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A Transformação da China: apenas económica ou também social e

2. Capítulo II – O Protagonismo dos BRICS na Cena Internacional

2.4 China – A Grande Desafiadora da Ordem Unipolar

2.4.3 A Transformação da China: apenas económica ou também social e

A China está a conseguir em trinta anos aquilo que o Ocidente conseguiu em dois séculos: uma sociedade industrial e uma economia de mercado83. Poucos são os países que em cerca de trinta anos passaram de uma sociedade maioritariamente rural, baseada na agricultura, extremamente pobre e sem infraestruturas, para uma sociedade crescentemente urbana, baseada na produção industrial e com uma economia de mercado que tem vindo a reduzir a pobreza do país. A transformação económica da China é, portanto, evidente. Mas a mesma velocidade de transformação não se verifica ao nível político.

De facto, a índole autoritária e a ideologia comunista que caracterizam o regime chinês não sofreram grandes alterações desde 1978. O aparelho do Partido Comunista Chinês continua a deter a mesma força e influência na sociedade, limitando fortemente a liberdade de expressão e reprimindo veementemente qualquer tipo de manifestação, insurgência ou qualquer outro ato mais crítico em relação ao governo84. O regime político da China não acompanhou, portanto, a extraordinária abertura económica do país. A única transformação política deu-se ao nível da conceção económica que contraria justamente a ideologia comunista, ou seja, o regime permaneceu autoritário e repressor, mas crescentemente desviado da ideologia comunista ao nível económico.

Neste contexto, a questão crucial que se impõe é se o regime chinês conseguirá manter-se imutável perante uma transformação económica e social de dimensões gigantescas. De facto, qualquer país que evolua no processo de industrialização sofrerá, necessariamente, transformações políticas e sociais, como foi o caso da Indonésia de Suharto85. Ora, a China apresenta todos os elementos necessários à ocorrência de uma transformação política, nomeadamente o aumento da escolaridade da população, o aumento do poder de compra e o surgimento de uma sociedade urbana capaz de se organizar política e civicamente para defender a sua posição. Na realidade, existem já exemplos de uma sociedade crescentemente contestatária na China, começando no Tibete e em Xinjiang (embora com um propósito distinto), e também nos grandes

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Fareed Zakaria, The Post-American World: And the Rise of the Rest, Penguin Books, Londres, 2009, p. 97

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Tanto o Índice de Voz e Transparência (do indicador de governança do Banco Mundial), como o Relatório de Liberdades emitido pela Freedom House, demonstram que a China está muito abaixo no ranking dos 20 países em análise (ver Capítulo III).

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José Alberto Loureiro dos Santos, O Império Debaixo de Fogo: Ofensiva Contra a Ordem Internacional Unipolar, Europa-América, Mem Martins, 2006 p. 95

centros urbanos, onde, segundo o general Loureiro dos Santos, o número de incidentes e tumultos aumentou substancialmente a cada ano da última década, a maioria dos quais estão relacionados com decisões governamentais86. É certo que a China reprime violentamente cada manifestação, e que não tem qualquer hesitação em utilizar a pena de morte nos contestatários. Mas a verdade é que a crescente abertura económica e o crescimento dos grandes centros urbanos começam a evidenciar uma maior capacidade de contestação e reivindicação de interesses por parte da população. Estes fatores não significam que o regime político da China se modifique rapidamente ou que se converta numa democracia, mas importa, ainda assim, salientar que a sociedade chinesa já possui quase todos os elementos necessários para que ocorra uma transformação política, exceto um elemento: o nível de industrialização e desenvolvimento plenos.

Justamente, o facto de a China ainda não ter atingido o nível de uma sociedade pós- industrial impede a transformação plena da sociedade chinesa. O seu desenvolvimento encontra-se na fase intermédia definida por Organski. Apesar do extraordinário desenvolvimento verificado na última década, a verdade é que a China permanece um país subdesenvolvido e ainda com graves carências87. Os próprios dirigentes chineses sabem-no, e ao perceberem o grande reconhecimento ocidental em relação ao desempenho económico da China, não hesitam em lembrar o enorme caminho que o seu país ainda tem de percorrer88.

Este longo caminho não se situa apenas ao nível económico e ao nível do desenvolvimento social e político. A questão dos direitos humanos permanece como um dos grandes pontos de discórdia entre a China autocrática e repressora de liberdades fundamentais, e o Ocidente democrático e protetor dessas mesmas liberdades. Apesar de tudo, também nesta questão começam a surgir alguns sinais de mudança por parte da China. Numa declaração inédita em 2011, o presidente chinês Hu Jintao reconheceu,

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Em 2004, o número de manifestações e tumultos na China aumentou em cerca de 16 mil, num total de 74 mil incidentes, e em 2005 aumentou para 87 mil. José Alberto Loureiro dos Santos apud Howard French, op. cit. p. 89

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No relatório do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, de 2010, a China mantém-se bastante longe das economias pós-industriais e desenvolvidas, no lugar 89 do ranking (ver capítulo III).

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“Some people are lavishing praises on China and describing my country as a developed one, even equal to the United States. My friends, please do not buy what they say. This is nothing but a myth! We are well aware that it would take several generations' hard work or even longer before we can achieve modernization”. Dai Bingguo, Conselheiro de Estado chinês, Discurso no Secretariado da ASEAN em Jacarta, a 22 de Janeiro de 2010, disponível em: http://www.fmprc.gov.cn/eng/wjdt/zyjh/t653431.htm, acedido no dia 26/06/2011.

pela primeira vez, que a China tem um longo trabalho a fazer em matéria de direitos humanos, o que demonstra a sua vontade de convergir com o Ocidente89.

Os mais recentes desenvolvimentos provam, assim, que os próprios dirigentes políticos chineses estão dispostos a ingressar numa transformação política – embora lenta – que ainda não acompanha a transformação económica. Não obstante o regime autocrático chinês, importa salientar que a posição oficial da China é de cooperação com os EUA na manutenção da paz mundial e no combate ao terrorismo, o que denota uma estratégia bastante afastada de um possível conflito entre potências.