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Modelos de desenvolvimento de produtos de apoio

Dentro da área de estudo da deficiência e reabilitação, mais particularmente na engenharia de reabilitação, há modelos que foram criados para auxiliar o pro- cesso de desenvolvimento de novos PA. Embora sejam bastante diversificados, os métodos existentes de apoio ao design poderão, exactamente pela sua quan- tidade, tornar-se confusos na altura de projectar produtos que tenham em con- ta pessoas com deficiências e incapacidades. Desenvolver produtos que inclu- am pessoas com deficiências e incapacidades pode ser um grande desafio pela diversidade de situações existentes, pelos diferentes contextos, pela dificuldade em obter uma amostra representativa de pessoas, pela possível dificuldade em levar a cabo procedimentos de recolha de dados (que se pode dever, por exem- plo, a dificuldades na comunicação ou até a requisitos de ordem ética, como a confirmação do consentimento em participar na recolha de dados), entre outros (Gauffin & Lundman, 2004; Nicolle, 1999; Sandberg, Jensen, Flo, Baldursdottir, & Hurnasti, 2001). Da análise de tarefas ao teste com os utilizadores, passando por entrevistas, observação ou discussões em grupo, são muitos os métodos que os projectistas têm à sua escolha.

Dos modelos criados para lidar com estas barreiras, um dos mais conhecidos é o USERfit (Poulson, Ashby, & Richardson, 1996). A motivação para o USERfit

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nasceu do reconhecimento dos desafios existentes ao projecto de produtos para, e com, pessoas com deficiências e incapacidades e da dificuldade em seleccionar os procedimentos apropriados. Para isso, o modelo foi concebido como um con- junto modular onde há ferramentas que guiam os projectistas desde a análise de requisitos e recolha de informação inicial até à fase de teste e avaliação de usa- bilidade. É feita uma descrição das metodologias e das possíveis ferramentas e técnicas que podem ser usadas, apresentando modelos pré-formatados para que seja somente requerido aos utilizadores do USERfit que sigam os procedimen- tos recomendados através do preenchimento dos campos em branco. Por estar estruturado desta forma, o USERfit permite que os utilizadores do manual selec- cionem em consciência as ferramentas e técnicas a utilizar e, por ser desenha- do de modo a que toda a informação reunida esteja compartimentada, permite um maior controlo sobre o processo. Para além destas técnicas e ferramentas, o manual possui ainda diversas descrições de tipos de deficiência e implicações da deficiência e do envelhecimento humano no design de produtos, apresentando nove directrizes gerais a ter em conta no momento de projectar as soluções pro- priamente ditas (Poulson, et al., 1996):

1 - Manter as tarefas simples;

2 - Providenciar consistência na operação; 3 - Providenciar pistas para a operação; 4 - Providenciar feedback da operação; 5 - Providenciar correcção de erros;

6 - Reduzir a complexidade de todas as operações; 7 - Providenciar interfaces ajustáveis;

8 - Projectar para uma resposta lenta do utilizador; 9 - Evitar disposições desordenadas.

Por estar baseado num suporte impresso, tornava-se complicado não só gerir todo o processo, como o próprio manual, que é extenso, e a troca de informa- ções com diferentes participantes no mesmo projecto. Foi assim criado mais tar- de o USERfit Tool, um programa informático (que pode ser descarregado livre- mente da internet) onde podem ser preenchidos os vários campos de cada fase do manual e que permite uma troca mais fácil de informação de projecto entre os diversos participantes (Carbonell, et al., 2003).

Uma outra iniciativa de sucesso na tentativa de melhor adequar os procedi- mentos dos projectistas às necessidades dos utilizadores finais foi o projecto FORTUNE (Bühler, 1998, 2001). Nesta iniciativa não foram criados novos méto- dos para o desenvolvimento de produtos, mas antes uma plataforma de troca de informações. Pretendia-se fomentar a participação activa dos utilizadores com deficiências e incapacidades, a troca de informação entre os diferentes parceiros

55 Reabilitação e Deficiência europeus e o treino de competências de modo a fomentar a investigação e desen- volvimento na área dos produtos de apoio. Para fomentar e optimizar a partici- pação dos utilizadores, o projecto FORTUNE avançou sete princípios (Hersh & Johnson, 2003, p. 301):

1 – Usar a parceria como base;

2 – Utilizadores como membros ou representantes de organizações;

3 – Utilizadores devem receber honorários na base dos restantes participan- tes do projecto;

4 – Garantir a acessibilidade a todo o material e premissas;

5 – Garantir confidencialidade, respeito e especialização a todos os participantes;

6 – Plano de projecto detalhado, incluindo planeamento de tempo e recursos para a participação dos utilizadores;

7 – Parceria implementada desde o início do projecto.

Contudo, como observado por Nicolle (1999), o recurso a utilizadores que representem organizações pode apresentar uma desvantagem se estes represen- tantes se retraírem na manifestação de opiniões, experiências e preferências por não terem a certeza de que estas sejam pessoais ou comuns a todos os utilizado- res que a pessoa representa.

Os projectos USERfit e FORTUNE têm em comum o facto de tentarem promo- ver a participação activa de pessoas com deficiências e incapacidades no desen- volvimento de soluções de que lhes poderão ser úteis.

