tera-peuta Mónica do CRPG e ao próprio CRPG; Fernanda Simões da Associação AVC de Barcelos e à própria Associação; terapeuta Henriqueta Fernandes da Clínica Fisiátrica de Famalicão e à própria clínica; Doutor Matos da Silva; Clínica Fisiomato; Dr.ª Mónica Dias e Celso Antão da Junta de Freguesia de Santos-o-Velho e à própria Junta; S.A.O.M.; Dr.ª Sofia do CASM de Mozelos e ao próprio CASM; Clínica de Recuperação Funcional da Trindade; Clinefe; Clínica Anima; Clínica Edgar Tamegão; Clínica Fisiátrica das Antas; Dr.ª Susana Vasconcelos da Associação Cultural e Social de São Nicolau e à própria Associação; Dr.ª Lutergarda Justo e Dr.ª Daniela Santos da AFID e à própria AFID; Assistência Paroquial de Santos; Dr.ª Carolina Sanches do Centro de Saúde da Lapa; Doutor José Oliveira e terapeutas Tânia e Teresa da Clínica Dr. José de Oliveira e à própria clínica; Arq.ª Alexandra Amorim; Universidade Lusíada do Porto; Arq.ª Paula Trigueiros; Dr.ª Ana Luísa Cruz e Enfermeira Conceição do Centro Hospitalar do Médio Ave;

Agradecimentos

vii Agradecimentos

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viii

Karen Egerer e Richard M. Johnson; Tio Nuno e Tia Vicky; Lieven De Couvreur; Luís, Raquel, Paula, Mani, Tia Milinha e Tio Serafim; Joana Mendes; Sérgio.

À Fundação para a Ciência e a Tecnologia que me concedeu a bolsa necessária para que conseguisse realizar esta investigação.

Aos meus orientadores, Professor Doutor Carlos Duarte e Professor Doutor Tessaleno Devezas, e ainda ao Professor Doutor José Bulas Cruz, que fizeram o melhor que puderam e souberam enquanto suportavam a minha teimosia.

À UNIDCOM que me permitiu apresentar o meu trabalho pelo mundo.

A la inabalable Carmen por el ejemplo, por el cariño, claridad de ideas y por compartir experiencias; y a Rafael por buena parte de mi bibliografía.

Aos cafés que foram muitas vezes o meu escritório: Aloé, Pétru’s e Café au

Lait.

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Índice

Índice Resumo i Abstract iii Agradecimentos vii Índice ix Lista de acrónimos xv Introdução 1 Estrutura da tese 13

Parte I – Contexto

Capítulo 1 – Deficiência, dependência e produtos de apoio 15

Modelos de deficiência 15

A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde 17

Dependência e qualidade de vida 18

Actividades da vida diária 21

Produtos de apoio e ajudas da vida diária 23

Sobre o uso e abandono de produtos de apoio 27

Capítulo 2 – Acidente vascular cerebral 35

Estatísticas AVC – Portugal e mundo 36

Fisiopatologia e etiologia do AVC 37

AVC isquémico 37 Trombose ceberal 39 Embolia cerebral 39 AVC hemorrágico 39 Hemorragia subaracnoideia 39 Hemorragia intracerebral 39 Sequelas 40 Traços psicológicos 44 Reabilitação 47

Avaliação de grau de dependência 48

Capítulo 3 – Reabilitação e deficiência 51

Modelos de selecção de produtos de apoio 51

Modelos de desenvolvimento de produtos de apoio 53

Barreiras ao desenvolvimento e inovação nos produtos de apoio 57

Capítulo 4 – Design e deficiência 65

Design e produtos de apoio 65

O estigma 70

Design Inclusivo 75

Capítulo 5 – Design, emoção e significado 81

O estudo das emoções 81

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Índice

Breve visão histórica das emoções 81

Emoções sob diferentes perspectivas 83

Métodos de aferição de emoções 84

Emoções básicas 85

O papel das emoções 87

Desencadeamento do processo emocional 90

Reacções a objectos 94

O interesse do design pelas emoções 98

Para a compreensão e construção do significado em design 103

Aplicação de teoria das emoções ao design 107

Metodologias para compreender os utilizadores 108

Metodologias para avaliar a resposta emocional dos utilizadore aos

produtos 109

Metodologias de desenvolvimento projectual 110

Simbioses entre design e emoção e design de produtos de apoio 112

Parte II – Recolha e análise tranversal de dados

Capítulo 6 – 101 vítimas de AVC 115

Desenvolvimento do questionário 115

Questionário sobre actividades da vida diária e uso de produtos de

apoio 116

Dados sócio demográficos e dados sobre AVC 117

Informação sobre produtos de apoio 117

Consentimento informado 117

Recrutamento de participantes 119

Procedimentos para as entrevistas 119

Caracterização da amostra 120

Resultados quantitativos 122

Apoio de terceiros 122

AVC e terapia 123

Grau de dependência 124

Conhecimento, posse e uso de produtos de apoio 126

Graus de capacidade na realização de 42 actividades da vida diária 128

Dados gerais 128

Actividades acrescentadas 130

Domínios e membros envolvidos 132

Tipos de ajuda utilizados 135

Actividades básicas da vida diária 137

Discussão de resultados quantitativos 138

Resultados qualitativos 141

Frases sobre produtos de apoio e realização de tarefas 141

Análise de entrevistas transcritas 143

Orgulho 144

Auto-consciência e aprendizagem 146

Reconhecimento 149

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Índice

Organização 151

Segurança 153

Emoções 154

Objectos 158

Discussão de resultados da análise qualitativa 159

Teoria das capacidades e transdisciplinaridade 162

Capítulo 7 – Avaliação de ajudas da vida diária 169

Desenvolvimento da grelha de avaliação 169

Escolha dos produtos de apoio para avaliação 173

Avaliação dos produtos de apoio 174

Resultados 174

Propriedades 174

Comportamento no uso 176

Vantagens e pontos críticos 177

Relação de propriedades com comportamento no uso 177

Conclusões 178

Instruções e embalagem 178

Suspensão e tira de pulso 181

Montagem e desmontagem 181

Pontos críticos 181

Vantagens 182

Desenvolvimento de directrizes para o design de produtos de apoio 183

Capítulo 8 – Invenções espontâneas 187

Tipologias 187

Novos objectos/objectos artesanais 188

Novos métodos 196

Affordances – novos usos 198

Descoberta do potencial de assistência 198

Análise complementar das invenções espontâneas 199

Discussão de resultados 200

Apropriação 203

Parte III – Processo experimental

Capítulo 9 – Contornar o estigma 209

O estigma e a percepção 209

Metodologia adoptada para o estudo do estigma 210

Comportamento do consumidor 210

Métodos 212

Critérios de selecção de produtos de apoio 214

Resultados 215

Conhecimento e vontade de posse 216

Objectos já possuídos e ordem de preferência 218

Preferência 218

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Índice

Público-alvo 222

Comparação dos resultados da análise às questões de resposta aberta com as hipóteses dadas na secção “Critérios de selecção de produtos de apoio”

