• Nenhum resultado encontrado

Avaliação dos produtos de apoio

Dadas as descrições pormenorizadas que fizemos para cada item de avaliação, as várias grelhas de avaliação preenchidas na íntegra para cada produto avaliado estão disponíveis para consulta no Anexo VII. O que se segue são as conclusões retiradas das diferentes avaliações feitas.

Resultados

A análise à avaliação das ajudas da vida diária foi feita com base em três gran- des grupos: resultados em termos de propriedades dos produtos, resultados em termos de comportamento no uso e resultados em termos de pontos críticos e vantagens encontrados.

Propriedades

Nos valores médios alcançados para cada produto para o grupo de avaliação “propriedades”, os produtos com os valores mais baixos são a calçadeira (2,38), o copo com asas (2,46), o prato (2,54), o abotoador (2,69), a tesoura com supor- te (2,77), o cabo para pente (2,85) e a pinça de alcance (2,92). Do lado oposto, os produtos que registaram os resultados médios mais elevados foram o descasca- dor de legumes (4), o pente de cabo comprido (4) e a ajuda para segurar livros (4) (Tabela 7.1).

Há uma relação significativa positiva quando comparados os resultados médios obtidos para cada produto em termos de propriedades e comportamen- to, r =,47, (p <0,05). Estes mesmos resultados em termos dos resultados médios obtidos no cálculo das propriedades apresentam relações significativas com alguns dos parâmetros avaliados isoladamente. Assim, temos que, no que toca aos resultados médios obtidos para as propriedades, há uma relação significa- tiva positiva entre estes resultados e as propriedades específicas de montagem, equilíbrio, peso, materiais, suspensão de pulso, manejo e vantagens (resultados apresentados na Tabela 7.2).

Os dois maiores problemas identificados em termos de propriedades dos objectos foram as instruções, que são inexistentes em todos os produtos anali- sados, e a embalagem que, ou é inexistente, ou é inapropriada por ser difícil de abrir ou de manter. Nenhum dos objectos analisados apresentava uma suspen- são/tira de pulso, apesar de dois deles funcionarem eles próprios como meio de suspensão – casos do adaptador de utensílios e do descascador de vegetais. Isto faz com que o parâmetro “suspensão/tira de pulso” seja o terceiro com os valo- res mais baixos. Sete dos objectos não requeriam operações de montagem/des- montagem e foram por isso avaliados com um 5. Um outro produto, o copo sem

175 Avaliação de Ajudas da Vida Diária

Produto Média de resultados para “propriedades” (de 0 a 5)

Calçadeira 2,38

Copo com asas 2,46

Prato 2,54

Abotoador 2,69

Tesoura com suporte 2,77

Cabo de pente 2,85

Pinça de alcance 2,92

Abre frascos 3,08

Rebordo de prato 3,08 Ajuda para vestir 3,31

Colher 3,31

Adaptador 3,54

Copo sem asas 3,69

Descascador 4,00

Pente comprido 4,00

Ajuda para segurar livros 4,00

Tabela 7.1 Médias de

resultados no total das propriedades para cada produto.

Variável dependente Variáveis independentes Valor relação

Médias dos resultados em

termos de propriedades Tipo de manejoMateriais ,71**,61** Montagem/Desmontagem ,57*

Peso ,53*

Equilíbrio ,51*

Número de vantagens ,47* Suspensão/Tira de pulso ,46* Área de contacto com a mão/Interface ,45* Número de pontos críticos -,44* ** p 0,05 * p 0,01

Tabela 7.2 Relações signi-

ficativas entre as médias obtidas pela avaliação do total das proprieda- des e as propriedades individuais.

Parâmetros de avaliação Média (de 0 a 5)

Instruções 0,06

Embalagem 0,31

Suspensão / Tira de pulso 1,56

Montagem 2,88

Tipo de manejo 3,19

Cor 3,38

Área de contacto com a mão/Interface 3,38

Aderência 4,13 Equilíbrio 4,31 Peso 4,31 Materiais 4,44 Simetria 4,56 Resistência 4,69 Tabela 7.3 Médias de resultados de cada propriedade.

