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2.1. Gêneros do discurso 1 Uma introdução

2.1.3. O caráter material do estudo da psicologia

Em outro texto de Bakhtin e o Círculo, os gêneros discursivos teriam também relação com a psicologia social. Se vamos para o capítulo “O problema da relação entre a base e a superestrutura” de Marxismo e Filosofia da linguagem (VOLÓCHINOV, 1929/2017), a psicologia social materializar-se-ia na realidade como uma interação verbal, por isso, a psicologia não pertence às almas dos comunicadores, mas existe “no exterior: na palavra, no gesto, no ato” (VOLÓCHINOV, 1929/2017: 107). Esse é o seu caráter material, o seu material palavra. Portanto, para Bakhtin a psicologia social compreenderia a multiplicidade de tipos discursivos coincidente com a multiplicidade de esferas de criação ideológica estáveis, isto é, consideraria enunciados sob a multiplicidade de formas nos/dos gêneros discursivos.

Do ponto de vista de Bakhtin e o Círculo (VOLÓCHINOV, 1929/2017), para o estudo dos gêneros discursivos o foco deveria ser as peculiaridades dos temas e as formas de comunicação discursiva nas quais esses temas se realizam. Consequentemente, a expressão material da psicologia social seria as formas de comunicação sígnicas, já que existiria uma unidade entre essas formas da comunicação, do enunciado e do seu tema.

Queremos sublinhar mais um elemento: para Volóchinov (1929/2017), essas formas de comunicação são determinadas pelas relações de trabalho e o regime sociopolítico; logo, os aspectos hierárquicos da dita comunicação são fundamentais na compreensão das formas do enunciado, já que “as formas do signo, são condicionadas antes de todo, tanto pela organização social desses

indivíduos, quanto pelas condições mais próximas da sua interação” (p.109, itálico do texto).

No capítulo “A interação discursiva” (VOLÓCHINOV, 1929/2017), o autor discute uma relação dialética entre a ideologia do cotidiano e os sistemas ideológicos formados como as artes, a moral ou o direito: as ideologias formadas se cristalizam a partir das ideologias do cotidiano e,

44 simultaneamente, as ideologias formadas influem o tom das ideologias cotidianas. Dessa forma, o enunciado é apenas um momento da comunicação interrupta, mas um momento constitutivo em uma coletividade social determinada.

Consequentemente, essas relações entre sistemas ideológicos são fundamentais para compreender as diferentes significações em diversas situações sociais, por isso a importância do “estudo do elo entre a interação concreta e a situação extraverbal mais próxima e, por meio desta, a situação mais ampla” (VOLOCHINOV, 2017: 220). Nessa perspectiva, a comunicação verbal discursiva sempre é acompanhada por atos sociais não discursivos, sejam atos de trabalho, simbólicos, rituais, etc.

Dessa discussão deriva a ordem para os estudos da língua na perspectiva de Bakhtin e o Círculo (VOLÓCHINOV, 1929/2017):

Disso decorre que a ordem metodologicamente fundamentada para o estudo da língua deve ser o seguinte: 1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3) partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual (VOLOCHINOV, 1929/2017: 220).

Do ponto de vista de Bakhtin e o Círculo, a totalidade é fundamental na forma do enunciado, e essas formas dependem da situação e do auditório, isto é, os gêneros cotidianos são determinados pelo atrito de dois aspectos: da palavra com o meio extraverbal e da palavra com a palavra de outras pessoas. Logo, o acabamento vai se relacionar com formas específicas da palavra no início, no fim e na construção de afirmações; também se relaciona com uma determinada construção do auditório e de uma determinada via de comunicação social que refletiria o tipo, a estrutura, os objetivos e a composição social implicada (VOLÓCHINOV, 1929/2017).

Na obra de Volóchinov (1929/2017), descobrimos o caráter material do que ele denomina psicologia social, isto é, o autor nos permite abordar materialmente o estudo dos aspectos da psicologia humana. Concluímos que a psicologia social existiria no exterior, no material palavra, no gesto, no ato. Disso deriva-se a importância dos tipos discursivos e a sua relação com as esferas da realidade. Ou seja, a expressão material seria consequência da união das formas de comunicação sígnicas ao enunciado e ao tema.

