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Bens remanufaturados e as negociações em curso na OMC. Nota Técnica

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Academic year: 2021

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Bens remanufaturados e as negociações em curso na OMC Nota Técnica

1. Introdução

O comércio internacional de bens usados tem sido, em muitos países, objeto de um tratamento diferenciado – em comparação com aquele conferido aos bens novos ou não usados – por parte das legislações nacionais aplicadas ao comércio e de acordos comerciais preferenciais.

Estudo da OCDE, realizado em 2004, constatou que o comércio internacional de produtos usados é significativo em setores como automóveis, autopeças e partes (pneus, inclusive), máquinas e equipamentos, roupas e instrumentos e equipamentos médico-hospitalares. Estes fluxos comerciais são freqüentemente objeto de restrições aplicáveis às importações: proibições “absolutas” ou aplicáveis quando o produto não atende a certos requisitos técnicos ou a padrões de idade, ambientais, etc. Muitos países impõem às importações de bens usados restrições e exigências tão estritas que estas representam uma proibição de facto às importações de tais produtos.

Embora as restrições sejam mais comumente praticadas por países em desenvolvimento, elas também existem, em menor grau, entre os países desenvolvidos. Vale observar que, entre os países em desenvolvimento, a natureza e a intensidade das restrições podem variar, gerando diferentes impactos sobre a importação de bens usados. Assim, por exemplo, de acordo com estudo realizado por empresa de consultoria indiana1, as restrições impostas pelo Brasil são mais abragentes – pelo seu caráter horizontal – e mais rígidas do que aquelas adotadas pelo México, que têm aplicação setorial, especialmente no setor de informática, e transferem aos exportadores certas responsabilidades, em termos de concessão de garantia, fornecimento de peças de reposição, etc.

O tratamento diferenciado concedido por muitos países à importação de bens usados tem sido alvo de críticas, nos foros comerciais, por parte de países desenvolvidos. Há, no momento, em curso, no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC um panel em que as Comunidades Européias contestam a proibição, pelo Brasil, da importação de pneus usados oriundos daquele bloco. Em acordos preferenciais recentes, os EUA têm defendido – com algum sucesso – a flexibilização das restrições ao comércio de bens usados, embora em geral esta flexibilização seja parcial e tenha um caráter setorial.

2. O tema dos bens remanufaturados na Rodada Doha

Na Rodada Doha, os EUA introduziram a discussão do tema no âmbito das negociações sobre barreiras não tarifárias (BNTs) levadas a efeito no grupo de Acesso a Mercados de Bens Não Agrícolas (NAMA). Em um primeiro documento, focado no setor automotivo, os EUA discutiram as “barreiras à importação e venda de produtos manufaturados” naquele setor.

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No final de 2005, os EUA apresentaram outro documento (TN/MA/W/18/Add.11), mais abrangente, que contém duas idéias centrais:

- a necessidade de distinguir produtos “remanufaturados” de bens “usados” ou de “segunda mão”. De acordo com o documento, para ser considerado remanufaturado – e, portanto, para se diferenciar de um produto usado – o bem deve ser submetido a um processo industrial específico (a “remanufatura”) que o transforme em um produto capaz de atender aos requisitos e padrões técnicos, de segurança e ambientais de um produto novo e que, em conseqüência, recebe da empresa responsável pela operação uma garantia de desempenho equivalente ao do bem novo. O documento dos EUA refere-se apenas aos bens “remanufaturados” e a proposta que ele veicula não diz respeito aos bens usados, comercializados no estado em que se encontrem e sem garantias. - a idéia de que o tratamento a ser concedido a bens remanufaturados independe de setor, o que legitimaria a proposta de um tratamento horizontal – e não setorial – do tema na OMC.

A partir destes dois conceitos, a proposta dos EUA visa à eliminação de todo e qualquer tratamento discriminatório contra bens remanufaturados e partes que entram na produção destes bens, quando comparados com bens novos. Vale ressaltar que a proposta dos EUA não questiona “o direito fundamental dos países” para regular de forma não discriminatória o comércio inclusive de bens remanufaturados, em função de preocupações com a proteção da saúde humana, o meio ambiente, etc.