176 Avaliação de Ajudas da Vida Diária

asas, foi avaliado também neste parâmetro com um 5 pela facilidade da opera- ção. Ainda assim, a montagem foi o quarto parâmetro com os valores mais baixos, já que para os restantes objectos estas operações se afiguravam como difíceis ou muito difíceis de realizar com uma só mão, com pouca destreza ou recorrendo a pouco esforço físico.

Os parâmetros com melhor avaliação global foram a resistência (média de 4,69), a simetria (4,56), os materiais (4,44), o peso (4,31), o equilíbrio (4,31) e a aderência (4,13) (Tabela 7.3).

Comportamento no uso

Os produtos com as melhores médias de resultados em termos de compor- tamento no uso são a tesoura com suporte (5,00), o copo sem asas (4,38) e o descascador de vegetais (4,00). Do lado oposto estão o abotoador (2,40), o pra- to (2,42), o abre frascos (2,72) e a calçadeira (2,77). Podemos ver assim que há semelhanças nestas duas distribuições, como aliás já demonstrado pela relação significativa entre médias de propriedades e médias de uso, já que a calçadeira, o abotoador e o prato estão entre os objectos com os piores resultados em ambas as distribuições e o descascador de vegetais aparece nos lugares cimeiros em ambas as distribuições. O objecto cuja posição é mais díspar na comparação das duas distribuições é a tesoura com suporte, que apresenta o valor máximo em termos de comportamento no uso e um dos lugares inferiores em termos valores médios nas propriedades.

Nos resultados médios para o comportamento dos produtos durante o uso há uma relação significativa com os materiais, o número de pontos críticos identifi- cados, o número de acções impossíveis de realizar, o tipo de manejo e a área de contacto com a mão/interface (resultados na Tabela 7.4).

Esta variável do número de acções impossíveis de realizar, e portanto ava- liadas com um zero, foi aqui incluída porque, no nosso entender, acções impos- síveis anulam todos os outros resultados em termos de comportamento no uso e até em termos de propriedades ou vantagens dos produtos. Se há uma acção, no meio da realização de uma tarefa, que seja impossível de realizar, todo o uso está comprometido e o objecto deixa de servir a sua função, sendo, portanto, inútil para o cumprimento dessa mesma tarefa. Em resultado desta nossa ava- liação, há quatro produtos que estão na situação descrita acima: o abre frascos (com quatro acções impossíveis de realizar), o prato (com duas acções impossí- veis de realizar), o abotoador e o copo com asas (ambos com uma acção impos- sível de realizar).

No decorrer da nossa avaliação encontrámos também acções que, pela destre- za, força ou complemento de outros meios que requeriam, se afiguravam como praticamente impossíveis de realizar. Estas são as acções que avaliámos com o número 1. Na lista de objectos com acções praticamente impossíveis de realizar,

177 Avaliação de Ajudas da Vida Diária

Variável dependente Variáveis independentes Valor relação

Médias dos resultados em termos de comportamen- to no uso

Materiais ,66**

Número de pontos críticos -,58** Número de acções impossíveis -,53*

Tipo de manejo ,47*

Área de contacto com a mão/interface ,43* ** p 0,05 * p 0,01

Tabela 7.4 Relações signi-

ficativas entre as médias obtidas pela avaliação do total das tarefas de uso e as propriedades individuais.

temos a pinça (n=4), o abotoador (n=3), o adaptador de utensílios de mão (n=1), a ajuda para vestir (n=1), o cabo para pente (n=1) e o rebordo de prato (n=1).

De entre os 16 iniciais, ficamos assim com um total de sete objectos (43,8%) passíveis de serem utilizados com relativa facilidade por vítimas de AVC: a aju- da para segurar livros, a calçadeira, a colher, o copo sem asas, o descascador de vegetais, o pente de cabo comprido e a tesoura com suporte.

