• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR

2.2 A PERSONALIDADE JURÍDICA

A origem da palavra pessoa é do “latim persona, que, inserido na linguagem teatral da Antiguidade romana, designava máscara, usada pelos atores para dar eco às suas palavras”154. Posteriormente, persona exprimia o personagem representado pelo ator. Com a evolução histórica, a palavra pessoa passou a expressar o próprio indivíduo que representava o papel155.

É importante ressaltar a diferença entre pessoa física e pessoa jurídica para compreender as condições para a responsabilização penal dos entes coletivos. Os conceitos são encontrados no Direito Civil. A pessoa física é aquela a que a lei atribui direitos e deveres, é pessoa natural, dotada de racionalidade e de personalidade jurídica156.

Para alcançar seus objetivos de crescimento econômico o homem, conhecendo suas limitações como indivíduo, reúne-se em grupos. “Após uma longa e lenta evolução, o ordenamento jurídico conferiu a tais agrupamentos personalidade e capacidade jurídica”157. Para que exista a personificação da pessoa jurídica, devem existir três requisitos: a vontade

153BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coordenação). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 65.

154

CASTELO BRANCO, Fernando. A pessoa jurídica no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 5. 155MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 58 e 59. 156ACETI JUNIOR, Luiz Carlos; VASCONCELOS, Eliane Cristine Avilla; CATANHO, Guilherme. Crimes

ambientais - A responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Imperium Editora e Distribuidora,

2007. p. 15.

157ACETI JUNIOR, Luiz Carlos; VASCONCELOS, Eliane Cristine Avilla; CATANHO, Guilherme. Crimes

ambientais - A responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Imperium Editora e Distribuidora,

humana criadora, a observância das condições legais para sua formação e a licitude de seus objetivos158.

Nascem, assim, as pessoas jurídicas com estrutura própria e personalidade privativa, denominação adotada no Brasil, Alemanha, Itália, Espanha. Na França, a pessoa jurídica é conhecida como pessoa moral, muito embora se encontre referências francesas a pessoas jurídicas. Em Portugal, a denominação utilizada é pessoa coletiva159 e a mesma denominação é utilizada no ordenamento jurídico angolano160.

Dessa forma, as pessoas jurídicas são “entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil”161.

No ordenamento jurídico brasileiro, as pessoas jurídicas são divididas em dois grupos. No primeiro, as pessoas jurídicas de Direito Público, tais como a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os territórios e as autarquias. No segundo, as pessoas jurídicas de Direito Privado162. São pessoas jurídicas de Direito Privado, previstas no artigo 44 do Código Civil brasileiro, as associações, sociedades e fundações163.

O artigo 42 do Código Civil brasileiro especifica que “são pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”164. São exemplos de pessoa jurídica de Direito Público externo: o Fundo Monetário Internacional, FMI, e a Organização das Nações Unidas, ONU165.

2.2.1 A responsabilização penal das pessoas jurídicas de Direito Público

Para fins de aplicação de uma sanção penal, a lei brasileira não efetuou uma delimitação consignando quais pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas criminalmente.

158PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. v. 1. p. 186.

159CASTELO BRANCO, Fernando. A pessoa jurídica no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 7. 160

ARAÚJO, Raul. A protecção do meio ambiente e a constituição em Angola. Portugal: Almedina, p. 47. 161RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 1. p. 64.

162COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 135.

163

SANTIAGO, Ivan. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na lei de crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 144 e 145.

164BRASIL. Código Civil. In: CAHALI, Yussef Said (organizador). Código Civil, Código de Processo Civil,

Código Comercial, Constituição Federal, Legislação civil, processual civil e empresarial. 14. ed. rev., ampl.

e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 249.