A proposta dos EUA formula os argumentos a favor da eliminação de restrições comerciais aos bens remanufaturados, justificando-a por seus impactos econômicos e ambientais positivos:

- redução do custo dos produtos para os consumidores industriais e finais, sem perda de qualidade e dos atributos de garantia associados à aquisição de um bem novo. O documento chama a atenção para os benefícios especiais que países em desenvolvimento podem obter através da importação de bens de capital remanufaturados, gerando redução substantiva de custos de investimento;

- incentivo ao desenvolvimento de um novo modelo de negócios, em que serviços de remanufatura complementam o desenvolvimento de novos produtos, gerando empregos de diferentes níveis de qualificação e potencialmente produzindo novos fluxos de investimentos para países em desenvolvimento que venham a se consolidar como pólos relevantes de utilização de bens manufaturados; e

- economia de energia e de materiais, bem como redução da produção de resíduos sólidos, como resultado do reaproveitamento de partes, peças, etc.

Em reação a este documento, o Brasil, em sintonia com a Índia, questionou:

- a dificuldade de o consumidor aferir a qualidade do bem remanufaturado, sobretudo quando apenas partes de um bem são recicladas;

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- os custos maiores advindos do controle e da avaliação de conformidade destes bens, quando comparados com bens novos.

Segundo o estudo indiano anteriormente citado, a visão dos EUA é, nas negociações em curso, fortemente influenciada pelos interesses de empresas industriais que investem crescentemente em serviços de remanufatura e que pretendem apropriar-se dos principais benefícios econômicos desta opção. Vista sob esta ótica, a distinção entre o conceito de bem remanufaturado e o de bem usado responde adequadamente aos interesses destas empresas, que pretendem reter o direito de remanufaturar os bens por elas originalmente produzidos ou de licenciar outras empresas para fazê-lo.

Conforme já comentado, os diversos acordos de livre comércio assinados recentemente pelos EUA (com o Chile, Colômbia, Austrália, entre outros) apresentam disposições relativas a bens remanufaturados. No caso do Acordo Chile-EUA, há uma relação de bens (dos capítulos 84, 85, 87 e 90, sempre a seis dígitos) que podem ser considerados remanufaturados, desde que atendam a critérios como (i) serem inteira ou parcialmente compostos de bens recuperados; (ii) terem a mesma expectativa de vida e cumprir os mesmos padrões de desempenho que os bens novos; e (iii) tenham garantia de fábrica equivalente à de um bem novo. Critérios semelhantes são definidos no Acordo Austrália – EUA para produtos classificados nos capítulos 84, 85 e 87 (com alguma exceções, inclusive as posições relativas a automóveis), além de posições do capítulo 90. Portanto, a experiência destes acordos revela que os EUA têm sido capazes de incluir, entre os produtos beneficiados pelas preferências negociadas bilateralmente produtos remanufaturados – caracterizados por certos atributos de qualidade e desempenho e de garantia - mas não de forma horizontal, já que a preferência é concedida essencialmente a produtos dos capítulos 84, 85, 87 (excetuados automóveis de passeio) e 90.

A posição brasileira em relação a este tema nas negociações comerciais – inclusive na OMC - traduz a visão tradicionalmente defendida por países em desenvolvimento que alcançaram determinado nível de industrialização e que se preocupam com os impactos da importação de bens usados, a preços mais reduzidos, sobre a indústria doméstica. Além disso, ela veicula outra preocupação recorrente em manifestações de países em desenvolvimento, relativa à fragilidade regulatória e institucional doméstica para controlar e avaliar adequadamente os atributos e a qualidade dos bens usados importados, o que constituiria um pressuposto para que se possa diferenciar um bem remanufaturado de um bem usado ou de segunda mão. Além disso, o caso do painel entre Brasil e as Comunidades Européias ilustra a utilização, por país em desenvolvimento, de um argumento de cunho ambiental para defender a proibição da importação de determinado tipo de bem usado (pneus).