225 Designers e a sua familiarização com o conceito de Design Inclusivo 226

Discussão 227

Conclusões 229

Capítulo 10 – Modelo de experiência emocional com produtos de

apoio 231

Revisão da literatura: resposta emocional dos utilizadores aos

produtos de apoio 231

Modelo de experiência emocional com produtos de apoio 236

Fase 1 – Reacção inicial (pré-uso) 236

Fase 1 – Métodos 242

Fase 2 – Consideração do comportamento a adoptar (pré-uso) 245

Fase 2 – Métodos 248

Fase 3 – Avaliação da experiência de uso com relação às expectativas

iniciais (durante o uso) 250

Fase 3 – Métodos 252

Fase 4 – Avaliação da experiência e futuras implicações (pós-uso) 254

Fase 4 – Métodos 255

Variáveis de intensidade 259

Discussão 260

Capítulo 11 – Comunicação e validação de resultados 263 Workshop 2009: “No princípio era o medo – Desenhar a independência” 263

Preparação do workshop 264

Primeiros resultados – Morfologia e emoção 265

Desenvolvimento projectual 266

Opiniões de uma vítima de AVC 267

Considerações finais sobre o workshop 269

Workshop 2010: “Inclusão de emoções” 271

Desenvolvimento do workshop 273

Opiniões dos alunos sobre o workshop 277

Discussão sobre os resultados do workshop 279

Capítulo 12 – Comunicação contextualizada – “Livro de Ideias” 283

Livro de ideias 283

Envolvimento da comunidade 289

Design de um sistema de comunicação 294

Parte IV – Conclusões e trabalho futuro

Capítulo 13 – Contributo do design para a engenharia de

reabilitação 301

Capítulo 14 – Conclusões gerais 307

Capítulo 15 – Trabalho futuro 313

(17)

Índice

Lista de publicações 317

Referências 319

Anexos

Anexo I – Breve história da deficiência 1

Anexo II – Breve história dos produtos de apoio 7

Anexo III – Breve história das ajudas da vida diária 11

Anexo IV – Formulário de base para as entrevistas 33

Anexo V – Relatórios das entrevistas 41

Anexo VI – Frases dos entrevistados relativas a emoções e

sentimentos 103

Anexo VII – Grelhas de avaliação de ajudas da vida diária 107 Anexo VIII – Questionário utilizado na experiência com catálogos

de produtos de apoio 143

Anexo IX – Referências usadas para análise no Capítulo 10 153

Anexo X – Questionário utilizado no workshop 2009 157

Anexo XI – Questionário utilizado no workshop 2010 158 Anexo XII – Quadro comparativo de regimes de distribuição de

produtos de apoio em diferentes países 161

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(19)

Lista de Acrónimos xv

Lista de acrónimos

AAVD Actividades Avançadas da Vida Diária ABVD Actividades Básicas da Vida Diária AIT Acidente Isquémico Transitório AOTL Actividades de Ócio e Tempos Livres AP Actividades Produtivas

AVC Acidente Vascular Cerebral AVD Actividades da Vida Diária

AIVD Actividades Instrumentais da Vida Diária

CC Catálogo de Cozinha

CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

CPA Catálogo de Produtos de Apoio

CRPG Centro de Reabilitação Profissional de Gaia

DALYs (Disability Adjusted Life Years) Soma de anos de potencial perda de vida devido a mortalidade prematura e os anos de perda de vida produtiva devido a incapacidades.

DGS Direcção-Geral de Saúde

DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais

IB Índice de Barthel

INR Instituto Nacional para a Reabilitação MDPP Medical Device Partnering Program OMS Organização Mundial de Saúde

PA Produto de Apoio

QDV Qualidade de Vida

SAD Serviço de Apoio Domiciliário

SNRIPD Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (actual INR)

SNS Sistema Nacional de Saúde

TO Terapia ocupacional

(20)
(21)

1

Introdução

Introdução Estas páginas tratam o desenvolvimento de produtos destinados ao uso por par-te de pessoas; fundamentalmenpar-te trataremos de produtos de uso individual e doméstico por parte de pessoas com deficiências e incapacidades. Como vere-mos adiante, o uso de produtos para “prevenir, compensar, monitorizar, aliviar ou neutralizar as incapacidades, limitações das actividades e restrições na parti-cipação” (ISO 9999, 2007; Organização Mundial de Saúde, 2004) poderá ser fun-damental na obtenção de qualidade de vida por parte de pessoas com deficiên-cias e incapacidades. Sabendo que várias das razões apontadas na literatura para o abandono ou rejeição destes tipos de produtos estão relacionadas com o sig-nificado que as pessoas extraem dos produtos, consideramos que uma perspec-tiva somente baseada numa abordagem de projecto funcional não será a mais indicada.

Embora partilhando raízes comuns no que respeita a metodologia de desen-volvimento de produtos, engenharia e design diferem, ao mesmo tempo que se complementam, na consideração de aspectos psicossociais dos utilizadores dos produtos. A primeira serve-se da aplicação da ciência e da matemática para a resolução de problemas, ao passo que o segundo se apresenta como uma for-ma de resolução de problefor-mas, for-mas que tem o poder de conciliar várias áreas do conhecimento:

“Scientists can invent technologies, manufacturers can make products, engineers can make them function and marketers can sell them, but only designers can combine insight into all these things and turn a concept into something that’s desira-ble, viadesira-ble, commercially successful and adds value to people’s lives.”1

(Design Council, n.d., p. 1)

O termo “design”, que tem uma das suas origens na palavra “desenho” (Côrte-Real & Reis, 2009), é utilizado na língua inglesa tanto como substantivo, como verbo. No último caso a palavra adquire o significado de planeamento. É neste sentido que vemos o termo empregue na literatura sobre engenharia quando se faz referência ao planeamento de uma sequência ou sistema de acções e decisões no desenvolvimento de um produto (Pahl & Wolfgang, 1996):

“What distinguishes engineers from painters, poets, or sculp-tors is that engineers apply their creative energies to produ-cing products or systems that meet human needs. This creati-ve act is called design.”2

(Khandani, 2005, p. 4)

1 Tradução livre: “Os

cien-tistas podem inventar tecnologias, os fabrican-tes podem manufacturar produtos, os engenheiros podem fazê-los funcionar e os marketeers podem vendê-los, mas somente os designers podem com-binar o conhecimento de todas estas coisas e trans-formar um conceito em algo que é desejável, viá-vel, comercialmente bem sucedido e que acres-centa valor às vidas das pessoas.”

2 Tradução livre: “O que

distingue engenheiros de pintores, poetas ou escul-tores é o facto de os enge-nheiros poderem aplicar as suas energias criativas para a produção de pro-dutos ou sistemas que atendam às necessidades humanas. Este acto criati-vo é chamado design.”

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2 Introdução

De facto, é cada vez mais frequente identificarmos ambos os termos juntos em livros ou em nomenclaturas de cursos de ensino superior, incluindo cursos que operam em Portugal (MIT Portugal, n.d.).

Como iremos ter ocasião de notar, esta tese circulará em torno destes dois termos – engenharia e design – numa análise crítica que tenderá a apontar van-tagens e desvanvan-tagens de cada um no desenvolvimento de produtos e soluções para pessoas com deficiências e incapacidades, tentando defender o argumento de que só através da consideração e junção de ambas as áreas do conhecimento se poderão traçar caminhos integrados e sustentáveis para o desenvolvimento.

Numa altura de grandes desigualdades e de preocupações à escala mundial com a crescente escassez de recursos, a questão do desenvolvimento sustentável e apropriado adquire grande relevância nesta tese. Por desenvolvimento susten-tável entendemos não só a correcta utilização de recursos energéticos ou mate-riais, mas também a correcta utilização de recursos humanos.