Vantagens e pontos críticos

Os pontos críticos identificados variam entre um mínimo de 1 e um máximo de 11, com uma média de 4,13 pontos críticos por objecto analisado. Os objec- tos com o maior número de pontos críticos foram o abotoador (n=11), a pinça de alcance (n=9), o prato (n=6), o cabo para pente (n=6) e o abre frascos (n=6).

As vantagens variam entre um mínimo de 1 e um máximo de 6, com uma média de 2,60 vantagens identificadas por objecto. Os objectos com o maior número de vantagens foram o copo sem asas (n=6) e o pente de cabo comprido (n=5).

Tanto os pontos críticos como as vantagens são muitas vezes particulares de um determinado objecto. Por exemplo, no caso do prato, um dos pontos críticos é a adesão da base às superfícies, propriedade que aos restantes objectos não se aplica. No entanto, há pontos críticos e vantagens identificados que são comuns a vários objectos. Dentro dos pontos críticos, os parâmetros mais vezes identi- ficados foram a interface com a mão (n=7), a montagem (n=6), a versatilidade (n=6), o uso (n=5), o tamanho (n=5), os acabamentos e a cor (ambos com n=4). As vantagens mais vezes identificadas foram o peso (n=10) e a escolha de mate- riais (n=6).

Relação de propriedades com comportamento no uso

Todas as variáveis utilizadas na avaliação, incluindo o número de vantagens e o número de pontos críticos identificados, foram cruzadas de modo a procurar relações significativas entre elas. Todas as variáveis se relacionam significativa- mente com pelo menos uma outra variável. De modo a tornar a visualização des- tas relações mais fácil, criámos uma infografia para os resultados, que pode ser vista na Figura 7.2.

Na Figura 7.2 todas as linhas de cor clara que relacionam duas variáveis entre si representam relações positivas significativas ao nível de p < 0,05, com a excep- ção daquelas que estão representadas com um traço claro mais grosso, nas quais

178

Figura 7.2 Mapa de rela-

ções significativas entre variáveis de avaliação dos produtos de apoio.

Avaliação de Ajudas da Vida Diária

o valor de p é de 0,01. As linhas mais escuras obedecem à mesma regra de espes- sura de traço consoante o valor de p, mas representam relações significativas negativas. A Tabela 7.5 mostra as relações significativas representadas na Figura 7.2, juntamente com os seus valores.

Conclusões

Instruções e embalagem

A primeira grande falha que se detecta na análise a estes 16 produtos é a ine- xistência de instruções para a sua utilização, incluindo instruções de montagem e desmontagem, caso existam. Não houve um único produto que viesse acompa- nhado de instruções. Foram também raros os produtos que apresentaram emba-

179

Variável dependente Variáveis independentes Valor relação

Médias dos resultados em termos de compor- tamento no uso

Materiais ,66**

Número de pontos críticos -,58** Número de acções impossíveis -,53*

Tipo de manejo ,47*

Área de contacto com a mão/Interface ,43* Número de pontos

críticos ResistênciaInstruções -,72**,65**

Tipo de manejo -,59**

Número de acções quase impossíveis ,74*

Aderência -,54*

Materiais -,47*

Tipo de manejo Montagem/Desmontagem ,56*

Cor ,50*

Número de vantagens ,49*

Materiais ,46*

Instruções Resistência -,75**

Aderência -,64**

Número de acções quase impossíveis ,52*

Materiais -,43*

Aderência Resistência ,58**

Área de contacto com a mão/Interface ,53* Número de acções impossíveis -,48* Número de vantagens Montagem/Desmontagem ,44*

Cor ,43*

Resistência Número de acções quase impossíveis -,61**

Equilíbrio Peso ,97**

Materiais Área de contacto com a mão/Interface ,54* ** p 0,05 * p 0,01

Tabela 7.5 Relações sig-

nificativas encontradas na análise.