Para países em desenvolvimento que se encontram em estágios iniciais do processo de industrialização, o posicionamento frente ao tema pode ser bastante diverso daquele adotado por países como o Brasil. De fato, aqueles países podem ter interesse na importação de bens usados e portanto menos caros, especialmente quando se tratar de bens de capital (que são o alvo principal da demanda dos EUA, como se pode depreender do tratamento conferido a bens remanufaturados nos acordos bilaterais assinados por aquele país). No entanto, países menos desenvolvidos e que possam ter interesse na importação de bens remanufaturados não precisam de nenhuma negociação para eventualmente abrandar restrições que imponham unilateralmente à importação de bens usados. Portanto, ainda que possam se beneficiar do crescimento do comércio de bens

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usados ou remanufaturados, tais países provavelmente não terão incentivos para se juntar à posição dos EUA nas negociações na OMC.

3. A legislação brasileira

A legislação brasileira sobre importação de “material usado” é definida pelo Artigo 22 da Portaria Secex 21/96 e estabelece duas condições cumulativas para que máquinas, equipamentos, aparelhos, instrumentos, ferramentas, moldes, etc tenham suas importações autorizadas. O primeiro requisito diz respeito à não produção do bem no país ou à impossibilidade de que o bem a importar seja substituído por outro fabricado atualmente no país e capaz de atender satisfatoriamente aos fins a que se destina o bem que se pretende importar. A segunda condição se refere à idade do bem, que deverá ser inferior ao limite de sua vida útil, o que deve ser comprovado por laudo técnico de vistoria e avaliação apresentado junto com o pedido de importação.

O Artigo 23 estabelece os casos em que a importação de partes, peças e acessórios recondicionados poderá ser autorizada: no caso de aeronaves e outros aparelhos aéreos ou espaciais, desde que apresentado certificado de inspeção emitido pela autoridade aeronáutica do país de procedência, e no caso de manutenção de máquinas e equipamentos, desde que o recondicionamento tenha sido efetuado pelo próprio fabricante, que o bem a importar conte com a mesma garantia do bem novo e que aquele não seja produzido no país.

As condições estabelecidas pelo Artigo 22 não se aplicam a diversos tipos de importação, inclusive – entre outros - à “transferência de unidades fabris / linhas de produção” sujeita a certas condições genéricas e a dois requisitos específicos relacionados à idade dos equipamentos e ao compromisso de adquirir equipamentos de fabricação doméstica em montante equivalente ao dos equipamentos importados que contem com produção nacional.

Finalmente, cabe lembrar que a importação de bens de consumo usados é proibida, enquanto que a de bens de capital, partes e peças será sempre analisada pela Secex.

4. Comentários finais

O Brasil, como outros países em desenvolvimento que avançaram no processo de industrialização, tem uma legislação doméstica bastante restritiva às importações de bens usados. Bens de consumo têm suas importações proibidas, enquanto bens de capital e peças e partes de máquinas e equipamentos têm suas importações sujeitas a requisitos de procedimento – análise prévia pelas autoridades, apresentação de laudos, certificados, etc – e a condições substantivas, como a não produção doméstica do bem que se pretenda importar. Há alguma flexibilidade para importações de bens de capital usados no bojo de um processo de investimento em aumento de capacidade e/ou melhoria de competitividade e aumento da produtividade.

Na OMC, o país enfrenta na mesa de negociações de NAMA a proposta dos EUA de eliminar a discriminação contra o comércio de produtos remanufaturados (que se distinguiriam dos usados ou de segunda mão) em todos os setores. No Órgão de Solução de Controvérsias da Organização, o Brasil enfrenta a queixa européia contra a proibição de importação de pneus usados decretada pelo governo.

