Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito
Área de Concentração: Direito Econômico
INFLUÊNCIA DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL NO
DIREITO DOS PAÍSES DA CPLP QUANTO À
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR
DANOS AO MEIO AMBIENTE
Brasília - DF
2013
GLEYCE BELARMINO DE LIRA BORGES
INFLUÊNCIA DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL NO DIREITO DOS PAÍSES DA CPLP QUANTO À RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA
JURÍDICA POR DANOS AO MEIO AMBIENTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros
7,5cm
Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB B732i Borges, Gleyce Belarmino de Lira.
Influência do direito ambiental internacional no direito dos países da CPLP quanto à responsabilidade penal da pessoa jurídica por danos ao meio ambiente. / Gleyce Belarmino de Lira Borges – 2013.
115f. 30 cm
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013. Orientação: Prof. Dr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros
1. Direito ambiental internacional. 2. Pessoa jurídica. 3. Responsabilidade penal. 4. Proteção ambiental. I. Medeiros, Antônio Paulo Cachapuz de, orient. II. Título.
Dissertação de autoria de Gleyce Belarmino de Lira Borges, intitulada “Influência do
Direito Ambiental Internacional no Direito dos Países da CPLP quanto à Responsabilidade
Penal da Pessoa Jurídica por Danos ao Meio Ambiente nos Países Lusófonos”, apresentada
como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito da Universidade
Católica de Brasília, em 05 de fevereiro de 2013, defendida e aprovada pela banca
examinadora abaixo assinada:
_______________________________________________ Prof. Dr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros
Orientador
_______________________________________________ Prof. Dr. João Rezende Almeida Oliveira
Examinador Interno
_______________________________________________ Prof. Dr. José Rossini Campos do Couto Corrêa
Examinador Externo
A Deus, por ser minha fonte, meu pai amado.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pois sem Ele nada eu poderia fazer.
Aos meus pais, Zilmar Pessoa de Lira e Eduelfa Belarmino Costa de Lira, por terem ultrapassado diversas barreiras para me educar.
Ao meu esposo Valdir Borges Godinho pelo amor incondicional, pelas horas que ficou com minha ausência sofrendo com minhas angústias e se alegrando com minhas alegrias. Obrigada por dividir a sua vida comigo e permitir que eu compreenda verdadeiramente o que é o amor.
Ao professor Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, o senhor me ensinou o que é ser um mestre. Obrigada pelas valiosas orientações.
Ao professor Álcio Sinott por ter sido um grande incentivador dos meus estudos desde a graduação em Direito.
À amiga Quézia Fabrício Marinho, minha companheira de estudos. Admiro o seu potencial e dinamismo.
À professora Arinda Fernandes pela dedicação, entusiasmo e perseverança.
Ao professor Antônio de Souza Prudente, admiro seu empenho pelas questões ambientais. Poucos são tão reconhecidos e ao mesmo tempo simples como o senhor.
RESUMO
BORGES, Gleyce Belarmino de Lira. Influência do Direito Ambiental Internacional no direito dos países da CPLP quanto à responsabilidade penal da pessoa jurídica por
danos ao meio ambiente. 2013. 115 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013.
A presente dissertação tem como escopo analisar a responsabilidade penal da pessoa jurídica por danos ao meio ambiente nos países lusófonos. A questão ambiental consiste em um tema de destaque, que primeiramente foi debatida no cenário internacional através das conferências e, posteriormente, incorporada ao ordenamento jurídico de diversos países através da adoção dos princípios de Direito Ambiental, de políticas públicas sobre o meio ambiente e da conscientização da população demonstrada através da participação da sociedade civil em diversos eventos ambientais. Ademais, a degradação do meio ambiente teve uma intensidade considerável após a globalização. Nesse cenário observa-se que os danos ao meio ambiente de grande repercussão são provocados pelas grandes empresas e não por pessoas naturais. Nessa perspectiva, o leitor será convidado a comparar o ordenamento jurídico dos países lusófonos quanto à proteção do meio ambiente, notadamente sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos países que formam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O trabalho também analisará a influência do modelo francês quanto à responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro. O objetivo do trabalho é, pois, através do Direito Comparado, recomendar o modelo brasileiro como parâmetro aos países lusófonos que estão trabalhando na consolidação de sua legislação ambiental.
Palavras-chave: Meio ambiente. Direito ambiental. Responsabilidade penal. Pessoa jurídica.
ABSTRACT
This dissertation intends to analyze the scope of corporate criminal liability for environmental damage in Lusophone countries. The environment issue consists of a prominent theme, which was first debated in the international arena through conferences and subsequently incorporated into the legal systems of various countries through the adoption of the principles of environmental law, public policies on the environment, and population awareness demonstrated through the participation of various environmental events in civil society. Furthermore, the degradation of the environment has had a considerable intensification after globalization. In this scenario, it is observed that damages of great repercussion are caused to the environment by large corporations and not by individuals. From this perspective, the reader is invited to compare the legal systems of Lusophone countries regarding the protection of the environment, especially on the criminal liability of legal entities in the countries that form the Community of Portuguese Language Countries. The study will also analyze the influence of the French model in respect to the criminal liability of legal entities in the Brazilian legal system. The objective is therefore, through comparative law, to recommend the Brazilian model as a parameter to Lusophone countries who are working to consolidate their environmental laws.