Esta combinação de modelos é uma tendência que se tem vindo a verificar em vários domínios, nomeadamente no que respeita ao estudo da deficiência. Como veremos também adiante, o próprio modelo médico em vigor durante várias décadas no estudo da deficiência, deu recentemente lugar à consideração de um modelo bio-psico-social, já que hoje em dia não mais se considera que a deficiên-cia deva ser alvo de cura, mas sim que, segundo alguns autores, a incapacidade pode ser resultado não da deficiência, mas das condições ambientais e sociais de um determinado contexto (CRPG & ISCTE, 2007; Harris & Enfield, 2003). É esta a visão que seguimos nesta tese e, como falamos de pessoas, temos como preo-cupação constante a consideração de todas as suas dimensões, incluindo os seus direitos (Organização das Nações Unidas, 1948). É por estas mesmas razões que esta tese adoptará preferencialmente o uso do termo “pessoa” em detrimento do termo “doente” ou “paciente” que estão intimamente ligados a um modelo médi-co da deficiência. Consideraremos fundamentalmente pessoas médi-com deficiências adquiridas e que, como tal, procuram de alguma forma o “retorno” a uma altura em que não tinham que lidar com limitações no corpo que actuam como impedi-tivos à realização das mais variadas tarefas quotidianas. Tentaremos analisar de que forma o design pode contribuir para este objectivo.

Segundo Herbert Simon (1996), o design é a “alteração de situações existen-tes em situações preferíveis” (p. 111). De facto, a descrição de Simon, por ser aquela com que mais nos identificamos na elaboração desta tese, vale a pena ser estendida:

“Everyone designs who devises courses of action aimed at changing existing situations into preferred ones. The intel-lectual activity that produces material artifacts is no diffe-rent fundamentally from the one that prescribes remedies for

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3 Introdução a sick patient or the one that devises a new sales plan for a company or a social welfare policy for a state. Design, so cons-trued, is the core of all professional training; it is the princi-pal mark that distinguishes the professions from the sciences. Schools of engineering, as well as schools of architecture, busi-ness, education, law, and medicine, are all centrally concerned with the process of design.”3

(Simon, 1996, p. 111)

O design é então aqui entendido não como um produto, mas como um pro-cesso. É neste sentido que nos debruçamos sobre o tema do design como capaz de aferir as condições existentes a partir de informação proveniente de diferen-tes áreas do conhecimento relacionadas com a pessoa e com o ambiente. Iremos, portanto, ver ao longo da tese a contribuição de diferentes áreas do conhecimen-to como a psicologia, a sociologia, a economia, a medicina ou o marketing com o objectivo de chegar a um maior entendimento de como o design, enquanto pla-neamento para um desenvolvimento favorável à pessoa humana, e associado à engenharia, poderá contribuir para um sistema integrado e sustentável capaz de responder e intervir nas vidas das pessoas de forma positiva, levando à criação de situações preferíveis.

Assim, um dos alvos de consideração desta investigação é o de que o desen-volvimento de produtos, quer por parte da engenharia, quer por parte do design, se tem concentrado na manufactura e produção de bens, descurando por vezes a totalidade da pessoa, levando a que se verifiquem desajustes entre o que é ofe-recido e a relação que se estabelece entre a pessoa e o produto. Analisaremos, então, também de forma crítica as tentativas que têm vindo a ser levadas a cabo de forma a contornar este desfasamento, com vista à identificação de possíveis caminhos futuros.

Portanto, o design enquanto planeamento será considerado nesta tese como operando em benefício das pessoas e do seu ambiente. Pelo que podemos aqui servir-nos da definição de investigação em design dada por Bruce Archer:

“Design research is systematic inquiry whose goal is know-ledge of, or in, the embodiment of configuration, composition, structure, purpose, value, and meaning in man-made things and systems.”4

(Archer, 1981, citado em Bayazit, 2004, p. 16)

Como dissemos antes, esta tese pretenderá reunir argumentos a favor da defe-sa da colaboração entre design e engenharia, mais especificamente entre design e engenharia de reabilitação. Se por um lado há a necessidade desde já de des-mistificar a ideia frequentemente imposta de que o design serve apenas como adereço de cariz estético, por outro lado convém notar que também a

engenha-3 Tradução livre: “Faz

design todo aquele que elabora cursos de acção destinados a alterar ações existentes em situ-ações preferíveis. A acti-vidade intelectual que produz artefactos mate-riais não é fundamental-mente diferente daque-la que prescreve remédios para pacientes doentes ou da que elabora novos pla-nos de vendas para uma empresa ou políticas de segurança social para um Estado. Design, assim interpretado, é o cerne de todo o treino profissional; é a marca principal que distingue as profissões das ciências. As escolas de engenharia, bem como as de arquitectura, gestão, educação, direito e medi-cina estão todas preocu-padas centralmente com o processo de design.”

4 Tradução livre:

“Investigação em design é averiguação sistemática cujo objectivo é o conhe-cimento de, ou sobre, a encarnação da configura-ção, composiconfigura-ção, estru-tura, propósito, valor e significado em coisas e sistemas criadas pelo Homem.”

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4 Introdução

ria de reabilitação se presta a interpretações erróneas. Isto é, embora seja por vezes associada somente à recuperação de funcionalidade, a engenharia de rea-bilitação foca-se também na promoção de oportunidades para a actividade e par-ticipação, i.e. um dos objectivos principais será a procura de soluções de supor-te à obsupor-tenção e manusupor-tenção de qualidade de vida para pessoas com deficiências e incapacidades (Godinho, 2010b).

De facto, o design tem vindo a ser associado à engenharia de reabilitação atra-vés do conceito de Design Inclusivo de que trataremos adiante e que para já pode-remos dizer que se trata de uma abordagem ao design que compreende a consi-deração do maior número possível de utilizadores, independentemente das suas capacidades, idade, estatura, cultura ou outros. Godinho (2010a) defende que a engenharia de reabilitação se centra em quatro domínios fundamentais: a fun-cionalidade humana, a tecnologia, a acessibilidade e a qualidade de vida. E, den-tro da sua definição de acessibilidade podemos encontrar a referência ao design de que falámos:

“Facilidade de acesso e de uso de ambientes, produtos e ser-viços por qualquer pessoa e em diferentes contextos. Envolve o Design Inclusivo, oferta de um leque variado de produtos e serviços que cubram as necessidades de diferentes popu-lações, adaptação, meios alternativos de informação, comu-nicação, mobilidade e manipulação, produtos e serviços de apoio/acessibilidade.”

(Godinho, 2010a, p. 28)

Como deverá tornar-se claro mais adiante, dentro do amplo domínio do design trataremos nesta tese o tema específico do design industrial e das suas possibi-lidades e limitações na procura de soluções para promover a qualidade de vida de pessoas com deficiências e incapacidades sob a forma de produtos ou artefac-tos. O termo “artefacto” usado aqui serve para especificar um tipo de produtos – produtos que existem como coisa material inventada pelo Homem; objectos. No entanto, e seguindo o raciocínio que fizemos antes sobre a consideração holística da pessoa e da sua existência e actuação dentro de um contexto específico, altu-ras haverá em que faremos incursões pelo design como planeador e criador de sistemas integrados, o que por vezes derivará necessariamente no design não só de artefactos, mas também de serviços.

