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A ascenção dos BRICS: fim do momento unipolar?

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Se o conhecimento tem por objeto o ser, e a ignorância tem por objeto o não-ser, a opinião será, portanto, o termo médio entre o conhecimento e a ignorância.

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Agradecimentos

À Professora Doutora Catarina Mendes Leal, orientadora da presente dissertação, cuja disponibilidade, acompanhamento, orientação, e sugestões foram imprescindíveis ao desenvolvimento do conteúdo e estrutura da dissertação. Deixo um agradecimento especial à sugestão de desenvolver um exercício prático através da aplicação de uma fórmula de aferição do poder dos Estados, cujo papel foi crucial para melhor entender o lugar dos BRICS na ordem atual.

Ao Professor Doutor Carlos Gaspar (cujos seminários foram extremamente cativantes e determinantes para a escolha do tema da dissertação), por me ter incutido o gosto pelo estudo das questões que envolvem a polaridade, a natureza dos Estados e as perspetivas das diferentes teorias das relações internacionais.

Por fim, aos meus pais e irmã, por todo o apoio que sempre me deram para conseguir atingir os meus objetivos. Deixo ainda um agradecimento muito particular à minha entidade empregadora – a Xerox – por me ter facilitado a conclusão da dissertação através da concessão de um horário a tempo parcial.

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Resumo

A ordem internacional atual é substancialmente distinta da ordem que surgiu com o colapso da União Soviética, em 1991. Se, por um lado, deixou de ser totalmente correto classificar a ordem atual como exclusivamente unipolar, por outro lado é igualmente prematuro classificá-la como multipolar. Ora, os BRICS – enquanto maiores representantes do protagonismo das potências emergentes – constituem um dos principais fatores que contribuíram para esta modificação, em especial durante a década de 2000 a 2010. A razão fundamental já não é o desenvolvimento militar ou a ameaça nuclear, mas sobretudo a força da economia e da geoeconomia. O colossal crescimento económico está, portanto, na base de todo o protagonismo dos BRICS.

De um modo geral, os BRICS são representativos de seis perspetivas fundamentais: (1) Surgiram a partir de um conceito criado pelo mundo económico e financeiro (a Goldman Sachs), o que prova que os mercados, a geoeconomia e, cada vez mais, a geofinança influenciam crescentemente a geopolítica dos Estados. (2) Representam o desenvolvimento crescente do regionalismo enquanto característica marcante da ordem internacional atual. A entrada da África do Sul é exemplo disto mesmo. (3) Não atuam enquanto um bloco coeso e com uma estratégia comum, mas antes baseados em acordos esporádicos e objetivos muito concretos, como a alteração de regras em organizações como o Banco Mundial, o FMI e a ONU, ou a defesa de um mundo multipolar. (4) Possuem graves constrangimentos regionais, desde Taiwan, passando por Caxemira, até à Tchetchénia, que constituem uma desvantagem considerável em relação aos EUA. (5) São essencialmente fortes em hard power (sobretudo na capacidade económica e na massa crítica), mas ainda muito fracos em soft power, justamente a vertente que versa sobre o desenvolvimento social, os direitos humanos, o regime político e a capacidade de atrair e persuadir os Estados e a opinião pública mundial a seguir o seu modelo de organização social e cultural. (6) E, por fim, não são ainda sociedades pós-industriais, mas os dados indicam que, assim que atingirem este patamar, têm todas as potencialidades para atingir o nível dos EUA.

Em suma, a superpotência continua a ser apenas uma – os EUA – mas já não se trata do mesmo conceito de superpotência que surgiu no final da Guerra Fria. A presente dissertação avalia o poder atual dos EUA – e a sua evolução ao longo da última década – face ao poder crescente dos BRICS, tanto na vertente de hard power como de soft

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Índice

Pág Lista de Siglas, Acrónimos e Abreviaturas

Introdução... 1

1. Capítulo I – O Poder na Ordem Internacional Atual e o Lugar dos BRICS 1.1 Polaridade, Poder e a Ordem vigente... 4

1.2 Superpotências, Grandes Potências e Potências Regionais... 9

1.3 Polos de Poder Atuais e a Dinâmica do Regionalismo... 12

1.4 A Teoria da Transição de Poder... 16

1.5 Soft Power, Hard Power e Smart Power... 18

1.6 Da Geopolítica à Geoeconomia... 21

1.7 BRICS: um mero acrónimo?... 24

2. Capítulo II – O Protagonismo dos BRICS na Cena Internacional 2.1 Brasil – Um Gigante Mundial ou Regional?... 27

2.1.1 A Diplomacia Brasileira e as Relações com os Estados Vizinhos... 27

2.1.2 Os Trunfos do Brasil: novos combustíveis... 31

2.2 Rússia – A Reemergência de um Gigante?... 35

2.2.1 O Lugar da Rússia no Mundo... 35

2.2.2 Os Trunfos da Rússia: o gás natural e a “diplomacia do tubo”... 40

2.3 Índia – A China do Futuro?... 45

2.3.1 Crescimento Indiano: diferente do chinês?... 45

2.3.2 A Índia no Contexto Regional e Mundial... 49

2.4 China – A Grande Desafiadora da Ordem Unipolar... 53

2.4.1 Os Trunfos da China: crescimento económico e militar... 53

2.4.2 Taiwan, Tibete e Xinjiang... 57

2.4.3 A Transformação da China: apenas económica ou também social e política?... 60

2.4.4 A Estratégia da China... 62

2.5 África do Sul – um pequeno gigante 63 2.5.1 O papel da África do Sul nos BRICS: uma relevância essencialmente regional... 63

(6)

3. Capítulo III – O Poder Real dos BRICS

3. Uma Fórmula de Poder... 69

3.1.1 Apresentação... 69

3.1.2 Relevância das Variáveis e suas Fontes... 71

3.1.3 Execução... 72

3.2 Hard Power: uma avaliação... 73

3.3 Soft Power: uma avaliação... 77

3.4 O Poder Real dos BRICS... 84

4. Capítulo IV – A Ordem Internacional Atual: entre a Multipolaridade e o Regionalismo 4.1 EUA: Perda de Poder ou Reformulação do Conceito de Superpotência?... 87

4.2 A Estratégia dos EUA para conter os BRICS... 91

4.3 A Reestruturação das Organizações Internacionais... 94

4.4 BRICS: Sinónimo de Transição na Classificação da Ordem Atual?... 103

Considerações Finais... 108

Bibliografia Referências Relevantes

Anexo I Anexo II

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Lista de Siglas, Acrónimos e Abreviaturas

ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático BP – British Petroleum

BASIC – Brasil, África do Sul, Índia, China

BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul CIA – Central Intelligence Agency

IBSA – Índia, Brasil, África do Sul IDE – Investimento Direto Estrangeiro IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

FAOSTAT – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação FEM – Fórum Económico Mundial

FMI – Fundo Monetário Internacional

GUAM – Organização para a Democracia e o Desenvolvimento Económico Mercosul – Mercado Comum do Sul

NAFTA – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico OMC – Organização Mundial de Comércio

OMT – Organização Mundial de Turismo ONU – Organização das Nações Unidas

OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo Petrobras – Petróleo Brasileiro SA

PIB – Produto Interno Bruto

PPP – Paridade de Poder de Compra PRB – Population Reference Bureau

SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral START – Strategic Arms Reduction Treaty

UA – União Africana

UAAA – União Aduaneira da África Austral UE – União Europeia

UNASUL – União de Nações Sul Americanas

(8)

Introdução

O início do século XXI conferiu uma nova importância à expressão potências

emergentes. Torna-se cada vez mais claro que o protagonismo económico e político já

não se encontra só do lado dos EUA, mas também do lado de países que se no passado estavam condenados ao subdesenvolvimento, hoje demonstram uma evolução económica, social e política que pode alterar o seu estatuto na cena internacional. Trata-se de potências que mais do que Trata-se destacarem por via do Trata-seu novo deTrata-senvolvimento, destacam-se sobretudo porque começam a ter capacidade de liderança regional. De facto, é a dinâmica do regionalismo que atualmente coloca as maiores questões sobre a classificação da ordem internacional, e os BRIC (mais recentemente BRICS, com a entrada da África do Sul em 2011) – pela sua dimensão, protagonismo político e enorme crescimento económico – constituem o grupo de países que melhor simbolizam tanto esta dinâmica do regionalismo, como o conceito de potências emergentes.

