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Crescimento Indiano: diferente do chinês?

2. Capítulo II – O Protagonismo dos BRICS na Cena Internacional

2.3 Índia – A China do Futuro?

2.3.1 Crescimento Indiano: diferente do chinês?

A Índia não é rica em recursos naturais como o Brasil ou a Rússia; ainda não tem o estatuto internacional da China; e encontra-se num complexo regional de várias potências – entre as quais o Paquistão, o Japão e a China – que dificultam a sua atuação enquanto potência regional, e a sua afirmação enquanto grande potência mundial. E, no entanto, a Índia, em conjunto com a China, apresenta dados de crescimento colossais e únicos no mundo; e está a tornar-se num polo de grandes empresas na área da informática e de outras tecnologias. Só em termos económicos, a Índia e a China cresceram mais do que qualquer outro país dos BRICS na última década43. Ora, apesar dos constrangimentos de ordem regional, a Índia possui capacidades que lhe permitem tornar-se num dos maiores polos de poder. A questão coloca-se agora em dois pontos fulcrais: por um lado, importa perceber de que forma os constrangimentos regionais limitam a relevância política da Índia (tema do próximo subcapítulo), e por outro lado, importa avaliar as reais potencialidades económicas da Índia e em que medida se diferenciam, ou não, das da China.

O primeiro grande fator base do crescimento económico da Índia assenta na sua gigantesca massa demográfica. É certo que a China supera a Índia neste indicador, mas com algumas desvantagens. Por um lado, as políticas antinatalistas impostas pela China a partir dos anos 70 (nomeadamente a política do filho único) provocaram o aumento do envelhecimento da população e uma consequente diminuição do crescimento demográfico44. Na Índia, pelo contrário, as falhas sucessivas nas políticas de planeamento familiar e de controlo da natalidade – que têm evidentemente graves consequências ao nível do aumento da pobreza – resultaram numa vantagem para o futuro: uma população ativa cada vez mais jovem. Por outro lado, o custo da mão de obra na Índia é ainda mais barato, o que a torna ainda mais competitiva em relação à

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Nos últimos dez anos, o crescimento da Índia e da China situou-se sempre entre os 7% e os 10% do PIB per capita, inclusive em 2009, ano de recessão mundial. No Brasil, Rússia e África do Sul, o crescimento foi mais moderado e cedeu ligeiramente à recessão económica mundial de 2009. (Dados do Banco Mundial disponíveis em: http://databank.worldbank.org/ddp/home.do?Step=1&id=4, acedido no dia 01/06/2011).

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Segundo o PRB – Population Reference Bureau, o número de nascimentos por cada mil habitantes é de 23 para a Índia, e de apenas 12 para a China (Dados disponíveis online em: http://www.prb.org/Datafinder/Topic/Bar.aspx?sort=v&order=d&variable=85, acedido a 22/08/2011.

China45. Em termos demográficos, a Índia está, pois, a caminhar para se tornar no país mais populoso do mundo e com uma média de idade extremamente jovem, o que provocará necessariamente um aumento do seu peso económico e político. Nas palavras de Zakaria, “if demography is destiny, India’s future is secure”46. Refira-se, aliás, que de todos os BRICS, a Índia é o único cujas estimativas apontam para um crescimento demográfico gigantesco até 2060, ao contrário da Rússia onde a tendência é a de que o crescimento negativo se mantenha.

Figura III

Crescimento Populacional nos BRICS e Estimativas para 2060

Fonte: Goldman Sachs (2010)

Mas a demografia é apenas o início. Aliada a este fator está, por exemplo, a forte componente consumista da Índia, onde o consumo pessoal atinge 67% do PIB, um valor muito acima dos 42% da China, e abaixo apenas dos EUA, com 70%47. Nem a crise do

subprime nos EUA, e subsequente crise financeira mundial, afetaram o negócio do

crédito indiano, provando que as grandes potências emergentes asiáticas conseguiram passar ao lado da recessão e até crescer economicamente. No caso da Índia, a força económica verifica-se em muitas outras áreas. O setor dos serviços é já o maior sucesso indiano: a Índia é praticamente líder mundial nas atividades de backoffice e de serviços

45

Dados do artigo de Christophe Jaffrelot, “L’Inde, puissance émergente, jusqu’où?”, in L’enjeu mondial: les pays émergents, Presses de Sciences Po-L’Express, Paris, 2008, p. 94

46

Fareed Zakaria, The Post-American World: And the Rise of the Rest, Penguin Books, Londres, 2009, p. 132

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de apoio ao cliente das grandes empresas, através dos conhecidos call center, o que a torna num verdadeiro polo de serviços técnicos mundiais. Na verdade, cerca de metade do PIB indiano tem já origem neste setor dos serviços, com um valor de 50%, face aos 25% da indústria e aos restantes 25% da agricultura48.