45 2.1.4. O autor-criador e a especificidade da obra estética

A compreensão da obra artística como um todo, da perspectiva bakhtiniana (BAKHTIN, 1934- 35/1990), considera a singularidade e a sua significação estética. Dessa forma, Bakhtin (1934- 35/1990) discute criticamente as possibilidades analíticas da estética material em “O problema do Conteúdo, do material e da forma na criação literária” no livro Questões de literatura e de estética.

Primeiro, a estética material analisaria a obra como forma de um determinado material do

ponto de vista científico, matemático ou linguístico. Além do mais, a obra estaria isenta de momentos axiológicos, portanto, as tensões emocional e volitiva da obra seriam incompreensíveis nessa perspectiva, pois ela não leva em consideração a relação axiológica (emocional e volitiva) entre autor e espectador. Para além do material, pelo fato da obra artisticamente significativa referir-se sempre a algo, de acordo com Bakhtin (1934-35/1990) é “indispensável admitir um momento do conteúdo” (p. 21) – embora a forma da obra não seja reduzida à forma do material.

O segundo aspecto comentado por Bakhtin (1934-35/1990) corresponde a diferenciação do objeto estético da obra exterior. Nesse sentido, o objeto da análise estética constituir-se-ia no que essa representa para a atividade estética, tanto do criador, como do expectador, isto é, o objeto seria “o conteúdo da atividade estética (contemplação) orientada sobre a obra” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 22). Por outra parte, a obra exterior caracterizar-se-ia por admitir outras abordagens, sendo de tipo cognitivo e regida por um conceito.

Na proposta de Bakhtin (1934-35/1990), a análise estética dever-se-ia debruçar sobre a singularidade da obra como um objeto estético arquitetônico. Logo, considerar os aspectos puramente cognitivos, extra-estéticos. E, ao final, “compreender a obra exterior, material, como um objeto

estético a ser realizado, como aparato técnico da realização estética” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 22). Ou seja, trata-se da organização composicional compreendida teleologicamente como

composição da obra.

Um terceiro elemento crítico da leitura de Bakhtin (1934-35/1990) sobre a estética materialista tem a ver com a relação entre o arquitetônico e o composicional na obra. Para o autor, cada forma arquitetônica se realiza através de métodos composicionais específicos; simultaneamente, para as formas composicionais do gênero corresponderiam formas arquitetônicas essenciais. Sendo assim, diferentemente da composição, as formas arquitetônicas estariam incluídas no objeto estético (BAKHTIN, 1934-35/1990).

46 Ainda segundo Bakhtin (1934-35/1990), as formas arquitetônicas correspondem às “formas dos valores morais e físicos do homem estético” (p. 25), isto é, ao acontecimento e sua especificidade social, histórica, etc. Já a composição organiza o material teleologicamente, adequando o material à realização arquitetônica. Como consequência, a forma arquitetônica e os valores morais e físicos determinam as formas composicionais.

O quarto ponto para Bakhtin (1934-35/1990) faz referência as limitações da estética material para dar conta da “transferência ilegítima das formas estéticas para o domínio do comportamento ético (pessoal, político, social) e para o domínio do conhecimento (pensamento estetizante...)” (p. 26). Nesses fenômenos estariam ausentes as formas definidas e organizadas, por isso o caráter confuso, instável e híbrido deles. Lembremos que essa questão é fundamental para o nosso trabalho analítico da página web do cursinho.

Por fim, a quinta crítica é dirigida à incapacidade da estética material de ancorar a história da arte, na medida em que não dá importância a interdependência entre a arte e as demais esferas de criação cultural, no horizonte cultural e na história da sua transformação (BAKHTIN, 1934-35/1990).

Como temos sinalizado em nossas discussões anteriores, estamos especialmente interessados em compreender as formas de mediação em três esferas universitárias, formas que poderiam se caracterizar pela sua hibridação, daí a necessidade de analisar diferentes domínios da cultura em torno dos seus limites, embora nenhum deles deixe de ser participante do todo da cultura, já que “todo ato cultural vive por essência sobre fronteiras” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 29). Assim, os fenômenos culturais têm significação e sentido através da sua orientação para a cultura, como exprime Bakhtin no capítulo “O problema do conteúdo”: “transforma-se como que numa mônada que reflete tudo em si e que está refletida em tudo” (1934-35/1990: 29).