A criação do acrónimo BRIC e as cimeiras entre estas quatro potências emergentes não surgiram, no entanto, por iniciativa dos próprios líderes políticos que as representam, mas antes por iniciativa de uma agência do mundo financeiro – a Goldman Sachs1. Em 2001, esta agência criou o termo BRIC e previu que, em 2050, estes quatro países serão as economias dominantes.

Figura I – Previsões da Goldman Sachs para 2050

Fonte: Goldman Sachs (2005)

1

Jim O’Neill, “Building Better Global Economic BRICs”, Global Economics, Paper nº 66, Goldman Sachs, Nova York, 2001, pp. 1-15 (disponível em http://www.goldmansachs.com/ideas/brics/building-better.html).

(9)

Desde então, a comunidade internacional tem prestado maior atenção às economias emergentes. Os próprios BRIC expandiram-se para os BRICS e deram seguimento à ideia criada pela Goldman Sachs, organizando-se em cimeiras e apresentando alguns objetivos políticos e económicos. Contudo, os BRICS não deixam de apresentar diferenças assinaláveis entre si. A heterogeneidade deste grupo pode mesmo ser considerada contraditória, na medida em que pretendem passar a ideia de que possuem uma estratégia comum quando, na realidade, cada uma destas potências representa objetivos regionais e internacionais distintos. É por esta razão que importa analisar a verdadeira índole dos BRICS; qual a homogeneidade que existe entre estas potências tão distintas e tão distantes umas das outras, e perceber se, em conjunto, os BRICS representam efetivamente uma única voz ou se, pelo contrário, é cada potência emergente que, por si só, pretende atingir os seus próprios objetivos. Por outro lado, importa ainda verificar qual é a reação da superpotência quando confrontada com uma realidade que pode ameaçar a sua supremacia, sobretudo tendo em conta que a abordagem seguida, no passado, por George W. Bush e, atualmente, por Barack Obama, é substancialmente diferente.

A presente dissertação pretende avaliar o poder real dos BRICS face aos EUA (conjuntamente com a maioria dos países do G202) na década de 2000 a 2010. Será dada especial relevância à dicotomia entre o hard power e o soft power, enquanto duas vertentes com índoles diferentes e, frequentemente, utilizadas de modo separado. O ponto central será uma avaliação concreta do poder no capítulo III. A base será uma fórmula que compreende o hard power e o soft power, elaborada com base nas fórmulas de Ray Cline3 e de Mendo Castro Henriques e António Paradelo4. O objetivo será a realização de um ranking final com a soma dos rankings do soft power e do hard power, seguindo-se a análise subsequente não apenas do ranking final, mas de todos os

rankings que levarão à soma final. Em última análise, o propósito da presente

dissertação será o de verificar em que lugar se situam os BRICS em relação ao poder da superpotência que são os EUA.

2

Serão consideradas como objeto de análise de poder as potências do G20, à exceção da Coreia do Sul, devido à sua pequena dimensão, e da União Europeia enquanto bloco, pois é sobretudo representada pelas quatro grandes potências europeias (Reino Unido, Alemanha, França e Itália). No seu lugar, serão incluídas a Venezuela e o Irão, devido à sua importância ao nível energético; crescente protagonismo internacional contra os EUA; e desenvolvimento nuclear (no caso do Irão).

3

Ray S. Cline, World power assessment: A calculus of strategic drift, Westview Press, Boulder, Colorado, 1975

4

Mendo Castro Henriques e António Paradelo, “Uma Fórmula de Soft Power”, in Nação e Defesa, nº113, 3ª série, Lisboa, 2006, pp. 107-127

(10)

A metodologia a seguir será, sobretudo, descritiva e analítica, assentando em três perspetivas:

a) Análise bibliográfica e documental;

b) Recolha e análise de dados de diversas organizações e empresas (sendo as mais relevantes: o Banco Mundial, a OMC, a ONU, o FMI ou ainda a Gazprom);

c) Análise do discurso político.

A análise assentará sobre duas vertentes fundamentais. A primeira é a base do que verdadeiramente catapultou os BRICS para um maior protagonismo – a economia. A Goldman Sachs previu a ascensão dos BRIC baseada exclusivamente em estudos económicos; e, efetivamente, o mundo hoje reconhece o Brasil, a Rússia, a Índia e a China (a África do Sul em menor escala) enquanto grandes potências devido ao seu extraordinário crescimento económico. É por esta razão que faz todo o sentido abordar a problemática da geopolítica cada vez mais dominada pela geoeconomia, e analisar as consequências deste fenómeno no crescimento dos BRICS.

A segunda vertente assenta na abordagem dos conflitos regionais enquanto potenciadores de grandes discórdias e enquanto obstáculos ao poder de uma grande potência. No caso de alguns dos BRICS, mais do que conflitos regionais, trata-se de focos que evidenciam potenciais embates à escala mundial, além de que podem igualmente servir como fatores de enfraquecimento do poder destes países, pois suscitam rivalidades e apoios regionais e mundiais. Desde a Tchetchénia até Taiwan, o poder regional de alguns dos BRICS permanece bastante contestado, o que justifica a sua análise.

Em termos de estrutura, importa primeiramente referir que o segundo capítulo será mais extenso comparativamente com os restantes capítulos, dado incluir a análise pormenorizada dos pontos estratégicos e dos constrangimentos de cada um dos BRICS. Assim, o primeiro capítulo será consignado à definição dos conceitos relevantes e à descrição da distribuição atual do poder; o segundo capítulo versará sobre as vantagens (económicas, militares ou políticas) de cada um dos BRICS e, paralelamente, sobre os constrangimentos que enfrentam (desde os conflitos regionais até às dificuldades sociais); o terceiro capítulo analisará, na prática, a fórmula de avaliação do poder a ser aplicada; e por fim, o quarto capítulo analisará a reestruturação das organizações internacionais e a reação dos EUA ao crescimento destas potências.

(11)

Capítulo I – O Poder na Ordem Internacional Atual e o Lugar dos BRICS

1.1 Polaridade, Poder e a Ordem vigente

A temática da ascensão dos BRICS e a sua influência, tanto no poder dos EUA como na ordem vigente, obriga necessariamente à definição de três conceitos capitais: polaridade, poder e ordem. Trata-se de conceitos que envolvem diretamente a ação dos BRICS, pelo que a análise da sua natureza é de extrema importância para a qualificação desta ação e subsequente conclusão relativamente à ordem vigente e estrutura do poder.

O conceito de polaridade implica a assunção de que a distribuição do poder no sistema internacional é necessariamente desigual. Randall Schweller transmite bem a essência deste conceito ao utilizar os termos “oligarquia” e “hegemonia" (consoante o número de polos existentes) enquanto formas de distribuição do poder pelos Estados1. O conceito de polaridade baseia-se, pois, numa perspetiva realista das relações internacionais: a de que a incontornável competição entre os Estados gera obrigatoriamente polos de poder no contexto da anarquia intrínseca ao sistema2. Mas mais do que a noção de polos de poder, a questão essencial no conceito de polaridade é a de que nem todos os Estados têm a capacidade necessária para atingir o patamar de grande potência. A polaridade significa, portanto, que apenas os grandes interessam; que apenas as grandes potências têm a capacidade para se qualificar enquanto polo por possuírem um conjunto de elementos que lhes permitem ter maior poder do que outros Estados. No fundo, é o conceito de poder que confere o estatuto de polo aos Estados.

Mas será o poder divisível ou será que o estatuto de grande potência exige uma série de elementos básicos interdependentes e, portanto, indivisíveis? De facto, é evidente que os Estados podem destacar-se em vertentes específicas do poder – como a economia ou os recursos naturais – e tornar-se inclusivamente potências de média

1

Schweller especifica que só alguns Estados têm capacidade de atingir o estatuto de grande potência e tornar-se num polo do sistema internacional, e como tal o poder só pode estar distribuído de duas maneiras: ou pertence apenas a alguns numa oligarquia (associado aos conceitos de multipolaridade, bipolaridade ou outros que envolvam mais do que uma potência) ou pertence a um só numa hegemonia (associado ao conceito de unipolaridade). Segundo Schweller: “The very concept of polarity implies oligarchic or, in the case of unipolarity, hegemonic rule over the international system.” Randall Schweller, “Entropy and the trajectory of world politics: why polarity has become less meaningful”, Cambridge Review of International Affairs vol. 23, nº1, 2010, p. 149.

