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As formas de mediação de um cursinho popular : uma análise discursiva de três esferas na universidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MARÍA PAULINA CASTRO TORRES

AS FORMAS DE MEDIAÇÃO DE UM CURSINHO POPULAR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE TRÊS ESFERAS NA UNIVERSIDADE

(2)

MARÍA PAULINA CASTRO TORRES

AS FORMAS DE MEDIAÇÃO DE UM CURSINHO POPULAR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE TRÊS ESFERAS NA UNIVERSIDADE

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Doutora em Educação na área de concentração de Educação.

Orientadora: Doutora Ana Luiza Bustamante Smolka

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pela

aluna María Paulina Castro Torres e

orientada pela Doutora Ana Luiza Bustamante Smolka

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The forms of mediation of a popular preparatory school to Universities' admission exams : a discursive analysis of three spheres in the university Palavras-chave em inglês:

University entrance Entrance exam

School admission criteria Discourse analysis

Historical - Cultural perspective Área de concentração: Educação Titulação: Doutora em Educação Banca examinadora:

Ana Luiza Bustamante Smolka [Orientador] Luci Banks-Leite

Adriana Lia Friszman De Laplane Maria Helena Cruz Pistori

Mônica de Carvalho Magalhães Kassar Data de defesa: 26-02-2019

Programa de Pós-Graduação: Educação

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-0595-298

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9821453877643975 Torres, María Paulina Castro, 1975-

T636f As formas de mediação de um cursinho popular : uma análise discursiva de três esferas na universidade / María Paulina Castro Torres. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

Orientador: Ana Luiza Bustamante Smolka.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

1. Universidades e faculdades - Ingresso. 2. Exame vestibular. 3. Classes populares - Educação. 4. Análise do discurso. 5. Perspectiva histórico-cultural. I. Smolka, Ana Luiza Bustamante, 1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

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A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

AS FORMAS DE MEDIAÇÃO DE UM CURSINHO

POPULAR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE TRÊS

ESFERAS NA UNIVERSIDADE

Autor: María Paulina Castro Torres

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dra. Ana Luiza Bustamante Smolka Prof. Dra. Luci Banks Leite

Prof. Dra. Adriana Lia Friszman De Laplane Prof. Dra. Maria Helena Cruz Pistori

Prof. Dra. Monica de Carvalho Magalhães Kassar

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Dedicatória

Dedico este trabajo a mis ancestros, a mi familia, a mi compañero.

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Primeiro, agradeço às discussões desenvolvidas no interior do Grupo de Pesquisa, Pensamento e Linguagem, especialmente a minha professora orientadora Ana Luiza Smolka, assim como ao professor Luiz Carlos Freitas por ter acompanhado e apoiado os meus esforços por produzir este trabalho.

Agradeço da mesma forma aos professores e colegas do IEL que pesquisam a partir da perspectiva materialista do discurso de Pêcheux, por terem sempre respondido minhas perguntas.

Também agradeço ao Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile, pelo apoio e interesse no desenvolvimento desta pesquisa. Agradeço a minha professora de português Jaqueline Borgues de Queiroz, porque a sua palavra apoiou a minha palavra. E, a minha outra professora de português Marcia Lima de Mello, agradeço porque é minha amiga e acompanhou o meu percurso.

E, especialmente, agradeço ao Cursinho Popular da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile, ao Cursinho Popular do Núcleo de Consciência Negra da USP, ao Cursinho Popular Mafalda, ao Cursinho Popular Dandara dos Palmares e à Frente Pró-cotas da UNICAMP, todas organizações que inspiraram este trabalho.

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RESUMO

Nosso objetivo geral foi compreender as formas de mediação desenvolvidas em três esferas educativas universitárias: na esfera institucional de instalação da universidade no Chile, na esfera do vestibular chileno administrado pela Universidade do Chile, assim como, na esfera de um cursinho popular que faz parte dessa universidade e cujos professores são estudantes universitários.

Para lograr nosso objetivo, a partir da análise materialista do discurso de Pêcheux e na perspectiva do discurso de Instalação da Universidade de Andrés Bello, discutimos as características da constituição e dos efeitos de sentido da posição discursiva do jovem universitário nos primórdios da fundação da universidade no Chile.

Além do mais, consideramos a perspectiva de Maingueneau e Possenti, por um lado, para discutir o posicionamento dos indivíduos no espaço digital em foros de comentários em internet, e por outro, para discutir esse espaço em relação a outras esferas, como a universitária, a científica e a jornalística, como campo estratégico de possibilidades irreconciliáveis.

Junto com o anterior, a partir das características do material digital, inspirados na perspectiva de Bakhtin e O Círculo – especificamente nas noções de verbo-visual, de cronotopo, de polifonia, de dialogia – e na noção de mediação da perspectiva histórico-cultural, analisamos os indícios discursivos do processo de postulação dos candidatos e das práticas educativas desenvolvidas pelos professores de um cursinho popular na página web e em vídeoaulas de YouTube.

Nossas principais conclusões foram que os professores do cursinho popular vivenciariam sua atividade como mediação através de práticas educativas polifônicas de preparação para um exame que avaliaria, disciplinaria e legitimaria cientificamente o currículo obrigatório chileno, mas também através dessas atividades vivenciaram os efeitos da resistência simbólica à submissão total das relações de aprendizado para o vestibular chileno ao lucro econômico. Portanto, formas de mediação diversas, porque diversas as esferas de atividade em jogo. Também formas de mediação contraditórias, porque resistentes no interior das formas de interpelação do cidadão letrado na língua nacional.

(8)

ABSTRACT

Our general objective was to understand the forms of mediation developed in three university educational spheres: in the institutional sphere of installation of the university in Chile, in the sphere of the Chilean vestibular administered by the University of Chile, as well as, in the sphere of a popular preparatory school of Universities’ admission exams.

To achieve our objective, from the materialistic analysis of Pêcheux's discourse and from the perspective of the discourse of Installation of the University of Andrés Bello, we discuss the characteristics of the constitution and the meaning effects of the discursive position of the young university student in the beginnings of the foundation of the university in Chile.

Moreover, we consider the perspective of Maingueneau and Possenti, on the one hand, to discuss the positioning of individuals in the digital space in online comment forums, and on the other, to discuss this space in relation to other spheres, such as university, the scientific and the journalistic, as a strategic field of irreconcilable possibilities.

Also, from the characteristics of digital material, inspired by Bakhtin's and Círculo's perspective - specifically in the notions of “verbo-visual”, chronotope, polyphony, dialogue - and in the notion of mediation of the historical-cultural perspective, we analyze the evidence discursive processes of the candidates' application process and the educational practices developed by the professors of a popular preparatory school of Universities’ admission exams on the web page and in YouTube videos.

Our main conclusions were that the teachers of a popular preparatory school of Universities’ admission exams, would experience their activity as mediation through polyphonic educational practices in preparation for an examination that would evaluate, disciplinary and scientifically legitimize the Chilean compulsory curriculum, but also through these activities experienced the effects of symbolic resistance to submission total of the learning relations for the Chilean college entrance examination to the economic profit. Therefore, various forms of mediation, because the various spheres of activity at stake. Also contradictory forms of mediation, because resistant within the forms of interpellation of the literate citizen in the national language.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Portal web Revista Anales, Universidade do Chile. 94 Imagem 2: Recorte “afortunada América” - Instalação da Universidade 95 imagem 3: Recorte “Jóvenes Poetas” – Instalação da Universidade 97

Imagem 4: Pergunta PSU no site palestina.org 106

05Imagem 5: Pergunta da PSU em www.theclinic.com 106

Imagem 6: Pergunta em www.emol.com 107

Imagem 7: Pergunta 29 e gabarito comentado do ano 2012 108

Imagem 8: Comentários de internautas - Internauta 1 120

Imagem 9: Comentários de internautas – Internauta 2 120

Imagem 10: Comentários de internautas – Internauta 3 121

Imagem 11: Comentários de internautas – Internautas 4: 121

Imagem 12: Pergunta 29 PSU história, geografia e ciências sociais 125 Imagem 13: Comentários à pergunta 29, da PSU história, geografia e ciências sociais 126 Imagem 14: “Programa 4to Medio y Egresados” página web Preumed, 2017. 130

