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O início das preocupações com a eliminação de barreiras começou a surgir nos anos 50 na Europa, Japão e Estados Unidos da América (Moore, 2007). Apesar de nesta altura não haver ainda um termo que o descrevesse, a preocupação com edifícios que não pusessem barreiras a pessoas com deficiências era melhor defi- nida como uma sensibilização crescente da sociedade. Contudo, esta preocupa- ção, que até aqui era algo não instituído, começou a ganhar força legal nas déca- das que se seguiram (Moore, 2007).

O progresso do pensamento até ao Design Inclusivo teve origem ainda no final dos anos 60, quando, nos Estados Unidos da América foi aprovado o Architectural

Barriers Act. Aprovado a 12 de Agosto de 1968, o Architectural Barriers Act pro-

clama que todos os edifícios financiados por fundos federais devem ser construí- dos de modo a que permitam o acesso por parte de pessoas com deficiências físi- cas. Desde 1968 estava em vigor o Fair Housing Act, que proibia a discriminação na venda, arrendamento ou financiamento de habitações baseada em raça, cor, religião, sexo ou nacionalidade. Uma emenda foi introduzida em 1988 que pas- sou a incluir na lista de proibição de discriminação as pessoas com deficiências e incapacidades. Além disso, a emenda acrescentava ainda alguns requerimen- tos em termos de design e construção acessíveis, que passaria a entrar em vigor para edifícios multifamiliares construídos a partir de 1991. Em 1990 foi publica- do o Americans with Disabilities Act nos Estados Unidos da América. A lei, consi- derada de grande importância e impacto na sociedade e que esteve em vigor na sua versão original até às modificações introduzidas em 2008, proibia a discrimi- nação em qualquer contexto em relação a pessoas com deficiências e incapacida- des e cobria as áreas de emprego e acesso a serviços públicos (incluindo trans- portes) e privados. O Telecommunications Act de 1996 proíbe nos Estados Unidos da América a discriminação de acesso a comunicações com base na presença de deficiência. A luta dos movimentos pelos direitos dos cidadãos com deficiências e incapacidades nos Estados Unidos da América começava a ver os seus frutos no surgimento destas leis, ao mesmo tempo que, através delas, era criada uma sen- sibilização na sociedade para os problemas enfrentados pelas pessoas com defi- ciências e incapacidades.

Além dos progressos em termos legais, foi também nos anos 70 que, pela pri- meira vez, se começou a falar nas vantagens universais da eliminação das barrei- ras arquitectónicas, tendo o arquitecto americano Michael Bednar referido que todas as pessoas iriam ser beneficiadas caso as barreiras arquitectónicas fossem eliminadas (Moore, 2007). O melhor exemplo desta altura foi a construção de rampas nos passeios destinadas a utilizadores de cadeiras de rodas, que depres- sa se tornou num elemento facilitador para pais que transportavam carrinhos de bebé, pessoas em bicicletas, etc. (Moore, 2007).

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No World Design Congress de 1987, em Dublin, o grupo de design irlandês SDI, que precedeu ao actual Institute of Designers in Ireland (IDI), propôs a delibera- ção de que os designers considerassem a velhice e a deficiência nos seus projec- tos – deliberação essa que passou por unanimidade nas assembleias da ICSID,

Icograda e IFI. Dois anos depois, em 1989, o mesmo grupo organizava a primei-

ra conferência europeia sobre design para a deficiência com o apoio da Comissão Europeia. Em consequência, foi criado o Institute for Design and Disability (IDD) e, em 1993, o European Institute for Design and Disability (EIDD), estando Portugal representado entre os seus delegados (Hogan, 2003).