LISTA DE SIGLAS
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
ECOSOC - Conselho Econômico e Social
EPIA - Estudo Prévio de Impacto Ambiental
EUA - Estados Unidos da América
IUCN - International Union Conservation of Nature
OIT- Organização Internacional do Trabalho
ONU - Organização das Nações Unidas
PALOP- Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PNUMA - Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
PSD – Partido Social Democrata
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 11
CAPÍTULO 1 - DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL ... 15
1.1 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ... 15
1.2 CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS ... 17
1.2.1 Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano ... 17
1.2.2 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ... 22
1.2.3 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável ... 26
1.2.4 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável ... 27
1.3 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL ... 29
1.3.1 Tratados ... 30
1.3.2 Costume internacional ... 33
1.3.3 Os princípios gerais do direito ... 35
1.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL ... 37
1.4.1 Princípio do desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento... 38
1.4.2 Princípio da prevenção ... 41
1.4.3 Princípio da precaução ... 43
1.4.4 Princípio do poluidor-pagador ou da responsabilidade ... 45
CAPÍTULO 2 - A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR DANOS AO MEIO AMBIENTE ... 47
2.1 MEIO AMBIENTE, DIREITO PENAL ECONÔMICO E PESSOA JURÍDICA ... 48
2.2 A PERSONALIDADE JURÍDICA ... 52
2.2.1 A responsabilização penal das pessoas jurídicas de Direito Púbico ... 53
2.3 TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DOS ENTES COLETIVOS ... 55
2.4.1 O sistema inglês ... 57
2.4.2 O sistema francês ... 59
2.5 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS ... 63
2.5.1 A incapacidade de ação da pessoa jurídica ... 64
2.5.2 A incapacidade de culpabilidade da pessoa jurídica ... 65
2.5.3 A impossibilidade de aplicação da pena ... 67
2.6 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ... 67
CAPÍTULO 3 - A RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL DAS PESSOAS COLETIVAS POR DANOS AO MEIO AMBIENTE NOS PAÍSES DA CPLP ... 72
3.1 COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA ... 74
3.2 BRASIL ... 77
3.2.1 A constitucionalização da proteção ambiental no Brasil ... 77
3.2.2 A legislação infraconstitucional brasileira ... 79
3.2.2.1 Requisitos para a responsabilização ... 80
3.2.2.2 Concurso de pessoas e omissão penalmente relevante ... 83
3.2.2.3 Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica ... 84
3.2.2.4 Espécies de sanções aplicáveis ... 84
3.3 PORTUGAL ... 86
3.4 ANGOLA ... 93
3.5 CABO VERDE ... 95
3.6 MOÇAMBIQUE ... 96
3.7 DEMAIS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA ... 99
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÃO ... 101
INTRODUÇÃO
A responsabilidade penal da pessoa jurídica por danos ao meio ambiente nos países
lusófonos é assunto que se insere no campo do Direito Ambiental Internacional, Direito Penal
Econômico e Direito Comparado. A discussão sobre o tema envolve aspectos como a
influência do Direito Ambiental Internacional no direito interno dos Estados; a problemática
sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, especialmente quanto à dogmática do
Direito Penal Econômico. A formação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa,
vistas as diferenças e semelhanças entre os seus países membros, permite enriquecer o estudo
proposto.
A proteção do meio ambiente é tema recente. Há algumas décadas, vigorava o
entendimento de que os recursos naturais eram ilimitados. Depois, observou-se que os
mesmos são limitados e que os danos ambientais ultrapassavam as fronteiras dos países,
produzindo resultados no território de outros Estados. Assim, a proteção do meio ambiente
passou a ser regulada através de acordos, tratados e convenções. Após esse estágio inicial,
com a evolução das discussões sobre o assunto, surgiram ainda maiores conferências
internacionais sobre a proteção do meio ambiente.
O objetivo do primeiro capítulo é demonstrar as repercussões do Direito Ambiental
Internacional no direito interno dos Estados quanto à tutela do meio ambiente. Assim, será
abordada a evolução histórica do Direito Ambiental Internacional, as peculiaridades das
conferências internacionais sobre meio ambiente, as fontes e os princípios de proteção do
meio ambiente.
Nesse contexto, fatores como o crescimento econômico, a degradação ambiental
apresentada através de catástrofes naturais com efeitos visíveis e a cooperação jurídica
internacional desencadearam a realização da Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente
humano em 1972.
Naquele momento ficou evidente a disparidade de objetivos entre os países
industrializados e os países em desenvolvimento. Os primeiros esperavam que na Cúpula
fosse enfatizada a questão do desequilíbrio ambiental. Os países em desenvolvimento
acreditavam que as políticas preservacionistas iriam atrapalhar a industrialização na África,
alguns clamores foram necessários como a questão da pobreza existente no mundo e a
péssima distribuição de renda, o que será apresentado no presente trabalho.
Vinte anos depois, o número de tratados em matéria ambiental aumentou de forma
considerável. A comunidade internacional passou a observar o uso indiscriminado dos
recursos naturais e a ocorrência de grandes catástrofes ambientais. Nesse contexto, correu a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente no Rio de Janeiro, Brasil. Na cúpula
foram adotados: a Declaração de Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a
Declaração de Princípios sobre as Florestas e a Agenda 21.
Com o objetivo de avaliar a efetividade da implementação da Agenda 21, foi realizada
a Rio+10, Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo, África do
Sul em 2002. A conferência contou com a participação dos governos, organismos
internacionais, organizações não governamentais, sindicatos, povos indígenas e organizações
profissionais.
Em 2012, foi realizada a Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre
desenvolvimento sustentável no Rio de Janeiro, Brasil. A cúpula foi denominada Rio+20 em
razão da comemoração dos vinte anos da realização da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, ECO-92, que também ocorreu no Rio de Janeiro, Brasil.
Em paralelo à cúpula oficial, ocorreram diversos eventos destinados à sociedade civil que foi
representada por organizações não governamentais, empresas, comunidade científica e
tecnológica, comunidades indígenas, sindicatos, dentre outros.
As conferências internacionais sobre o meio ambiente repercutiram no direito interno
de diversos países, o que ocasionou mudanças legislativas, judiciais, políticas, econômicas,
culturais. Os princípios do Direito Ambiental surgiram nas conferências internacionais sobre
meio ambiente. Em decorrência das influências das cúpulas no ordenamento jurídico interno
dos Estados, os princípios foram incorporados no direito interno de diversos países. Assim,
serão desenvolvidos, no primeiro capítulo, o princípio do desenvolvimento sustentável, o
princípio da prevenção, o princípio da precaução e o princípio do poluidor-pagador, também
denominado princípio da responsabilidade.
Para compreender a regulação da matéria ambiental, é imprescindível o estudo das
fontes do Direito Ambiental Internacional. As fontes mencionadas são as mesmas do Direito
Nesse contexto, destaca-se que os danos ao meio ambiente de grande repercussão são
gerados através da pessoa jurídica que, quase sempre, tem como objetivo o lucro sem a
observância dos instrumentos de preservação do meio ambiente. A título de exemplo, os
danos ambientais ocasionados pelas indústrias ao lançar sólidos, gases ou líquidos no solo,
nas águas e no ar atmosférico.
A intervenção do Direito Civil por meio da reparação do dano que ocorre por meio da
fixação de uma indenização e do Direito Administrativo através da aplicação de multas não
são suficientes para inibir os danos ao meio ambiente no âmbito das grandes empresas. A
sanção de natureza penal inibe a tomada de decisão do representante de uma pessoa jurídica
que poderia gerar prejuízo ao ambiente. Um desestímulo é ocasionado por meio da divulgação
da responsabilidade criminal de uma empresa em razão dos prejuízos nos negócios. Dessa
forma, a proteção do meio ambiente não tem sido eficaz nos ramos do Direito Civil e
Administrativo o que exige a tutela penal.