Imagem 15: “Nueva página web”, 2018. 131

Imagem 16: “Programa 4to Medio y Egresados”, 2018. 132

Imagem 17: Link Galeria de fotos 133

Imagem 18: Link Galeria de fotos – fotografia programa 134-154

Imagem 19: Sobre o “Programa 4to Medio y Egresados” 135

Imagem 20: Conteúdos do “Programa 4to Medio y Egresados” 136 Imagem 21: Horários aulas do “Programa 4to Medio y Egresados” 137 Imagem 22: Horários simulados do “Programa 4to Medio y Egresados”. 138 Imagem 23: Férias e processo seletivo do “Programa 4to Medio y Egresados”. 139 Imagem 24: Valores e outras informações do “Programa 4to Medio y Egresados” 140 Imagem 25: Processo seletivo 2018 “Programa 4to Medio y Egresados”. 141

Imagem 26: Comentário foro 1 142

Imagem 27: Comentário foro 2 143-194

Imagem 28: Estatuto Preumed 144-191

Imagem 29: Vídeoaula 1 145-196

Imagem 30: Vídeoaula 2 145-197

Imagem 31: “Misión” - WordPress 146-159

Imagem 32: As liberdades - WordPress 146-155-160

Imagem 33: “Misión” - YouTube 147-161

Imagem 34: As liberdades “expresión” e “información”- YouTube 147-163 Imagem 35: As liberdades “oportunidades” e “pertenecer”- YouTube 148-164

Imagem 36: Página principal web cursinho 149

Imagem 37: Detalhe do nome do cursinho na página web 150

Imagem 38: Detalhe da posição do nome do cursinho na página web 150

Imagem 39: Detalhe nome cursinho 151

Imagem 40: “U” marca de teme de futebol Imagem 40: “U” marca de teme de futebol 151

Imagem 41: Tema WordPress usado pela página web 158

Imagem 42: Vista prévia do Tema de WordPress escolhido pelo cursinho 159

Imagem 43: Valores YouTube 163

Imagem 44: Detalhe da fotografia da capa do programa 169

Imagem 45: escudo Universidade do Chile 169

Imagem 46: página web DEMRE 170

Imagem 47: link DEMRE web do cursinho 170

Imagem 48: aulas na apresentação do programa de 4tos 171

Imagem 49: Galeria de fotos 1 172

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Imagem 51: Galeria de fotos 3 172

Imagem 52: Estatuto Preumed recorte “Estudiantes”. 173

Imagem 53: Programa 4tos e egressos e datas importantes. 174

Imagem 54: Fechas importantes de conta regressiva. 174

Imagem 55: Publicação das datas do processo seletivo. 175

Imagem 56: Foro 1. 176 Imagem 57: Foro 2. 178 Imagem 58: Foro 3. 179 Imagem 59: Foro 4. 180 Imagem 60: Foro 5. 180 Imagem 61: Horários. 183 Imagem 62: Horários 2. 183

Imagem 63: Recorte “ya que” 1. 185

Imagem 64: Recorte “ya que” 2. 186

Imagem 65: Outras informações. 187

Imagem 66: Estatuto “De la orgánica”. 188

Imagem 67: “Protocolos de Resolución de Conflictos” 189

Imagem 68: Declaração Universal do Direitos Humanos 190

Imagem 69: “Material complementario”. 196

Imagem 70: Vídeoaula “Organelos celulares” YouTube. 197

Imagem 71: Comentários vídeo aula Youtube. 198

Imagem 72: Momento do vídeo sinalizado por “José Ignacio”. 200

Imagem 73: Fotograma aula 1. 203-209

Imagem 74: Fotograma aula 2. 204

Imagem 75: Fotograma aula 3. 204

Imagem 76: Fotograma aula 4. 205

Imagem 77: Réplicas do outro. 206

Imagem 78: Recorte 1 gabarito comentado Biologia 210

Imagem 79: Recorte 2 gabarito comentado Biologia. 211

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 13

1.1.Nosso percurso e as reconfigurações do objeto de investigação 13 1.2. A perspectiva quantitativa para compreender a prova de seleção

universitária chilena: onde estão os candidatos?

19 1.3. A perspectiva bakhtiniana para compreender os cursinhos populares 24

1.4. Roteiro dos capítulos 30

2. AS NOSSAS INSPIRAÇÕES TEÓRICAS: POR QUE A ANÁLISE DO DISCURSO E A NOÇÃO DE MEDIAÇÃO?

38

2.1. Gêneros do discurso 40

2.1.1. Uma introdução 40

2.1.2. A dupla orientação do enunciado 41

2.1.3. O caráter material do estudo da psicologia 43 2.1.4. O autor-criador e a especificidade da obra estética 45

2.1.5. O enunciado no gênero discursivo 51

2.1.6. O verbo-visual na perspectiva bakhtiniana 55 2.2. A perspectiva materialista da análise discursiva 58

2.2.1.Efeitos de sentido 58

2.2.2. Ciência e ideologia 61

2.3. A perspectiva histórico-cultural 64

2.3.1. O caráter materialista e dialético do problema da consciência 64 2.3.2. O método e o caráter constitutivo da mediação 74

3. A INSTALAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO CHILE 86

3.1. Antecedentes históricos da universidade no Chile 86

3.2. A Instalação da Universidade 90

4.- A PSU: ANÁLISE DISCURSIVA DE UMA QUESTÃO POLÊMICA. 104

4.1.- A polêmica pergunta do vestibular. 104

4.2.- Fundamentos teóricos 109

4.2.1.- O Outro no Mesmo 109

4.2.2.- Campo e esfera 111

4.2.3. A ordem discursiva na polêmica pela pergunta da PSU 113

4.3.- Resultados 119

5. UMA ANÁLISE VERBO-VISUAL DA PÁGINA WEB DO CURSINHO POPULAR PREUMED

129 5.1. O nosso corpus e os primeiros indícios discursivos de Preumed 129

5.1.1. O nosso corpus da página web. 129

5.1.2. Os primeiros indícios discursivos de Preumed 148

5.2. A liberdade no WordPress e no YouTube 155

5.3. As marcas discursivas do tempo e do espaço. 168

5.4. As esferas político, jurídica, econômica e acadêmica: análise de documentos e interações na página web

184 5.4.1. O caso da apresentação do “Programa 4tos Medios e

Egresados”

185 5.4.2. O caso da “orgánica”, da “Misión” e da “Visión” nos “Estatutos

Preumed 2017-2020”.

187

5.4.3. O caso do Foro de Comentários 193

(12)

5.5.1.- O corpus da vídeoaula 195

5.5.2.- o cronotopo na vídeoaula 199

5.5.3.- O autor na video aula 202

5.5.4.- O diálogo na vídeoaula 206

6. CONCLUSÕES 217

REFERÊNCIAS 226

(13)

13 1. INTRODUÇÃO.

1.1. Nosso percurso e as reconfigurações do objeto de investigação

As vozes são múltiplas e múltiplos são os momentos e os modos em que elas se fazem ouvir.

(AMORIM, 2001, p.155)

Parafraseando Amorim (2001), queremos compartilhar com quem dialogamos, no caminho em direção ao nosso objeto de pesquisa, através da relação com outras vozes de outros indivíduos: quem são os integrados, os aceitos, os sublinhados, os que estão no rodapé. E o mais importante: a forma como chegamos a nos perguntar pelas características do acesso à educação superior universitária por meio dos cursinhos populares, além de nos encontrar com diferentes campos da atuação humana. Ou, melhor, por que nos questionamos pelos indícios discursivos das formas de mediação em três esferas universitárias. Ou, ainda, por que nos perguntamos: enquanto acadêmicos e pessoas que trabalham ou se importam com a inclusão e equidade, o que poderíamos aprender sobre

as formas de mediação no acesso universitário privilegiadas em três esferas universitárias chilenas?

Assim sendo, nosso objetivo geral é compreender as formas de mediação desenvolvidas na esfera institucional de instalação da universidade no Chile, na esfera do vestibular chileno administrado pela Universidade do Chile, assim como, na esfera de um cursinho popular que faz parte dessa universidade e cujos professores são estudantes universitários.