E aqui reside uma das análises críticas à actividade industrial, e à do design em particular, até ao momento. Enquanto produtora de bens materiais duran-te os séculos XIX e XX, a indústria de bens de consumo – em particular o design industrial – redundou numa acumulação de objectos sem uma real estratégia de futuro que considere desde a pessoa na sua totalidade biológica, psicológica e social até à antevisão de implicações futuras deste modo de actuação.

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5 É por esta via que chegaremos a modelos de desenvolvimento humano que possam, de alguma forma, contribuir para o entendimento do que poderá ser o papel do design no futuro em termos de contribuição para a qualidade de vida das pessoas, actuando de forma integrada e sustentável e, segundo as palavras de Dilnot (comunicação pessoal, 6 de Outubro, 2011), fazendo-o “com delicadeza”. Segundo Max-Neef (1991), o modelo de acumulação vigente já não é viável por não ser sustentável. O autor argumenta que o ser humano se tem concentrado na produção de conhecimento ao invés da produção de entendimento. Segundo o autor, o modelo tradicional baseia-se na existência de disciplinas de conheci-mento que actuam em isolaconheci-mento e que, por essa razão, impedem que se produ-za um real entendimento dos fenómenos actuais na sua totalidade (Max-Neef, 1991). Diz que hoje em dia não mais existem problemas simples, já que ao pro-curar entender um fenómeno e ao propro-curar soluções para problemas existentes e suas consequências, é inevitável que para esse entendimento contribuam dife-rentes disciplinas. Mais ainda, o autor, numa argumentação bastante clara, defen-de que o conhecimento proveniente defen-de várias disciplinas e a sua simples acu-mulação não poderão em tempo algum levar ao desenvolvimento, mas tão só ao crescimento. E termina dizendo que esta situação não é sustentável porque num mundo de recursos finitos há necessariamente um limite ao crescimento. É des-ta forma que Max-Neef (1991) chega à noção de “entendimento” como sinóni-mo e única via para o desenvolvimento humano. Aqui chegado, o autor defen-de a adopção defen-de estratégias não interdisciplinares, não multidisciplinares, mas sim transdisciplinares. A transdisciplinaridade implica assim algo que atraves-sa, simultaneamente, todas as disciplinas do conhecimento e que está para além delas. Vai para além do confronto entre o conhecimento sobre uma mesma maté-ria provindo de diferentes disciplinas e assume que diferentes (e até à partida antagónicas) perspectivas sobre um mesmo assunto podem e devem coexistir.

O design industrial tem seguido precisamente o caminho cumulativo, como podemos ver em textos sobre a história desta actividade (Lucie-Smith, 1983). O caminho iniciou-se com a procura de soluções que fossem funcionais. Deste pon-to, e com grande contribuição da ergonomia e da área mais abrangente dos “fac-tores humanos” (do termo inglês human factors), o design, tendo já dominado a forma de produzir industrialmente bens funcionais, procurou a garantia da usa-bilidade. Nesta fase procura-se algo mais que o funcional, como o conforto de uti-lização dos produtos ou a facilidade de entendimento e uso. Uma vez considera-do que os considera-dois considera-domínios anteriores estavam já considera-dominaconsidera-dos e que eram factores inquestionáveis por parte dos consumidores (Jordan, 2000), o design procurou aquilo a que normalmente se entende por “valor acrescentado”. Considerando a diversidade humana, o design compreendeu que os produtos oferecidos aos con-sumidores poderiam responder às suas necessidades de diferentes gostos e à necessidade de construir uma imagem pública através dos objectos possuídos

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6

e tornados visíveis aos demais. Falamos, portanto, de significado dos produtos, ou aquilo a que Miller (2009), numa consideração de necessidades de identifica-ção social, chama de consumo conspícuo (i.e., “que se faz notar”). Este fenómeno é claramente visível na indústria automóvel, nomeadamente, em estudos sobre a antropomorfização de objectos por parte das pessoas, e, inclusivamente, à atri-buição de personalidades a estes objectos, patente no título sugestivo “I love my Jeep because it’s tough like me”5 (Govers & Mugge, 2004). No entanto, este valor acrescentado não foi somente encarado como “comunicação da minha persona-lidade, dos meus valores e do meu status aos demais”; foi também entendido sob o famoso conceito de prazer na experiência de uso de um produto, trazido à luz por Jordan (2000). Na experiência de uso de um produto estão envolvidos os sentidos e os processos cognitivos, pelo que, ao identificar esta possibilidade de interacção do corpo com os objectos, a área do design foi-se desenvolvendo no sentido de procurar as sensações mais prazenteiras ao corpo humano: a textu-ra agtextu-radável do veludo, a aparência nobre da madeitextu-ra, o som quente de uma por-ta do automóvel ao fechar, o cheiro a novo dos estofos em couro. Foi nespor-ta base que se desenvolveu o amplo campo de estudos dentro do design, conhecido como Design e Emoção.

No entanto, embora compreendendo que o design de produtos teria que con-siderar o corpo como forma de interacção e veículo de transmissão de significa-dos – passo que foi, portanto, além da funcionalidade e usabilidade –, a área foi-se defoi-senvolvendo num foi-sentido de objectivos de venda, eventualmente derivando na mesma acumulação de objectos e chegando ao ponto de não compreender e satisfazer as necessidades humanas, mas de criar necessidades.

“The great concern in North American culture with unble-mished skin surface, deodorized, youthful bodies, sexualized body shapes and gestures is part of a diffuse capitalist system of commercialized symbolic meanings, which, like all cultural systems, oriented the person to body and self experiences and to the priorities and expectations of the group. Indeed, throu-gh these embodied values social control is internalized and political ideology materializes as corporeal feelings and phy-siological needs. To understand how symptoms and illnesses have meaning, therefore, we first must understand normative conceptions of the body in relation to the self and the world.”6

(Kleinman, 1988, p. 13)

Por outras palavras, o campo do Design e Emoção aproximou-se mais do marketing e da publicidade, enquanto se distanciava cada vez mais da “alteração de situações existentes em situações preferíveis” (Simon, 1996, p. 111). Voltamos então ao mesmo problema: acumulação de conhecimento em vez de

entendimen-Introdução

5 Tradução livre: “Eu amo

o meu jipe porque ele é “rijo” como eu.”

6 Tradução livre: “A

gran-de preocupação na cultu-ra norte-americana com a superfície da pele, com os corpos desodoriza-dos e jovens, com gestos e formas do corpo sexua-lizadas é parte de um sis-tema capitalista difuso de comércio de significa-dos simbólicos que, como todos os sistemas cultu-rais, orienta a pessoa para experiências próprias e do corpo e para as priorida-des e expectativas do gru-po. De facto, a partir des-tes valores encarnados o controlo social é interio-rizado e a ideologia polí-tica é materializada como sentimentos corporais e necessidades fisiológicas. Para entender como é que os sintomas e as doenças têm significado temos, portanto, que primeiro entender as concepções normativas do corpo em relação ao “sentido de si” e do mundo.”

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7 to para o desenvolvimento humano.

