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“EMOÇÕES DE ORGULHO ESPECIFICAÇÃO DE TIPO:

Resultados qualitativos

“EMOÇÕES DE ORGULHO ESPECIFICAÇÃO DE TIPO:

(aprovar) as acções louvá- veis do próprio

SINAL: orgulho

VARIÁVEIS QUE AFECTAM A INTENSIDADE:

(1) Nível julgado de louvor (2) Força de unidade cog- nitiva com o agente (3) Desvios da acção do agente em rela- ção às expectativas da pessoal/papel (i.e., imprevisibilidade)”

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vários pontos de interacção e influências mútuas entre diferentes tipos de emo- ções sentidas pelos entrevistados.

Objectos

Dentro dos temas verticais encontrados (Figura 6.4), podemos notar que a maioria se refere, numa ou mais vezes, a objectos. Não são necessariamente produtos de apoio, mas englobam uma grande variedade de produtos com que os entrevistados lidam diariamente. No caso específico dos produtos de apoio, vemos que os temas a eles ligados são os do orgulho, do reconhecimento, da organização, dos custos, da privação, da segurança e do desamparo. Os três últi- mos temas estão relacionados entre si no que toca aos objectos: os entrevistados queixam-se de serem privados da aquisição de objectos devido ao custo destes mesmos objectos que os entrevistados não podem suportar; e esta privação por vezes traduz-se numa sensação de desamparo. Há depoimentos de entrevistados que culpam as instituições com que estão vinculados por não lhes darem aces- so aos produtos de apoio de que precisam para serem mais independentes e se sentirem mais seguros. Todos estes temas fazem parte de uma avaliação negati- va por parte dos entrevistados. Convém lembrar aqui que estas são pessoas que têm rendimentos mensais baixos, como vimos atrás (secção “Caracterização da amostra”), pelo que, quando ligados a alguma instituição, esperam dessa institui- ção que lhes forneça as condições necessárias à procura de independência, segu- rança e qualidade de vida.

No lado oposto – o lado da avaliação positiva – estão os produtos de apoio que auxiliam as vítimas de AVC e cuidadores nas estratégias de organização da vida diária, os produtos que os entrevistados reconhecem como tendo valor para os seus objectivos e o orgulho na posse de um ou vários produtos de apoio.

Vemos assim que, em relação à posse ou privação de produtos de apoio não há um estado neutro: a posse ou privação destes produtos causa uma resposta emo- cional por parte dos entrevistados, que reconhecem o valor de possuírem objec- tos que os auxiliem na vida diária.

E a partir destes últimos temas podemos encontrar a relevância da utiliza- ção do conceito de product ecologies (Forlizzi, 2007): os entrevistados sentem- se privados de produtos de apoio porque não os podem adquirir, dados os seus altos custos. Outras vezes a privação destes objectos dá-se, segundo os entrevis- tados, por culpa de instituições a quem pagam para terem uma melhor qualidade de vida, o que leva a um ressentimento por parte dos entrevistados em relação a estas instituições. Ora, para os entrevistados, esta privação significa frequente- mente que vão estar mais inseguros nas suas AVD e a insegurança que sentem, aliada ao ressentimento que nasce do facto de sentirem que quem devia cuidar deles não o faz, leva ao sentimento de desamparo.

159 101 Vítimas de AVC que vão para além da vítima de AVC e do objecto, englobando terceiras pessoas que, de alguma forma, estão relacionadas com a saúde, integridade física e bem- estar dos entrevistados. No caso contrário, quando os entrevistados recebem os objectos de que necessitam por parte das instituições, estes passam a represen- tar o cuidado e a atenção destas instituições para com eles, sendo objectos que lembram constantemente aos entrevistados quem os ajudou e quem os ampara.

Dentro daqueles que foram encontrados (Figura 6.4), há dois temas que se relacionam com objectos e com o próprio entrevistado, mas não com terceiros: a aprendizagem e o orgulho. Nestes casos os objectos passam a representar a pró- pria realização e bom desempenho dos entrevistados na interacção com estes objectos, tendo muitas vezes sido menções aos objectos que espoletaram a emer- gência destes dois temas nos comentários feitos pelos entrevistados durante as entrevistas.