Ademais, a criminalidade sofreu alterações consideráveis. Durante muito tempo, os
crimes que mais preocupavam a sociedade eram os denominados tradicionais como o roubo,
estelionato, furto. Entretanto, a criminalidade mudou em razão de diversos fatores como a
globalização que desencadeou uma alteração significativa no cenário econômico. Assim, o
surgimento de uma nova criminalidade impulsionou as discussões sobre a responsabilidade
criminal da pessoa jurídica.
No segundo capítulo, será abordada a questão da responsabilidade penal da pessoa
jurídica. Para tanto, serão estudadas a diferença entre a pessoa física e a pessoa jurídica, a
possibilidade de se responsabilizar criminalmente as pessoas jurídicas de direito público e as
teorias que buscam explicar a natureza jurídica das pessoas coletivas.
Importante destacar que a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica
é um assunto polêmico que divide opiniões. Os países regidos pela common law admitem a
responsabilização. Os Estados regidos por sistemas legais codificados não admitem a
responsabilidade criminal do ente coletivo. Contudo, há exceções ao quadro apresentado, a
título de exemplo a França que instituiu em seu ordenamento jurídico a responsabilidade
penal da pessoa jurídica.
O Código Penal francês de 1994 adotou o princípio da responsabilidade penal da
pessoa jurídica. Depois desse marco histórico, diversas leis passaram a adotar o referido
legislador brasileiro inspirou-se no modelo francês no projeto que resultou na Lei de Crimes
Ambientais. Apesar da influência francesa, há peculiaridades em cada sistema, que serão
tratadas no presente trabalho.
O estudo da responsabilidade penal da pessoa jurídica exige conhecimento das
principais incompatibilidades dogmáticas apontadas pela doutrina para criticar a adoção da
mencionada responsabilidade. Além da análise aprofundada, dos argumentos favoráveis à
responsabilização penal da pessoa jurídica, especialmente quanto aos danos ambientais.
O terceiro capítulo abordará a responsabilidade criminal da pessoa coletiva por danos
ao meio ambiente nos países lusófonos. Conforme mencionado, o ordenamento jurídico
brasileiro foi influenciado pelo sistema francês quanto à responsabilização penal da pessoa
jurídica. Dessa forma, através do Direito Comparado os países de língua portuguesa que estão
trabalhando na consolidação de suas leis podem ter como parâmetro a experiência brasileira.
Ademais, a troca de experiências entre os Estados que formam a CPLP, Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, atenderá ao objetivo da comunidade de cooperação entre os seus
membros.
Apesar de fatores negativos que poderiam dificultar a formação de uma comunidade
como a localização geográfica dos países de língua portuguesa e do número considerável de
membros, a institucionalização da CPLP, em 1996, demonstrou que a partilha da língua
portuguesa e da formação histórica e cultural são fatores mais relevantes que contribuíram
para a formação da associação de oito países em quatro continentes. Assim, a CPLP é
formada por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe, Timor-Leste.
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo principal especificar como ocorre
a proteção do meio ambiente através da tutela penal nos países da CPLP, especialmente
CAPÍTULO 1 – DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL
Com a globalização e a atuação das empresas na atividade econômica mundial, a
responsabilização penal da pessoa jurídica ganhou espaço nas discussões da comunidade
científica no âmbito doméstico e internacional, especialmente, no que se refere aos danos
ambientais.
Nesse ínterim, é importante estudar o Direito Ambiental Internacional para
compreender sua influência no direito interno.
O meio ambiente é considerado um grande tema da agenda internacional e consiste em
um assunto que afeta diretamente o ser humano. Por meio dos mecanismos de defesa dos
direitos humanos e do meio ambiente, surgiram conceitos e princípios como a participação
popular e a responsabilidade comum. Nesse sentido, os mecanismos de defesa “precisam se
aproximar cada vez mais nos instrumentos internacionais e nas legislações domésticas, isto é,
dialogar entre si”1.
1.1 A PROTEÇAO DO MEIO AMBIENTE
A conservação ambiental tornou-se uma questão de relevância e preocupação no
ambiente doméstico e internacional. A Assembléia Geral das Nações Unidas empregou a
expressão Direito Ambiental Internacional na Resolução pela qual convocou a Conferência do
Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento2.
Sobre a definição de Direito Ambiental Internacional, ensina de Geraldo Eulálio do
Nascimento e Silva:
Direito ambiental internacional trata dos direitos e das obrigações dos Estados e das organizações governamentais, bem como dos indivíduos na defesa do meio ambiente, ao passo que a doutrina tem tendência a formular regras a respeito, e de
1
SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. Meio ambiente e direitos humanos: diálogo entre os sistemas internacionais de proteção. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). O novo direito internacional do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2011. p. 14.
maneira rígida, a atual prática dos Estados nos tratados firmados é no sentido contrário, visto que neles as regras consignadas tendem a ser do tipo soft-Law.3
Assim, o Direito Ambiental Internacional reza especialmente sobre as regras de
Direito Ambiental no âmbito internacional, cujo principal objetivo é promover a cooperação
entre os Estados para a conservação do meio ambiente.
Inicialmente, a proteção internacional do meio ambiente era regulada de maneira
precária. Porém, a evolução das discussões sobre a matéria por meio de conferências
internacionais aumentou sua influência no mundo moderno, sendo hoje um dos ramos do
Direito Internacional de maior prestígio, com repercussão direta em diferentes legislações
nacionais.
A proteção do meio ambiente é tema recente. “Em passado não muito remoto,
vigorava a noção de que os recursos naturais eram ilimitados. O fato é que o homem tem
necessidades ilimitadas, enquanto os recursos da natureza são limitados”4. Assim, surgiu o
Direito Ambiental Internacional como resposta ao interesse público transnacional que exigia
uma tutela específica para tratar da matéria ambiental.
O interesse pela temática do meio ambiente passou a ser debatida “pelos Estados e, via
de consequência, dos tratados, acordos e convenções que passaram a firmar entre si, cada vez
de forma mais intensa”5.
Ao longo do século XX, especialmente na sua segunda metade, a proteção do meio
ambiente passou a ser discutida pelos Estados que passaram a firmar instrumentos jurídicos
internacionais, pois constataram que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras de cada
país e produzem resultados no território de outra nação. Os acordos, tratados e convenções
aumentaram consideravelmente e o tema passou a ser discutido em conferências. Na evolução
da proteção internacional do meio ambiente, destaca-se a internacionalização e a evolução
desta para a globalização6.
3 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, 1917. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atual.. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2002. p.5.
4VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 203. 5SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. Meio ambiente e direitos humanos: diálogo entre os sistemas internacionais de proteção. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). O novo direito internacional do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2011. p. 14.