Mas a ética e a beleza podem ser objetos de conhecimento, ainda que nesse processo devam se submeter inteiramente à unidade e às leis do conhecimento. Além do mais, se o conhecimento ignora o mundo de valores em sua relação com o conhecimento preexistente e o ato ético se relaciona como um dever a respeito da realidade, da mesma forma a estética apresenta um caráter receptivo à realidade preexistente pelo qual “torna-se então um elemento constitutivo indispensável” (p. 33). Devido a isso, a vida se encontra dentro e fora da obra de arte, além de poder marcar o peso axiológico desta, que transfere a realidade valorada para outro plano axiológico, embora sem rejeitar a sua valoração e orientada sob essa forma estética realizadora.

47 Na perspectiva bakhtiniana, o conhecimento (natureza) e o ato ético (humanidade social) são realidades preexistentes evocadas pela atividade estética. Essa atividade “cria a unidade concreta e intuitiva desses dois mundos, coloca o homem na natureza, compreendida como seu ambiente estético, humaniza a natureza e naturaliza o homem” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 33).

De acordo com Bakhtin (1934-35/1990), essa integração de dois domínios, o cognitivo e o estético, produz um acabamento que vem desde fora do conhecimento cognoscível, do imperativo e do agente. Assim, a forma pode envolver o conteúdo desde o exterior, isto é, a forma “encarna” o conteúdo, ou melhor, o conteúdo e a forma estão interpenetrados e são inseparáveis, embora sejam indissolúveis ao pertencer a diferentes ordens.

Bakhtin considera a necessidade de um conteúdo com sentido ético e cognitivo para que a forma possa desenvolver um significado, já que “a forma relativiza totalmente o conteúdo” (1934- 35/1990: 37). Por isso, o conteúdo, ainda que leve, é constitutivo da obra de arte. Isso faz com que no caso da literatura, por exemplo, precisemos não apenas atender a suas leis literárias, mas também aos aspectos semânticos e às leis possíveis do conhecimento e do ato. Afinal, de acordo com o teórico, “a forma esteticamente significante não engloba o vazio, mas a tendência semântica, autônoma e perseverante da vida” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 38); daí que a forma estética da obra artística se defina por subordinar a sua unidade e envolver as leis internas do ato e do conhecimento.

No capítulo III, “O problema do material”, a imagem é sim considerada como a formalização de elementos no conteúdo, não como representação visual (BAKHTIN, 1934-35/1990). Por isso, o componente estético, ou imagem, corresponde a uma formação estética singular realizada com a ajuda de um material visual perceptível ou a combinação desses materiais, mas sem coincidir com eles. A arquitetônica do objeto estético (ou as relações estéticas entre os seus elementos) é diferente das estéticas psicológica ou material. Desse modo, o material como elemento técnico significativo da obra é fundamental na construção dela, já que anima e movimenta a obra de arte. Aliás, a análise do material não poderia esgotar a análise da obra estética.

No capítulo IV, “O problema da forma”, Bakhtin (1934-35/1990) exprime que a forma deveria ser estudada por um lado, do ponto de vista interior, ou seja, do ponto de vista da forma arquitetônica cujo elemento axiológico esteja orientado para o conteúdo; e, por outro, do ponto de vista do todo da composição e do material da obra, isto é, precisa-se estudar a técnica da forma ou a forma realizada no material. Portanto, as determinações da obra consideram tanto o seu objeto estético, como a natureza do material.

48 Bakhtin (1934-35/1990) foca a análise estética da forma arquitetônica, ou seja, como a forma artisticamente realizada ou composicional se relaciona com o conteúdo e, assim, realiza arquitetonicamente a obra através da “unificação e a organização dos valores cognitivos e éticos” (p. 57).