A consciência de que todas as pessoas poderiam beneficiar do design para pes- soas com deficiências e incapacidades, como o exemplo das rampas nos passeios mencionado acima, deu origem ao termo Design Universal, cunhado por Ronald Mace nos anos 90 (Mace, Hardie, & Place, 1991). Numa frase, Ronald Mace defi- niu o Design Universal como “o design de todos os produtos, edifícios e interiores de modo a que possam, na medida do possível, ser usados por todas as pessoas” (Mace, et al., 1991). O emprego do termo “universal” foi mais tarde reconhecido por Mace como não sendo o ideal. De facto, apesar de o termo ter sido adopta- do na Europa, e de ser entendido como sinónimo de outros termos como integral

accessibility, design for all e inclusive design, era ainda usado no Reino Unido o

termo Design Universal. No entanto, com o passar do tempo os defensores deste tipo de abordagem ao design foram defendendo o termo inclusive design, Design Inclusivo em português. Em 1995 o termo Design Inclusivo era já adoptado no Reino Unido, tendo nesse ano sido criado o United Kingdom Institute for Inclusive

Design. Dada a concepção errada transmitida pela palavra “universal”, prefere-se

o termo Design Inclusivo, dado que é preciso tornar claro que mesmo que as pes- soas com deficiências e incapacidades e as pessoa idosas sejam contempladas no processo projectual, o objectivo de criar um produto que seja passível de ser usa- do por toda a população sem excepção é utópico e que haverá sempre uma faixa da população que será incapaz de o usar (Vanderheiden, 1997).

Segundo Vanderheiden (1994) existem quatro níveis para a criação de ambientes acessíveis para pessoas com deficiências e incapacidades. Estes níveis são: (1) consideração de características que promovam a acessibilidade directa (e que satisfaçam os requisitos da maioria dos utilizadores); (2) identificação de partes ou funções que podem levar à necessidade de acessórios para acomodar os requisitos de mais utilizadores; (3) promover a compatibilidade entre os pro- dutos criados e os de produtos de apoio; e (4) procura de financiamento de solu- ções “à medida” para aqueles utilizadores para quem é impossível adaptar o pro- duto sob uma solução industrial (Vanderheiden & Vanderheiden, 1992).

No livro Accessible Environments, de 1991, Mace, Hardie e Place tornam já cla- ros alguns dos que são hoje os chamados argumentos para a aplicação do Design

77 Design e Deficiência Inclusivo, como o argumento do interesse pessoal ou o argumento legal (Mace, et al., 1991). O número de pessoas idosas tem vindo a aumentar, assim como a sua esperança média de vida. Com esta última aumenta a probabilidade do apareci- mento de problemas de ordem biológica e fisiológica que farão com que as pes- soas idosas se confrontem com limitações de actividade e restrições na partici- pação. O argumento do interesse próprio alega então que, se se começar desde já a adoptar uma abordagem inclusiva ao design, todos os que hoje não chega- ram ainda à chamada terceira idade irão beneficiar dessa abordagem no futuro. O argumento sociológico faz referência à geração dos baby-boomers, a geração que lutou nos anos 60 e 70 pelos seus direitos e que, provavelmente, irá exigir às organizações e companhias melhores serviços e produtos. Em termos legais, proliferam as directivas contra a discriminação que poderão aplicar penas sobre aqueles que não as cumprirem, sendo este o principal argumento legal do Design Inclusivo – o custo das penas aplicadas será maior que o custo de uma aborda- gem integrada que considere desde a concepção e planeamento as pessoas com deficiências e incapacidades e a população idosa, criando produtos e serviços que possam ser usados pelo maior número possível de pessoas. O facto de tornar possível e mais fácil o uso de produtos por mais pessoas fará com que a produti- vidade aumente, dadas as melhores condições de trabalho nas empresas. O pres- suposto anterior configura o argumento dos empregadores e o argumento finan- ceiro defende que, dada a falta actual de oferta de produtos para pessoas com deficiências e incapacidades e pessoas idosas, há um mercado vasto por explo- rar, do qual os fabricantes e empresas poderiam beneficiar através do Design Inclusivo. Finalmente, existe o argumento do bom design. Este argumento defen- de apenas que a aplicação prática de uma abordagem do tipo inclusivo ao design de produtos, ambientes e serviços resulta, automaticamente, em melhor design (Clarkson, Coleman, Keates, & Lebbon, 2003).