Internacionalizar um ramo do direito é destinar conotação e normatividade própria das
relações interestatais, inclusive com a aplicação da responsabilidade internacional do Estado7.
O processo de internacionalização do meio ambiente teve origem na Conferência de
Estocolmo sobre Meio Ambiente em 1972. Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, ocorreu a delimitação do
novo ramo do direito internacional do meio ambiente8.
No processo evolutivo, destaca-se que o Direito Internacional Ambiental deixou a
postura reativa para adotar um comportamento proativo, preventivo. Assim, os temas
relacionados ao meio ambiente passaram a “ter reflexos efetivos e constantes em todo mundo,
de forma a revelarem uma mudança no tratamento dos mesmos: da internacionalização
dirigiu-se à globalização”9.
1.2 CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS
As conferências internacionais sobre meio ambiente desempenham papel de destaque
na evolução das discussões sobre os problemas ambientais e o comprometimento de diversos
países perante as questões levantadas. As conferências buscam influenciar a construção de um
novo sistema econômico, social e ambiental. A seguir, serão tratadas as principais
conferências internacionais em matéria ambiental.
1.2.1 Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano
O Direito Internacional do Meio Ambiente foi consolidado na Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. A Conferência foi
7
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. p. 33.
8 SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. Meio ambiente e direitos humanos: diálogo entre os sistemas internacionais de proteção. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). O novo direito internacional do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2011. p. 17.
convocada com o objetivo de examinar as ações do meio ambiente nos níveis nacional e
internacional.
A cooperação jurídica internacional, o crescimento econômico, a degradação
ambiental e, especialmente, as catástrofes com efeitos visíveis são fatores que influenciaram a
decisão de realizar uma conferência mundial10.
Assim, algumas catástrofes tiveram repercussão considerável, especialmente aqueles
provocados pelo vazamento de óleo e acidentes com navios petroleiros. Tais acontecimentos
originaram a expressão que ficou conhecida como “marés negras”11. A título de exemplo,
pode-se citar o caso do petroleiro Torrey Canyon, de bandeira liberiana que, em março de
1967, estava a serviço de uma empresa privada americana, sediada nas Bahamas, quando
colidiu com um recife localizado a sete milhas da costa do País de Gales. Foram derramadas
cerca de 118.000 toneladas de petróleo. Parte desse material, aproximadamente 40.000
toneladas, atingiu o litoral sudoeste do Reino Unido e o restante foi jogado no mar. Ademais,
o petroleiro foi bombardeado pela força aérea britânica o que acarretou a queima de uma
fração do petróleo cru, sendo que uma parte atingiu o litoral francês12.
O governo britânico e francês buscou uma reparação para compensação das perdas e
auxílio financeiro para cobrir as despesas da limpeza do petróleo despejado. A Convenção de
Londres de 1952, emendada em 1962, permitia a aplicação de sanções indenizatórias.
Entretanto, nem a Libéria, nem os Estados Unidos da América eram partes das citadas
convenções. Dessa forma, seria difícil a execução de uma eventual sentença francesa ou
inglesa. As soluções encontradas para o caso ocorreram em jurisdições internas, com a
aplicação de leis e princípios quanto ao Direito Marítimo13.
Com esses acontecimentos, ocorreu um processo de mobilização no âmbito das
Nações Unidas. O Conselho Econômico e Social, ECOSOC, em 1968, recomendou a
convocação de uma “Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente”. No trabalho
preparatório, destaca-se o Relatório de Founex que foi objeto de estudo de especialistas de
10
SILVA, Solange Teles da. O direito internacional ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 28. 11 ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 639-640. 12
FREITAS, Paulo Cosme de. Grandes desastres ambientais e sua importância para a consolidação do Direito Internacional do meio ambiente. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). O novo direito internacional do
meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2011. p. 111.
diferentes regiões do mundo14. O relatório ficou conhecido como o documento que mais
destacou os aspectos de desenvolvimento econômico nos princípios declarados na
Conferência15.
Nas discussões das reuniões preparatórias ficou claro que os objetivos dos países
desenvolvidos eram diferentes dos anseios dos países em desenvolvimento. Os países
industrializados desejavam uma conferência em que fosse dada ênfase aos desequilíbrios
ambientais, com medidas para evitar a poluição da água, do solo e da atmosfera. Esses países
desejavam o equilíbrio ambiental, mas não reconheciam que o desequilíbrio foi resultado do
desenvolvimento industrial na Europa Ocidental, nos Estados Unidos da América - EUA - e
no Japão. Os países em desenvolvimento acreditavam que as eventuais políticas
preservacionistas iriam atrapalhar as políticas de industrialização na África, na América
Latina e na Ásia16. A doutrina de Angola destaca o pensamento dos países em
desenvolvimento no momento de realização da Cúpula:
A maioria destes países, aquando da Conferência de Estocolmo em 1972, não prestava muita atenção a estas questões, entendendo mesmo que as condições impostas por eventuais regulamentações para a protecção e conservação da natureza podiam entravar a exploração dos recursos naturais, o que só favorecia os países industrializados, pois limitava o crescimento económico dos países subdesenvolvidos. Outros países do terceiro mundo pensavam ainda que para o seu desenvolvimento deviam atrair os capitais dos países mais desenvolvidos, sem se preocuparem com questões ecológicas, pelo que tais regulamentações só traziam desvantagens17.
Naquele momento histórico em que a questão ambiental seria debatida pela primeira
vez em sua integralidade, alguns clamores foram necessários, especialmente quanto à pobreza
existente no mundo e a péssima distribuição de renda. Assim, a melhoria da qualidade
ambiental somente será possível com condições satisfatórias de saúde, educação, nutrição e
habilitação, ou seja, através do desenvolvimento econômico.
14 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 41-42.
15
ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 639-640.
16 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p 42.
17ARAÚJO, Raul. Algumas considerações sobre a legislação ambiental a nível internacional e as suas
repercussões no direito angolano. In: CYSNE, Maurício; AMADOR, Teresa (editores). Direito do ambiente e
Posteriormente, os países em desenvolvimento ultrapassaram o pensamento inicial de
acreditarem que as questões ambientais eram um “luxo dos ricos”18. Apesar das dificuldades
políticas, econômicas, dentre outras, os países em desenvolvimento estão se preocupando,
gradativamente, com os problemas ambientais, o que constitui, hoje, uma preocupação
universal.
A Conferência de Estocolmo culminou com a adoção da Declaração de Princípios de
Estocolmo, com o Plano de Ação para o Meio Ambiente e com a instituição do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente19.