Temos, ainda, alguns objetivos específicos: primeiro, a partir da análise materialista do discurso de Pêcheux e na perspectiva do discurso de Instalação da Universidade de Andrés Bello, discutir as características da constituição e dos efeitos de sentido da posição discursiva do jovem universitário nos primórdios da fundação da universidade no Chile.

Segundo, considerando a perspectiva de Maingueneau e Possenti, por um lado, discutir o posicionamento dos indivíduos no espaço digital em foros de comentários em internet, e por outro, discutir esse espaço em relação a outras esferas, como a universitária, a científica e a jornalística, como campo estratégico de possibilidades irreconciliáveis.

Nosso terceiro objetivo, por fim, é, a partir das características do material digital, inspirados na perspectiva de Bakhtin e O Círculo – especificamente nas noções de verbo-visual, de cronotopo, de polifonia, de dialogia – e na noção de mediação da perspectiva histórico-cultural, analisar os indícios discursivos do processo de postulação dos candidatos e das práticas educativas desenvolvidas pelos professores de um cursinho popular na página web e em vídeoaulas de YouTube.

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14 Antes disso, porém, queremos relatar o começo do nosso percorrido.

Durante o ano de 2009, junto com autoridades, funcionários e estudantes, desenvolvemos o processo de sensibilização, planejamento e implementação de uma ação afirmativa no curso de Psicologia da Universidade do Chile. Para assumir tal tarefa, entre outras coisas, estabelecemos contato com os acadêmicos da Universidade de Santiago do Chile (USACH), os quais, pelo menos desde 2003 (coincidentemente com a implementação da PSU1 e amparados pela UNESCO), promoviam a implementação do sistema propedêutico na admissão universitária, trazendo para isso, por exemplo, a experiência da Universidade do Texas. Esses acadêmicos, assim como nós, tentavam corrigir as desigualdades no acesso às universidades públicas altamente seletivas para, dessa forma, permitir a admissão de jovens de baixa renda e de estabelecimentos públicos chilenos nelas. Defendiam a tese de que o talento acadêmico – isto é, o mérito acadêmico, o gosto pelo estudo e a inteligência – está distribuído em uma curva normal em todos os grupos sociais. Portanto, em todas as escolas, colégios ou liceus existem estudantes meritórios academicamente e aptos para cursar uma educação universitária altamente seletiva. Consequentemente, tais acadêmicos propõem o sistema propedêutico como processo “vestibular” mais sensível e adequado para avaliar o mérito acadêmico em um cenário no qual estudantes de baixa renda se concentram no sistema público municipal.

Em tal proposta, os convidados a fazer parte do processo de admissão são os 5% com melhor rendimento nos três primeiros anos do ensino médio (posição ranking). Os candidatos participam de três disciplinas na universidade durante o segundo semestre enquanto cursam o último ano de ensino médio, e aqueles que completam todo o processo com 100% de assistência e são aprovados nas três disciplinas são admitidos na universidade. Na instituição, devem cursar um ano de Bacharelato, momento no qual é desenvolvido o processo de nivelação de conteúdos acadêmicos que permite ao estudante continuar seus estudos em qualquer um dos cursos de graduação da universidade. Nesse sistema, a PSU apenas é solicitada aos candidatos como indicador para o seguimento, mas não é considerada no processo seletivo.

Contudo, no caso da nossa proposta de ação afirmativa, considerava-se como pressuposto de que a implementação de qualquer medida corretiva no acesso passaria pelo uso da PSU, uma vez que a própria Universidade do Chile é, na história da educação superior chilena, a instituição que controla o sistema de admissão entre as universidades do Conselho de Reitores do país (CRUCH). Por isso, nossa opção foi a criação de vagas especiais de admissão além das já definidas para o ingresso através

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15 da PSU, nas quais foram convidados a se matricular aqueles estudantes que pudessem atestar, ao fazer a PSU, que estavam na faixa de renda dos três quintis2 de menor ingresso familiar e tinham feito os quatro anos de ensino médio na escola pública. Além disso, deviam obter pelo menos uma pontuação (ponderada) igual ou superior a 600 na PSU, nota mínima para ingressar na Universidade do Chile.

Do ponto de vista administrativo e legal, foi fundamental para a “vaga de equidade” no curso de Psicologia o antecedente da “Bolsa Diego Peralta” (GAETE, SÁENZ, DE LA FABIÁN, LAS HERAS, RIQUELME, NAVARRO, LÓPEZ, 2007) implementado na admissão da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile (2001-2008). Nessa experiência, os melhores estudantes de escolas públicas municipais e privadas com subvenção do estado da zona de Cerro Navia e La Pintana participavam de oficinas na universidade. Além disso, era desenvolvida uma capacitação aos professores das escolas em diversas disciplinas científicas. Os candidatos com as melhores pontuações na PSU, por fim, eram convidados a matricular-se nos diferentes cursos da faculdade. Naquela época, argumentamos que se a Faculdade de Medicina teve a possibilidade de experimentar modificações no acesso utilizando como critério maior equidade, então a normativa universitária também poderia sustentar a implementação da “vaga de equidade” no caso do curso de Psicologia.

A participação do curso de Antropologia e Sociologia – respectivamente nos anos de 2010 e 2011 – na implementação da Vaga de Equidade na Faculdade de Ciências Sociais impulsou poderosamente a experiência. Além do mais, em 2011 foi criada uma Comissão de equidade e inclusão liderada pela pró-reitora da universidade, que articulou todos os acadêmicos de faculdades e institutos interessados em estudar, promover e implementar ações afirmativas na Universidade do Chile. No meio da atuação do movimento estudantil, nesse mesmo ano o Senado Universitário da Universidade do Chile aprovou o Sistema de Ingresso Prioritário de Equidade Educativa (SIPEE) como parte do seu sistema de admissão na graduação, o qual se inspirou na pioneira experiência que foi desenvolvida em Psicologia na Faculdade de Ciências Sociais.

Convidada como observadora na Rede de Universidades com Propedêuticos UNESCO, desde 2009 assisti e apoiei a importante luta política dos nossos parceiros do propedêutico para incorporar no sistema de seleção universitário do CRUCH3 o uso do ranking de egresso, complementarmente às notas de ensino médio e da PSU. Isto é, criar uma pontuação similar à nota PSU que desse conta da

2 Na estatística descritiva, um quintil é qualquer um dos valores de uma variável que divide o seu conjunto ordenado em

cinco partes iguais.

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16 posição que o candidato ocupa ao terminar o ensino médio de acordo com suas notas durante o período.

A primeira geração de estudantes que ingressou no curso de Psicologia através da vaga de equidade fez com que nos aproximássemos dos cursinhos populares. Compreendemos que, enquanto existisse uma prova padronizada imbricada ao processo seletivo da ação afirmativa, nossos candidatos poderiam optar apenas pelos cursinhos populares para se preparar e disputar alguma vaga na universidade. Dessa forma, essas organizações deveriam ser uma das nossas principais parceiras, já que nelas estavam os estudantes que procurávamos.

Uns dos estudos no qual nossas inquietações de hoje se ancoram foi desenvolvido por mim e por Romina Aranda (CASTRO & ARANDA, 2016). Observamos em 2011 duas sequências didáticas de matemática e línguas em uma turma de estudantes de um cursinho popular de Santiago, no Chile. Nesse momento estávamos muito interessadas em compreender, a partir da psicologia instrucional, o acionar político-pedagógico dos cursinhos, já que, além das ações afirmativas desenvolvidas pelas universidades, os cursinhos populares são organizações que há longo tempo visam o acesso de estudantes de baixa renda às universidades públicas chilenas, e ambos os grupos partilham o objetivo de acesso dos estudantes dos setores populares à educação superior.

Apoiamos nosso estudo na proposta socioconstrutivista de Cesar Coll (COLL et al. 2008; COLL, 2002; COLL & SOLÉ, 2002; COLOMINA et al. 2001; COLL, 1995; COLL et al. 1995), que define o ensino e o aprendizado como processo de construção de significados compartilhados por professores e estudantes.