2

Segundo Barry Buzan: “(…) polarity rests on a realist understanding of what the international system is and how it works. It defines the system primarily in terms of states, and the dynamic of international relations primarily in terms of conflict”. Barry Buzan, The United States and the Great Powers: World Politics in the Twenty-First Century, Polity Press, Cambridge, 2004, p. 41

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dimensão ou à escala regional. Contudo, o estatuto de grande potência exige mais do que uma só vertente, pelo que abordar a questão das grandes potências implica necessariamente considerar o poder indivisível. A definição de poder em todas as suas vertentes requer, portanto, a definição de uma série de elementos obrigatórios. Neste sentido, o realismo estruturalista de Kenneth Waltz3 apresenta uma definição bastante completa do conceito de poder, ao estipular que uma grande potência requer obrigatoriamente cinco elementos: uma população e um território de grandes dimensões; recursos naturais em abundância; grande capacidade económica; grande capacidade militar; e, por fim, competência e estabilidade políticas. Tendo em conta estes elementos, rapidamente se conclui que só um número muito reduzido de Estados consegue preencher estes requisitos:

Quadro I Requisitos de Poder País Território Extenso1 Grande População2 Recursos Naturais3 Economia Forte4 Força Militar5 Competência Política6 Total de requisitos EUA X X X X X X 6 Rússia X X X X X 5 China X X X X X 5 Brasil X X X X 4 Canadá X X X X 4 Japão X X X X 4 Índia X X X 3 Austrália X X X 3 Reino Unido X X X 3 França X X X 3 México X X 2 Itália X X 2 Alemanha X X 2 Arábia Saudita X X 2 Indonésia X 1 Irão X 1 Venezuela X 1 Argentina X 1 África do Sul 0 Turquia 0

1 Países com território superior a 2 milhões de Km2 – Banco Mundial 2 Países com população superior a 100 milhões de habitantes – Banco Mundial

3 Países ricos em petróleo, gás natural e com capacidade de produção de novos combustíveis – OPEP e BP 4 Países com um PIB nominal superior a um milhão de milhões de dólares (1 bilião de dólares) – Banco Mundial 5 Países que gastam mais de 50 mil milhões de dólares em recursos militares – Banco Mundial

6 Países cuja eficiência do Estado foi considerada superior a 70% pelo Banco Mundial Países que preenchem maior número de requisitos de poder.

3

Kenneth Waltz, “The Emerging Structure of International Politics”, International Security, vol. 18, nº2, The MIT Press, Harvard, 1993, p. 50

(13)

Os BRICS – com a exceção da África do Sul – estão nesse grupo limitado de países, assim como os EUA. O grupo deixa, no entanto, de ser limitado quando a perspetiva é exclusivamente o número de grandes potências (e não o número de Estados no mundo). Ora, se em termos de grandes potências são vários os países que conseguem, atualmente, corresponder a estes cinco elementos (cerca de dez, mais do que no final da Guerra Fria), então a relação de forças deve ser reequacionada. É neste contexto que se impõe a questão da classificação da ordem internacional vigente.

Mas o conceito de ordem é mais complexo do que a mera relação entre os Estados. A definição de Hedley Bull é particularmente elucidativa sobre a complexidade entre as unidades do sistema. Bull estabelece dois conceitos de ordem: um que envolve unicamente a relação entre os Estados enquanto unidades mínimas a considerar (ordem internacional); e um segundo conceito que se refere sobretudo à sociedade entre os seres humanos, envolvendo um número muito maior de unidades como os Estados, regimes políticos, valores humanos, e o próprio indivíduo enquanto unidade mínima (ordem mundial)4. Ora, a ordem mundial é, segundo Bull, mais importante por duas razões: a primeira é o facto de o indivíduo constituir uma unidade inatingível pela ordem internacional; e a segunda é o facto de esta mesma unidade ser indestrutível e considerar os valores humanos, contrariamente às unidades da ordem internacional que são os Estados, impérios ou organizações. Nas palavras de Bull: “World order is wider than

international order because to give an account of it we have to deal not only with order among states but also with order on a domestic or municipal scale 5.

A classificação da ordem internacional torna-se, contudo, mais importante para a análise aqui patente, pois, adotando uma abordagem realista, as unidades de poder são exclusivamente os Estados, e, em última análise, as alianças e as organizações internacionais, e não a sociedade em geral e todos os seus elementos e valores comuns ou divergentes. Mesmo tratando-se os Estados de unidades geridas, naturalmente, por indivíduos, é através destas unidades de maior dimensão que o poder se manifesta em termos internacionais, e muito pouco através do indivíduo, por si só, ou outros grupos por si criados. Em suma, a ordem mundial é de extrema importância para a sociedade e

4

Bull define a ordem internacional como o padrão da atividade internacional entre os Estados que sustenta determinados objetivos (a manutenção da paz, a defesa da independência dos Estados e a preservação do sistema). Por outro lado, Bull define a ordem mundial como o padrão da atividade humana que sustenta a vida em sociedade. A ordem mundial vai muito mais além dos Estados ao abranger também os indivíduos, grupos de indivíduos, valores políticos, valores humanos e valores da sociedade, além do Estado e das organizações internacionais. Hedley Bull, The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics, Palgrave, 3ª Edição, Nova York, 2002, p. 16 e p. 19

5

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para a evolução dos seus valores, mas o poder está sobretudo na ordem internacional e é esta que deverá ser tida em conta quando analisados os BRICS e os EUA.

Considerando, pois, o conceito de ordem internacional, é importante notar que a última década apresentou grandes desenvolvimentos ao nível das potências emergentes, desviou a atenção do mundo ocidental (particularmente da visão eurocêntrica) e colocou os EUA num diálogo muito mais frequente com países como a China ou a Índia. Os BRICS, individualmente ou em grupo, tiveram aqui um papel preponderante. Colocaram a ordem internacional em discussão, pois a verdade é que os elementos constitutivos do poder não conferem só aos EUA o estatuto de superpotência; conferem também, e cada vez mais, o estatuto de grande potência a países que antes eram excluídos e desconsiderados. A classificação da ordem atual deve refletir esta realidade.

Em 1997, Kenneth Waltz garantia que a multipolaridade era já uma realidade:

“Multipolarity is developing before our eyes: To all but the myopic, it can already be seen on the horizon”6. Porém, os últimos vinte anos demonstram que o poder dos EUA permaneceu inabalável em muitos momentos difíceis, desde a primeira guerra do Golfo em 1990 até à invasão do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003. É difícil ser-se tão perentório como Waltz, pois a força do momento unipolar norte-americano continua a notar-se em termos militares, económicos e inclusivamente em termos da influência americana no mundo (o soft power americano). A questão que se coloca é se os EUA estão a conseguir manter a sua unipolaridade face a forças como os BRICS, tendo ainda em conta outros atores como a Europa ou o Japão, mesmo que não preencham todos os requisitos básicos de uma grande potência. É, contudo, difícil colocar a ordem internacional atual numa das três formas mais frequentes e conhecidas da polaridade: a multipolaridade, a bipolaridade e a unipolaridade. O conceito de unipolaridade ainda é muito visível na ordem atual (tal como o provam também os dados do capítulo III), mas é também visível que esta mesma ordem apresenta algumas diferenças que a afastam da unipolaridade exclusiva. Samuel Huntington, por exemplo, sugere o termo “unimultipolaridade”, definindo o mundo como unipolar do ponto de vista internacional e multipolar sob o ponto de vista regional7. A visão de Huntington não parece estar

6

Kenneth Waltz, “Evaluating Theories”, American Political Science Review, vol. 91, nº4, University of California, Berkeley, 1997, p. 915

7

Huntington sugere quatro níveis para a estrutura unimultipolar: no primeiro está a superpotência que são os EUA (com o poder em todas as suas vertentes); no segundo estão as potências regionais, onde Huntington inclui os BRICS; no terceiro estão potências regionais secundárias; e no quarto nível estão todos os restantes Estados. Samuel P. Huntington, “America in the World”, The Hedgehog Review, vol. 5, nº1, Institute for Advanced Studies in Culture, University of Virginia, 2003, p. 8

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longe da realidade e é, decerto, uma visão a considerar. Mas a par desta visão, importa ainda considerar dois outros conceitos que contribuem para este debate: a ausência de polaridade (nonpolarity), definida por Richard Haass; e a interpolaridade, definida por Giovanni Grevi.