Há ainda um outro ponto a acrescentar. Para qualquer pessoa que trabalhe com e para pessoas com deficiências e incapacidades torna-se claro que Jordan (2000) não estaria a considerar a situação de pessoas com deficiências e incapa-cidades quando afirmava que hoje em dia tanto a funcionalidade como a usabili-dade dos produtos são características tidas como expectáveis e, como tal, como dados adquiridos pelos utilizadores (Jordan fala de consumidores e não de uti-lizadores neste ponto), já que o ambiente construído continua a apresentar inú-meras barreiras a pessoas com deficiências, causando por isso incapacidades. Por outro lado, em muitos dos produtos em que as questões da funcionalidade e da usabilidade foram resolvidas, as questões psicossociais (ou, de forma mais reducionista, o prazer) continuam a ser uma barreira (ex: estigma).

Ao longo desta tese usaremos conceitos e avanços importantes advindos da área do Design e Emoção, mas tentaremos ao mesmo tempo decompor esta área e demonstrar que, no geral, é ainda demasiado limitada, por ser tão abrangen-te e abstracta, para que possa ser usada de uma forma eficienabrangen-te na procura de soluções para responder às necessidades de pessoas com deficiências e inca-pacidades e trabalhar no sentido de proporcionar melhor qualidade de vida. Notaremos, com efeito, que não só o termo Design e Emoção é demasiado vago para que seja usado de forma operacional, como o é também o termo “pessoas com deficiências e incapacidades”, pelo que tentaremos defender que, de forma a atingir um maior nível de eficiência e um entendimento aprofundado das ques-tões que rodeiam o “ter uma deficiência”, será mais proveitoso considerar gru-pos mais pequenos e, portanto, mais homogéneos. Como poderá parecer óbvio a qualquer pessoa não é o mesmo viver com uma deficiência inata ou viver com uma deficiência adquirida.

Já patente nas entrelinhas do raciocínio que fizemos até este ponto, a análise destes assuntos derivará em última instância na questão ética. Em nome de quê e de quem opera o design? Se definirmos, como temos vindo a fazer até ao momen-to, que o design deverá trabalhar em favor de pessoas e da sua qualidade de vida, chegaremos de novo a Max-Neef (1991), que, aproximando-se também das ideias defendidas por outros autores (Nussbaum, 2000; Sen, 2002, 2010) que se debru-çam sobre a Teoria das Capacidades, nos diz que o desenvolvimento humano é medido pelo aumento conseguido na qualidade de vida das pessoas e que o que determina a qualidade de vida das pessoas são as possibilidades de que dispõem para satisfazer as suas necessidades fundamentais.

No entanto, importa aqui antecipar que esta tese defenderá, apoiada quer em dados disponíveis na literatura, quer em dados encontrados na nossa própria investigação, que as necessidades humanas fundamentais não se prendem com o modelo tradicional e cumulativo que se inicia nas necessidades tangíveis e

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mina nas intangíveis. Sendo a necessidade de sobrevivência e subsistência fun-damental e aceite aqui como básica, a partir deste ponto em diante não defende-mos uma hierarquia de necessidades, mas uma matriz holística de necessidades tangíveis e intangíveis que operam ao mesmo nível e cuja prioridade poderá ser variável para a mesma pessoa de acordo com a sua condição. Isto é, a prioridade das várias necessidades é variável no tempo e no espaço.

Para o design, e para os profissionais, no geral, envolvidos no projecto de pro-dutos, isto trará implicações e responsabilidades óbvias, já que obrigará a um entendimento da pessoa e da sua condição e a variabilidade dessa mesma con-dição. São aqui, de novo, condições éticas que emergem sobre a postura e papel do projectista como profissional capaz de encontrar soluções para a melhoria da qualidade de vida e, consequentemente, para o desenvolvimento humano que não só favoreçam o desenvolvimento sustentável, como previnam implicações nefastas noutros lugares e tempos.

Depois de termos clarificado como são entendidos nesta tese os termos

enge-nharia, design e desenvolvimento, podemos agora entrar na forma como foi

leva-da a cabo esta investigação.

Consideramos como princípio que as emoções e os sentimentos são impor-tantes mecanismos de regulação da vida (Damásio, 2003). Além de ajudarem à tomada de decisões de nível complexo, são mecanismos que nos permitem defen-der de perigos ou ir na direcção de situações que se nos afiguram como favorá-veis não só à nossa preservação, como à procura de um estado melhor que o neu-tro, i.e. o bem-estar.

Ao longo de toda a nossa vida somos rodeados de uma série de objectos que nos permitem realizar as mais variadas actividades e perante os quais, necessa-riamente, respondemos de forma emotiva com maior ou menor intensidade.

O uso de determinados objectos torna-se particularmente importante e deli-cado numa fase avançada da vida na qual os indivíduos se confrontam com limi-tações funcionais. Neste caso, os objectos podem desempenhar um papel fun-damental de apoio à manutenção da independência e consequente obtenção de boa qualidade de vida. O mesmo é verdade não só para pessoas idosas, como para pessoas com deficiências e incapacidades. Assim, qualquer objecto que sir-va para compensar, aliviar ou fazer desaparecer uma incapacidade, limitação na actividade ou restrição na participação é entendido no contexto desta tese como um Produto de Apoio.

Esta investigação parte do pressuposto de que não é condição suficiente para o sucesso de um produto de apoio que seja funcional. O produto de apoio e o seu uso, para serem eficazes, implicam que haja uma boa resposta emocional por parte dos utilizadores, que se prende com as suas expectativas, necessidades e aspirações relativamente à sua identidade, aos seus gostos pessoais e à imagem

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9 que pretendem transmitir a terceiros.

Dada a variedade humana, é uma tarefa complicada tentar prever de que for-ma os utilizadores irão reagir aos produtos. Por esta razão propusemo-nos a estu-dar um grupo específico de utilizadores, a saber, vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC). A escolha deve-se, por um lado, à alta incidência de AVC, que é uma preocupação à escala global, adquirindo assim uma grande relevância, e, por outro lado, à necessidade de aferir e afirmar com mais segurança estas reacções emocionais, já que este grupo se afigurava como tendo um perfil psicológico mais homogéneo por comparação a outros grupos mais abrangentes e diversificados.

A investigação, que teve por base o contacto directo com vítimas de AVC e seus cuidadores, revelou características psicológicas comuns às vítimas de AVC, bem como um padrão de reacções aos produtos de apoio e à realização de actividades quotidianas, que, esperamos, permitirão prestar auxílio ao projecto de produtos de apoio para este grupo específico de utilizadores.

Assim, esta tese parte de estudos prévios nas áreas do design que consideram e integram o conhecimento sobre emoções e acrescenta conhecimentos que per-mitem completar os modelos hoje existentes de modo a que possam ser adopta-dos para o caso do desenvolvimento de produtos de apoio para vítimas de AVC.

No decorrer da investigação foram encontrados diversos exemplos de solu-ções espontâneas criadas pelos entrevistados, geradas a partir de necessida-des urgentes, falta de recursos económicos, falta de respostas específicas para os problemas verificados ou falta de informação adequada sobre produtos de apoio. A descoberta destas soluções levou a que a investigação se direccionasse também para o estudo de boas práticas em termos de metodologia projectual no projecto de produtos de apoio que tivessem em conta estas condições verifica-das. É desta forma que se chega à proposta de um modelo integrado de desenvol-vimento de produtos de apoio que inclua os utilizadores finais (vítimas de AVC e cuidadores) ao longo de todas as fases do desenvolvimento projectual e que con-sidere a adequação dos meios de distribuição dos produtos de apoio ao contex-to em que se dão.