Avaliação de Ajudas da Vida Diária lagem e, quando apresentavam, a embalagem não foi, de uma forma geral, con- siderada adequada, quer em termos de aspecto, quer em termos de facilidade de abertura ou possível manutenção. Somente um produto, a ajuda para segurar livros, possuía uma embalagem adequada que, além disso, permitia a sua con- tínua utilização ao longo do tempo. Contudo, temos uma ressalva a fazer neste caso concreto. Este produto foi encontrado e adquirido na loja de um museu de arte moderna nos EUA (SFMoMA, São Francisco). O produto estava exposto como sendo um anel e, portanto, um adereço. Este produto, juntamente com outros idênticos de outras cores e tamanhos, estava exposto numa terrina e nenhum deles tinha qualquer tipo de embalagem. No acto da compra, a pessoa da caixa retirou detrás do balcão um pequeno saco em tecido que, ao que parece, era uma embalagem própria da loja, e não da marca que distribuía o produto, para emba- lar peças de bijutaria (Figura 7.3).

Ainda que não seja o objectivo concreto da análise a produtos de apoio que fazemos neste capítulo, esta história adquire alguma importância no âmbito

180

Figura 7.3 Ajuda para

segurar livros avaliada e respectiva embalagem.

Avaliação de Ajudas da Vida Diária

geral da nossa investigação e vai de encontro às hipóteses e resultados avança- dos que veremos adiante no Capítulo 9, já que levanta questões sobre o significa- do dos produtos de apoio. Neste caso, o objecto permite uma mutação de signifi- cado em torno do socialmente aceite que vai para além da percepção do produto como um utensílio de consumo generalista, levando-o para o campo diametral- mente oposto ao dos produtos de apoio, que é o dos objectos de adorno. Neste sentido, este produto aproxima-se da linha que foi seguida pelos óculos – de pro- duto de apoio prescrito a eyeware na moda (Pullin, 2009) (ver Capítulo 4, secção “O estigma”). Entendemos, portanto, que este objecto é mais uma prova de como se pode actuar sobre o significado percebido dos produtos de apoio com vista a uma maior aceitação social.

Parece-nos também que a questão da falta de instruções poderá estar relacio- nada com a ausência de embalagens, já que as instruções no mercado generalis- ta são, frequentemente, fornecidas em separado no interior da embalagem onde está o produto. Outras duas hipóteses se põem para justificar a inexistência de instruções: os fabricantes podem entender que o uso e manutenção dos produ- tos de apoio são intuitivos, ou podem partir do princípio de que estes produtos de apoio irão ter um intermediário com um utilizador (ex: terapeuta ocupacio- nal) que dará as instruções necessárias ao futuro utilizador, sendo possível que em ambos os casos não se veja necessidade em fazer acompanhar os produtos de apoio de instruções.

No nosso entender, porém, as instruções, ou até simples recomendações de utilização e manutenção, são fundamentais; tanto mais quando assistimos cada vez mais à existência de lojas onde os produtos de apoio são vendidos directa- mente aos utilizadores finais sem que haja necessariamente um intermediário que possa substituir as instruções. Mais entendemos que, em alguns casos anali- sados, seria possível integrar as instruções no próprio objecto: por exemplo atra- vés de relevo no material, já que grande parte dos produtos analisados é fabrica- da a partir de injecção de polímeros vários, sendo, portanto, possível incluir estas instruções no próprio molde de fabrico sem que sejam necessárias mais opera- ções ou gasto de outros materiais adicionais para o efeito. Esta operação teria também a vantagem de permitir que os utilizadores não tivessem que guardar um folheto de instruções externo ao produto.

Já no caso das embalagens, entendemos que a sua existência seria útil não só para promover o produto no ponto de venda e garantir a higiene, mas também para permitir aos utilizadores a possibilidade de manterem a embalagem pelo tempo desejado. Para este fim as embalagens teriam também que ser alvo de um estudo de design, já que uma embalagem como a encontrada no exemplo do pra- to analisado, para além de não apresentar um cuidado estético, uma vez aberta deixa de cumprir convenientemente a sua função (Figura 7.4).

Figura 7.4 Prato avaliado