Haass defende a ausência de polaridade baseado não apenas no facto de existir atualmente uma grande quantidade de Estados com poder, mas, sobretudo, porque o poder hoje não é apenas dos Estados, mas de outros atores não-estatais. O conceito de multipolaridade torna-se, assim, insuficiente para Haass: “Today's world differs in a

fundamental way from one of classic multipolarity: there are many more power centers, and quite a few of these poles are not nation-states”8. O estado de ausência de polaridade deve-se, segundo Haass, a duas outras razões: por um lado devido ao fator da globalização enquanto intensificador deste fenómeno, no sentido em que o poder de muitos Estados fica enfraquecido por não conseguirem controlar alguns fenómenos da globalização; e por outro lado a ausência de rivalidade entre as grandes potências, pois a maioria depende do sistema internacional para conseguirem manter a estabilidade económica e política9. Em suma, a ausência de polaridade é definida enquanto sinónimo de poder disperso, de tal forma que nem a multipolaridade é suficiente para classificar a ordem internacional. É por esta razão que Haass atribui o conceito de entropia à ausência de polaridade, no sentido em que um grande número de atores, com a mesma influência e poder, gera necessariamente um carácter aleatório na ordem internacional. Este carácter entrópico do sistema é igualmente defendido por Schweller10.

O que Haass denomina como a ausência de polaridade na ordem atual, Giovanni Grevi denomina, por outro lado, como a interpolaridade. Grevi entende a interpolaridade como um conceito que combina a multipolaridade com a interdependência entre os Estados: “Interpolarity is arguably a better illustration of the

international system than multipolarity, as it captures the shifting balance of power (…) while highlighting the fact that the prosperity and security of all the major powers are

8

Richard Haass, “The Age of Nonpolarity: what will follow U.S. dominance”, Foreign Affairs, vol. 87, nº3, 2008, p. 45

9

Richard Haass, Op. cit. p. 4 e p. 5

10

Para melhor explicar o conceito de entropia (um conceito da termodinâmica), Schweller apresenta o exemplo de um baralho de cartas, pois ao ser baralhado, jamais voltará à sua ordem original. A entropia aplica-se ao sistema internacional no sentido em que a polaridade perde relevância devido ao crescente número de atores em movimento e com poder idêntico. Nas palavras de Schweller: “(…) the key point is that polarity (...) is no longer as important as it once was in determining the behaviour of the great power system.” Randall Schweller, “Entropy and the trajectory of world politics: why polarity has become less meaningful”, Cambridge Review of International Affairs vol. 23, nº1, 2010, p. 158

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interconnected as never before11. A ideia central é a de que o mundo crescentemente multipolar e interdependente necessita de cada vez maior cooperação e multilatelarismo, dada a correlação política e económica cada vez maior entre os vários atores internacionais. Ora, esta mudança, segundo Grevi, está a originar uma maior cooperação baseada nas instituições, maiores soluções tomadas em conjunto e uma crescente segurança coletiva12. Grevi vaticina, pois, a maior cooperação entre os Estados em resultado da interdependência e das crescentes assimetrias no poder. A interpolaridade distingue-se da multipolaridade justamente devido ao carácter de interdependência que dita que os polos são, necessariamente, obrigados a cooperar de modo a manter a estabilidade e a prosperidade.

É com base nestes conceitos que a influência dos BRICS deve ser analisada na ordem internacional atual. O mundo já não é o mesmo desde 1990, pelo que qualquer um dos conceitos de polaridade aqui patentes será objeto de reflexão e cruzamento com o poder real dos BRICS.

1.2 Superpotências, Grandes Potências e Potências Regionais

Depois de definidos os elementos essenciais à constituição de uma grande potência mundial, importa agora perceber de que forma se organizam os Estados em termos do seu poder real. Barry Buzan exprime uma primeira ideia de extrema relevância neste contexto, ao referir que as potências e grandes potências não se definem apenas por meios materiais, mas por dois outros critérios que importa analisar: o primeiro refere-se ao estatuto internacional que um Estado atribui a si próprio; e o segundo refere-se ao estatuto que os outros Estados atribuem a esse Estado (ou seja, a forma como um Estado é visto por todos os outros)13. De facto, esta questão abordada por Buzan não é meramente teórica ou hipotética. Analisando as potências atuais, percebe-se, efetivamente, que o reconhecimento do estatuto internacional constitui um dos primeiros fatores a ter em conta na classificação de uma grande potência. O comportamento dos Estados – quer em relação a si mesmos, quer em relação aos seus

11

Giovanni Grevi, “The Interpolar World: a new scenario”, Occasional Paper, Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, nº79, 2009, p. 9

12

Giovanni Grevi, Op. cit. p. 28

13

Barry Buzan, The United States and the Great Powers: World Politics in the Twenty-First Century, Polity Press, Cambridge, 2004, p. 67

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pares – clarifica o seu estatuto internacional. Buzan refere um exemplo bem elucidativo: a Suécia atua muitas vezes ao nível global, mas não é tratada como grande potência; enquanto que o Japão raramente o faz, mas é tratado pelos outros Estados com esse estatuto14. Poder-se-ia ainda acrescentar outros exemplos, como o caso da Venezuela ou do Irão, dois Estados que não são considerados como grandes potências, mas que se esforçam por aumentar a sua influência na ordem internacional. Ou ainda a África do Sul, convidada para o grupo dos BRICS e vista como uma potência regional, mas raramente interventiva por sua própria iniciativa.

A ideia de que “o que os outros Estados dizem de um par, é mais importante do que

o que esse par diz sobre si próprio” (Buzan15), serve de mote para a distinção entre os vários tipos de potências. A primeira distinção é claramente o nível global e o nível regional: no primeiro inserem-se a superpotência e as grandes potências e, no segundo nível, as potências regionais. Esta classificação, definida por Buzan, delimita o alcance do poder dos Estados consoante as suas potencialidades e a forma como são percecionados pelos seus pares.

Uma superpotência, segundo Buzan, precisa, antes de tudo, de cumprir todos os requisitos materiais com grande excelência (capacidade militar, económica e política), devendo ser capaz de atuar em qualquer cenário e em qualquer região do globo. Esta base material é evidentemente elementar, mas pode tornar-se insuficiente se não for gerida com uma estratégia bem definida e, sobretudo, se a superpotência não souber gerir a sua legitimidade em termos do que Buzan denomina “os valores universais que

suportam a sociedade internacional”16. É aqui que surge a questão do reconhecimento do estatuto pelos restantes Estados, e no caso da superpotência, a índole do estatuto de hegemonia assume uma importância ainda maior. Uma superpotência deve, não apenas ter a perceção do seu estatuto, mas sobretudo ser reconhecida e aceite por todos os outros Estados, caso contrário estaremos perante uma maior polarização e, portanto, perante uma superpotência que, na realidade, é considerada pelos restantes Estados como apenas mais uma grande potência numa ordem multipolar (por hipótese). Ora, analisando a realidade atual e tendo todos estes fatores em conta, é percetível que apenas os EUA se enquadram no conceito de superpotência, mesmo no contexto de

14

Barry Buzan, Op. cit. p. 67

15

Barry Buzan, Op. cit. p. 67

16

(18)

mudança da ordem atual em que outras grandes potências se posicionam como candidatas a um estatuto de hegemonia.

Por outro lado, uma grande potência, apesar de estar no mesmo nível de intervenção da superpotência, tem mais limitações no seu poder, seja devido a fatores materiais, seja porque o seu próprio estatuto a impede de atuar em todas as regiões. Distingue-se, porém, de uma potência regional por se considerar acima da limitação regional e, sobretudo, por se considerar uma potencial candidata ao estatuto de superpotência. Em termos da realidade atual, incluem-se neste estatuto países como o Japão e a União Europeia, isto é, as grandes potências tradicionais. Contudo, e tal como Buzan refere, trata-se de potências que dificilmente conseguirão ascender a um estatuto de superpotência: a União Europeia porque é politicamente fraca e dividida, e o Japão porque, além de limitações como o território reduzido e a vizinha China, também a sua incapacidade política o impede de ascender internacionalmente17. Neste sentido, o estatuto de grande potência está cada vez mais associado a países como os BRICS, em particular a China, que Buzan considera como a verdadeira desafiadora da superpotência.