O abandono, rejeição e parco uso de produtos de apoio são fenómenos que têm vindo a preocupar os profissionais na área dos cuidados de saúde, terapia ocu-pacional e engenharia de reabilitação. A este respeito foram propostos diversos modelos para permitir prever a aceitação e o uso de produtos de apoio por parte dos utilizadores, que englobam diversas variáveis como o conhecimento de pro-dutos de apoio disponíveis, a capacidade funcional do utilizador, a sua envolvente, a sua atitude perante o uso de produtos de apoio, o envolvimento dos utilizado-res no processo de selecção e as suas preocupações psicossociais, nomeadamen-te a aceitação de nomeadamen-terceiros e as aspirações e expectativas pessoais relativamennomeadamen-te a sentimentos de identidade e pertença. As limitações destes modelos

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se com o facto de não contemplarem o desenvolvimento de novos produtos, i.e. toda a análise poderá falhar se, no momento de escolha entre um ou outro tipo de produto de apoio, nenhum seja do agrado do futuro utilizador.

Pela parte do design, a questão da deficiência tem sido abordada sob dife-rentes perspectivas, que vão da preocupação com a funcionalidade, à usabilida-de e ergonomia dos produtos, passando pela preocupação com a eliminação do estigma acarretado pelo uso de produtos de apoio. Neste último caso o Design Inclusivo, como abordagem destinada a levar os produtos de apoio a um nível

mainstream ou os produtos mainstream a um nível de uso por parte do maior

número possível de pessoas, tem sido determinante na luta contra os significa-dos estigmatizantes que frequentemente são atribuísignifica-dos ao uso de produtos de apoio.

Porém, outras estratégias têm vindo a ser adoptadas em design relacionado com a deficiência, como a tentativa de ocultar os produtos de apoio ou, pelo con-trário, a afirmação do uso de um produto de apoio como um símbolo de capaci-dades supra-humanas ou de elementos de orgulho associados à moda e ao luxo.

A área do design que contempla o estudo das emoções entra aqui como veícu-lo para a atribuição de significados aos produtos de apoio e ao seu uso que espo-letem reacções emotivas positivas com o objectivo de oferecer experiências mais prazenteiras aos utilizadores.

No entanto, verificámos que havia lacunas em todas estas abordagens. A pri-meira deve-se à prática ainda escassa de equipas multidisciplinares no desenvol-vimento de produtos de apoio que integrem designers, terapeutas ocupacionais, psicólogos, engenheiros de reabilitação e outros profissionais. A segunda lacuna é a falta de métodos específicos de suporte ao design para o espoletar de emo-ções positivas que estejam especificamente adaptados à aplicação de desenvolvi-mento de produtos de apoio para diferentes tipologias de utilizadores.

Até ao momento existem estudos pontuais concentrados na população idosa por um todo, crianças e pessoas com deficiências e incapacidades. A variedade humana é grande, mas entendemos que o estudo mais aprofundado de determi-nados grupos mais restritos possa ser benéfico e resultar numa série de orien-tações que, num processo cumulativo de consequentes estudos semelhantes em diversos grupos, possa culminar numa abordagem global às necessidades dos diversos utilizadores.

Foi na tentativa de iniciar este processo que esta investigação se desenvol-veu, concentrando-se no estudo de vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Traços distintivos como os frequentes estados de depressão e ansiedade, bem como semelhantes perspectivas de reabilitação e reintegração social, permitiram afirmar com mais segurança possíveis caminhos a adoptar no projecto de produ-tos de apoio para este grupo específico de pessoas, de modo a combater o

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11 ma e a promover o uso deste tipo de produtos.

Se inicialmente estava previsto que este trabalho de investigação se centrasse somente na resposta emocional de vítimas de AVC aos produtos de apoio, rapi-damente se percebeu, no decurso da recolha de dados junto de vítimas de AVC, que havia necessidade de integrar os estudos sobre a resposta emocional com os factores que estão na origem do parco uso, rejeição e abandono de produtos de apoio.

No nosso entender, não seria frutífero procurar soluções que permitissem criar produtos de apoio mais apelativos se os futuros utilizadores não tivessem acesso a estes produtos, quer por falta de informação, quer por falta de recursos económicos. Além destes factores, a fase inicial de recolha de dados mostra tam-bém que, além do aspecto estético, há questões de má adequação dos produtos de apoio actualmente existentes no mercado às necessidades e restrições fun-cionais de vítimas de AVC. No mesmo sentido que o raciocínio anterior, não nos pareceu que fizesse sentido buscar soluções para produtos de apoio mais apela-tivos se esses produtos não pudessem depois ser utilizados por vítimas de AVC.

Assim, e ainda que centrada na questão emocional, esta investigação apresen-ta diferentes linhas de acção para abordar as questões de funcionalidade, custo e informação. É por esta razão que a estrutura da tese não apresenta uma sequên-cia linear, mas antes uma série de abordagens paralelas que são discutidas com o objectivo de propor um modelo integrado que abranja todos os factores mencio-nados acima como originadores do parco uso de produtos de apoio.

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13 Estrutura da Tese Parte I - Corresponde ao estado da arte nos temas abordados durante a investiga-ção, compreendendo: a revisão bibliográfica sobre o AVC, sua definição e seque-las; as emoções; o estudo das emoções aplicado ao design; e a descrição e refle-xão crítica da actividade do design relacionado com a deficiência, bem como de modelos existentes no âmbito da engenharia de reabilitação para a selecção de produtos de apoio.

Parte II - Apresenta as metodologias usadas, descrevendo e analisando depois os resultados obtidos na recolha de dados junto de vítimas de AVC sobre o contex-to em que vivem e o seu uso de producontex-tos de apoio. Esta primeira parte serve de suporte à defesa de um modelo transdisciplinar. Segue-se e a recolha e análise de dados sobre produtos de apoio actualmente existentes no mercado e sua ade-quação ao uso por parte de vítimas de AVC que leva à criação de directrizes para o desenvolvimento de produtos de apoio. Esta parte termina com uma análise a “invenções espontâneas” criadas pelos participantes e seus cuidadores, levando a uma reflexão sobre a importância do conceito de “apropriação”.

Parte III - Descreve o processo experimental seguido na investigação do fenó-meno do estigma relacionado com os produtos de apoio, na investigação do pro-cesso de experiência emocional com produtos de apoio por parte de vítimas de AVC, na procura da validação das directrizes para o desenvolvimento de produ-tos de apoio e na busca de um modelo complementar ao actual sistema nacional de atribuição e financiamento de produtos de apoio, que tem por objectivo pro-por uma solução alternativa que combata os actuais problemas de falta de aces-so aos produtos de apoio.

Parte IV - Discute o cruzamento de dados obtidos na revisão da literatura, na recolha e análise transversal de dados e no processo experimental, apresentan-do os argumentos que levam a defender o contributo apresentan-do design para a engenha-ria de reabilitação. Seguem-se as conclusões finais que apontam para a defesa de uma abordagem transdisciplinar no combate ao parco uso de produtos de apoio, sugerindo-se linhas de acção para o efeito. Finalmente, são discutidas linhas de acção que poderiam ser alvo de investigação futura.