A Declaração de Princípios de Estocolmo conteve 26 (vinte e seis) princípios que
representam um instrumento de importância para o direito internacional do meio ambiente.
Muitos princípios foram incorporados às convenções internacionais, declarações e
resoluções20.
Um exemplo foi a incorporação do “princípio da subsidiaridade” na Comunidade
Econômica Europeia por meio do Ato Único Europeu intitulado “O Ambiente”. Segundo esse
princípio, a legislação comunitária era subsidiária à legislação dos Estados-partes. Além
disso, a legislação comunitária passou a tratar além das questões econômicas, da matéria
ambiental com a tarefa de harmonizar a legislação doméstica dos Estados-partes e consolidar
um “direito uniforme supranacional entre eles, em matéria de direito ambiental regional e
internacional”.21
O Plano de Ação para o Meio Ambiente é o conjunto de 109 (cento e nove)
recomendações. As políticas adotadas nas recomendações referem-se ao denominado Plano
Vigia; a gestão do meio ambiente e as medidas de apoio, como a formação de especialistas,
informação e educação22.
18
ARAÚJO, Raul. Algumas considerações sobre a legislação ambiental a nível internacional e as suas
repercussões no direito angolano. In: CYSNE, Maurício; AMADOR, Teresa (editores). Direito do ambiente e
redacção normativa: teoria e prática nos países lusófonos. Reino Unido: UICN Serviço de publicação, 2000. p. 13.
19
ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 640.
20SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, 1917. Direito ambiental internacional. 2. ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2002. p.32.
21 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p 47.
O Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente foi instituído por uma
resolução. O programa é conhecido por PNUMA, no inglês, UNEP, ou em francês, PNUE23.
Esse programa foi criado com a finalidade de desenvolver políticas públicas de proteção ao
meio ambiente no cenário internacional e nacional24.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, refletiu
diretamente no ordenamento jurídico interno dos Estados. Depois desse marco, o número de
tratados e convenções multilaterais sobre meio ambiente cresceu como antes não se viu na
história. No Brasil, a delegação oficial brasileira que compareceu ao evento, ao retornar ao
país, conseguiu “obter do governo federal um decreto criando a Secretaria Especial do Meio
Ambiente”25, que iniciou suas atividades em janeiro de 1974.
Ademais, a consciência ambiental provocada após a Conferência de Estocolmo
influenciou a formação de “uma legislação interna bastante desenvolvida” no Brasil, além da
previsão da proteção ambiental na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de
198826. Isso demonstra a influência do Direito Internacional no ordenamento doméstico.
Nesse sentido, deve-se ressaltar que os países passaram a destinar uma importância
crescente à constitucionalização do ambiente após a Declaração de Estocolmo de 197227.
Como exemplo, além da mencionada Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
a Constituição da República Portuguesa de 1976 e a Lei Constitucional da República de
Angola de 1992.
Outra interessante influência ocorreu no final da década de 80 com a dimensão da
“causa verde” nos países ocidentais desenvolvidos, em que políticos, industriais e agências de
publicidade passaram a abordar a questão ambiental como uma das suas prioridades. Nesse
contexto, alguns movimentos ecológicos transformaram-se em partidos políticos, os Partidos
Verdes, que passaram a ter mais espaço na política de alguns países europeus e também em
alguns países em desenvolvimento28.
23
SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p 44.
24ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 640. 25
NOGUEIRA-NETO, P. A conferência Rio-92 - uma nova etapa na missão das Nações Unidas. In: O Massambani; S S Campiglia. (Org.). Meio Ambiente e Desenvolvimento. São Paulo: Forum USP, 1992, v. , p. 7-14., p. 8.
26
SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p 47 e 48.
27ARAÚJO, Raul. A protecção do ambiente e a constituição em Angola. Portugal: Almedina, 2012. p. 12. 28 ARAÚJO, Raul. Algumas considerações sobre a legislação ambiental a nível internacional e as suas
1.2.2 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
No lapso temporal entre as Conferências de 1972 e de 1992, ocorreu um aumento
considerável no número de tratados em matéria ambiental. A comunidade internacional
passou a observar o aumento da destruição do meio ambiente e o uso indiscriminado dos
recursos não renováveis da natureza. Os tratados pactuados “consolidavam a chamada soft
Law em que se exortava as partes contratantes a agir desta ou daquela maneira, mas sem
adotar normas capazes de obrigá-las a tanto”29.
Apesar da nascente conscientização sobre meio ambiente, nesse período, ocorreram
grandes catástrofes ambientais. Um exemplo foi a atitude tomada pela tropa norte-americana
que foi conhecida pela comunidade internacional após a Guerra do Vietnã. Os
norte-americanos lançaram agente desfoliante sobre a floresta, o agente laranja, para impedir
ataques desavisados dos vietcongues. O agente desfoliante contaminou as águas consumidas
pela população vietnamita. Assim, os resultados repercutiram durante várias gerações,
inclusive até os dias atuais são verificados problemas como: câncer, problemas de saúde e
alteração grave no sistema nervoso30.
Em 1984, na cidade de Bhopal, na Índia, ocorreu outro desastre. Uma empresa
multinacional indiana de fabricação de fertilizantes com capital de uma empresa
norte-americana, a Union Carbide, teve uma atitude que acarretou o vazamento de um gás tóxico
que envenenou uma cidade superpovoada. O julgamento do caso seria examinado nos EUA.
Entretanto, as tentativas foram frustradas e a questão passou a ser examinada na Índia e, até o
ano de 2003, as vítimas não foram indenizadas31.
Outro desastre ocorreu no mesmo ano na usina de Chernobyl, Ucrânia, onde uma falha
nos sistemas de segurança acarretou um superaquecimento em um reator. Com o
aquecimento, o reator explodiu lançando gases radioativos na atmosfera e expondo o núcleo
redacção normativa: teoria e prática nos países lusófonos. Reino Unido: UICN Serviço de publicação, 2000. p. 11.
29 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, 1917. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2002. p.33.
30 ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 641.
radioativo desse reator. Como o evento ocorreu durante a Guerra Fria, não se sabe o número
aproximado das vítimas, pois a “cortina de ferro” formada pela União Soviética
impossibilitava a transmissão de informações. Sobre a repercussão desse acidente:
(...) O aumento dos níveis de radiação transmitida pela poeira radioativa na atmosfera foram sentidos em toda a Europa, mais seriamente na Europa central e nos países nórdicos, que tiveram suas produções agropecuárias contaminadas. Até o Japão e Austrália constataram alteração nos níveis de radiação, levada pelas correntes atmosféricas. Mesmo no Brasil, que consumia leite de países afetados pelo acidente, constatou-se que grande parte da população poderia ter ingerido laticínios contaminados por radiação. Ainda hoje, o número de mortos decorrentes desse acidente permanece incógnito32.