Colomina, Mayordomo e Onrubia (2001) afirmam que a proposta de Coll se baseia na tradição vigotskiana, a qual considera a fala como instrumento semiótico. Ademais, seguindo a linha de Eduard Mercer e Wertsch, a proposta teórica de Coll leva em conta a dupla funcionalidade comunicativa e representativa do discurso, que permite não apenas estabelecer e desenvolver compreensões compartilhadas sobre a atividade conjunta entre participantes, mas também a mudança progressiva dos significados atribuídos às tarefas compartilhadas por eles no espaço da zona de desenvolvimento proximal. Os autores (COLOMINA, MAYORDOMO E ONRUBIA, 2001) explicam que nessa perspectiva o enunciado é definido de acordo com Lyons, Bakhtin e Hicks, assim Coll propõe a mensagem como unidade de análise. Para a compreensão da atividade discursiva, é considerado o marco amplo da atividade conjunta dos participantes ao longo do tempo, com especial ênfase nas propriedades semióticas da atividade discursiva, isto é, nos mecanismos semióticos da influência educativa.

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17 Focamos, especificamente, a transposição do controle da responsabilidade do aprendizado do professor para o estudante. Para esse escopo, identificamos as formas de organização da atividade conjunta na aula. Trabalhamos com a turma de estudantes vindos do ensino médio de escolas técnico-profissionais que faziam parte do Cursinho Popular dos Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile (PREUMED). Foram realizadas observações não participantes e registros do áudio das aulas, além de análises do material de acordo com segmentos de interatividade e atuações de professores e estudantes. Observamos, ao final, similitudes e diferenças entre as sequências didáticas estudadas. Na atividade conjunta de professores e estudantes, também se destacou o uso de perguntas como indicador de transição da responsabilidade pelo controle da aprendizagem entre os participantes, que, concluímos, é crucial para o acesso ao conhecimento e, portanto, para uma maior equidade educativa.

No fim desse trabalho propusemos duas hipóteses, as quais estão relacionadas: em primeiro lugar, a partir de uma perspectiva baseada em Vigotski, portanto histórico-cultural, é possível descrever processos psicoinstrucionais através dos quais se produz a discriminação de estudantes no ingresso nas universidades mais seletivas do Chile. Desse modo, nosso interesse foi discutir o funcionamento do fenômeno da desigualdade educativa chilena na dimensão psicológica educativa a partir da perspectiva histórico-cultural. Essa opção coloca o aprendizado necessariamente como produto das mediações sociais e semióticas. Portanto, se os resultados da prova estão inscritos no social, e o exame de admissão está relacionado com a história dos alunos, com os agentes mediadores e com as ferramentas culturais, então os resultados da PSU dificilmente podem ser atribuíveis apenas a um indivíduo. Os resultados do exame de admissão universitária do Chile são produzidos social e historicamente.

Em segundo lugar, ancoradas na perspectiva vigotskiana, observamos que o exame poderia não só selecionar os indivíduos com maiores possibilidades de êxito na educação universitária (CRUCH, 2009), mas também selecionar os que teriam acesso aos agentes mediadores socioculturais, os quais, controlando os aprendizados valorizados na PSU, seriam capazes de traspassar progressivamente o exercício desse controle aos candidatos. Portanto, no Chile, evitar o acesso dos estudantes dos setores populares aos agentes mediadores do exame de admissão seria fundamental para manter as desigualdades no acesso à educação universitária de maior qualidade.

No final desse trabalho, consideramos o aporte dos cursinhos populares na equidade do acesso à educação superior, especialmente dos agentes mediadores. Ou seja, avaliamos a importância da mediação pelo outro (dos agentes educativos) e dos mecanismos de influência educativa na implementação desse projeto político pedagógico de ampliação do acesso à educação superior. Mas

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18 observamos também que ambos os processos – agentes e mecanismos semióticos – estavam orientados fortemente pelo exame de admissão. Assim, além dos temas sobre matemática e linguagem, incluía-se no processo de ensino aprender a seguir uma determinada ordem, o que se comprova pelos seguintes fatos: os estudantes deviam ficar calados e chegar às aulas do cursinho no horário certo, havia orientações para o encaixe da escrita no desenvolvimento de um exercício na lousa ou no caderno e, ademais, eles precisavam aplicar determinadas soluções ou organizar seus raciocínios ante exemplos de perguntas da prova. Tratava-se de uma prática educativa que possibilitava o acesso universitário de uma forma crítica, mas, ao mesmo tempo, disciplinadora.

Logo após nosso trabalho conjunto supracitado, minha colega continuou se aprofundando na questão em seu mestrado: desta vez, discutindo as interações de professores e estudantes universitários em aulas de matemática cuja composição estudantil englobava indivíduos representativos de diversas formas de acesso universitário, entre elas as ações afirmativas, as quais beneficiam alunos de baixa renda e de escola pública. No nosso caso, a opção escolhida foi o aprofundamento no exame universitário, uma vez que estávamos atraídos 1) pela sistemática e inquietante presença desse tópico na discursividade observada no cursinho, 2) pela circulação da discussão, na mídia, dos magros resultados dos liceus públicos nessa prova, 3) pelas insistentes falas dos membros da comunidade universitária que ancoravam o mérito acadêmico apenas no exame de admissão, desqualificando assim os candidatos ingressantes via ações afirmativas. Nem sabíamos que no equívoco de, através do instrumento de avaliação, insistir em procurar compreender as posições do sujeito candidato que fracassa ou tem êxito na prova de admissão, acharíamos um ponto cego a respeito da mesma questão.

Olhando nosso trajeto, percebemos que uma parte importante de nosso estudo se focou nessa prova de admissão e na procura de um lugar que nos permitisse observar e nomear, para nossos avaliadores, para nossos colegas e para a academia, os avaliadores e os avaliados na admissão universitária. Desses avaliados, queríamos distinguir os que têm êxito dos outros, os que fracassam. Assim, nem o pesquisador, nem os avaliadores, nem os avaliados exitosos: o candidato que fracassa na avaliação que foi sistematicamente nosso outro explícito, esse que está fora da universidade frente a nós que estamos dentro dela. Qual é o lugar reservado na universidade para o candidato pobre de escola pública? Pode ser considerado lugar do candidato pobre apenas as ações afirmativas? Qual é a fronteira ou abismo que os separa de nós? Poderá estar nos discursos das autoridades universitárias na história da educação universitária do país? Poderá estar nos discursos políticos dos estudantes universitários? Nas discussões dos acadêmicos? Nos gabaritos comentados? Sempre com materiais empíricos que falavam do candidato, notamos um lugar reservado para o candidato pobre; portanto,

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19 precisávamos descrever essa vaga, isto é, o que ele precisa, afinal, para ser competente no exame universitário. Mas o fizemos a partir de um corpus que, observamos apenas agora, só recortou nossas falas, nossos discursos. Priorizou apenas nós, que estamos na universidade. Nosso ponto cego, nosso erro, nosso risco.

Nossa insistência em tratá-los como um objeto sobre o qual alguém fala e não como sujeitos que falam, dado o fato da pesquisadora vir de um país como o Chile, com altas desigualdades no acesso às universidades mais seletivas, e no qual, como discutiremos a seguir, predomina o paradigma psicométrico e quantitativo na pesquisa a respeito do acesso ao ensino superior, poderia ter sido evitada?

1.2. A perspectiva quantitativa para compreender a prova de seleção universitária chilena: onde estão os candidatos?

Coerente com o que já anunciamos, nosso estudo das evidências empíricas sobre o exame de admissão universitária mostrou que no Chile, desde o começo, as pesquisas sobre o assunto raramente focaram os professores e os estudantes dos cursinhos voltados a essa prova. Além disso, sublinhou a importância do paradigma psicométrico na compreensão do vestibular. Assim, não apenas nós assumimos um ponto cego para com o candidato da periferia, apagando-o, mas, conforme podemos observar a seguir, tal candidato tem sido sistematicamente tratado no Chile como objeto falado por outros e não como sujeito falante.

No Chile, como em outros países da América Latina (Brasil, Equador, Colômbia, etc.), são utilizadas provas estandardizadas para fazer a seleção de estudantes no ensino superior. Para o Conselho de Reitores das Universidades Chilenas (CRUCH), a Prova de Seleção Universitária (PSU) faz parte de um conjunto de exames de “raciocínio que avaliam as habilidades intelectuais e os modos de operação e métodos gerais aplicados à resolução de problemas” (CRUCH, 2009, p. 2), e se ancora sob a hipótese de que nem todos os alunos, ao sair do ensino médio, possuem habilidades, condições, capacidades, aptidões ou competências para prosseguir com êxito os estudos na universidade. Portanto, o processo seletivo se fundamenta na existência de um nível mínimo de desempenho necessário para desenvolver os estudos universitários (DONOSO, SCHIEFELBEIN, 2007; CRUCH, 2009).