165ACETI JUNIOR, Luiz Carlos; VASCONCELOS, Eliane Cristine Avilla; CATANHO, Guilherme. Crimes

ambientais - A responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Imperium Editora e Distribuidora,

O Direito Penal francês vedou a responsabilização penal das pessoas jurídicas de Direito Público, quando no “exercício de poderes públicos”166. “Quanto às demais pessoas jurídicas de Direito Público, ocorrendo o desempenho de uma atividade que possa ser objeto de delegação de serviço público, estariam passíveis de serem criminalmente responsabilizadas”167. Nesse sentido, a responsabilização pode ocorrer, na França, em atividades como transportes coletivos, iluminação pública, distribuição de água potável, coleta de lixo, atividades que não caracterizam o exercício de poderes públicos168.

A exceção a não penalização do Estado está positivada no Código Penal francês. Os principais argumentos da punibilidade da pessoa jurídica de Direito Público são: ela pode formar uma vontade unitária, sendo assim, capaz de delinquir; as pessoas coletivas de Direito Público exercem influência considerável em áreas importantes como saúde pública, meio ambiente, economia, entre outras. Ademais, a gestão da coisa pública deverá ser exemplar169.

Como a legislação brasileira é omissa, quanto à possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas de Direito Público, surgem controvérsias doutrinárias sobre a questão.

Para os críticos da responsabilização penal da pessoa jurídica de Direito Público, há dois argumentos principais. Primeiramente, as pessoas físicas, representantes das pessoas jurídicas de Direito Público, devem agir nos estritos limites da legalidade, na medida em que toda Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade. Assim, caso o representante legal praticasse crime ambiental, “não estaria agindo em representação da pessoa jurídica, por impossibilidade jurídica, de maneira que, em agindo em nome próprio, seria pessoalmente responsável, seja na seara civil ou penal, pelas condutas perpetradas”170.

Ademais, argumentam os defensores da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica de Direito Público que, se a mesma fosse condenada por crime ambiental e cominada a pena de

166

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; SILVA, Solange Teles. Responsabilidade penal das pessoas

jurídicas de direito público na Lei 9.605/98. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais. Trimestral, ano 7, v. 25, p. 129, jan./mar., 1999.

167SANTIAGO, Ivan. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na lei de crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 135.

168FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; SILVA, Solange Teles. Responsabilidade penal das pessoas

jurídicas de direito público na Lei 9.605/98. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais. Trimestral, ano 7, v. 25, p. 129, jan./mar., 1999.

169BANDEIRA, Gonçalo Nicolau Cerqueira Sopas De Melo. “Responsabilidade” penal económica e fiscal

dos entes colectivos à volta das sociedades comerciais e sociedades civis sob a forma comercial. Coimbra:

Almedina, 2004. p. 243 e 244.

sanção pecuniária, estar-se-ia punindo, mesmo de forma indireta, os contribuintes que recolhem os tributos destinados ao custeio dessa pessoa jurídica de Direito Público171.

Apesar dos argumentos apresentados, diversos doutrinadores entendem de forma diversa. Os defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica de Direito Público entendem que os entes coletivos de Direito Privado e as pessoas jurídicas de Direito Público sujeitam-se aos rigores da lei172. Como a lei não fez qualquer distinção, não deve o interprete fazê-la. “E não foi por falta de alerta, já que, no particular, o Código Penal francês de 1994, que serviu de inspiração para o legislador pátrio, excluiu taxativamente da responsabilidade criminal ‘as coletividades públicas e os agrupamentos de coletividades púbicas’”173.

Ademais, é importante ressaltar que nem todas as entidades que compõem a Administração Pública são pessoas jurídicas de Direito Público:

(...) As empresas públicas e sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado que compõem a Administração Pública indireta. As empresas públicas podem ser constituídas sob qualquer modalidade societária e as sociedades de economia mista somente podem ser constituídas sob a modalidade de sociedade anônima174.

Assim, uma empresa pública ou sociedade de economia mista, como integrantes da Administração Pública, podem ser responsabilizadas penalmente quando cometam delitos ambientais175.