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Embora os EUA estejam aumentando a pressão sobre esse tema nas negociações de NAMA, não parece provável que a proposta americana seja aprovada em seu formato original. De maneira geral, os países em desenvolvimento com maior peso nas negociações se opõem frontalmente a uma flexibilização das restrições hoje vigentes – ainda que esta flexibilização visasse apenas a reduzir o caráter trade distorsive das medidas hoje praticadas unilateralmente. Por outro lado, países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos com interesse em beneficiar-se do comércio de remanufaturados, através de importações menos onerosas, podem adotar unilateralmente medidas que lhes permitam alcançar seus objetivos, inclusive em termos de discriminação entre importações de bens usados de diferentes setores.

Embora não se possa excluir a hipótese de que o panel entre Brasil e Comunidades Européias tenha poucas implicações importantes sobre a sustentabilidade futura das posições contrárias à eliminação (ou flexibilização) das restrições às importações de bens usados2, algum risco deste tipo existe. De fato, como se observa no estudo indiano já referido anteriormente a partir da análise de diversos acordos multilaterais vigentes (Acordos de Barreiras Técnicas, de Antidumping, de Salvaguardas, etc) “o sistema da OMC, em sua forma atual, não é capaz de lidar com preocupações genuínas de países membros relacionadas com a importação de produtos remanufaturados”. Ou seja, avaliado o quadro regulatório atual da OMC, o estudo chega à conclusão de que há uma espécie de “vácuo jurídico” no que se refere ao tratamento da importação de bens remanufaturados e a eventuais limites para a imposição de medidas unilaterais de restrição à importação destes bens, vácuo este que poderia começar a ser preenchido pelo desfecho do panel envolvendo o Brasil.

Independentemente das negociações, uma questão relevante no debate doméstico de política comercial no Brasil diz respeito à adequação da legislação brasileira aplicável à importação de bens de capital usados (ou remanufaturados) em vigor. Como já se observou, o Brasil é, neste campo de política, mais restritivo que outros países latino-americanos, que evoluíram para a adoção de medidas que traduzem a aceitação da idéia de que é possível caracterizar um bem como remanufaturado, em função de certas características de composição do bem, de seu desempenho e da garantia de que ele desfruta. Restrições mais fortes são focadas setorialmente: no caso do México, em bens de informática, no Chile em automóveis. No Brasil, a restrição principal é a existência de produção doméstica, mas a ela se agregam exigências relacionadas à idade do equipamento, à origem (fabricante) da parte ou peça a ser importada e à finalidade da importação (manutenção), entre outras.

No Brasil como em outros países, a importação de bens de capital remanufaturados pode significar, para os setores consumidores destes produtos, uma redução expressiva dos custos de investimento em maquinário. Além disso, como o Brasil tem um amplo mercado doméstico, a adoção de uma postura menos restritiva em relação à importação de produtos remanufaturados ou pelo menos de partes que serão montadas no país durante um processo de remanufatura, pode incentivar o desenvolvimento no país de uma base de operações de remanufatura voltada para o atendimento do mercado doméstico, mas também de mercados externos.

2 As Comunidades Européias contestam as medidas adotadas pelo Brasil quanto à importação de pneus usados à luz

dos Artigos do GATT relativos a tratamento nacional, tratamento de nação mais favorecida, eliminação de restrições quantitativas e aplicação não discriminatória deste tipo de restrição. A controvérsia pode evoluir ao longo de um eixo definido pelo binômio preferências regionais (no caso, para os sócios do Mercosul) / restrições à importação por razões de proteção ao meio ambiente e à saúde pública. Neste sentido, a disputa poderia não tocar senão

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Os riscos de uma eventual alteração da legislação, no sentido de uma flexibilização das restrições hoje vigentes, são conhecidos do setor empresarial: dificuldades para uma adequada administração aduaneira do comércio, capaz de evitar que haja uma “invasão” de bens usados de baixo custo sem as características de um produto remanufaturado, produzindo efeitos negativos sobre a produção doméstica de bens novos que concorrem com os importados usados.

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