Discussão de resultados da análise qualitativa

Analisando os temas e emoções que emergiram da análise às entrevistas com vítimas de AVC e seus cuidadores, notámos que os entrevistados mencionam uma grande variedade de emoções ligadas quer ao próprio, quer à interacção do próprio com terceiros e à interacção com objectos. Apesar de termos encontra- do referências acerca da avaliação estética de produtos de apoio, notamos que as

Figura 6.4 Relação dos

temas encontrados com o próprio, terceiros e objectos.

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respostas emocionais a este tipo de produtos tende a realizar-se sob uma pers- pectiva de avaliação dos mesmos enquanto facilitadores ou inibidores de opor- tunidades pessoais. Vimos também que a apreciação feita a um objecto não é um acontecimento fechado na relação utilizador-objecto, mas que está inserida num contexto amplo que engloba diferentes níveis de inter-relações que incluem ter- ceiras pessoas e os valores culturais em que se dá a interacção com os objectos.

Quando analisados em conjunto, os dados encontrados na análise qualitativa estão relacionados com a procura da satisfação de necessidades de ordem varia- da. Desde a satisfação de necessidades fisiológicas e de segurança até à satisfa- ção de necessidades relacionadas com a auto-actualização/auto-realização ou a auto-estima, os produtos de apoio podem adquirir papéis relevantes na procu- ra destes objectivos. A teoria mais conhecida sobre as necessidades humanas é a de Maslow. O autor criou uma lista de necessidades que se organizam de forma cumulativa, estando representadas sob a forma de uma pirâmide (Figura 6.5). Inicialmente composta pelas necessidades fisiológicas (nível inferior), de segu- rança, afectivas, de auto-estima e de realização pessoal (nível superior), a pirâ- mide foi mais tarde modificada de forma a integrar outras três necessidades: de conhecimento e entendimento, estéticas e transcendentais (Maslow, 1954).

Lembrando a pirâmide mostrada no Capítulo 1 (secção “Dependência e qua- lidade de vida”) sobre a natureza hierárquica do conceito de qualidade de vida, podemos ver que ambos os modelos – o da qualidade de vida e o de Maslow – apresentam grandes semelhanças.

No entanto, se cada necessidade tem lugar depois de satisfeitas as anteriores, temas encontrados na análise qualitativa às entrevistas, como “aprendizagem” ou “organização”, não parecem adequar-se a este modelo. Se por um lado, por exemplo, a aprendizagem aparece colocada acima da estima (e auto-estima), por outro a análise às entrevistas revelou que este tema surge sobretudo como estra- tégia para assegurar necessidades de segurança.

Um dos críticos à teoria das necessidades de Maslow (1954), sobretudo no que se refere à sua organização sob a forma de uma pirâmide é Max-Neef (1991). O último autor defende que, à excepção da necessidade de sobrevivência que aparece claramente em primeiro lugar, as necessidades humanas não estão orga- nizadas de forma hierárquica, mas sim integradas ao mesmo nível dentro de um sistema comum, estando inter-relacionadas e continuamente interagindo entre elas (Max-Neef, 1991).

O critério usado por Max-Neef (1991) para a organização de necessidades foi o agrupamento entre necessidades existenciais e necessidades axiológicas. O pri- meiro grupo compreende as necessidades de “ser”, “ter”, “fazer” e “interagir”; o segundo grupo inclui nove necessidades que representam formas das necessi- dades existenciais. Segundo o autor, a lista de necessidades axiológicas pode ser

Figura 6.5 Pirâmide das

necessidades de Maslow (1954).