Os BRICS são, portanto, cada vez mais considerados pelos restantes Estados como as grandes potências atuais. A abertura dos seus regimes políticos ao longo dos últimos trinta anos – que consequentemente potenciou a abertura dos seus mercados ao comércio internacional e o seu extraordinário crescimento económico e demográfico – dá-lhes um estatuto de relevância igual ou, porventura, superior à de Estados como a França ou a Alemanha. E, por isso, além de grandes potências, têm igualmente o estatuto de potências emergentes18.

Por fim, resta o estatuto de potência regional. Buzan define este conceito de uma forma clara: trata-se de um Estado que define a polaridade de um determinado complexo regional19. Por conseguinte, uma potência regional não atua ao nível global, ainda que o seu estatuto numa dada região possa determinar a ascensão a esse nível, dependendo do seu sucesso na região em causa. Por outro lado, sendo os complexos regionais separados (mas também interdependentes) do nível de ação global, cada um deles pode possuir uma polaridade diferente da existente na ordem internacional. É por

17

Barry Buzan, Op. cit. p. 71

18

Jérôme Sgard, “Qu’est-ce qu’un pays émergent?”, in L’enjeu mondial: les pays émergents, Presses de Sciences Po-L’Express, Paris, 2008, p. 41

19

Barry Buzan, The United States and the Great Powers: World Politics in the Twenty-First Century, Polity Press, Cambridge, 2004, p. 71

(19)

esta razão que faz sentido a classificação de Huntington da ordem internacional, ao introduzir a importância crescente do regionalismo no termo unimultipolaridade. É também devido ao crescente protagonismo dos complexos regionais que Buzan os considera mais importantes do que o que define como potências de média dimensão: Estados que têm uma intervenção que transpõe frequentemente as regiões onde se inserem (Canadá, Suécia e Austrália são exemplos disso)20.

Contudo, importa referir que a hegemonia regional não significa que um Estado se qualifique como grande potência. Segundo Buzan, “hegemony within a region is not a

guarantee of great power status”21. Buzan refere justamente o exemplo da África do Sul, um dos membros recentes dos BRICS, que apesar de pertencer a uma região onde é a potência regional hegemónica, não se qualifica como grande potência.

A análise de Buzan sustenta, portanto, a ideia de que o regionalismo é um dos principais fatores que move os BRICS, e que é através da ascensão regional que a maioria destes países ascende ao estatuto de grande potência mundial.

1.3 Polos de Poder Atuais e a Dinâmica do Regionalismo

A polaridade atual já foi brevemente analisada. Conceitos como a unipolaridade, a interpolaridade, a ausência de polaridade ou a unimultipolaridade espelham, cada um, uma parte da ordem internacional atual. O mundo continua, de facto, unipolar em muitos aspetos, mas os desenvolvimentos da última década obrigam a uma reanálise e identificação dos novos polos de poder.

A questão da ordem internacional atual é recorrente e necessária também quando se tenta identificar Estados que representem um polo. Para William Wohlforth, por exemplo, o mundo permanece unipolar e assim continuará por muito tempo por duas razões fundamentais: trata-se de um mundo onde a paz é muito mais verosímil, e um mundo onde a grande capacidade da superpotência (aliada a uma estratégia que mantenha satisfeitos os restantes Estados) elimina qualquer competição ou sublevação22. Wohlforth não nega evidentemente a existência de outros polos, mas é perentório ao afirmar que nada podem contra a superpotência que são os EUA, o que, na

20

Barry Buzan, Op. cit. p. 71

21

Barry Buzan, Op. cit. p. 73

22

William Wohlforth, “The Stability of a Unipolar World”, International Security, vol. 24, nº 1, MIT Press, Harvard, 1999, p. 7

(20)

prática, retira bastante poder a esses polos. A competição e o equilíbrio de poder são, para Wohlforth, praticamente inexistentes numa estrutura unipolar, pela razão de que quanto mais poder tiver a superpotência, menores constrangimentos sofrerá de outros Estados23. A tese de Wohlforth contraria totalmente a argumentação de Kenneth Waltz, que insiste que é justamente a hegemonia de um Estado que suscita a necessidade de os restantes Estados se sublevarem – a teoria do equilíbrio de poder: “In international

politics, overwhelming power repels and leads others to try to balance against it”24. Por conseguinte, a unipolaridade é encarada por Waltz como um momento de curta duração que necessariamente dará lugar a uma estrutura com vários polos de poder semelhantes. Nas palavras de Christopher Layne – que considera igualmente a unipolaridade como uma estrutura de curta duração por natureza – a multipolaridade deveria ser já vigente na década de 2000 a 201025. Porém, da mesma forma que é difícil considerar a estrutura atual como unipolar, é também bastante arriscado considerá-la já multipolar. Daí que conceitos como a interpolaridade ou a ausência de polaridade surjam, cada vez mais, como alternativa à discussão entre unipolaridade versus mu

ltipolaridade.

Existem, por outro lado, outras perspetivas quanto aos polos de poder vigentes. Robert Kagan26, por exemplo, apesar de também ser perentório ao afirmar que o mundo é indiscutivelmente unipolar, considera que a competição entre as grandes potências é crescente, contrariando a tese elaborada por Francis Fukuyama de que o final da Guerra Fria trouxe o fim da História, e com ela o fim das lutas ideológicas e o triunfo das democracias liberais27. A tese de Fukuyama está, aliás, cada vez mais afastada da realidade, sobretudo com o decorrer da última década que estipulou claramente novas potências, novos atores não-estatais e uma contínua competição entre os Estados. Kagan, por seu lado, divide o mundo de uma forma bipolar e estabelece as democracias e as autocracias como os dois grandes polos que se opõem atualmente, sugerindo, inclusivamente, que os EUA devem empenhar uma mudança na sua estratégia e criar uma liga das democracias que se oponha e, ao mesmo tempo, convença as autocracias – chefiadas, a seu ver, pela China e pela Rússia – a seguir a via democrática. Outras

23

William Wohlforth, World out of Balance, Princeton University Press, New Jersey, 2008, p. 23

24

Kenneth Waltz, “Structural Realism after the Cold War”, International Security, vol. 25, nº 1, MIT Press, Harvard, 2000, p. 28

25

Christopher Layne, “The Unipolar Illusion”, International Security, vol. 17, nº 4, MIT Press, Harvard, 1993, p. 7

26

Robert Kagan, “End of Dreams, Return of History”, Policy Review, nº144, Hoover Institution – Stanford University, 2007, p. 36

27

(21)

perspetivas, como a de Samuel Huntington, por exemplo, na célebre obra The Clash of

Civilizations28, define oito civilizações distintas e argumenta que os próximos desafios do

affinities, whe

imento de grandes blocos que con

americana (como Charles Kupchan30 ou Fareed Zakaria31) concordam que os EUA

mundo advirão do embate entre elas (uma visão também oposta à de Fukuyama). Independentemente das teses em causa, a verdade é que, mesmo estando integrados em blocos civilizacionais ou ideológicos, os Estados não deixaram de competir entre si. A questão da oposição civilizacional é complexa e discutível, assim como o é a questão da liga das democracias. Os Estados continuam a rivalizar ao nível mundial e regional, sem muitas vezes terem em conta questões civilizacionais ou ideológicas. Estão muito mais interessados no que Buzan designa como os Complexos de Segurança Regionais (Regional Security Complexes – RSC) do que num quadro civilizacional. Segundo Buzan: “Huntington’s delineation of the regions/civilisations differs from ours at

several points because his are seen as reflections of underlying cultural reas our RSCs are defined by the actual patterns of security practices”29.