Em 2001, o Nordic Development Centre for Rehabilitation Technology levou a cabo um estudo nos países nórdicos para avaliar o grau de participação dos uti- lizadores finais em projectos de produtos de apoio, identificar barreiras a esta abordagem participativa e apontar directrizes para melhorar e fomentar esta participação no futuro. Este projecto ficou conhecido como o USDAT (Sandberg, et al., 2001). Entre as principais barreiras detectadas neste estudo estão aquelas relacionadas com as pequenas empresas no desenvolvimento de PA. Além das dificuldades em entrar em contacto com uma amostra significativa e com repre- sentantes de grupos de pessoas com deficiências, há barreiras de ordem econó- mica, nomeadamente para a realização de estudos de mercado e testes de usa- bilidade com protótipos. As dificuldades de contacto com pessoas externas às empresas estendem-se a profissionais especializados que possam acompanhar e aconselhar o desenvolvimento projectual. Acresce o problema de muitas empre- sas não possuírem nem aplicarem métodos de design centrado no utilizador, sen- do por vezes desconhecedores destas metodologias e dos seus benefícios. Por vezes o parco contacto com os utilizadores deve-se às concepções das próprias empresas de que este contacto com os utilizadores reais não é necessário, bas-

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9 Tradução livre: “Nada

sobre nós sem nós”.

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tando os conhecimentos dos profissionais que integram as empresas para desen- volver os produtos. Outra das barreiras é a legislação que envolve o desenvolvi- mento de PA e os procedimentos para a aquisição destes produtos por parte dos centros de atribuição e financiamento de PA (Sandberg, et al., 2001).

Para fazer face às barreiras detectadas, o relatório do Nordic Development

Centre for Rehabilitation Technology traçou uma lista de cinco recomendações

(Sandberg, et al., 2001):

- Divulgação de informação junto de designers, directores de empresas, utili- zadores, entre outros, sobre as suas áreas específicas de interesse;

- Provisão de diferentes programas de treino para os diferentes profissio- nais envolvidos no processo de desenvolvimento de PA e treino específico em design centrado no utilizador;

- Apoio económico e profissional a pequenas empresas que possa, entre outras coisas, compreender a ajuda ao acesso directo a profissionais e utilizadores; - Fomentação da adopção de práticas de métodos centrados no utilizador pela criação de legislação que estabeleça critérios de acessibilidade para os servi- ços e PA;

- Desenvolvimento de modelos de design centrado no utilizador adaptados às necessidades de pequenas empresas.

Como podemos inferir pelas breves descrições feitas acima, o conceito de design centrado no utilizador, que implica a participação activa dos utilizado- res finais em todo o processo de design, tem vindo a adquirir cada vez maior importância, sendo reconhecido por diferentes empresas e organismos públi- cos de diferentes países como a metodologia mais apropriada a seguir no desen- volvimento de PA (ATcare, 2009; Hersh & Johnson, 2003; Sandberg, et al., 2001; Walker, 2008). Esta participação activa, aliás, não se aplica somente ao projecto de PA, mas a qualquer iniciativa, incluindo planeamentos legais, que se aplique a pessoas com deficiências e incapacidades. Este facto pode ser ilustrado com o famoso slogan “Nothing about us without us”9, adoptado em grande escala pelos movimentos activistas pelos direitos de pessoas com deficiências e incapacida- des dos anos 90 nos E.U.A. (Charlton, 2000).

No entanto, como identificado pelo USDAT (Sandberg, et al., 2001), o envol- vimento dos utilizadores requer alguma preparação e o conhecimento de meto- dologias apropriadas. Este envolvimento deverá compreender também certas directrizes para como abordar e lidar com os utilizadores. A partir de um estudo levado a cabo na Suécia com investigadores da área de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) que aplicam metodologias de design centrado no utilizador com pessoas com deficiências e incapacidades, Gauffin e Lundman (2004) com- pilaram as sugestões de 155 investigadores. A lista de sugestões é a que se segue (Gauffin & Lundman, 2004):

57 Reabilitação e Deficiência - Fazer com que o encontro seja baseado em respeito;

- Prestar atenção ao indivíduo;

- Tratar o utilizador como um especialista; - Ter mente aberta;

- Fazer preparações cuidadosas; - Adaptar-se à situação;

- Ser claro;

- Tirar proveito da presença de pessoas significativas para o utilizador (signi-

ficant others);

- Planear e dedicar durações prolongadas de tempo.

Uma das técnicas que tem vindo a ser adoptada e defendida por diferentes autores é a da colaboração com os chamados Lead Users (utilizadores pioneiros) (Hannukainen & Hölttä-Otto, 2006; Jacobson & Pirinen, 2007). Nesta perspecti- va considera-se que há utilizadores mais envolvidos e mais pró-activos no que se refere ao uso de PA e à sua adaptação às deficiências e incapacidades. Esta técni- ca defende o aproveitamento das características deste tipo de utilizadores de PA, que podem dar azo não só à identificação de necessidades, como ao surgimento de produtos e abordagens ao design de PA verdadeiramente inovadores.

Outras das técnicas que partem dos pressupostos do participatory design, mas que vão além dele são as usadas nos Living Labs (European Network of Living Labs, n.d.). Os Living Labs (literalmente “laboratórios vivos”) são espaços onde se fomenta o contacto próximo com os utilizadores e o envolvimento dos inves- tigadores nos contextos em que vivem e operam os utilizadores, o que resulta em processos de co-criação. Pretende-se dar mais poder aos utilizadores e atin- gir melhores resultados em termos de inovação e novos produtos adequados às necessidades dos utilizadores. Os Living Labs apoiados pela Comissão Europeia integram a European Network of Living Labs (ENoLL) e somam já um total de 212 membros na rede (dos quais 13 são portugueses), através da qual se pretende permitir a partilha de conhecimentos e de serviços.