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2.2. A perspectiva materialista da análise discursivo 1.Efeitos de sentido

2.2.2. Ciência e ideologia

Walter José Evangelista (2000), na sua introdução crítica histórica, exprime que Althusser participou do recomeço do materialismo dialético e, no interior do marxismo, discutiu a relação da base e a superestrutura.

Althusser considerou a noção de ruptura de Bachelard e se concentrou na oposição ciência e ideologia até 1965. A partir de 1967, especialmente 1974, redefiniu a filosofia como política na teoria, consequentemente a oposição ciência e ideologia foi reafirmada de uma forma ainda mais sutil e

62 articulada (Evangelista, 2000). Nos dois períodos de Althusser a psicanálise foi decisiva, seja em

Freud e Lacan (1985), de 1964, ou em Marx e Freud (1985), de 1976.

Em seu primeiro período, baseado na noção de “ruptura epistemológica” de Bachelard, Althusser (1976) propôs a ideia de “corte epistemológico” no contexto da discussão sobre as ciências marxistas, no momento em que se debatia a fusão entre o movimento operário e a teoria marxista e entre a concepção do materialismo e a dialética.

Nos sinais do corte epistemológico de uma ciência, Althusser (1976) focou o sintoma da rejeição dos erros da pré-história, compreendeu-os como “fenômeno teórico do aparecimento de uma ciência na história da teoria, que remete para as condições sociais, políticas, ideológicas e filosóficas dessa irrupção” (1976: 35). Assim, colocou o corte entre a ciência e a ideologia como uma oposição, isto é, o antagonismo entre o marxismo e a ideologia burguesa foi reduzido ao antagonismo entre a ciência e a ideologia.

Na perspectiva de Evangelista (2000), Althusser focalizou a noção de contradição para diferenciar a dialética marxista da hegeliana. Assim, esse autor descreveu a contradição como motor da dialética e como complexa, estrutural e desigualmente determinada, daí o conceito de superdeterminação. Além de vir de Lacan, o conceito de superdeterminação, a respeito da significação, foi compreendido por Althusser como interdependente de todo um campo conceitual e solidário com as condições de produção (EVANGELISTA, 2000).

A partir de 1974, no texto Os elementos de autocrítica, Althusser reconsiderou as ideias de razão e ciência em geral e deu predominância à noção de condições de produção. Perguntou-se, portanto, pelas condições de produção do marxismo e pela prática científica concreta (EVANGELISTA, 2000: 16).

Como Pêcheux sinaliza (2009), Althusser e Espinosa são parceiros na heresia de extremar questões imperdoáveis. Ao desenvolver uma dialética materialista, Althusser (1976) foi além da dialética hegeliana; assim, a partir do materialismo de Espinosa, propôs “uma causalidade que justificasse a eficácia do todo sobre as suas partes e a ação das partes no todo” (ALTHUSSER, 1976: 74). Além do mais, em Elementos de autocrítica, no capítulo Sobre Spinoza, Althusser (1976) explicita a sua ancoragem nesse autor, não apenas para definir o conhecimento como uma produção, mas também para afirmar a verificabilidade dele no processo de sua produção.

Contudo, ao mesmo tempo a influência de Espinoza se fez sentir na noção de contradição que Althusser (1976) desenvolveu. Em sua incursão pelo filósofo, a ausência da noção de contradição

63 (herdeira de Hegel em Marx) o fez desconsiderar a diversidade regional da ideologia e suas tendências de classe.

Michel Löwy (2000) sinaliza que Althusser negligenciou a diferença relativa entre história e natureza e, portanto, as diferenças entre ciência social e ciência natural, isto é, o caráter socialmente condicionado das ciências sociais. Além do mais, Althusser colocou entre a ciência e a ideologia um corte epistemológico e, nesse sentido, enfatizou a especificidade da prática científica e sua autonomia em relação as condições sócio-históricas.

Para Löwy (2000), o caráter de quase total independência entre ciência e ideologia que Althusser adota teria sido um movimento para resguardar a prática científica das diretrizes partidárias comunistas, isso pela confusão em Althusser entre a classe proletária e “sua caricatura burocrática” (LOWY, 2000: 185). A dita perspectiva teria sido abalada em Althusser em Elementos de autocrítica (1976), quando este reconhece a necessidade de se colocar do ponto de vista do proletariado para fazer visível a posição teórica das classes dominantes. Nas palavras de Althusser, “elaborar tais posições teóricas a partir de posições políticas proletárias, por una crítica radical de todas as ideologias da classe dominante” (ALTHUSSER, 1976: 112).

Denisie Maldidier (2003), no livro A inquietação do discurso. (Re)ler Pêcheux hoje, disserta especificamente sobre o trabalho de Michael Pêcheux Remontemos de Foucault a Spinoza, de 1977. Nesse texto, em torno da noção de contradição, Pêcheux retrabalha o conceito de formações discursivas a partir das indicações feitas por Althusser (1976) em Elementos de autocrítica. O autor deixa de pensar a formação discursiva como núcleo homogêneo e passa a pensa-la como dividida, portanto, não idêntica a si mesma. Desse ponto deriva, em Pêcheux a dominação interna da ideologia dominada, isto é, “no próprio interior do discurso da ideologia dominada, na própria maneira como

ele organiza a dominação da ideologia dominante” (MALDIDIER, 2003:65, grifos da autora). Esse

movimento teórico foi antecedente da formulação do conceito de heterogeneidade e da noção do ritual com falha. E, em ambos os conceitos, a ideologia foi tratada com referência ao registro inconsciente na série sonho-lapso-ato falho-witz.

Além do mais, na análise da autoria, de acordo com Pêcheux e conforme explica Lagazzi (2013), tratar-se de focar os pontos de resistência para além da coação dominado-dominador no ponto onde o ritual precisamente falha. Isto é, na perspectiva de Pêcheux, é preciso procurar no imprevisível, na heterogeneidade de efeitos individuais que produzem um acontecimento histórico. Tal constatação é reforçada por Pedro Karczmarczyk (2017) quando este exprimi que a interpelação não anula a

64 agência nos indivíduos, mas em Pêcheux a interpelação ideológica e a agência é uma relação, a menos que os indivíduos sejam já ativos – por isso o interesse em interpelá-los.

Afinal, podemos olhar como a perspectiva pecheutiana desenvolveu-se ao longo do tempo, o que para nós dá conta não apenas do refinamento teórico do dito autor, mas também da complexidade teórica do fenômeno da constituição do sentido. Assim sendo, o segundo dos nossos gigantes será Pêcheux: inspirados nele, tentaremos enriquecer nossa compreensão das formas de mediação em uma das esferas universitárias, especificamente os efeitos de sentido no discurso da Instalação da

Universidade no estado Chileno . Além do mais, será a partir de Pêcheux que discutiremos em nossas

conclusões a prática dos estudantes universitários professores do cursinho popular como uma resistência simbólica às desigualdades no acesso à universidade.