Ora, como se explica este grande sucesso na prestação de serviços técnicos e especializados num país onde a pobreza ainda prevalece? A explicação está noutra grande vantagem da Índia: a grande aposta na tecnologia e na inovação. Atualmente chegam todos os anos ao mercado indiano cerca de 525 mil engenheiros, 250 mil médicos e quase 2 milhões de licenciados em áreas científicas49. O número de formados especializados é tão grande que uma grande parte sente a necessidade de emigrar, tendo como principal destino os EUA, que assim continuam a atrair cérebros de países que ainda não possuem mercado suficiente para responder ao número de diplomados técnicos. Apesar de tudo, o desenvolvimento tecnológico e empresarial da Índia continua a progredir, além de que possui uma enorme vantagem em relação à China: grande parte dos Indianos fala o inglês como segunda língua, fator determinante no sucesso das relações empresariais globais. Além disso, é no setor empresarial que se começam a verificar algumas diferenças em relação à China, pois enquanto que o desenvolvimento económico chinês é sobretudo baseado na iniciativa do Estado, na Índia é o setor privado que prevalece. Esta diferença verifica-se igualmente nas exportações: na China, 60% das exportações devem-se à presença das grandes multinacionais estrangeiras (atraídas pelo governo chinês), enquanto que a Índia possui um setor privado próprio e em crescimento50. Este facto permite à Índia possuir já algumas das maiores empresas mundiais, como a Infosys, no ramo das novas tecnologias (IT), a Tata, no ramo automóvel, a Ranbaxy, no ramo dos produtos farmacêuticos, e a Reliance, um gigantesco grupo privado de empresas indianas que vão desde o entretenimento até à construção de infraestruturas51. No setor dos serviços e das grandes empresas, a Índia avança, pois, para uma sociedade já pós-industrial, mas diferente do modelo de desenvolvimento chinês que, apesar do sucesso indiano, continua numa explosão de crescimento económico superior ao da Índia.

48

Fareed Zakaria, op. cit. p. 135

49

José Alberto Loureiro dos Santos, O Império Debaixo de Fogo: Ofensiva Contra a Ordem Internacional Unipolar, Europa-América, Mem Martins, 2006, p. 119

50

Loureiro dos Santos, op. cit. p. 120

51

Fareed Zakaria, The Post-American World: And the Rise of the Rest, Penguin Books, Londres, 2009, p. 137

O que distingue, então, estes dois gigantes asiáticos no tipo de crescimento económico? O forte setor privado indiano, já referido, constitui uma vantagem da Índia a longo prazo. Porém, a iniciativa estatal da China tem conseguido ainda melhores resultados económicos. Ora, é aqui que reside a grande diferença na geração de crescimento: o regime político. A Índia é a maior democracia do mundo e provou ao longo de toda a Guerra Fria que as democracias não são regimes fracos face às autocracias, sobretudo porque conseguiu perdurar numa Ásia maioritariamente autocrática. Todavia, o governo indiano enfrenta maiores obstáculos ao desenvolvimento, pois qualquer decisão é escrutinada pela opinião pública e jamais avançará se for contra a Constituição da Índia ou se o poder judicial assim o determinar. A China autocrática, pelo contrário, tudo o que decide, executa. Desde a construção de infraestruturas que possam eventualmente prejudicar populações inteiras, até à criação de leis que vão no mesmo sentido52. Regra geral, a China decide e constrói, algo só possível porque os protestos, os valores democráticos e os direitos humanos não são autorizados. A Índia, pelo contrário, não pode simplesmente ignorar a vontade da população e os seus direitos. O excelente exemplo de Fareed Zakaria relativamente à migração para as cidades é prova desta diferença política: enquanto que a China exige uma prova de posse de emprego a qualquer cidadão chinês que queira migrar do campo para a cidade, na Índia tal não é possível, pois estaria a violar um direito da Constituição: a liberdade de movimento53. O resultado é que, enquanto a China atrai, para os meios urbanos, uma maioria de pessoas qualificadas e com emprego, na Índia não existe qualquer limitação ou imposição, o que aumenta o risco de pobreza nos grandes centros urbanos. Por conseguinte, o desenvolvimento indiano está mais limitado do que o chinês, ou nas palavras do general Loureiro dos Santos em relação à Índia: “existe uma espécie de “preço democrático” que tende a diminuir o ritmo de

desenvolvimento”54.

Este ritmo de desenvolvimento lento é particularmente visível no nível de pobreza do país. Cerca de 40% da população pobre mundial encontra-se na Índia55. Comparando

52

Segundo Zakaria: “China’s growth is overseen by a powerful government. Beijing decides that the country needs new airports, eight-lane highways, gleaming parks – and they are built within months.” Fareed Zakaria, op. cit. p. 134

53

Fareed Zakaria, op. cit. p. 134

54

José Alberto Loureiro dos Santos, O Império Debaixo de Fogo: Ofensiva Contra a Ordem Internacional Unipolar, Europa-América, Mem Martins, 2006, p. 119

55

Fareed Zakaria, The Post-American World: And the Rise of the Rest, Penguin Books, Londres, 2009, p. 133

com os restantes BRICS, a Índia é o país onde a pobreza extrema é mais elevada (ver mapa da pobreza extrema mundial no Anexo I)

Apesar de tudo, a Índia está a ter um desenvolvimento económico que lhe permite ter mais voz nas instituições internacionais. Trata-se de um país em processo de desenvolvimento, com alguns setores pós-industriais, mas com a maioria da economia ainda numa fase pré-industrial (a segunda fase do processo de industrialização definido por Organski). Em todo o caso, se é verdade que a Índia jamais conseguirá assumir-se como uma grande potência ao nível da China, isso deve-se fundamentalmente aos constrangimentos regionais, e não ao seu tipo de crescimento económico que, a longo prazo, tem todas as potencialidades de atingir o crescimento chinês.