Recentemente o termo Design Inclusivo tem vindo também a ser critica- do pelo facto de a palavra “inclusão” implicar que haja qualquer tipo de exclu- são. Assim, o novo termo que surge em alternativa ao Design Inclusivo é o de Design para a Diversidade (Bispo & Branco, 2006), defendido em Portugal pela Fundação LIGA (Fundação LIGA, n.d.) que, em 2006 e em conjunto com o Centro Português de Design (CPD) e o Instituto Superior Técnico (IST), concebeu e levou a cabo um curso de pós-graduação em Design para a Diversidade (Instituto Superior Técnico, n.d.). O conceito de Design para a Diversidade, como defendido por Bispo e Branco (2006) aponta para uma acepção mais abrangente e equitati- va e argumenta contra a distinção simples entre pessoas com deficiências e inca- pacidades e pessoas sem deficiências e incapacidades, para passar a contemplar não só diferentes habilidades, mas também diferentes preferências ou graus de experiência, permitindo não uma solução que sirva à maioria, mas uma solução que permita ser adaptada por cada um de acordo com as suas necessidades, pre-

78 Design e Deficiência ferências e objectivos.

Todos os argumentos mencionados acima, independentemente dos termos específicos adoptados, apontam estas abordagens inclusivas como uma filosofia preocupada com a sustentabilidade social. Se não fosse uma excepção, se os pro- dutos não tivessem que ser nomeados como “resultantes de uma abordagem de Design Inclusivo”, e fossem sim todos desenhados com as preocupações inerentes ao Design Inclusivo, como a diversidade humana, todos os produtos, ambientes e serviços seriam acessíveis ao maior número possível de pessoas, independente- mente da sua condição física, idade ou estatura. Para além disso, ao projectar pro- dutos desta forma, não haveria tanta necessidade de desenvolvimento de solu- ções à medida, tal como identificadas por Vanderheiden e Vanderheiden (1992), eliminando assim algumas das barreiras estigmatizantes criadas pelas “soluções especiais” para “pessoas especiais”. Isto levaria, consequentemente, a uma dimi- nuição dos custos de vida para muitas pessoas com deficiências e incapacidades, já que hoje em dia têm que procurar soluções alternativas para se adaptarem ao meio em que vivem.

Em 1997, o Center for Universal Design criou uma lista de sete pré-requisitos que os produtos deveriam satisfazer de modo a que o seu uso fosse “universal” (Center for Universal Design, 2000). Esses princípios são:

1. Uso equitativo

2. Flexibilidade na utilização 3. Uso simples e intuitivo 4. Informação perceptível 5. Tolerância ao erro 6. Baixo esforço físico

7. Dimensão e espaço para acesso e utilização

Cada um destes princípios tem objectivos específicos, para os quais foram criadas orientações projectuais. Assim, o primeiro princípio – Uso equitativo – postula que o design é comercializável e útil a todas as pessoas, incluindo pes- soas com deficiências. Desta forma as orientações deste princípio destinam-se a homogeneizar a oferta de forma a evitar a segregação e estigmatização de pes- soas com deficiência, permitir a oferta de produtos que sejam apelativos para os utilizadores, assegurar as características de privacidade e segurança para todos os utilizadores e permitir os meios de utilização para todos, ou, não sendo pos- sível, permitindo meios equivalentes. O princípio 2 prende-se com as preferên- cias dos utilizadores. As orientações para este princípio vão no sentido de for- necer escolha aos utilizadores em termos de métodos de utilização, permitir o acesso por destros e esquerdinos, permitir a adaptação do uso ao ritmo do uti- lizador e facilitar a exactidão e precisão no uso. O Uso simples e intuitivo, princí-