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Capítulo 1

Deficiência, Dependência e Produtos de Apoio

A ideia da associação da presença de uma deficiência a um estado de dependência, juntamente com a evolução dos modelos de deficiência ao longo do tempo são abor-dadas neste capítulo, onde é também inserido o tema dos Produtos de Apoio como resposta possível no combate à dependência e à promoção da qualidade de vida. O capítulo apresenta um esclarecimento de conceitos introduzidos na última versão da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, dos quais decorrem algumas considerações sobre o tema da dependência e da qualidade de vida particularmente associados a vítimas de Acidente Vascular Cerebral. Final-mente discutem-se dados da literatura sobre os motivos que estão na base da acei-tação ou rejeição de produtos de apoio.

Modelos de deficiência

O conceito de deficiência e a forma como as pessoas com deficiências e incapaci-dades são encaradas pela sociedade foram mudando ao longo dos tempos, ape-sar de que grande parte da história da deficiência a relata como carregando um valor negativo7.

No geral, há quatro modelos de deficiência que coexistem actualmente na sociedade: modelo caritativo, modelo médico, modelo social e modelo basea-do em direitos. As organizações que trabalham para a promoção basea-dos direitos e inclusão das pessoas com deficiências e incapacidades hoje em dia defendem a adopção dos dois últimos. O modelo caritativo toma as pessoas com deficiên-cias e incapacidades como alvo de pena, como pessoas que não podem levar uma vida independente e que, por isso mesmo, precisam de ajuda externa e cuidados especiais. Esta posição pode até ser sentida pelas próprias pessoas com deficiên-cias e incapacidades que se sentem inferiores (Harris & Enfield, 2003). O mode-lo médico vê a deficiência como um problema a ser tratado, centra-o no indiví-duo e a pessoa passa a ser definida pelo seu diagnóstico. Se não houver cura para a deficiência, esta passa a ser vista como um acontecimento trágico. De qual-quer forma, estas pessoas são sempre agrupadas como necessitando de cuidados diferentes e especiais (Harris & Enfield, 2003). Considerando os dois modelos anteriores como demasiado severos e como propensos a fazer com que as pesso-as com deficiêncipesso-as e incapacidades se sintam segregadpesso-as, pesso-as organizações que trabalham com e para pessoas com deficiências e incapacidades aceitam e pro-movem o modelo social como mais adequado. Segundo este modelo, o problema não está no indivíduo, mas sim na forma como a sociedade o trata. Assim, ainda que não seja possível curar muitas das deficiências existentes, é possível adaptar os ambientes físicos e trabalhar com a sociedade de forma a não haver precon-ceitos, levando à inclusão das pessoas com deficiências e incapacidades na

socie-Deficiência, Dependência e Produtos de Apoio

7 Uma breve história da

deficiência pode ser con-sultada no Anexo I.

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dade e tratando-as como qualquer pessoa com as necessidades normais de vida, amor, educação, emprego, poder de escolha e acesso a todos os serviços (Harris & Enfield, 2003). Finalmente, o modelo baseado em direitos é semelhante ao modelo social, mas centra-se sobretudo nas atitudes da sociedade e no cumpri-mento dos direitos humanos. Os dois conceitos fundamentais deste modelo são o empowerment, que significa “capacitação” de acção da pessoa com deficiências e incapacidades e a responsabilidade, baseada na prestação de contas por parte das instituições públicas acerca do cumprimento dos direitos humanos e igualda-de igualda-de oportunidaigualda-des. Chegamos assim ao moigualda-delo bio-psico-social, criado a partir de Engel (1978) e adoptado pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que tenta abarcar as abordagens biológica, indivi-dual e social da deficiência (Organização Mundial de Saúde, 2004). Este modelo surge em resposta a críticas ao modelo médico e ao excessivamente rígido mode-lo social, adoptando a noção de que a abordagem à deficiência deverá ser fei-ta através da compreensão dos sistemas biológico, psicológico e social e da sua inter-relação (CRPG & ISCTE, 2007). Assim, esta inter-relação supõe que cada sistema poderá ser afectado por qualquer um dos outros e que por isso a abor-dagem deverá ser “sistémica e interdisciplinar na interpretação do funcionamen-to humano” (CRPG & ISCTE, 2007, p. 35). A aplicação prática deste modelo bio-psico-social levará a que o trabalho de reabilitação da pessoa com deficiências e incapacidades vá além do trabalho individual e se estenda num trabalho com a comunidade no sentido da inserção (CRPG & ISCTE, 2007).

No entanto, apesar dos avanços feitos na interpretação da deficiência e nas tentativas de cumprimento dos direitos das pessoas com deficiências e incapa-cidades, continuam a fazer-se sentir muitas diferenças de tratamento e a estig-matização é uma realidade. O trabalho é uma das áreas onde se verificam mais exclusões e desigualdades que se podem constatar através dos números de desem-pregados com deficiências (CRPG & ISCTE, 2007). Mesmo quando pessoas com deficiências e incapacidades estão incluídas no mundo do trabalho, observa-se que os valores para este grupo de pessoas são muito altos em relação a salários mais baixos, emprego não qualificado e trabalho sem remuneração. Outro aspec-to de sub-representação das pessoas com deficiências e incapacidades é a esco-laridade, verificando-se que a taxa de participação de pessoas com deficiências e incapacidades é muito baixa, mesmo no ensino obrigatório. Segundo a publica-ção do CRPG e ISCTE (2007) que temos vindo a citar, aliada a estes dois proble-mas está a falta de representação e participação activa de pessoas com deficiên-cias e incapacidades em termos sociais e políticos, fazendo com que não tomem lugar nas decisões que lhes dizem respeito. Só uma abordagem integrada poderá ser adoptada de forma sistémica e proveitosa no sentido de combater a estigma-tização e a desigualdade que ainda hoje se fazem sentir.

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17 Deficiência, Dependência e Produtos de Apoio

A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e

Saúde

A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) é um sistema de classificação criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliar e medir a saúde e a incapacidade de maneira a que a linguagem, termos e medidas sejam utilizados de uma forma universal. Esta classificação, segundo a OMS, pode ser utilizada por profissionais de várias áreas e países diferentes, ten-do siten-do por isso “aceite pelas Nações Unidas como uma das suas classificações sociais, considerando-a como o quadro de referência apropriado para a definição de legislações internacionais sobre os direitos humanos, bem como, de legisla-ção nacional” (Instituto Nacional para a Reabilitalegisla-ção, 2009c). A CIF foi precedida pela Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (ICIDH), de 1980, alvo de muitas críticas, dadas as desadequações aos conceitos então vigentes sobre a deficiência, centrando o foco na pessoa e não na socieda-de como começava a ser aceite na comunidasocieda-de científica e conotando a socieda- deficiên-cia com valores negativos.

Hoje em dia, a versão mais recente da CIF apresenta variações em relação ao documento original de 1980 e pode ser consultada na versão Portuguesa de 2004 (Organização Mundial de Saúde, 2004). A CIF está organizada em dois grandes grupos: componentes da funcionalidade e da incapacidade e componentes dos

fac-tores contextuais. Todos os termos utilizados têm definições precisas dadas pela

CIF, alguns dos quais transcrevemos no Quadro 1.1.