Como expressão da atividade criativa, as formas são sentidas não apenas no movimento criativo do autor, mas também na contemplação do criador sobre a forma do objeto estético. Disso deriva mais uma diferença entre as formas artísticas e cognitivas, já que a forma cognitiva não tem autor e, portanto, não me permite encontrar a minha atividade criadora. Desse modo, a forma cognitiva, ainda que ativa no caso do pensamento, não observa a sua própria atividade “ou mais precisamente, o sentimento da minha atividade não entra no conteúdo objetal do pensamento em si, permanece na sua margem, como um apêndice psicológico subjetivo, nada mais: a ciência enquanto unidade objetiva do objeto não tem autor-criador” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 58). Ou seja, o acabamento e a individualidade de uma obra científica “não entram no interior do conhecimento do mundo” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 58). Essa é uma diferença chave, como sinaliza Bakhtin: “O autor-criador é um momento constitutivo da forma artística” (1934-35/1990: 58).

Assim, forma e conteúdo se relacionam, a primeira de modo ativo, receptivo e englobante, e o segundo de modo passivo. Além do mais, o domínio do conteúdo através da forma é possível pela atividade criativa que, lembremos, é constitutiva da obra. Por isso deter esse ato criativo faz emergir o significado a partir de uma empatia ética ou a partir de uma reflexão cognitiva do conteúdo. Para perceber o artístico, precisamos nos expressar ativa e axiologicamente através do que ouvimos, observamos, lemos, etc., isto é, necessitamos tornar-nos criadores ao transformar, com nossa atividade valorizadora, o conteúdo (BAKHTIN, 1934-35/1990).

Exprime Bakhtin sobre a questão supracitada:

Eu me torno ativo na obra na forma e por meio dela ocupo uma posição axiológica

conteúdo (enquanto orientação cognitiva e ética), e isto torna possível pela primeira

vez o acabamento e em geral a realização de todas as funções estéticas da forma no que tange ao conteúdo (BAKHTIN, 1934-35/1990: 59).

Bakhtin se pergunta pela mudança da forma criativa em forma que realiza o conteúdo ético- cognitivo, isto é, como a forma criativa produz o acabamento da obra. Para isso, o autor apoia-se nas noções “separação e isolamento” (1934-35/1990: 59).

49 Essas noções se relacionam com o significado do conteúdo. Assim, uma primeira característica dessa separação e isolamento do conteúdo se desenvolve a respeito da unidade com a natureza e com o evento ético, deixando os seus aspectos axiológicos na memória da razão e da vontade; aliás, individualizando-o e separando-o dos acontecimentos futuros e, desse modo, possibilitando a existência autônoma do dito conteúdo. Consequentemente, o isolamento “possibilita uma relação não ética e não cognitiva com o acontecimento” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 61). O autor ainda acrescenta: “o isolamento é a condição negativa do caráter pessoal, subjetivo (mas não psicologicamente subjetivo) da forma; ele permite que o autor-criador se torne um elemento constitutivo da forma” (1934-35/1990: 61).

Um segundo elemento da separação e isolamento tem a ver com a determinação, não apenas do significado do material, mas também da sua organização composicional, ou seja, convencionaliza o material conseguindo superá-lo de modo imanente, isto é, sem sair desse material. Os enunciados já não aguardam se efetuar no real, nem verificações ou confirmações (BAKHTIN, 1934-35/1990).

Na perspectiva bakhtiniana, se por um lado o enunciado cognitivo se organiza através do significado material e objetal da palavra, e assim ocupa um lugar no conhecimento, por outro, o sentimento – seja condenação, acordo, etc. – da atividade verbal no ato palavra se relaciona “com a unidade do acontecimento ético e nela se define como necessário e imperativo” (BAKHTIN, 1934- 35/1990: 63). Mas só na poesia o sentimento de uma atividade pode engendrar um enunciado e ser um centro formador, um meio de unidade ou acabamento da forma.

As unidades composicionais do conjunto verbal da obra se ancoram não no conteúdo do que é falado, mas no modo como se fala. Portanto, o que começa e termina não é a obra artística, mas “sou eu quem começo e quem termino” (BAKHTIN, 1934-35/1990: 63). Além do mais, podemos especificar o funcionamento da autoria no caso da ciência, já que, como sinaliza Bakhtin (1934- 35/1990), esta também acontece no meio científico: além de começar e terminar uma obra, a atividade do sábio é refletida na composição de um texto científico. Dessa forma, o texto científico contém momentos estéticos que não penetram no interior do conhecimento.