161 101 Vítimas de AVC alterada ao longo do tempo, à medida que se forem encontrando novas necessida- des cuja relevância leve a que sejam acrescentadas às nove iniciais. Estas neces- sidades axiológicas são: subsistência, protecção, afecto, entendimento, participa- ção, ócio, criação, identidade e liberdade. Considerando os termos utilizados por Max-Neef (1991), as semelhanças com a pirâmide final de Maslow (1954) são notórias, mas a grande diferença está, como dissemos, na forma sob a qual estão organizados.

A partir dos dois grupos de necessidades, Max-Neef (1991) criou uma matriz, sendo que a intersecção entre uma necessidade de um grupo com uma necessi- dade de outro dá lugar a um elemento de satisfação da necessidade (no inglês,

satisfier). Max-Neef (1991) também fez uma distinção entre tipologias de ele-

mentos de satisfação de necessidades:

- violadores ou destruidores: são elementos que, com o curso do tempo ani- quilam a necessidade inicial que pretendiam satisfazer e impedem também a satisfação adequada de outras necessidades (ex: exílio);

- pseudo-elementos de satisfação: são os que geram uma falsa sensação de satisfação de necessidades (ex: estereótipos que supostamente satisfazem a necessidade de entendimento);

- inibidores: os que satisfazem em demasia uma necessidade, prejudicando outras (ex: paternalismo);

- singulares: que satisfazem uma necessidade, mas que são neutros com res- peito a todas as outras (ex: planos de seguros);

- sinérgicos: elementos de satisfação de uma necessidade que potenciam a satisfação de outras necessidades (ex: amamentar).

Esta forma de organização de necessidades, assim como a distinção entre os conceitos de necessidades e elementos de satisfação das mesmas, ajuda-nos a integrar e relacionar os temas descobertos nas análises qualitativas às entrevis- tas. Assim, o tema “organização” deixaria de ser encarado como uma necessida- de, mas sim como um elemento de satisfação de uma necessidade – neste caso a de segurança.

A matriz de Max-Neef (1991) foi criada com o intuito de servir como ferra- menta para avaliação de necessidades e identificação de casos positivos e negati- vos. Desta forma, é possível utilizar a matriz de acordo com o contexto a estudar, preenchendo as intersecções entre as necessidades para identificar quer a carên- cia quer a existência de elementos de satisfação de necessidades no contexto de estudo. Pudemos então criar uma matriz positiva e uma matriz negativa (repre- sentadas nos Quadros 6.3 e 6.4) para avaliar a situação dos entrevistados e iden- tificar oportunidades.

Como referido por Max-Neef (1991), o mesmo elemento de satisfação pode surgir para cumprimento de necessidades diferentes; e foi este um dos resul-

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tados que obtivemos a partir da criação das duas matrizes. No caso da aprendi- zagem, por exemplo, podemos notar que é fundamental não só para satisfazer a necessidade de entendimento, mas também para a necessidade de subsistên- cia. Segundo a matriz, podemos notar também que a posse de produtos de apoio é, para os entrevistados, um elemento de satisfação de necessidades diferentes: subsistência, protecção, entendimento, participação e ócio (Quadro 6.4).

A análise que fazemos é a de que, no que toca aos produtos de apoio, os con- ceitos de necessidades e elementos de satisfação de Max-Neef (1991) e o de pro-

duct ecologies de Forlizzi (2007) estão intimamente ligados, pela razão de que

são modelos dinâmicos, sobrepondo diferentes níveis de interacção e levando a que se possa obter uma visão abrangente dos fenómenos, levando não a uma acumulação de conhecimentos isolados, mas a um entendimento dos fenóme- nos em si. Esta é uma das motivações que leva esta tese a assumir a busca de um outro conceito também defendido por Max-Neef (2005) – o da transdisciplinari-

dade. Segundo o autor, qualquer intervenção numa determinada área irá neces-

sariamente ter implicações noutras áreas de influência e do conhecimento, já que todo o conhecimento existente está organizado num único e complexo sistema de inter-relações. Um dos exemplos deste sistema, da sobreposição de matérias e das implicações de uma acção sobre o resto do sistema é o conceito de qualidade de vida, já descrito no Capítulo 1, secção “Dependência e qualidade de vida”.