Entende-se assim que a presença de uma deficiência por si só não é sinónimo de que haja limitações de actividade ou restrições na participação de um indiví-duo. Já a funcionalidade irá determinar as actividades e participação. A impor-tância destes conceitos presentes na CIF centra-se na aceitação dos

pressupos-Deficiências: Problemas nas funções ou nas estruturas do corpo, tais como, um desvio importante ou uma perda;

Funções do corpo: Funções fisiológicas dos sistemas orgânicos (incluindo as funções psicológicas);

Estruturas do corpo: As partes anatómicas do corpo, tais como, órgãos, membros e seus componentes;

Funcionalidade: Termo que engloba todas as funções do corpo, actividades e participação;

Actividade: Execução de uma tarefa ou acção por um indivíduo; Participação: Envolvimento de um indivíduo numa situação da vida real;

Incapacidade: Termo que inclui deficiências, limitação de actividades ou restrição na participação;

Limitações de

actividade: Dificuldades que um indivíduo pode ter na execução das actividades; Restrições na

participação: Problemas que um indivíduo pode enfrentar quando está envolvido em situações da vida real; Factores ambientais: Constituem o ambiente físico, social e atitudinal em que as

pessoas vivem e conduzem a vida.

Quadro 1.1 Definições da

CIF (Organização Mundial de Saúde, 2004, pp. 7, 13)

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18 Deficiência, Dependência e Produtos de Apoio

tos actuais de que as limitações de actividade e restrições na participação são causa não do indivíduo, mas da sociedade. Como vimos antes, estes conceitos representam a implementação de um modelo bio-psico-social da deficiência (Organização Mundial de Saúde, 2004) por oposição a antigos modelos conside-rados hoje desadequados.

A CIF adquire também relevância na nossa investigação por definir uma lista de actividades e participação que, como se verá, abordaremos diversas vezes ao longo de todo o processo. São nove os itens desta lista: aprendizagem e aplicação

dos conhecimentos, tarefas e exigências gerais, comunicação, mobilidade, auto-cui-dados, vida doméstica, interacções e relacionamentos interpessoais, principais áre-as da vida e vida comunitária, social e cívica. A avaliação de cada um destes itens

é feita de acordo com o desempenho e a capacidade, sendo que o desempenho abarca também a consideração de factores ambientais que actuem como facili-tadores ou barreiras. Esta é, portanto, uma avaliação que considera um contexto específico e que, por isso, deve avaliar não só as barreiras ou facilitadores físicos, mas também o meio social e a própria experiência da pessoa. Outro dos aspec-tos fundamentais da CIF para a nossa investigação é o facto deste modelo de ava-liação de desempenho e capacidade permitir considerar a possibilidade de reali-zação de actividades com recurso a produtos de apoio. A CIF considera também que esta possibilidade leva a que possam ser comparados os níveis de desempe-nho e capacidade com e sem o uso de produtos de apoio.

A CIF, baseada neste modelo bio-psico-social, tem também como objectivo futuro a articulação com o conceito de qualidade de vida, de que trataremos em seguida.

Dependência e qualidade de vida

Segundo Oliver (1989), o conceito de dependência como é entendido no senso comum não é adequado à realidade. O preconceito de que as pessoas com defi-ciência são as únicas dependentes de terceiros não é rigoroso, uma vez que a sociedade pós-industrial é constituída por uma rede de interdependência mútua (Oliver, 1989). A dependência de uma pessoa com incapacidades não é diferen-te da dependência que todos têm, o que varia é, sim, o grau (Oliver, 1989). Oliver (1989) defende que a dependência é criada por uma variedade de causas econó-micas, políticas, profissionais e outras forças.

Na lei portuguesa (Portugal, 1989), caracteriza-se no Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º29/89 de 23 de Janeiro a situação de dependência para fins de assistência a Terceira Pessoa da seguinte forma:

1 - Encontram-se em situação de dependência os deficien-tes que, por causas exclusivamente imputáveis à deficiência, não possam praticar com autonomia os actos indispensáveis à

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19 Deficiência, Dependência e Produtos de Apoio satisfação das necessidades humanas básicas.

2 - Integra o disposto na parte final do número anterior a impossibilidade de executar, sem o apoio de terceiro, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, uso das instalações sanitárias, alimentação, vestuário e locomoção.

(Ministério do Emprego e da Segurança Social, 1989, p. 303)

Dadas as sequelas comuns da doença e a existência de patologias anteriores à ocorrência do acidente (Azeredo & Matos, 2003; Dallas, Rone-Adams, Echternach, Brass, & Bravata, 2008), as vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC) estão fre-quentemente nas condições descritas pela lei. Os dados da literatura a este res-peito mostram que uma grande percentagem de vítimas de AVC fica com algum grau de dependência findo o período de reabilitação (Azeredo & Matos, 2003; National Stroke Foundation, 2005; Steultjens, et al., 2003; Wade, 1992).

A dependência de terceiros influencia negativamente a qualidade de vida (QDV) das vítimas de AVC (Gosman-Hedström & Blomstrand, 2003). Segundo DeJong e Branch (1982), a variância na capacidade de uma vítima de AVC em viver uma vida independente pode ser explicada pelo estado civil, idade, resul-tado no Índice de Barthel (IB) (escala de avaliação de grau de dependência - ver Capítulo 2, secção “Avaliação de grau de dependência”), problemas na comunica-ção e habilidade em entrar num veículo motorizado (DeJong & Branch, 1982), sen-do que pessoas não casadas, de idade avançada e com baixos resultasen-dos nos itens descritos acima tendem a ter uma vida mais dependente. Segundo Alaszewski e colaboradores (2003) os impactos do AVC na QDV podem ser agrupados em três categorias: físicos, psicológicos e sociais. Dentro dos impactos físicos as dificul-dades motoras são as mais preponderantes e as mais visíveis, fazendo com que as pessoas conscientes destas dificuldades se passem a ver como pessoas com deficiência. Esta alteração leva a que se estabeleça um forte sentimento de perda e faz-se normalmente acompanhar por um estado de fadiga que força as pesso-as a abrandarem o seu ritmo de vida e de execução dpesso-as tarefpesso-as diáripesso-as, causando sentimentos de frustração. Os impactos psicológicos relacionam-se com o senti-mento de descontinuidade antes e após o AVC, com a incerteza acerca do futu-ro, falta de confiança e sentimentos generalizados de medo. Em termos sociais, os impactos fazem-se sentir nas relações com a família e nas dificuldades finan-ceiras trazidas pelo AVC, no revés de papéis desempenhados (sendo que a vítima de AVC passa de cuidador a alvo de cuidados por parte, sobretudo, do cônjuge ou dos filhos) e nas relações sociais. Frequentemente as vítimas de AVC sentem que as suas relações sociais foram afectadas negativamente pelo AVC, nomeadamen-te pelas dificuldades motoras que as impedem de ir ao encontro de outras pes-soas, levando ao seu isolamento social. O impacto das relações sociais na QDV é

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Figura 1.1  Pirâmide  da Qualidade de Vida  (Schalock, 2000, citado  em CRPG & ISCTE, 2007,  p
Figura 1.2  Representação  de classes, subclasses e  divisões dos produtos de  apoio. Classe 04 Produtos de apoio para tratamento clínico individual Subclasse 04 03 Auxiliares de  terapêutica  respiratória Divisão 04 03 09 Nebulizadores
Gráfico 2.1  Percentagem  de mortes por AVC por  país – Dados da OMS  (2008).
Figura 5.1  Cadeia de  eventos numa emoção,  segundo Plutchik (1982,  p. 543).
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Referências

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