Para alcançar seu escopo, a geração das atuais provas de seleção universitária baseia-se no currículo do ensino médio, ou seja, nos quatro últimos anos de ensino obrigatório no Chile. A PSU está composta por provas de 4 áreas do conhecimento: “Língua Espanhola”, “Matemática” e “História

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20 e Ciências Sociais”. Elas são obrigatórias para todos os candidatos, menos a prova de “Ciências”, que é optativa e está composta por um módulo comum e três opcionais de biologia, química e/ou física, os quais são feitos pelos estudantes de acordo com a exigência de cada programa de graduação (Comité Técnico Assessor CRUCH, 2010B; CRUCH, 2009).

Como Casanova (2015) descreve, a discussão sobre a seleção universitária no Chile centrou-se, em seu início, no paradigma da validade preditiva do exame. Foi baseada na mudança no exame de admissão das instituições do Conselho de Reitores das Universidades Chilenas (CRUCH): a transição da Prova de Aptidão Acadêmica (PAA) para a Prova de Seleção Universitária (PSU). Uma discussão técnica que não considerou o devir histórico nem o sistema educacional na análise, embora salientasse a necessidade de equidade nos resultados. No começo dos anos 2000, o pressuposto de base dessa discussão foi que o instrumento de seleção era objetivo, portanto, poderia estar fora das determinações do contexto.

Pesquisas a partir da perspectiva psicométrica existem desde a primeira década. Observamos produções referidas ao instrumento de medição usado para a admissão universitária e seu valor preditivo (PIZARRO, 2001; EYZAGUIRRE, 2003; GIUSTI, 2004; ARRIAGADA, 2007; DONOSO, SCHIEFELBEIN, 2007; PRADO, 2008; VALDIVIA, 2013). Mais tarde, na segunda década, trabalhou-se em torno do enviesamento do exame (MANZI, BOSCH, BRAVO, PINO, DONOSO, PIZARRO, 2010); e, em 2013, Pearson fez a avaliação internacional do instrumento de admissão chileno.

Casanova (2015) explica que após essa discussão psicométrica existiram estudos cuja discussão incluiu o exame e a racionalidade do sistema seletivo. Assim, foi desenvolvida uma leitura mais histórica no Chile, junto com uma caracterização do sistema universitário como altamente excludente segundo o nível de renda.

Desde 2010 observamos muito interesse na indagação de variáveis para a admissão universitária além das consideradas pela PSU, seja pela análise da diversidade de sistemas de admissão universitária no mundo (RAMALLO & BUSTO, 2010), seja pela inclusão da avaliação de aspectos como atributos não cognitivos (SANTELICES, UGARTE, FLOTTS, RADOVIC & KYLLONEN, 2011) ou atitudinais (PÉREZ, ORTIZ, PARRA, 2012). Também observamos a avaliação de habilidades linguísticas de estudantes talentosos academicamente (CASTRO, MATHIESEN, MORA, MERINO, ESCOBAR & NAVARRO, 2012) e outras habilidades propedêuticas no acesso à educação superior (ROMÁN, 2012).

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21 Igualmente, foi pesquisada a relação da felicidade com o rendimento acadêmico na PSU (RAMÍREZ & FUENTES, 2013) e a (co)relação da inteligência medida pelo teste de Matrizes Progressivas de Raven com a nota da prova (GOMEZ & CONEJEROS, 2013). Desenvolveu-se também o estudo de competências de escrita objetivando aprimorar sua avaliação no exame de admissão (HERNANDEZ, 2014).

Casanova (2015) apresenta um interessante estudo no qual pesquisou o sistema geral de admissão universitária desenvolvido pelo CRUCH e os efeitos dele na equidade do acesso (CASANOVA, 2015). Foi incluído nas análises desse estudo o conjunto de critérios considerados no processo de ranqueamento dos candidatos na admissão universitária: a nota PSU (com uma ponderação mínima dos 50% na nota final); a Nota Posição Ranking de egresso de acordo a notas do ensino médio; e, por fim, a Nota do Ensino Médio, promédio das notas do período.

A partir de 2010, outro grupo de pesquisas considerou variáveis anteriores à realização da PSU e que afetam os resultados dos candidatos. Entre essas foram estudadas a relação das notas do ensino médio e do currículo do ensino médio (VARGAS, 2010) com a nota da PSU. Também foram comparados os resultados da PSU entre estudantes do ensino médio técnico e do ensino médio científico humanista (FARÍAS & CARRASCO, 2012).

Outra categoria de pesquisa estudou a relação da PSU com aspectos econômicos: não só o acesso dos estudantes ao crédito para pagar estudos universitários (SOLIS, 2013), mas também a relação entre os pontos na PSU, o acesso às bolsas e a permanência estudantil na universidade (CATALÁN & SANTELICES, 2015).

Em meados dessa década, outro grupo de pesquisadores debruçou-se sobre a adaptação do instrumento para candidatos cegos (SÁNCHEZ, de BORBA, ESPINOZA, 2014) e as disparidades entre homens e mulheres nos resultados da PSU (PASOS, 2015; GANDARA &, SILVA, 2015).

Enfim, como Casanova (2015) destaca, na última década apareceram diversas discussões centradas na ideologia do mérito e no papel da PSU na legitimação da hierarquização das possibilidades educativas da população.

Contudo, Casanova (2015) não considerou os estudos de Contreras, Corvalán e Redondo, os quais apresentaram em 2007 os antecedentes empíricos do exame de admissão chileno. A partir dos resultados do exame de 2004, esses autores analisaram variáveis relativas ao estudante, à família e à escola em sua relação com a variável renda familiar e com os resultados da PSU. Concluíram que a importância das variáveis foi diferente de acordo com o nível de renda do aluno. Além do mais, a

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22 variável êxito no ensino básico (nota SIMCE da escola4) foi a que melhor explicou os resultados na PSU. Portanto, exprimem os autores, essa prova legitimaria as desigualdades sociais e o fracasso escolar devido ao fato de suas principais determinantes serem de ordem socioeconômica, relativas ao nível de renda do estudante e sua formação no ensino fundamental (Contreras, Corvalán e Redondo, 2007).

Adotando outra perspectiva na análise da PSU, Gazmuri (2014) verifica a construção ideológica do currículo chileno de história e ciências sociais. Entre outras coisas, discute quais esquemas de pensamento sobre a história, a sociedade e a cidadania são aceitos nas três últimas versões do currículo dessas duas disciplinas nos principais exames estandardizados chilenos: o sistema de medição e avaliação (SINCE) e a prova de seleção universitária (PSU). As conclusões dele apontam para promoção de duas ideologias pelo Estado chileno: por um lado, através do currículo público, o Estado chileno promoveria a possibilidade dos estudantes chilenos compreenderem a sociedade e desenvolverem competências cidadãs; por outro, através do SIMCE e da PSU, promoveria a memorização de informações e o conhecimento enciclopédico.

Focada nas perguntas da PSU linguagem, Tanya Núñez (2014) faz uma análise comparativa das perguntas de inferências desenvolvidas na Prova de Seleção Universitária de Linguagem e Comunicação, aproximando-se de autores como Jonhson-Laird, van Dijk, Kinstch, Graesser, Gernsbacher e Swaan no que tange às estratégias cognitivas que precisam ser usadas para responder as perguntas de inferências cobradas nas provas. A pesquisadora conclui que na PSU a realização de inferências exige do leitor conhecimentos de mundo produtos da sua participação dentro de determinados grupos ou sociedades, o que deixa em desvantagem aqueles leitores que não experimentaram esse tipo de participação.

