• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR

2.1 MEIO AMBIENTE, DIREITO PENAL ECONÔMICO E PESSOA JURÍDICA

A ideia de um Direito Penal com eficiência social significa que o sistema penal eleva sua eficiência, e através da disposição ao Estado, torna-se um mecanismo forte de combate à criminalidade. Em decorrência dessa necessidade, os pressupostos de punibilidade são reduzidos. Essa corrente é denominada Law and Economics, ou análise econômica do Direito, que consiste na utilização de técnicas com a observância das consequências econômico-sociais do Direito e da eficiência econômica como valor jurídico140.

Os reflexos globalizados das ações humanas tornam-se cada vez mais evidentes nos dias atuais. “Quando a conduta humana atinge um interesse juridicamente tutelado afeto a um grupo de pessoas ou toda uma coletividade, fala-se em violação a um bem jurídico transindividual”141. Entretanto, não há preponderância do bem jurídico transindividual sobre o individual, há uma classificação doutrinária com o objetivo de realizar uma abordagem específica.

Os danos ambientais de repercussão são gerados através das decisões dos responsáveis por grandes empresas e não por meio de condutas individuais isoladas. Sobre a temática é o magistério de Édis Milaré:

O intento do legislador, como se vê, foi punir o criminoso certo e não apenas o mais humilde – ou o “pé-de-chinelo” do jargão popular. Sim, porque, via de regra, o verdadeiro delinqüente ecológico não é a pessoa física – o quitandeiro da esquina, p.

139

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1988. 2. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 53.

140PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 155. 141VIEIRA, Ariovaldo M.; GONÇALVES, Diego Vilhena. Direito penal econômico e a tutela penal dos interesses difusos. In: RUIZ FILHO, Antonio; SICA, Leonardo (coord.). Responsabilidade penal na atividade

ex. -, mas a pessoa jurídica que, quase sempre, busca o lucro como finalidade precípua, e para qual pouco interessam os prejuízos a curto e longo prazos causados à coletividade, bem como pouco importa que a saúde da população venha a sofrer com a poluição. É o que ocorre geralmente com os grandes grupos econômicos, os imponentes conglomerados industriais e por vezes – por que não dizer? – com o próprio Estado, tido este como dos maiores poluidores por decorrência de serviços e obras públicas sem controle142.

O maior degradador do meio ambiente é o empresário, o industrial, o comerciante que corresponde ao diretor, ao presidente, ao administrador da pessoa jurídica. Ademais, “normalmente o centro das decisões de uma grande empresa situa-se em outro país, fazendo- se com que a punição se torne ineficaz, pois não há como responsabilizar, via de regra, o autor do delito. Isso não ocorrerá se se admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica”143.

O constituinte brasileiro, no art. 170144 da Carta Política de 1988, trouxe a previsão dos princípios que norteiam a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa. Assim, dentre os princípios da atividade econômica, estão a soberania nacional, a propriedade privada, a livre concorrência e a defesa do meio ambiente.

No Brasil, a Constituição Federal, ao regular a ordem econômica, instituiu uma economia de mercado que, diante da influência do neoliberalismo econômico, precisa de instrumentos jurídicos, administrativos e penais, para o fortalecimento e proteção dos valores relacionados à liberdade econômica e que também preservem os bens jurídicos necessários à manutenção dessas. Além de assegurar a liberdade econômica, núcleo central da livre iniciativa, é preciso dar eficácia às regras que regulam o mercado e garantam o bem-estar social e os valores fundamentais garantidos pela Constituição Federal145.

O principal objetivo do Direito Penal é a defesa da sociedade por meio da proteção dos seus bens jurídicos fundamentais: a vida, a integridade corporal, o patrimônio, a honra, a segurança da família, o meio ambiente, as ordens econômica e financeira, as relações de

142MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 451.

143

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1988. 2. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 54.

144BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In: GOUVEIA, Jorge Bacelar. As constituições

dos estados de língua portuguesa. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 196.

145SILVA, Fernando Quadros da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: a jurisprudência brasileira e a consolidação do instituto. In: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo (organizador). Crimes ambientais: estudos em homenagem ao desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010. p. 160-161.

trabalho, ou seja, os bens que satisfazem uma necessidade individual ou coletiva. Ademais, o Direito Penal é um instrumento a serviço das necessidades humanas146.

Apesar da dogmática tradicional, a superveniência de novos bens jurídicos como a ordem econômica e o meio ambiente demonstra que o Direito Penal deve se expandir. Ademais, as características do Direito Penal são relacionadas à política geral adotada por um determinado Estado que reflete nas normas criminais adotadas em um momento histórico. Assim, nas últimas décadas do século XX os países experimentaram profundas transformações históricas, econômicas e sociais147. “O ingresso da sociedade civilizacional na denominada pós-modernidade acarreta consigo novos paradigmas, renovadas contextualizações axiológicas, cuja densificação encontra, necessariamente, eco no direito penal”148.