A realidade demonstra que existem conflitos dentro das próprias civilizações definidas por Huntington, e por isso mesmo Buzan considera que é o nível regional que deve ser considerado, sobretudo para evitar desastres como os da Guerra Fria que se concentrou sobretudo no nível global dos conflitos. Tal como será abordado nos capítulos seguintes, os conflitos regionais moldam muito mais as relações de poder atualmente. É por esta razão que faz todo o sentido abordar a realidade atual sob o ponto de vista da importância crescente do regionalismo, em detr

têm dentro de si mesmos grandes conflitos e disputas.

O primeiro grande polo de poder a ter em conta é a superpotência ainda vigente: os EUA. Tendo em conta o conceito de superpotência e analisando a realidade atual, os EUA permanecem o único país capaz de atuar muito além da sua zona regional, incluindo na última década. Trata-se ainda do país com uma capacidade militar e económica muito superior à das grandes potências imediatamente seguintes (como a China, por exemplo). Além disso, o soft power americano – desde a indústria cinematográfica e língua até à sua capacidade de atrair imigração e influenciar outros Estados – continua a ser gigantesco. Mesmo os autores que vaticinam o fim da era

ity Pres

Kupchan, The End of the American Era, Alfred A. Knopf Inc., Nova York, 2002, p. 12

28

Samuel Huntington, The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order, Simon & Schuster, Londres, 2002

29

Barry Buzan, Regions and Powers: The Structure of International Security, Cambridge Univers s, Cambridge, 2003, p. 41

30

(22)

permanecem uma potência hegemónica. O seu maior desafio coloca-se agora no que Zakaria denomina como rise of the rest, aludindo não apenas à ascensão de outras potências, mas também ao crescente poder dos atores não-estatais32.

Por outro lado, a expressão rise of the rest incide justamente num ponto central da atualidade: a questão do regionalismo e o desenvolvimento das grandes potências emergentes – os novos polos de poder. Na década de 90, Kenneth Waltz referia sobretudo a Alemanha, o Japão e a Rússia como os grandes polos de equilíbrio de poder33. Kupchan, por seu lado, referia sobretudo a Europa (até mais do que a China) como a grande ameaça ao poderio norte-americano34. É certo que alguns países europeus como a França, o Reino Unido e a Alemanha não perderam o estatuto de grandes potências, mas a sua importância e influência têm vindo a decrescer para dar lugar às potências emergentes. Atualmente, a realidade demonstra que os restantes polos de poder estão a surgir sobretudo fora das regiões tradicionais. Na Ásia, a China destaca-se como a maior desafiadora da supremacia norte-americana. Ao mesmo tempo, a Índia e o Japão assumem uma tremenda importância regional e mundial, não apenas em relação aos EUA, mas especialmente em relação à influência do crescimento desenfreado da vizinha China. A Ásia é, porventura, a maior representante da forte ascensão regional, ou como o general Loureiro dos Santos intitulou um dos seus capítulos: trata-se do “regresso da Ásia aos níveis superiores de influência

estratégica”35.

Além da Ásia, importa ainda destacar outros dois grandes polos de poder: a América do Sul (através do triângulo entre Brasil, Argentina e Venezuela, com o Brasil a liderar o complexo regional); e a Rússia, cujo crescimento económico e potencialidades energéticas e militares impedem que perca o estatuto de grande potência, optando cada vez mais por se aliar ao fenómeno das potências emergentes36. Ao nível exclusivamente regional, importa salientar a África do Sul, o Egito, a Turquia, o México, a Venezuela ou o Irão. Embora com uma importância relativa, os complexos regionais de cada uma

31

Fareed Zakaria, The Post-American World: And the Rise of the Rest, Penguin Books, Londres, 2009, p. 217

32

Fareed Zakaria, Op. cit. p. 4

33

Kenneth Waltz, “The Emerging Structure of International Politics”, International Security, vol. 18, nº2, The MIT Press, Harvard University, 1993, p. 72

34

Charles Kupchan, The End of the American Era, Alfred A. Knopf Inc., Nova York, 2002, p. 119

35

José Alberto Loureiro dos Santos, O Império Debaixo de Fogo: Ofensiva Contra a Ordem Internacional Unipolar, Europa-América, Mem Martins, 2006, p. 79

36

(23)

des

ras de Kupchan: "I argue that the United States should prepare for

the

de é que, tal como será abordado nos capítulos seguintes, a estratégia norte-americana tem-se modificado

s e do crescente regionalismo.

1.4

s BRICS,

tas potências têm contribuído para a valorização do regionalismo enquanto fenómeno de alteração da estrutura da ordem internacional.

É com todos estes polos de poder que os EUA terão de lidar cada vez mais. É também com base nos novos polos de poder que Kupchan, por exemplo, defende a mudança da estratégia norte-americana, sobretudo em relação ao isolacionismo e unilateralismo que têm colocado em causa a unipolaridade dos EUA37. Neste sentido, Kupchan introduz um conceito que importa mencionar: a unipolaridade benigna, enquanto estratégia para preservar a hegemonia dos EUA38. O ponto central deste conceito incide justamente nas questões regionais: Kupchan defende que os EUA só poderão prolongar a sua supremacia através do apoio à unipolaridade regional, pois só a supremacia regional de um Estado irá evitar que outros se sublevem, ao mesmo tempo que permite à superpotência definir os termos em que a unipolaridade regional se estabelece. Nas palav

inevitable decline of its preponderance by encouraging the emergence of regional unipolarity (…)”39.

Hoje, mais do que na década de 90, o regionalismo crescente dá maior credibilidade a esta estratégia. Os EUA não podem ignorar esta realidade e a verda

por influência das potências emergente

A Teoria da Transição de Poder

A transição de poder entre os Estados não é um fenómeno raro nas relações internacionais, e tendo em conta os desenvolvimentos da última década, é cada vez mais oportuno abordar a teoria da transição do poder à luz da ordem atual. Abramo Organski – o percursor desta teoria – toca num ponto de extrema importância para a realidade que se vive atualmente, ao defender que o processo de industrialização dos Estados é a chave para o advento de uma mudança na distribuição do poder40. Ora, o processo de industrialização é justamente o que se verifica na maioria dos países do

37

Charles Kupchan, The End of the American Era, Alfred A. Knopf Inc., Nova York, 2002, p. 31

38

Charles Kupchan, “After Pax Americana: Benign Power, Regional Integration, and the Sources of a Stable Multipolarity”, International Security, vol. 23, nº2, The MIT Press, Harvard, 1998, p. 42

39

Charles Kupchan, Op. cit. p. 42

40

(24)

sob

Waltz não pressupõe necessariamente a guerra, a teoria da transição do pod

s trouxe para a primeira linha das gra

benigno, incluindo a superpotência, e por isso desenvolve a teoria de uma transição retudo desde o começo da década de 80 do século XX, o que, segundo o conceito de Organski, torna alguns destes países aptos a desafiar a potência hegemónica.

Organski define três fases do processo de industrialização: uma primeira fase pré-industrial, onde a agricultura é predominante; uma segunda fase de crescimento motivado pelo começo do processo industrial, pelo crescimento dos centros urbanos e pelo grande fluxo migratório para as cidades; e, por fim, a terceira fase caracterizada pela industrialização plena e por uma economia forte41. Tendo chegado a esta fase e possuindo todos os elementos constitutivos do poder, então uma grande potência terá todas as potencialidades para desafiar a superpotência. Além disso, tratando-se de uma grande potência insatisfeita, maior será o risco de surgir um conflito armado entre a potência hegemónica e o desafiador. No conceito de Organski, é o grau de poder (onde se inclui a industrialização) aliado ao grau de satisfação que encaminham o mundo para uma transição de poder entre potências42. Enquanto que a teoria do equilíbrio de poder de

er pressupõe sobretudo a guerra, visto ser baseada nos casos mais frequentes da História.

Analisando a realidade atual, não é, contudo, certo que os BRICS estejam já na fase final do processo de industrialização definido por Organski. Por outro lado, mesmo considerando-os nesta fase, não existe o grau de insatisfação suficiente para chegar a um nível de guerra (ver capítulos II e III). A tese de Organski serve sobretudo para perceber a evolução dos BRICS (à exceção da Rússia): antes da década de 80 faziam parte do chamado “terceiro mundo”, eram essencialmente agrícolas e economicamente fracos, e foi o processo de industrialização e de abertura que o

ndes potências mundiais. Se houver uma transição de poder, ela far-se-á através da evolução deste mesmo processo de industrialização.

