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CAPÍTULO 2 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR

2.5 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS

A possibilidade jurídica de se caracterizar a responsabilidade penal da pessoa jurídica consiste em um tema controvertido entre diversos penalistas. A problemática surge ao analisar o princípio da responsabilidade pessoal206.

Segundo os críticos da responsabilização, o Direito Penal deve acompanhar a evolução social abrindo caminhos para conservação da vida em sociedade e da paz social. Entretanto, não se deve deixar de observar os seus princípios norteadores, dentre os quais o da responsabilidade pessoal e subjetiva. Defendem que somente o ser humano pode ser sujeito ativo da infração penal, seja agindo sozinho ou em concurso de pessoas207. No presente trabalho, analisar-se-ão as principais incompatibilidades dogmáticas da responsabilidade penal da pessoa jurídica apontadas pela doutrina.

204CASTELO BRANCO, Fernando. A pessoa jurídica no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 73. 205

ARAÚJO JUNIOR, João Marcelo de. Societas delinquere potest – Revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenação). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e

medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 82.

206

GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade “penal” da pessoa jurídica. In: RUIZ FILHO, Antonio; SICA, Leonardo (coord.). Responsabilidade penal na atividade econômico- empresarial. Doutrina e

jurisprudência comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 420.

207LEVORATO, Danielle Mastelari. Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 57.

2.5.1 A incapacidade de ação da pessoa jurídica

A pessoa jurídica não tem capacidade de ação e todas as atividades inerentes ao ente coletivo são realizadas por pessoas físicas. A incapacidade de ação independe do conceito de ação adotado, seja causal, social ou final. A incapacidade de ação decorre da absoluta falta de capacidade natural de ação208.

A conduta é o primeiro elemento integrante do fato típico. Conduta, ação e comportamento são sinônimos. “Conduta quer dizer, ainda, ação ou comportamento humano. Não se fala em conduta de pessoa jurídica no sentido de imputar a esta a prática de alguma infração penal”209. “Por ser o crime uma ação humana, somente o ser vivo, nascido de mulher, pode ser autor de crime, embora em tempos remotos tenham sido condenados, como autores de crimes, animais, cadáveres e até estátuas”210. Nesse sentido, o magistério de João José Leal afirma que “até o final da Idade Média a justiça criminal julgava e condenava também animais como autores de infrações penais. Hoje apenas o homem pode ser o sujeito ativo do crime”211.

O dolo caracteriza-se pela consciência e vontade na realização da conduta típica. O dolo compreende: um elemento cognitivo, que se refere ao conhecimento do fato que constitui a ação típica, e um elemento volitivo, que é a vontade de realizar a ação212. “O primeiro elemento, o conhecimento, é pressuposto do segundo, que é a vontade, que não pode existir sem aquele. Para a configuração do dolo, exige-se a consciência daquilo que se pretende praticar”213.

208BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 58 e 59.

209

GRECO, Rogério. Curso de direito penal parte geral. 14.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 147. 210BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 60.

211

LEAL, João José. Curso de direito penal. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1991. p. 147.

212DOTTI, René Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica (uma perspectiva do direito brasileiro). In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (coordenadores). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 181.

213BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 60.

Em sentido psicológico, a pessoa jurídica não tem consciência e vontade semelhante à pessoa natural e, com isso, capacidade de autodeterminação214. Um comportamento somente poderá ser típico se for identificada a intenção. “Especialmente quando a figura típica exige também, para a corrente tradicional, o dolo específico, ou seja, o especial fim de agir”215.

Com a ausência da consciência e vontade, não há ação e, consequentemente, não há crime, exceto a responsabilidade objetiva. Para responsabilizar a pessoa jurídica, existem diversos ramos do direito, “com menores exigências garantistas e que podem ser muito mais eficazes e funcionais que o Direito Penal”216.

2.5.2 A incapacidade de culpabilidade da pessoa jurídica

A culpabilidade é “o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente”217 ou, em outras palavras, é “o juízo de reprovação que se faz ao autor por haver agido ilicitamente, apesar de poder agir conforme o direito”218. A culpabilidade é constituída pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

Imputabilidade é a capacidade de culpabilidade, o imputável responde pelos seus atos. A imputabilidade possui dois aspectos: um cognoscitivo ou intelectual que corresponde a capacidade de compreender a ilicitude do fato e um volitivo que é a determinação da vontade

214PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (coordenadores). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 131 e 132.

215BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 61 e 62.

216BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.. 62.

217GRECO, Rogério. Curso de direito penal parte geral. 14.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 371. 218SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 116.

conforme essa compreensão219. Como o ente moral não possui maturidade e higidez mental, é inimputável220.

O segundo elemento da culpabilidade é a potencial consciência da ilicitude do fato que corresponde ao erro de tipo e ao erro de proibição. O erro de tipo incidirá sobre as circunstâncias, elementos ou qualquer outro dado da figura típica. O erro de proibição é analisado na aferição da culpabilidade do sujeito ativo. No erro de proibição, é analisado se nas condições que se encontrava o agente, ele poderia compreender o caráter ilícito do fato221. Não se pode exigir que uma empresa comercial ou industrial possa formar a “consciência da ilicitude” de uma determinada atividade desenvolvida pelos diretores ou prepostos. Assim, não há meios para formulação de um juízo de reprovabilidade em razão da “conduta” da empresa que contrarie a ordem jurídica222.

Por fim, o terceiro elemento da culpabilidade, que é a exigibilidade de conduta diversa ou exigibilidade de obediência ao direito, será analisado se nas condições em que se encontrava o sujeito ativo, não se podia exigir dele comportamento diverso223. Em tese, esse elemento pode ser exigido do ente moral. Entretanto, não há possibilidade de se analisar o terceiro elemento da culpabilidade, pois há um impedimento sequencial, posto que a exigibilidade de conduta diversa depende de agente imputável e com potencial consciência sobre a ilicitude do fato, o que é impossível no caso da pessoa jurídica. Dessa forma, ausentes os dois primeiros elementos, imputabilidade e consciência da ilicitude, não haverá a caracterização da exigibilidade de conduta conforme o direito. E, por derradeiro, a ausência de qualquer dos três elementos examinados impedirá a configuração da culpabilidade e sem culpabilidade não há pena224.

219PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência; conexões lógicas com os vários ramos do direito. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 141.

220BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.. 63.

221

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 396.

222BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.. 64.

223GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 403.

224BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.. 64.

2.5.3 A impossibilidade de aplicação de pena

A pena não deve ser aplicada às pessoas jurídicas no lugar das pessoas físicas que estão associadas a elas. Ademais, as ideias de prevenção geral e especial, além da ressocialização não se aplicam à pessoa jurídica225.

A pena possui caráter aflitivo por ser destinada aos seres humanos e é identificada, muitas vezes, com o sofrimento. Por exemplo, há o § 5º do art. 121 do Código Penal brasileiro: “Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”226.

Todavia, segundo Luiz Regis Prado devem ser impostas medidas de segurança à pessoa jurídica, com fulcro na periculosidade objetiva do ente moral, praticadas por seus órgãos ou pessoas que atuam a seu serviço. Assim, há a dissolução, suspensão, revogação de autorizações e licenças, intervenção na gestão da empresa, dentre outras medidas de segurança. Essas medidas são de natureza não penal, administrativa, civil e comercial. Entretanto, são revestidas de certas garantias e efeitos dessa índole227.

Nessa ótica a pena não pode ser aplicada à pessoa jurídica por corresponder ao sofrimento, dor, amargura, mesmo nas situações em que a liberdade física não é suprimida228.