Dessa forma, a expansão do Direito Penal é um fenômeno inerente à sociedade pós- moderna e pós-industrial caracterizada pela aceleração, imprevisibilidade, surgimento de novos riscos, instantaneidade das relações, insegurança, globalização, integração supranacional, predomínio do econômico sobre o político, incremento da criminalidade organizada149.

Nesse contexto, as relações econômicas mudaram consideravelmente com a globalização. Assim, o Estado passou a intervir mais na economia. Com a integração regional e o comércio internacional os países passaram a exigir uns dos outros a observância em suas economias, pois uma crise econômica em um Estado pode interferir nos demais Estados que fazem parte do bloco econômico ou dos países que são parceiros comerciais.

A criminalidade também mudou significativamente e, durante muito tempo, a mesma visava às relações individuais. Os crimes que mais preocupavam a sociedade eram os denominados tradicionais, a exemplo do homicídio, roubo, estelionato. Os crimes mencionados estão presentes no cotidiano na população, mas, atualmente, não são os mais complexos.

146

VAZ, Paulo Afonso Brum; MEDINA, Ranier Souza. Direito penal econômico e crimes contra o sistema

financeiro nacional. São Paulo: Conceito Editorial, 2012. p. 21.

147VAZ, Paulo Afonso Brum; MEDINA, Ranier Souza. Direito penal econômico e crimes contra o sistema

financeiro nacional. São Paulo: Conceito Editorial, 2012. p. 23 e 26.

148GODINHO, Inês Fernandes. A responsabilidade solidária das pessoas colectivas em direito penal

ecónomico. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 9.

149SÁNCHEZ, Jésus-Maria silva. La Expansión Del Derecho Penal. Aspectos de La política criminal em lãs sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999. p. 21.

O surgimento de novas formas de criminalidade, sobretudo aquelas que atingem interesses metaindividuais, como os delitos ambientais, impulsionou a discussão sobre a possibilidade de se admitir, ou não, a responsabilidade penal das pessoas fictícias150.

A “criminalidade moderna” abrange a criminalidade ambiental internacional, criminalidade industrial, tráfico internacional de drogas, a criminalidade de “colarinho branco”. Esses crimes contemporâneos possuem uma dinâmica estrutural e uma capacidade de produção de efeitos que o Direito Penal clássico não consegue atingir, diante da “dificuldade de definir bens jurídicos, de individualizar culpabilidade e pena, de apurar a responsabilidade individual ou mesmo de admitir a presunção de inocência e o in dubio pro

reo”151.

Cabe lembrar que o Estado dispõe de diversos mecanismos para prevenir e coibir atos atentatórios à ordem econômica. Para esse fim, existe o Direito Administrativo, Regulatório, Tributário e também normas penais o que se convencionou chamar de Direito Penal Econômico.

Alguns princípios limitam a incidência penal como o princípio da subsidiariedade ou

ultima ratio que significa que somente quando os bens jurídicos não são passíveis de proteção

por outro ramo do direito, podem ter proteção penal. O princípio da necessidade especifica que a tutela penal deve ocorrer somente no que for necessário para a proteção dos bens jurídicos protegidos. O princípio da fragmentariedade visa que a proteção penal somente será exercida em relação aos bens jurídicos ameaçados por violações socialmente graves ou intoleráveis152.

Diante da criminalidade transnacional, o princípio da subsidiariedade ou a ultima ratio do Direito Penal é cancelado, “para dar lugar a um Direito Penal visto como sola ratio ou

prima ratio na solução social de conflitos”. Para combater o novo modelo de criminalidade, o

Direito Penal da culpabilidade seria inoperante e alguns de seus princípios estariam

150

OLIVEIRA, Willian Terra de. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e sistemas de imputação. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenação). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e

direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 160.

151

BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenação). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 64.

152VAZ, Paulo Afonso Brum; MEDINA, Ranier Souza. Direito penal econômico e crimes contra o sistema

superados. Nesse contexto, os bens coletivos são mais importantes do que os bens individuais, sendo fundamental que o direito seja organizado preventivamente153.

Paralelamente às ideias de um Direito Penal baseado na culpa individual, surge um vigoroso movimento criminalizador das condutas das empresas que não pode ser ignorado diante da sua relevância internacional.

Um dos aspectos mais importantes para o moderno Direito Penal é acompanhar as transformações sociais. As novas características da sociedade globalizada acabam por exigir uma nova forma de atuar da dogmática jurídico-penal. Dessa forma, surge a responsabilização penal da pessoa jurídica.