A questão, contudo, não se coloca tanto ao nível da guerra, mas mais ao nível de uma transição pacífica, o que não significa necessariamente a deposição da superpotência, mas, seguramente, a alteração da ordem exclusivamente unipolar. Kupchan parte do princípio de que a maioria das potências atuais possui um carácter

41

Abramo Organski, Op. cit. p. 302

42

Segundo Organski: “Degree of power and degree of satisfaction become important national characteristics to be considered when trying to locate nations that are most likely to disturb world peace.” Op. cit. p. 325

(25)

pacífica como a hipótese mais plausível43. Acrescenta ainda outros fatores como o acordo sobre a ordem vigente e a questão da legitimidade internacional que definem uma série de normas que regem a relação entre as grandes potências. São estes argumentos que levam Kupchan a considerar a transição pacífica de poder, sem, no entanto, deixar de considerar que a supremacia americana continua indiscutível e que é essa

to maior do que o eventual desacordo ou riva dade quanto à ordem internacional.

.5 Soft Power, Hard Power e Smart Power

e valo

supremacia que tem mantido a paz atual44.

Como se verá nos capítulos seguintes, a alteração (ou transição) na ordem internacional atual não aponta para uma situação de guerra, mas antes para uma reconfiguração da distribuição do poder, onde o fator da interdependência entre os Estados assume uma importância mui

li

1

O poder contém em si mesmo outras vertentes que não apenas a vertente material. Partindo da definição de poder de Joseph Nye – “power is the ability to influence the

behaviour of others to get the outcomes one wants”45 – importa referir que essa influência pode ser muito mais do que a coerção pela força material, seja pelos meios militares ou pela economia (hard power). É certo que a vertente material do poder é, em última análise, a única que poderá conseguir os resultados que um Estado pretende (sobretudo se se tratar de uma situação de guerra). Mas a verdade é que esses mesmos resultados podem ser atingíveis recorrendo a outros meios de influência; meios que podem inclusivamente ter maior sucesso, a médio e longo prazo, por assentarem na base da persuasão (soft power). Precisamente, a crescente importância do soft power suscita cada vez mais a divisão em relação ao hard power, sobretudo tendo em conta que a ação do soft power consegue determinar, atualmente, a prevenção de conflitos, o estabelecimento e aceitação de regras internacionais e a admiração por um conjunto d

res ou práticas (podendo ser bons ou maus) vindos de uma determinada potência.

43

Kupchan refere que a transição de poder pode levar a três resultados distintos: a guerra; a paz fria (baseada na dissuasão); e a paz quente (baseada na cooperação). Charles Kupchan, Power in transition: The er, United Nations University Press, Nova York, 2001, p. 7

York, 2004, p. 2 peaceful change of international ord

44

Charles Kupchan, Op. cit. p. 172

45

(26)

Enquanto o hard power se baseia na ameaça e na coerção, o soft power baseia-se na capacidade de cooptar. Segundo Nye, o soft power é muito mais do que a influência ou até do que a persuasão: a palavra-chave quando se aborda o soft power é atração46. O objetivo é cativar, levar o adversário a interessar-se por valores culturais ou políticos, e assim conseguir a conversão ou aceitação, isto é, eliminar pontos de conflito e criar pontos de atração que impedem um confronto. Nye define três pontos fulcrais do soft

power: a cultura, os valores políticos e a política externa47. Ora, é claro que é impossível atrair todos os adversários, por muito atrativa que seja, por exemplo, a cultura de um país48. A cultura americana, por exemplo, pode ter uma grande influência nos países latino-americanos, mas ter o efeito oposto em países como a Arábia Saudita. É por esta razão que Nye ressalva que a atração do soft power depende do contexto, sob

ft power

pod

retudo em termos culturais. Ainda assim, Nye é perentório ao afirmar que a divulgação e o sucesso da cultura americana (desde o cinema até à música) tornaram os EUA mais poderosos, ricos e inspiradores (mesmo em países como a China)49.

Por outro lado, e contrariamente ao hard power, os elementos constitutivos do soft

power não são controláveis pelos governos, mesmo no caso dos valores políticos ou da

política externa, cuja ação é invariavelmente condicionada pela influência cultural (e vice-versa)50. É certo que um governo pode seguir uma estratégia de soft power, que se traduziria, por exemplo, por uma abordagem mais diplomática, legitimada e respeitadora dos outros Estados e culturas. Mas independentemente desta ação, o facto é que a globalização da cultura americana é um bom exemplo de como a cultura popular de massas pode condicionar a política externa de um Estado tão poderoso como os EUA. Se existe, de facto, uma grande aceitação, admiração e cópia do estilo de vida americano na Europa, América Latina e mesmo na Ásia, o mesmo não se poderá dizer de alguns países africanos ou do Médio Oriente (que adotam frequentemente uma atitude hostil para com as marcas americanas). A parte não controlável do so

e, efetivamente, ter efeitos negativos ou de repulsa (mesmo que, segundo Nye,

presença nos países islâmicos não motiva prop EUA. Joseph Nye, Op. cit. p. 12

icionam os esforços do governo para mel países islâmicos. J. Nye, Op. cit. p. 15

46

J. Nye, The Powers to Lead, Oxford University Press, Nova York, 2008, p. 31

47

J. Nye, Soft Power: The means to success in world politics, PublicAffairs, Nova York, 2004, p. 2

48

Nye dá o exemplo da Mcdonald’s ou da Coca-Cola, cuja riamente adoração pelos

49

J. Nye, Op. cit. p. 12

50

Nye refere, por exemplo, que a maneira como o Islão é frequentemente retratado nos filmes americanos ou a simples realidade liberal da mulher ocidental, cond

(27)

muitos líderes de países islâmicos ou o próprio presidente da Coreia do Norte, Kim Jong Il, alegadamente se divirtam a ver os filmes americanos e a comer fast food)51.

Mais recentemente, o soft power, aliado ao fator da globalização, teve um efeito determinante na mudança política e social de alguns BRICS, mais concretamente da Rússia e da China. Tanto a abertura económica da Rússia como, mais significativamente, a abertura económica e política da China ao longo dos últimos vinte anos, decorreu, em parte, da pressão do soft power e da globalização, sem que os EUA controlassem diretamente essa influência. A atração pelo capital, pelos mercados e pelas grandes empresas conseguiu, ao fim de tantos anos, convencer a Rússia e a China a mudarem substancialmente o seu modelo e a adotarem o que se poderá denominar por comunismo capitalista (sobretudo no caso chinês). Um modelo que, apesar de manter o regime comunista, no caso da China, é aberto à economia de mercado, ao investimento e ao negócio, o que prova uma clara influência do modelo ocidental. Por outro lado, mesmo a mais recente influência e pressão dos EUA sobre a China, em matéria de dire

legitimidade de um Estado, também o poder de atração do soft power, por si s

itos humanos, tem tido alguns desenvolvimentos no lado chinês (ver capítulo II), o que demonstra justamente o carácter de longo prazo da estratégia de soft power e o maior sucesso comparativamente ao hard power52. É por estas razões que faz sentido avaliar a componente de soft power dos BRICS e dos EUA, pois o poder, a influência e a eventual alteração de regras internacionais joga-se cada vez mais a este nível.

A chave do sucesso do poder está, porém, na inteligência de saber conjugar o soft

power com o hard power. A esta capacidade Nye dá o nome de smart power53. Da mesma maneira que o hard power dificilmente conseguirá aumentar, por si só, a influência e a

ó, é insuficiente para fazer face a todas as adversidades do sistema. Como se verá nos próximos capítulos, os EUA perceberam justamente esta particularidade nos últimos anos e, sobretudo, após a estratégia seguida no Iraque, em 2003. Nas palavras de Nye:

“When the exercise of hard power undercuts soft power, it makes leadership more difficult”54.