Além do mais, podemos encontrar duas pesquisas referentes a estudantes da periferia de Santiago (Chile) beneficiados pelas ações afirmativas que apresentam interessantes evidências sobre o trajeto que eles percorrem nas universidades altamente seletivas segundo a nota da PSU. De fato, Lizama (2013), a partir de uma análise do discurso narrativo-dialógico proposto por Arfuch – que incorpora elementos da pragmática na identificação de marcas textuais das narrações dos estudantes –, descreve a trajetória de estudantes que ingressaram através de ações afirmativas em duas universidades do nosso interesse: Sistema de Ingresso Prioritário Educativo na Universidade do Chile, e Propedêutico na Universidade de Santiago. Sobre as escolhas educativas dos estudantes ao longo

4 Sistema nacional de medição da qualidade educativa (SINCE) no ensino médio e fundamental no Chile, exame

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23 da sua trajetória educativa, todos os alunos indicam a importância da presença dos outros, dos pais, dos professores e das instituições. Ademais, Williams (2013) reporta fortes tensões vividas pelos jovens, uma vez que ao entrarem nas universidades, distanciam-se das suas relações prévias, e junto a necessidade de se adaptar a uma posição ocupada tradicionalmente pelos estudantes de alta renda há também a tentativa de validar suas formas de ser como jovens da periferia. Nesta pesquisa, a partir de uma posição enunciativa, estes estudantes explicam seu ingresso na universidade por suas características individuais, embora com um discurso nivelador que reconhece a existência de capacidades em todos os jovens da periferia. Assim, incorporam o discurso meritocrático e o significam para demonstrar que “todos são iguais”, reivindicando mérito também a seus colegas, que como eles poderiam ocupar uma vaga na universidade.

Mais uma questão, se bem existem diversos estudos sobre estudantes indígenas que constatam os resultados deles no vestibular chileno, a maioria dessas pesquisas que consideramos focam em fatores associados e/ou em experiências de ações afirmativas e modelos de retenção desse grupo social na universidade (ANTIVILO-BRUNNA, POBLETE-ORELLANA, HERNÁNDEZ-MUÑOZ, GARCÍA, CONTRERAS, 2017; DAVINSON, 2017; PEÑA, MUÑOZ, BARRIOS, 2016; NAVARRETE, CANDIA, PUCHI, 2013; FERNÁNDEZ, CERDA, PIZARRO, STOREY, 2010).

Em nossa perspectiva, os estudos supracitados fazem suas discussões em torno da compreensão do mérito acadêmico e, portanto, da sua avaliação, embora a grande maioria não sinalize nenhuma suspeita sobre o caráter contraditório do indicador PSU, menos ainda o carácter polêmico das suas perguntas. Além do mais, em várias dessas pesquisas os resultados desiguais são atribuídos às desigualdades do sistema educativo chileno e aos diversos processos seletivos anteriores ao exame de admissão. As características do sistema escolar seriam refletidas pela PSU e o exame seria, assim, um fator neutro.

Contrariamente a tal conclusão, observamos evidências que salientam esse exame como estatisticamente sensível ao nível socioeconômico (CONTRERAS & CONVALAN, REDONDO, 2007). Ademais, a PSU se ancoraria e transformaria o currículo do ensino médio ao operacionalizar o mérito acadêmico, como manifesta Gazmuri no caso do exame de história e ciências (GAZMURI, 2014).

Nessa mesma via, a evidência de Nuñez (2014) apresenta como na PSU de linguagem é cobrado o conhecimento, e, portanto, a participação dos candidatos em situações sociais determinadas, o que poderia permitir o deslocamento do mérito acadêmico para além das disciplinas obrigatórias do currículo avaliadas. Ainda mais: em 2013, Pearson avaliou a PSU e criticou entre outras coisas o baixo alinhamento da PSU com o currículo chileno (PEARSON, 2013). Mas se o

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24 exame não reflete só o currículo, perguntamo-nos: a PSU poderia apenas refletir as desigualdades na distribuição do conhecimento no sistema escolar como assinala a grande maioria das pesquisas no Chile? Mais tarde compreenderíamos que essa questão foi decisiva para nossa aproximação e questionamento sobre as diferentes marcas discursivas do nosso corpus em diferentes campos, entre eles, o campo universitário e científico, assim como ao tratamento de uma polêmica em torno de uma pergunta da PSU. Além do mais, o fato das pesquisas referidas não trazer à memória dos primórdios da Universidade do Chile, nos inspirou fortemente para nos perguntar por essa instalação da universidade no Chile e as formas de mediação que com ela trouxe. Aliás, os estudos discursivos que apresentam os candidatos e estudantes da periferia que têm ingressado vias ações afirmativas já não como objeto falado por outros, mas sim como sujeito que fala, sublinham para nós duas questões cruciais: a importância dos outros no trajeto no ensino médio e o caráter contraditório do trajeto dos estudantes de periferia na universidade.

1.3. A perspectiva bakhtiniana para compreender os cursinhos populares

Agora, ao voltar à PSU, observamos também a pouca discussão em torno dos vestibulares, do acesso e dos cursinhos em geral – ou dos cursinhos populares em particular –, locais fundamentais no trânsito do ensino médio ao ensino superior no caso dos exames de admissão universitária. Nada sabemos da dimensão econômica do mercado que opera os cursinhos pagos e os professores particulares; menos ainda, das características dos modos de significação que circulam nesses espaços e fazem a diferença entre estar dentro ou fora da universidade, entre ter êxito ou fracassar na PSU. Lembremos que no sistema educativo chileno, a desigualdade nos resultados na admissão universitária seria consequência da baixa “cobertura curricular” no ensino médio, junto com a impossibilidade de que os estudantes pobres possam frequentar e pagar um cursinho (OCDE 2009). De fato, alguns pesquisadores (Gonzalez, 2006; Williamson y Rodríguez, 2010) consideram os cursinhos como mais um fator de discriminação educativa, já que funcionam como “operadores de cursos remediales mercantiles y extra sistema que distorsionan las posibilidades de ingreso de aquellos jóvenes que no disponen de los recursos para financiar estas opciones” (González, 2006: 25). Dessa forma, os cursinhos populares nascem como uma possibilidade extra sistema a candidatos que, por motivos econômicos, não poderiam ter acesso a esse serviço. Mas poucos têm (re)conhecido os cursinhos populares no sistema acadêmico e, no Chile, até agora, foi produzida pouca literatura especializada sobre eles e não se tem sido usado a análise discursivo (AD) na compreensão das práticas educativas desses cursinhos. Se optássemos por uma perspectiva discursiva para análise do material empírico, poderíamos estar frente uma posição discursiva dos estudantes universitários

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25 professores de um cursinho popular? Ou tal vez tratar-se-ia de um posicionamento que permite aos alunos universitários professores do cursinho ter contato com os candidatos que transitam do ensino médio ao ensino superior? Então, quais seriam, afinal, as marcas discursivas da posição e do posicionamento dos estudantes universitários professores de um cursinho popular no campo universitário?

Como mostraremos em outros capítulos, contra tudo o que foi planejado primeiramente, o exercício de discutir o vestibular chileno resultou muito mais produtivo para nos aprofundarmos – o que agora está evidente para nós – não na posição dos estudantes aprovados e reprovados nesse exame, mas sim nas características das marcas discursivas no campo universitário em relação a outros campos, isto é, nas características das marcas discursivas do posicionamento dos estudantes universitários professores dos cursinhos populares a respeito da esfera universitária em sua relação com outras esferas de atividade; da mesma forma, tal exercício nos obrigou a considerar a complexidade e a envergadura do desafio assumido pelos cursinhos populares tanto, considerando a história da instalação da universidade no Chile, como em relação com o vestibular chileno.

Um segundo estudo orientou nossas perguntas em torno das marcas discursivas na posição dos estudantes universitários que fazem parte dos cursinhos populares. No texto “Preuniversitarios populares y/o sociales. El forcejeo curricular entre un modelo crítico y uno técnico para el acompañamento Pedagógico de los Tutores docentes”, Silvia Mercado Saavedra e Marcela Romero Jeldrez (2018) discutem vários dos nossos questionamentos a respeito do posicionamento do estudante universitário professor em cursinhos populares no Chile.

Na pesquisa, as autoras descrevem diferenças entre os professores da gestão do cursinho, os tutores docentes5 e o “acompañamiento pedagógico implementado”, o qual “no se encuentra alineado con el enfoque curricular inserto en el Proyecto Educativo dada la fuerza del modelo técnico en el ingreso a la Educación Superior”(SAAVEDRA & JELDREZ, 2018: 79). Ademais, as autoras acrescentam:

la perspectiva crítica que se puede ganar en ambientes de aprendizaje comunitario, sin el entrenamiento de materias PSU, siempre se topa con la evaluación de contenidos disciplinares, barrera insalvable si la educación municipal ha sido precaria (SAAVEDRA & JELDREZ, 2018: 81).