Diante desse cenário dos anos 80, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nos trabalhos preparatórios, a Assembléia Geral das
Nações Unidas criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em
1983. A comissão foi presidida pela norueguesa Gro Harlem Brundtland e era composta por
dez membros dos países desenvolvidos e dez membros dos países em desenvolvimento, além
do presidente e do vice-presidente. No decorrer de três anos, a comissão visitou vários países,
deliberou em diversas cidades, inclusive em Brasília. As atividades foram encerradas em 1987
e seu relatório foi entregue à Assembléia Geral das nações Unidas33.
Esse relatório ficou conhecido como Relatório de Brundtland. Nele existiam propostas
para a implantação política do desenvolvimento sustentável, para a preservação das águas, do
solo e de ecossistemas, além da conservação das espécies de forma individualizada. O
relatório chamou a atenção da responsabilidade coletiva para proteção de “recursos
universais” como a biodiversidade e o clima. Por fim, o documento mencionou que os países
desenvolvidos deveriam prestar assistência aos países em desenvolvimento34.
Nesse ínterim, em 1992, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, Brasil. A Conferência contou com a
participação de 178 governos e a presença de 100 chefes de estado. A Cúpula da Terra teve as
sessões abertas pelo rei da Suécia. A ECO-92 propiciou, também, uma série de reuniões
informais de várias organizações não governamentais. As reuniões ocorreram em paralelo aos
32 ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 641-642.
33SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, 1917. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2002. p.34.
34 ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
eventos oficiais e tiveram uma importância de destaque, proporcional ao da própria reunião
oficial da ONU35.
Na Cúpula da Terra, tiveram relevância as Convenções Quadro sobre Mudança do
Clima e sobre Diversidade Biológica que foram concebidas nos anos anteriores. Além da
criação da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável, órgão das Nações Unidas criado
com o objetivo de acompanhar os avanços políticos da implementação do desenvolvimento
sustentável e a consolidação da Agenda 2136.
Com a ECO-92, foram adotados três documentos que fixaram princípios do Direito
Internacional do Meio Ambiente37. Os documentos não vinculantes foram a Declaração de
Princípios sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre as
Florestas e a Agenda 21.
A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento é um documento que
os Estados proclamaram no final da ECO-92. O objetivo dessa declaração era ressaltar a
necessidade de cooperação entre os Estados na defesa do meio ambiente. A Declaração do
Rio não é mera repetição dos princípios consagrados na Declaração de Estocolmo de 1972. Os
princípios evidenciam uma “preocupação com a disparidade existente entre as nações e,
sobretudo, com o enfoque de realizar-se o desenvolvimento sustentável entre os Estados”38.
O documento mais relevante adotado na Conferência do Rio foi a Agenda 2139. O
objetivo do documento é direcionar as políticas públicas dos estados nos “aspectos sociais e
econômicos do meio ambiente, conservação e exploração dos recursos naturais com vistas ao
desenvolvimento, fortalecimento e participação de grupos importantes e formas de
implementação”40.
35
SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 55-56.
36 ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 642-643. 37
SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 56.
38 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 63.
39 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, 1917. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2002. p.38.
40 ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento, CASELLA, Paulo Borba. Manual de
Dessa forma, pode-se conceituar Agenda 21 como “um conjunto de metas e objetivos
que visam estabelecer orientações para a comunidade internacional durante o século XXI”41.
Quanto ao conceito do documento é o magistério de Guido Fernando Silva Soares:
A Agenda 21, assim denominada por pretender traçar, por todo século XXI, as ações que devem ser empreendidas pelos Estados, caracteriza-se como documento complexo de cerca de 800 páginas, no qual se estabelece um programa global de política de desenvolvimento e de política ambiental, elaborado por países industrializados e pelos em vias de desenvolvimento, com seus princípios válidos para ambos os conjuntos, embora com exigências distintas para cada qual42.
Na Agenda 21, há a estipulação de diretrizes que deverão “servir de base para a
cooperação bilateral e multilateral quanto as políticas de desenvolvimento, inclusive de
financiamentos de órgãos internacionais”43. As políticas de desenvolvimento referem-se ao
combate à pobreza, educação, saúde, política demográfica, administração dos recursos
hídricos, abastecimento de água potável, tratamento de esgotos e saneamento.
Apesar de a Agenda 21 se caracterizada como uma declaração política firmada entre
os Estados, seus signatários desenvolveram uma série de ações objetivando sua
implementação, o que não possui força obrigatória. Na teoria moderna, a Agenda 21
configura uma sof law, ou seja, “atos normativos que criam obrigações menos impositivas aos
Estados”44.
Quanto à proteção ambiental, a ECO-92 obteve melhores resultados quando
comparada à Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, especialmente quanto às técnicas
utilizadas no que diz respeito às ações futuras consignadas na Agenda 21. Financiamentos
foram previstos na Agenda 21 e as prioridades foram acompanhadas pela Comissão para o
Desenvolvimento Sustentável do ECOSOC. Dessa forma, a Agenda 21 caracterizou-se por ter
estabelecido “metas a ser atingidas, normas a ser seguidas e, muito particularmente, ter
instituído prioridades e mecanismos de acompanhamento das atividades dos Estados”45.
41 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 426.
42
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. p. 83.
43 SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. p. 83
44 SOARES, Guido Fernando Silva Soares. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 67.
1.2.3 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável
A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como
Rio+10, ocorreu em Joanesburgo, África do Sul entre 24 de agosto e 11 de setembro de 2002.
A principal meta da conferência foi avaliar a efetividade da implementação da Agenda 21,
para tanto foi relevante a participação dos governos, organismos internacionais, organizações
não governamentais, sindicatos, povos indígenas, organizações profissionais46.
A ONU não desempenhou um papel de destaque na Cúpula, pois não tratou de
questões que deveriam ser resolvidas multilateralmente como a miséria no Terceiro Mundo, o
desenvolvimento e o efeito estufa. O ponto mais forte da conferência foi a discussão com o
objetivo de encontrar estratégias para reduzir pela metade, até o ano de 2015, o número de
pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia47.
A conferência não apresentou muitos avanços se comparada às cúpulas anteriores,
especialmente porque os países desenvolvidos obstaram “o estabelecimento de metas
concretas para a implementação de vários pontos da Agenda 21”48. As negociações da Cúpula
“refletiram as contradições entre desenvolvimento, preservação e interesses de importância
central para os diferentes países”49.