79 Design e Deficiência pio 3, prevê que o design permita um entendimento simples do uso, independen- temente da formação, experiência, nível de linguagem, nível de concentração e conhecimentos dos utilizadores. Para isso, as orientações vão no sentido de eli- minar complexidades desnecessárias no uso e entendimento, organizar a infor- mação por níveis de acordo com a sua importância, dar feedback aos utilizadores dos processos em curso e após a conclusão das tarefas, permitir diferentes níveis de conhecimento e de linguagem e oferecer coerência de acordo com as expec- tativas e intuições do utilizador. A comunicação simples e eficaz de informações relativas ao uso é o objectivo do princípio da Informação perceptível, cujas orien- tações prevêem o uso de diferentes formas de apresentação da informação num nível redundante a nível táctil, visual e auditivo. Prevê-se também a necessida- de de oferecer contraste entre a informação e o meio envolvente, fazer com que a informação principal tenha a máxima legibilidade possível, permitir a descri- ção de elementos pela sua diferenciação para o caso de instruções e orientações de uso e oferecer compatibilidade com meios usados pelos diferentes utilizado- res para a realização de tarefas, como métodos e uso de produtos de apoio usa- dos por pessoas com deficiências sensoriais. De forma a minimizar o perigo na interacção e a ocorrência de consequências indesejadas, foi elaborado o princí- pio 5, Tolerância ao erro. De modo a evitar estas consequências, as orientações dadas são: a existência de mensagens que advirtam para a possibilidade de erro e perigo, a organização dos elementos de modo a reduzir ao máximo a possibilida- de de erro (tornando mais acessíveis os elementos mais utilizados e menos aces- síveis, isolados ou até eliminados os elementos passíveis de criarem perigo ou erros), fornecer mecanismos de protecção contra falhas na utilização e desenco- rajar acções inconscientes e potencialmente perigosas que requerem vigilância. Para que o uso requeira o mínimo possível de fadiga as orientações do princípio 6 referem que deve ser permitido ao utilizador que mantenha uma posição cor- poral neutra no uso, que as forças requeridas para o uso sejam razoáveis, e que sejam minimizados quer o esforço físico sustentado quer o número de opera- ções repetitivas. O princípio 7 está relacionado com as dimensões de acesso para o uso. Desta forma, devem ser tidos em conta vários tipos de utilizadores que requerem diferentes dimensões de acesso, como pessoas em cadeiras de rodas, pessoas usando muletas ou pessoas acompanhadas de terceiros. Assim, quer o utilizador se encontre sentado ou em pé, a linha de visão deve ser clara e os ele- mentos devem ser facilmente acedidos. Além disso, devem ser previstas diferen- tes dimensões de mão e diferentes habilidades de manuseio no projecto de equi- pamentos manipuláveis.

Apesar de estar previsto nas orientações do princípio 1, Uso equitativo, que os produtos sejam apelativos aos utilizadores e que seja evitada a segregação e discriminação, Olander (2007) argumenta que os princípios e orientações delineados pelo Center for Universal Design não são claros quanto à inclusão de

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orientações que tenham em conta as emoções dos utilizadores e o espoletar de experiências prazenteiras na utilização. Segundo a autora, a exploração de rela- ções emocionais entre utilizadores e produtos é fundamental para o desenvol- vimento de soluções não estigmatizantes (Olander, 2007). A mesma autora diz ainda que para uma abordagem bem sucedida à análise destas emoções é neces- sário um entendimento dos significados atribuídos pelos utilizadores aos produ- tos utilizados. Para o efeito, Olander (2007) cruzou os sete princípios do Design Universal com as quatro dimensões de prazer identificadas por Jordan (2000), de que falaremos no capítulo seguinte dedicado aos temas de design, emoção e signi- ficado (Capítulo 5), criando os 7 EUD (7 Emotional Universal Design principles).

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Dada a importância das reacções emocionais aos produtos de apoio e do seu sig- nificado percebido no processo de aceitação deste tipo de produtos, este capítulo apresenta conceitos provindos da investigação e teoria sobre as emoções, de forma a contextualizar os estudos, termos e princípios implicados, chegando depois às implicações práticas destes modelos ao design de produtos. Apresentam-se metodo- logias usadas hoje em dia na combinação da investigação em emoção com o de- sign e, por fim, traçam-se algumas simbioses existentes entre estas metodologias e abordagens e o design de produtos de apoio.