5 Nesse estudo, os professores da gestão e os tutores docentes são estudantes universitários, e ainda com diferentes

responsabilidade corresponderiam ao que chamamos em nossa introdução de “estudantes universitários professores do cursinho popular”.

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26 Nesse estudo, Saavedra e Jeldrez (2018) também sinalizam que

el rol del docente, desde la perspectiva de los tutores-docentes está asociado a un sujeto comprometido con su propio aprendizaje, como un agente de cambio; pero a la vez existen características asociadas a un enfoque curricular tradicional, en lo que la docencia juega un rol más bien pasivo en relación con su propio aprendizaje y a los procesos institucionales (p. 90).

Já ao indagar sobre o conhecimento dos tutores-docentes sobre o projeto político pedagógico da instituição, as pesquisadoras constatam que eles

no manejan estrategias pedagógicas que les permita planificar las ideas asociadas al enfoque socio-crítico y a la Educación Popular, en actividades propias para rendir una prueba de ingreso a la universidad, no obstante, entienden que lo que se realiza en la institución, no es solamente la preparación para rendir la Prueba de Selección Universitaria (PSU)”( SAAVEDRA & JELDREZ, 2018: 94).

Nas considerações finais, Saavedra & Jeldrez (2018) discutem a hipótese de que a equipe de gestão do cursinho apenas focaria o acompanhamento pedagógico na resolução de conflitos associadas à ausência de formação pedagógica dos docentes tutores, prioridade cujo sentido é impedir que o tutor voluntário desista de participar do cursinho precisamente por não dominar essas questões. Além do mais, existem tutores que focam apenas o conteúdo da PSU, olhando com receio o rol transformador do projeto pedagógico do cursinho popular, embora a continuidade entre a equipe de gestão e os tutores docentes esteja na “co-construção” de conhecimento com os estudantes e na relação “dialógica” da comunidade.

Assim, a descrição das pesquisadoras do embate6 curricular técnico e crítico na posição de

estudante universitário do cursinho popular poderia sinalizar o caráter não homogêneo dessa posição, as diferenças entre os estudantes ao ocupá-la, e também as convergências: a “co-construção” e a relação “dialógica” da comunidade (SAAVEDRA & JELDREZ, 2018). Nessa pesquisa, acreditamos, há as mesmas questões lançadas por nós em torno de uma prática educativa ao mesmo tempo crítica e orientada à PSU no sistema de acesso universitário.

Saavedra & Jeldrez (2018) discutem elementos que chamam fortemente nossa atenção. As autoras qualificam como barreira intransponível para a perspectiva crítica a consideração do treinamento nas matérias que são avaliadas na PSU, o que torna ainda mais interessante tal problema para nós: por que essa barreira intransponível da perspectiva crítica frente ao treinamento para a PSU

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27 nos cursinhos populares? E por que o caráter crítico e de treinamento dessa prática educativa? A análise do discurso poderia nos ajudar a compreender essa prática educativa?

Ainda que arrisquemos muito ao transformar em objeto de pesquisa os indivíduos que ocupam posições discursivas dentro de cursinhos populares, devido ao fato de que não queremos fazer visíveis as estratégias dos cursinhos não pagos para a rede que lucra no mercado da educação, acreditamos que a perspectiva bakhtiniana facilita não apenas categorias conceituais, mas especialmente uma perspectiva ética nas ciências sociais e humanas que nos permite enfrentar esse risco político. Consideramos que na perspectiva bakhtiniana de pesquisa há um diálogo com o objeto de estudo e com os sujeitos, ou melhor, com as pessoas que fazem parte dos objetivos de uma pesquisa, e nesse diálogo não apenas produzimos nosso objeto, mas também nos constituímos como pesquisadores deixando pegadas desse diálogo no processo. Esses indícios nos permitem flagrar e julgar o custo pago por nosso objeto de pesquisa para nos constituirmos como pesquisadores – como em nosso caso, no qual se apagou as vozes desse outro colocado fora da universidade.

Como Amorim (2001) sinaliza a partir da perspectiva bakhtiniana, nas ciências sociais o objeto de estudo é falado pelos pesquisadores, atravessado pelo texto, além de ser também uma pessoa que fala. Comentando a especificidade das ciências humanas, Bakhtin, no livro O texto na linguística,

nafilologia e em outras ciências humanas (1959-61/2016a), sublinha o fato de que, como “conjunto

coerente de signos” (p.71), os textos orais e escritos são o dado primário no pensamento filológico-humanista em geral; portanto, os textos são o objeto de pesquisa e de pensamento. Para Bakhtin, nas disciplinas humanistas os pesquisadores trabalham com os textos de pensamentos, sentidos e significados dos outros, dessa forma essas disciplinas “são pensamentos sobre pensamentos, vivências das vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos” (p.71-72), e isso faz a diferença entre as ciências humanas e as naturais.

Trazendo consequências cruciais para a posição dos pesquisadores, Bakhtin exprime a “ciência do espirito”: “O espírito (o meu e o do outro) não pode ser dado como coisa (objeto imediato das ciências naturais) mas apenas na expressão semiótica, na realização em textos tanto para mim quanto para o outro” (BAKHTIN, 1959-61/2016a, p. 75); assim, toda reprodução de um texto por um sujeito é um novo acontecimento do texto na história da comunicação discursiva. Isto é, o encontro entre dois textos, sujeitos e autores.

Para Amorim (2001), é nos signos que vão ser jogadas as possibilidades e limites de encontro e de efeitos de contato, as transposições dos abismos e a transformação recíproca entre signos: “aculturação ou apropriação?”, pergunta a pesquisadora. Consequentemente, a importância de ser um sujeito falante ou pessoa que fala na consideração das transformações do nosso objeto de estudo e as

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28 orientações dessas transformações. Essas interferências e misturas semiológicas que fazem que a prática educativa estudantes universitários professores nos cursinhos, seja crítica e simultaneamente de treinamento é uma especificidade da perspectiva bakhtiniana, daí nossa opção.

Apoiados em Marília Amorim (2001), queremos sublinhar na nossa proposta a questão da importância dos outros nas ciências sociais, já que ainda que diferentes com as pessoas cujas práticas pesquisamos compartilhamos a identidade de ser pessoas que falamos. Desse modo, os outros também apareceriam como um limite na compreensão e no diálogo, portanto, na construção do objeto, por isso, um diálogo com equívocos e não uma descrição do objeto. Nesse diálogo, “é a palavra do personagem dirigindo-se ao leitor que desempenha (...) um papel próximo do sobredestinatário” (AMORIM, 2001: 127). E esse personagem que se dirige a vocês leitores, neste estudo, somos nós, em nossa tentativa de comunicar-lhes os diálogos que desenvolvemos ao longo da nossa pesquisa.

Como explicam Bakhtin e o Círculo (1929/2009), a palavra orienta-se de alguém a um interlocutor em um horizonte social delimitado (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 1929/2009, p. 116), assim, “através da palavra defino-me em relação aos outros, enquanto a situação social imediata e a mais ampla determinam do interior a estrutura da enunciação” (p. 117). Em Bakhtin, a frase pode ser enunciado apenas ao ganhar um autor e, portanto, ao ganhar uma segunda voz (BAKHTIN, 1950-51/2016b). E o autor, como posição axiológica, não apenas inclui o herói e o seu mundo, mas também as escolhas do autor sobre as formas composicionais e sobre o material ou linguagem, as quais são produtos também de posicionamentos axiológicos (FARACO, 2008).

De acordo com Renata Coelho Marchezan (2012), na perspectiva de Bakhtin os conceitos diálogo e enunciado são interdependentes. Assim, como parte de um diálogo social e dinâmico, o enunciado acabado de um sujeito permite/provoca a réplica relativamente acabada de um outro sujeito. O diálogo não apenas no sentido estrito, mas também no sentido de que todo desempenho verbal constituir-se-ia em uma alternância de vozes.