Um ponto positivo foi a implementação dos instrumentos existentes uma vez que os
Estados não estavam dispostos a criar novos instrumentos jurídicos. Com a conferência,
foram realizadas a Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, o Plano
de Implementação do Fórum Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável e 251 propostas de
parcerias. Os dois primeiros documentos podem ser classificados na categoria de soft Law
com enunciados não vinculantes. O terceiro formou-se com a compilação de propostas de
Parcerias Público-Privadas, portanto, sem caráter de normatividade.
46 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, 1917. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2002. p.42.
47BAPTISTA, Zulmira M. de Castro. Direito ambiental internacional: políticase conseqüências. São Paulo: Pillares Editora, 2005. p. 49.
48
ACCIOLY, Hildebrando, 1888-1962; SILVA, G. E. do Nascimento; CASELLA, Paulo Borba. Manual de
direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 651.
1.2.4 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
A Rio + 20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, foi
realizada no Rio de Janeiro, Brasil, entre 13 e 22 de junho de 2012. A nomenclatura Rio + 20
deve-se em razão da comemoração dos vinte anos da realização da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ECO-92, que também ocorreu na cidade do
Rio de Janeiro50.
A Conferência teve como escopo “a renovação do compromisso político com o
desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na
implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento
de temas novos emergentes”51.
Participaram da Rio + 20 cento e noventa e três Estados-membros da ONU e vários
participantes de diversos setores da sociedade civil. O decreto brasileiro 7.49552, de 7 de
junho de 2011 tratou da participação do Brasil no evento ao criar a Comissão Nacional para a
Cúpula, o Comitê Nacional de Organização da Conferência e a Assessoria Extraordinária para
a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Além de dispor sobre
o remanejamento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores -
DAS.
Diversos eventos destinados à sociedade civil ocorreram em paralelo à cúpula oficial.
A sociedade civil foi representada pelos chamados “grupos principais” composto pelas
organizações não-governamentais, grupos empresariais, autoridades locais, comunidade
científica e tecnológica, comunidades indígenas, sindicatos53.
A participação da sociedade civil começou a ser ativa nos atos preparatórios. Pode-se
destacar a promoção de um debate universal sobre o seguinte tema: “Que recomendações
você faria aos Chefes de Estado na Rio + 20?”. As recomendações foram recolhidas on-line,
em maio de 2012, e foram organizadas por trinta universidades. Das universidades escolhidas,
dez são sediadas no Brasil, dez nos países desenvolvidos e dez nos países em
50Sobre a Rio + 20. Disponível em www.rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais20. Acesso em 5 de setembro de 2012 às 16:03.
51Sobre a Rio + 20. Disponível em www.rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais20. Acesso em 6 de setembro de 2012 às 18:00.
52BRASIL. Decreto n. 7.495, de 7 de junho de 2011. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 20 de julho de 2012.
desenvolvimento. Após essa fase, as recomendações mais votadas foram discutidas pela
sociedade civil composta de ganhadores de prêmios Nobel, empresários, ONGs, cientistas,
governos locais54.
Os países participantes firmaram diretrizes para cooperação internacional sobre
desenvolvimento sustentável em um documento oficial de cinquenta e três páginas. Para
atender necessidades peculiares como energia sustentável e transporte, governos, empresários
e outros representantes da sociedade civil firmaram mais de setecentos compromissos. Os
compromissos assumidos somam 50 bilhões de dólares que serão destinados ao acesso da
energia sustentável por aproximadamente um bilhão de pessoas55.
Na VI Reunião da Comissão Nacional Rio + 20, que ocorreu no dia 12 de junho de
2012, a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira ressaltou que, quando a ECO 92 foi
realizada, apenas 3% (três por cento) da população brasileira declarou conhecimento da
conferência. Enquanto, na Rio + 20, esse índice supera os 70% (setenta por cento). Nesse
contexto, o Ministro Gilberto Carvalho ressaltou que a participação da sociedade civil na Rio
+ 20 foi inovadora e enriquecedora56.
Os princípios enunciados na Cúpula da Terra de 1992 e nas conferências subsequentes
sobre desenvolvimento sustentável foram reafirmados pelos países participantes. Os países
definiram a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da
pobreza. Além do estabelecimento de medidas de apoio às ações internacionais de
desenvolvimento sustentável. Outro ponto de destaque foi o reconhecimento da necessidade
de estabelecer objetivos de desenvolvimento sustentável de naturezas globais e aplicáveis a
todos os países57.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, PNEUMA, definiu economia
verde como aquela que “resulta na melhoria do bem-estar da humanidade e na igualdade
social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ao meio ambiente”58.
Importante destacar a relevância dos compromissos voluntários firmados na Rio + 20.
Os compromissos foram destinados a aumentar o acesso da energia limpa, ampliar o uso de
54
COLLOR, Fernando. A origem da Rio + 20. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 76.
55Além da Rio + 20. Avançando rumo a um futuro sustentável. Disponível em www.onu.org.br/rio20. Acesso em 8 de setembro de 2012 às 8:30.
56
COLLOR, Fernando. A origem da Rio + 20. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 91 e 92.
57Além da Rio + 20. Avançando rumo a um futuro sustentável. Disponível em www.onu.org.br/rio20. Acesso em 8 de setembro de 2012 às 8:30.
energias renováveis, melhorar a eficiência energética e criar novos modelos de transporte
sustentável. Nesse contexto, afirmou o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, “se o
documento final é a base para a próxima etapa da nossa jornada para o desenvolvimento
sustentável, os compromissos anunciados no Rio são tijolos e o cimento. Eles serão um
concreto e duradouro legado da Rio + 20”59.
Do ponto de vista da participação da sociedade civil, a Conferência representou um
avanço quando comparada às Cúpulas anteriores. Destaca-se também o compromisso firmado
por diversas instituições de ensino superior do Brasil de incluir o tema sustentabilidade em
seus currículos. Outro ponto positivo foi o fortalecimento do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente que teve o “número de seus integrantes ampliados de pouco mais de 50
para todos os países signatários da ONU”60.
O documento final da Conferência reafirma diversos pontos das Cúpulas anteriores.
Segundo Brundtland, a declaração final da Rio + 20 não é o suficiente para direcionar a
humanidade em uma trajetória de sustentabilidade. Para ela, são necessárias ações de maior
efetividade, pois os limites ambientais do planeta já foram ultrapassados. Dessa forma, a “Rio
+ 20 não foi uma conferência para a tomada de grandes decisões, mas foi uma oportunidade
para grades diálogos”61.