51

J. Nye, Op. cit. p. 12

52

Importa referir que, apesar deste sucesso, o soft power nem sempre é melhor do que o hard power. Nye refere o exemplo mais recente e mais fulgurante: a atração exercida por Osama Bin Laden junto dos seus seguidores. O seu soft power é de tal modo bem sucedido que consegue atrair e convencer seguidores a sacrificarem a vida pelo terrorismo mais atroz. Neste sentido, não difere do hard power, na medida em que pode igualmente ser direcionado para fins hostis e perniciosos. J. Nye, The Powers to Lead, Oxford University Press, Nova York, 2008, p. 43

53

J. Nye, Op. cit. p. 43

54

(28)

Ora, o smart power conduz justamente à ideia de liderança, na medida em que só poderá ser consolidada se as duas vertentes do poder forem combinadas. A liderança não se faz através da violência e intransigência. Quem o diz é também um dos grandes con

forte terá ecessariamente de compreender uma estratégia de smart power.

Num momento tão crucial para os EUA como é o atual, as questões da estratégia de a importância capital. E como se verá mais adiante, a estratégia norte-americana tem vindo alterar-se justamente para uma via mais pró

orreu nestes países a partir da década de 80 e, em especial, na última déc

económicas para rivalizar. Além disso, estão hoje muito mais dependentes da economia do que a economia dependente das regulamentações governamentais, ou seja, o próprio

hecedores destas questões – o ex-presidente Eisenhower – que, na sua definição de liderança, classificou esta ação como um atentado ou abuso: “You don’t lead by hitting

people over the head; that’s assault, not leadership”55. A liderança faz-se, sim, através de uma atitude inteligente que a legitime. Com efeito, uma liderança

n

liderança e do smart power assumem um

xima do smart power, devido, em grande parte, à influência dos BRICS.

1.6 Da Geopolítica à Geoeconomia

O crescimento dos BRICS está intimamente ligado ao gigantesco crescimento económico que oc

ada. No mundo ocidental, a década de 80 marcou igualmente o início do mercado livre e do liberalismo económico, mas também das privatizações em massa e da desregulamentação: um período e uma política que Edward Luttwak critica ao qualificar como o início do turbocapitalismo, por oposição ao capitalismo regulado que surgiu a partir de 194556.

O que importa, porém salientar, é que a ideia do mercado livre (ou turbocapitalismo, numa visão mais crítica do capitalismo desregulado) introduziu uma mudança na relação da economia com os Estados, no sentido em que passaram a utilizar armas

55

Dwight Eisenhower apud Alan Axelrod, Eisenhower on Leadership: Ike’s Enduring Lessons in Tota

da Segunda Guerra Mundial. Edward Luttwak,

Turb boa, 2000, p. 55

l Victory Management, Jossey-Bass, São Francisco, 2006, p. 283

56

O que muitos economistas designam como mercado livre, Luttwak designa como turbocapitalismo (um termo cunhado por si), definindo-o como o capitalismo desenfreado, sem regulação dos Estados, baseado nas privatizações de empresas públicas (e até faculdades, prisões ou bibliotecas), sem quaisquer preocupações sociais e com o único propósito do lucro. A geração de riqueza é o objetivo, mas a sua distribuição não é minimamente tida em conta, segundo Luttwak. É definido em oposição ao capitalismo moderado e regulado que trouxe riqueza às massas depois

(29)

poder económico ultrapassa frequentemente o controlo dos países. É por esta razão que, também na relação entre os Estados, se assiste cada vez a uma passagem da geopolítica à g

ico. As

arma as da economia: o investimento e o sistema

finan já não

estam

volvimento de produtos bsidiados pelo Estado é equivalente às inovações no armamento; e a

amente todas as outras potências, ou entre os EUA e a Europa, ou

eoeconomia, um termo também cunhado por Luttwak57. O próprio protagonismo político dos BRICS é fundamentalmente motivado pelo crescimento económico, muito mais do que pelo poderio militar, o que prova a importância crescente da geoeconomia.

Edward Luttwak cunhou o termo da geoeconomia com base no argumento de que a guerra e as lutas territoriais deixaram de ser uma realidade quando os envolvidos são Americanos, Europeus e Japoneses. Nas palavras de Luttwak: “a geoeconomia é um

jogo que é disputado por países que já suspenderam as guerras uns com os outros” 58.

A rivalidade entre estes atores persiste, mas a outro nível: o nível geoeconóm s de guerra deram lugar a duas arm

ceiro. E quando estas armas são desenvolvidas e apoiadas pelos Estados, os só perante a economia mas perante a geoeconomia. Segundo Luttwak:

“Na geoeconomia, o capital de investimento na indústria orientado pelo Estado é o equivalente ao poder de fogo; o desen

su

penetração nos mercados sustentada pelo Estado substitui as bases e guarnições militares em solo estrangeiro (…).”59

Ora, é justamente este tipo de relação que cada vez mais se impõe entre, por exemplo, a China e pratic

mesmo dentro da própria Europa. A geoeconomia já não se aplica apenas ao mundo ocidental, aplica-se cada vez mais aos BRICS e à relação de competição que mantêm com as outras potências.

Enquanto a geopolítica se define – segundo Rudolf Kjellen, o criador do termo no século XIX – como o estudo do Estado enquanto espaço geográfico60, a geoeconomia assenta na relação entre o espaço – não necessariamente confinado ao Estado – e o homem económico. A geopolítica pertence exclusivamente aos Estados, mas a geoeconomia tanto pode ser utilizada por estes, ou tornar-se ela própria supra estatal,

57

Edward Luttwak, Op. cit. p. 169

58

Edward Luttwak, Op. cit. p. 185

59

Edward Luttwak, Op. cit. p. 171

60

“La géopolitique est l’étude de l’État consideré comme un organisme géographique, ou encore comme un phénomène spatial (…)” Rudolf Kjellen apud Philippe Moreau Defarges, Introduction à la géopolitique, Éditions du Seuil, 2009, Paris, p. 39

(30)

dado o seu interesse exclusivo nas trocas e nos fluxos comerciais e no lucro. O espaço económico é, pois, muito diferente do espaço político. Nas palavras de Philippe Moreau Defarges: “L’espace politique est radicalement différent de l’espace économique, car le

premier ne peut exister sans permanence, sans clôture, tandis que le second bouge sans cesse en fonction des offres et des demandes de biens, de services”61. Por outro lado, se a geoeconomia é, de facto, cada vez mais utilizada pelos Estados como meio de poder e de influência, a realidade mais recente (a crise do subprime, em 2008, e as con

resultante do crescimento económico, da geo

z mais presente no mundo, até ao peso da geoeconomia sobre a geopolítica, é evidente que os instrumentos de guerra se tornaram

sequências daí decorrentes para a Zona Euro nos anos seguintes) também provou que a geoeconomia – através da geofinança dos mercados62 – consegue aplicar uma enorme pressão sobre os Estados para conseguir os seus objetivos lucrativos.

Com efeito, hoje, mais do que nunca, o poder económico (e financeiro) e a utilização da geoeconomia pelos Estados, define uma grande parte das relações de poder. A sua importância é tanto mais marcante se tivermos em conta que foi o papel da geoeconomia que formou os grandes blocos económicos como a União Europeia, o Mercosul, a ASEAN ou a NAFTA. O fenómeno do regionalismo e a criação dos grandes blocos deve-se, pois, em grande parte à utilização do poder económico pelos Estados. E à semelhança destes grandes blocos económicos regionais, também os BRICS decorrem da grande influência geoeconómica: basta referir que foram criados a partir do relatório de uma importante agência de investimento. Embora, no seu conjunto, seja difícil considerar os BRICS como um bloco regional e económico, a verdade é que formam seguramente uma força

economia e da própria globalização enquanto fenómeno mais abrangente e responsável pelo enriquecimento dos países em processo de industrialização, como a China em particular, ou os BRICS em geral63.

Em suma, o poder atualmente joga-se cada vez mais ao nível económico. Desde o fenómeno do turbocapitalismo, cada ve

61

Philippe Moreau Defarges, Op. cit. p. 191

62

A geofinança pode ser definida como uma síntese do dinheiro global e da desregulamentação. Cha

ação (…)” Edward Luttwak, Turbocapitalismo, Temas e Debates, Lisboa, 2000, p. 96 rles Goldfinger apud Philippe Moreau Defarges, Introduction à la géopolitique, Éditions du Seuil, 2009, Paris, p. 203

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Segundo Luttwak: “No seu estado atual, a globalização enriquece os países pobres em processo de industrializ

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Figura I – Previsões da Goldman Sachs para 2050
Gráfico I
Gráfico II
Gráfico III
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Referências

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