A pesquisadora insiste na consideração dupla do diálogo em Bakhtin e no Círculo, no sentido restrito e amplo do termo. Nela, os diálogos cotidianos, ou gêneros primários, são assimilados por gêneros secundários que os estabilizam e os institucionalizam, embora os gêneros primários sejam o catalizador da transformação dos gêneros secundários (MARCHEZAN, 2012).

A partir do diálogo em Bakhtin e no Círculo, Marchezan (2012) concluiu a relevância que o Círculo atribuiu à constituição histórica, social e cultural dos conceitos de sujeito, tempo e espaço que foram explorados através do conceito de cronotopo. Logo, os diversos modos de existência do

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29 diálogo seriam traduzíveis em especificidades, tanto de estilo quanto de gênero, ou seja, o diálogo poderia ser localizado em práticas sociais e em esferas de atividade.

Segundo Marília Amorim (2001), para Bakhtin o diálogo na hibridação intencional – a composição, é diferente do dialogismo na hibridação involuntária – que é inconsciente, histórico e orgânico. Daí também as noções de Authier de heterogeneidade representada e heterogeneidade constitutiva.

Ademais, Amorim (2001) também ressalta que o princípio dialógico é constituído “pela presença de duas ou mais vozes de um mesmo enunciado de um mesmo locutor” (p. 140), ou pela presença, no enunciado, de dois contextos para uma mesma palavra, para além da lógica, da identidade, da tese-antítese-síntese e da não contradição. Entre outras, essa é a razão da autora preferir o termo polifonia em vez do “dialogismo”.

Ainda de acordo com Amorim (2001), a noção de gênero discursivo poderia relacionar as noções de constitutivo/representado trabalhadas por Authier. Para isso, a autora propôs as noções de representação e presentificação da alteridade no trabalho com as categorias monológico e dialógico. Portanto, o texto foi considerado como representação e presentificação, ou imagem e zema; ou, ainda, nele foram considerados o sujeito que escreve e a condição de objeto textual ou efeito da alteridade.

Desse ponto de vista, ao discutir sobre o texto científico como monológico, Marília Amorim (2001), descreve a sua tendência à estabilização dos sentidos que apaga, na representação “mostrada”, os rastros do outro. Como exemplo, tem-se o discurso do tipo lógico matemático. Por outro lado, o texto polifônico não apenas representaria ao outro, mas que ele é um outro (AMORIM, 2001).

Junto com o aporte de Authier de uma teoria do sujeito fundamentada na psicanálise, Marília Amorim (2001) aporta para a teoria bakhtiniana uma teoria da cultura e da ressonância dos objetos culturais ancorada, por uma parte, no inacabamento da obra através da polifonia do texto e, por outra, nas construções de gênero. Consequentemente, no que tange à criação, a perspectiva bakhtiniana ultrapassaria o subjetivo e o individual.

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30 1.4. Roteiro dos capítulos

Nossos questionamentos vão em direção das formas de mediação privilegiadas em três esferas universitárias, especificamente em práticas relacionadas com o acesso universitário. Assim, consideramos que focar nas vivências do que consideramos uma prática de apoio ao acesso dos candidatos da periferia à educação superior universitária, coloca-nos o desafio de não apenas olhar essa prática, más também outras práticas nas quais diferentes mecanismos e processos permitem que acontecimentos históricos se inscrevam como memória, ou melhor, que permitam que acontecimentos históricos sejam absorvidos pela memória (Pêcheux, 2015), no nosso caso a Instalação da Universidade e o vestibular.

Além do mais, se falamos de indícios na nossa pesquisa, é porque, a partir do Paradigma Indiciário, procuraremos o rastro da posição e do posicionamento dos estudantes universitários professores do cursinho, isto é, o rastro das suas vivências. Como explica Ginzburg (2001) usando a imagem do caçador, vamos tentar “fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas” (p.151). A partir de dados “negligenciáveis”, tentaremos nos aproximar de sinais ou indícios das vivências não declaradas da posição e do posicionamento dos estudantes universitários professores do cursinho popular – indícios involuntários que são introduzidos no discurso sem que sejam percebidos. Nas palavras de Ginzburg: Mas o mesmo Paradigma Indiciário usado para elaborar formas de controle social sempre mais sutis e minuciosas pode se converter num instrumento para dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo maduro (2001: 177).

Assim, a natureza dos indícios que indagaremos é discursiva, por isso falamos de marcas discursivas. A partir do que Volóchinov e O Círculo de Bakhtin (1929/2017) exprimem no capítulo “Interação discursiva”, através da encarnação sígnica assumimos a possibilidade de nos aproximar às vivências ou perejivánie desenvolvidas pelos estudantes universitários professores no cursinho popular, já que “não é a vivência que organiza a expressão, mas, ao contrário, a expressão organiza a vivência , dando-lhe sua primeira forma e definindo a sua direção” (p.204). Isso, como consequência da vivência enquanto enunciado, será definida fundamentalmente pela situação mais próxima, por isso o caráter social dela.

Ao ser nossa opção indagar sobre a instalação da universidade no Chile, o vestibular e as vivências dos estudantes universitários professores do cursinho, consideramos o fato que estaríamos frente a práticas, sobretudo, educativas. Isso, nos levou até a perspectiva histórico-cultural – ainda que, novamente, o equívoco tenha se mostrado muito produtivo e simultaneamente frustrante.

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31 Incansavelmente e contra todo prognóstico favorável, ao longo da nossa pesquisa durante esses quatro anos tentamos entender as implicações de levar em consideração a perspectiva histórico cultural para compreender o fenômeno do fracasso do candidato da periferia no vestibular chileno. Lembremos que em nossa primeira aproximação (CASTRO & ARANDA, 2017) desse problema levantamos a hipótese de que, a partir de uma perspectiva baseada em Vigotski, portanto histórico-cultural, seria possível descrever processos psicoinstrucionais através dos quais se produz a discriminação de estudantes da periferia no ingresso às universidades mais seletivas do Chile. Tal hipótese marcou todo o nosso trabalho de pesquisa. Agora retomamos essa questão com mais elementos, embora já não com foco no candidato da periferia, que reconhecemos como o nosso ponto cego, mas nas formas de mediação em diferentes esferas universitárias que fazem parte do trajeto de preparação do estudante da periferia que transitaria do ensino médio ao ensino universitário.

De entrada, para nos produzir como pesquisadores, de acordo com Amorim (2001), Bakhtin e o Círculo nos colocam de frente a um texto que nos é compreensível apenas em seu contexto dialógico, e no qual nosso objeto não só é sujeito, mas também sujeito falante ou réplica, ou ainda posição de sentido e autor.

Para Bakhtin, a essência do texto está “na fronteira de duas consciências, de dois sujeitos” (p. 76). Desse modo, a pesquisa vem a ser um diálogo que se estabelece na inter-relação do texto “e do contexto emoldurador a ser criado (que interroga, faz objeções, etc.), no qual se realiza o pensamento cognoscente e valorativo do cientista” (BAKHTIN, 1959-61/2016a, p. 76). Da mesma forma, Brait (2006) explica que, na perspectiva bakhtiniana de abordagem discursiva, o dialógico está presente no objeto e no modo de enfrentá-lo; assim, mantêm-se ao mesmo tempo uma perspectiva interna e externa do fenômeno discursivo e dos enunciados.

Brait (2006) define aproximações de método derivadas dos livros do Círculo Marxismo e

Filosofia da Linguagem e Problemas da Poética de Dostoievski. A autora sinaliza que neles Bakhtin

conceitualiza interação verbal e seu vínculo com a situação social imediata e a situação social mais ampla, portanto a vida da linguagem está na comunicação verbal concreta, para além da língua abstrata e do psiquismo individual.

Assim, Bakhtin e o Círculo (2009) propõem para os estudos da linguagem que se mantenham ligadas as formas/modos de interação verbal e suas condições de realização. Também que se considere as formas das enunciações ligadas às interações verbais das quais fazem parte. Logo, que se examine a língua a partir da Linguística. Consequentemente, pela estrutura social das enunciações, seu estudo precisa colocá-las no curso histórico das mesmas e no curso da comunicação verbal, pois a enunciação é determinada pelas formas linguísticas e pelos elementos não verbais da situação. Portanto, exprime

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