1.3 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL
As obrigações internacionais assumidas pelos Estados têm reflexo direto nas
legislações nacionais, já que devem ser cumpridas no âmbito interno. Assim, em diversas
ocasiões, tratados guarda-chuva ratificados no âmbito de uma Conferência Internacional
acabam resultando na criação ou retificação de leis nacionais, para que o Estado possa atingir
o objetivo comum traçado com seus pares. Dentro dessa perspectiva, destacam-se os tratados
de Direitos Humanos, que têm influência direta no plano constitucional.
59Além da Rio + 20. Avançando rumo a um futuro sustentável. Disponível em www.onu.org.br/rio20. Acesso em 8 de setembro de 2012 às 8:30.
As fontes do Direito Internacional estão arroladas no artigo 38 do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça: tratados, costumes e princípios gerais do direito. Como fontes
subsidiárias estão elencadas: as decisões judiciárias e a doutrina qualificada62.
Segundo Guido Fernando Silva Soares, na mesma corrente de Francisco Rezek63, há
duas outras fontes que não estão previstas no rol do art. 38 da Corte Internacional de Justiça:
as deliberações de organizações internacionais onde a ONU, UNESCO e OIT desempenham
papel primordial; e as decisões unilaterais dos Estados, “às quais o direito internacional
atribui efeitos de gerar normas jurídicas imponíveis aos demais Estados”64.
Apesar de o §2º do artigo 38 fazer referência à equidade, a mesma não é fonte. A
Corte autoriza “o afastamento da aplicação do direito, e a solução baseada em considerações
de justiça”65.
A equidade tem o sentido de solução ex aequo et bono e também pode ser entendida
como princípio geral de aplicação do direito que se revela na necessidade de ligação entre a
aplicação de normas jurídicas e a noção de justiça. A equidade é um princípio ou norma
jurídica66.
Assim, para compreender o Direito Internacional Ambiental é necessário saber como
ele é formado e isso demanda estudar as fontes que “representam os elementos básicos do
regime jurídico internacional”67.
1.3.1 Tratados
A fonte por excelência do Direito Ambiental Internacional é revelada pelos tratados.
Eles estão na forma escrita, sendo semelhantes às leis do Direito Interno, o que gera maior
62 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, 1917. Direito ambiental internacional. 2. ed. rev. e atual. 2002. p. 7.
63REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 139.
64 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 83.
65 NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional:
um estudo sobre a soft Law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 62.
66
NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft Law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 62.
segurança aos juristas. Os acordos verbais não apresentam segurança suficiente para autorizar
sua codificação68.
O conceito de tratado é encontrado na Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados e no Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Assim, tornou-se sepulta a discussão
sobre a definição dos tratados. “Todo Estado soberano tem capacidade para celebrar tratados,
e igual capacidade costumam ter as organizações internacionais”69.
Segundo a alínea a do artigo 2º, “‘tratado’ significa um acordo internacional celebrado
por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento
único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação
particular”.
A doutrina tradicional entende que, com exceção das organizações internacionais,
apenas os Estados soberanos possuem a capacidade de celebrar tratados. Entretanto, para os
defensores da paradiplomacia os entes não centrais podem celebrar tratados e atos
internacionais, especialmente Estados-membros e municípios de um Estado Federal70. A
paradiplomacia “representa a participação de novos atores nas relações internacionais dentro
desse novo mundo globalizado, sendo vetor da integração entre os povos”71.
Independente da discussão, ressalta-se que para a celebração de um tratado é
indispensável que os entes possuam capacidade, ou seja, personalidade jurídica de acordo
com o Direito Internacional72. Na Idade Média, os governantes eram considerados pessoas de
Direito Internacional o que explica a representatividade internacional até os dias atuais. A
palavra dita, ou seja, o compromisso firmado por um monarca era cumprido como
compromisso de honra. Assim, para Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, a ordem
internacional tinha “por sujeitos os Reis e não os Estados”73.
A Convenção de Viena no artigo 3º define tratado como um acordo concluído por
escrito. Dessa forma, a Convenção não ignora os acordos verbais e não lhes retira qualquer
68
DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Droit international public. 6. ed. Paris: LGDJ, 1999. p. 120.
69REZEK, José Francisco. Direito internacional púbico: curso elementar. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33.
70
CASTELO BRANCO, Álvaro Chagas. Paradiplomacia e Entes Não Centrais no Cenário Internacional. Curitiba: Juruá, 2008. p. 29.
71SÁ, Almir Morais. Brasil – Venezuela: paradiplomacia na integração econômica da área de fronteira. Dissertação (Mestrado em Direito). Pós-graduação Stricto Sensu em Direito, Universidade Católica de Brasília. Orientador: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. Brasília, 2009. p. 35.
72 NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft Law . 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 69.
valor jurídico. Entretanto, a Convenção de Viena confirma implicitamente que os acordos
verbais não possuem segurança suficiente para autorizar a sua codificação, ao recusar
examinar esses acordos entre Estados74.
Ademais, não é relevante a denominação ostentada pelo tratado. Outro ponto é que o
tratado pode se apresentar em um único documento, ou em vários, isso com as mesmas partes
signatárias e sobre a mesma matéria.
Os tratados são destinados a produzirem efeitos jurídicos. Quando um ente aceita ser
parte signatária de um determinado tratado, está ciente do compromisso com determinados
efeitos de direito. Assim, são obrigatórias regras, princípios, direitos e obrigações que são
advindas do acordo.
Nesse ínterim, é importante ressaltar que os ordenamentos jurídicos nacionais
possuem regras quanto aos tratados como competências para sua celebração, hierarquia
perante o ordenamento nacional, condições de sua entrada em vigor. Entretanto, apesar de as
regras que existem nos ordenamentos jurídicos nacionais, os tratados devem ser regidos pelo
Direito Internacional. O regime jurídico dos tratados é materializado pelas duas Convenções
de Viena sobre a matéria. Antes existiam regras costumeiras sobre a celebração, validade e
término dos tratados, mas o costume foi substituído pelas regras cristalizadas na Convenção
de Viena75.
A globalização internacional dos problemas como direitos humanos, proteção do meio
ambiente, demonstra que a Constituição continua a ser uma carta de identidade física e
cultural, mas deve articular com outros direitos76.
O elemento caracterizador da ordem constitucional contemporânea passou a ser a
abertura às normas internacionais o que exige a observância de princípios de política e Direito
Internacional informador do Direito Interno. Assim, “o Poder Constituinte dos Estados e,
consequentemente, das respectivas Constituições nacionais, está hoje cada vez mais vinculado
a princípios e regras de direito internacional”77.
74
DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Droit international public. 6. ed. Paris: LGDJ, 1999. p. 120.
75 NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft Law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 69.
76PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 105 e 106.