As qualidades da forma estética levam Bakhtin a considerar a unidade dessa forma como a posição de um “homem completo” (1934-35/1990: 64), isto é, um sujeito ativo. Aliás, a unidade da forma pode ser transferida em outras direções: para o objeto do conhecimento e para a semântica do conhecimento, deixando de ser assim forma estética. Como exprime Bakhtin (1934-35/1990), axiologicamente determinado, o sentimento organiza a atividade geradora do autor que se apodera das ligações verbais significantes na sua criação. Por isso, a unidade é criada pelo sentimento dessa

50 atividade valorizadora. Segundo o autor, “o significado objetal material da palavra é envolto pelo sentimento de uma atividade de seleção do significado, pelo sentimento singular da iniciativa do

sujeito-criador (…) Mas esse sentimento de escolha refere-se àquilo que é escolhido, envolve a sua

autonomia cognitiva e ética” (1934-35/1990: 65-66).

Assim sendo, no campo do estético, através da atividade criativa, o objeto criado inclui o seu criador, já que o eu é um sujeito ativo, por isso o caráter de unidade singular e pessoal do objeto estético. Além do mais, a singularidade do objeto estético estaria na forma do conteúdo ou na inter- relação dos dois, isto é, na consideração do conteúdo da forma e da forma do conteúdo (BAKHTIN, 1934-35/1990).

Se nos detivemos no texto de Bakhtin Questões de literatura e de estética (1934-35/1990), foi pela procura de variados elementos inspiradores para nossa análise posterior, ainda que a discussão que Bakhtin tenha feito se oriente à singularidade e à significação estética da obra artística. No nosso caso, estamos frente a um material digital composto por uma página web e por vídeoaulas, razão pela qual falamos apenas em nos inspirar na perspectiva bakhtiniana.

Nesse trajeto teórico, observamos, por um lado, a possibilidade de estudar uma obra do ponto de vista científico, material e linguístico, ou seja, uma análise cognitiva externa da obra. E, por outro, o estudo de uma obra do ponto de vista da relação axiológica entre autor e auditório; portanto, o estudo do gênero do ponto de vista arquitetônico que se realiza através de métodos composicionais, isto é, que liga valores morais e físicos com determinadas formas de composição.

Por sinalizar a hibridação, o texto mencionado se destaca, pois Bakhtin exprime a possibilidade de compreender a transferência das formas estéticas para o comportamento ético e para o domínio do conhecimento, assim como a interdependência entre arte e outras formas de criação cultural, em um processo de transformação histórica dessas formas. Se sob uma perspectiva o conhecimento ignora os valores e o ato ético aparece como dever para com a realidade, sob outra a estética apresentaria um caráter receptivo. Assim sendo, entre o conhecimento, o ato ético e a estética são possíveis diversas relações analíticas: ética e beleza podem ser estudadas como objetos de conhecimentos, embora para isso precisem ser submetidas às leis do conhecimento; o conhecimento e o ato ético podem ser evocados pela atividade estética; além disso, na estética a forma encarnaria o estético e permitiria a interpenetração da forma e do conteúdo, assim, a arte poderia submeter ao ato e ao conhecimento.

51 Na perspectiva proposta por Bakhtin nesse texto, a imagem não é compreendida como representação visual, mas sim como formalização de elementos no conteúdo. Desse modo, a formalização é considerada da perspectiva do material ou elemento técnico. Aliás, a forma precisa ser estudada como forma arquitetônica, em outras palavras, a partir da relação entre a composição e o conteúdo que permite a união dos valores cognitivos e éticos através do autor-criador que constitui a forma estética.

As noções de separação e isolamento são crucias nessa perspectiva analítica, já que permitem a realização ética-cognitiva do conteúdo através da forma criativa, ou melhor, permitem que o autor criador se torne um aspecto constitutivo da obra. Assim, na atividade criativa o material poderia ser superado sem sair dele, pois o sentimento da atividade criativa poderia se relacionar com a unidade do acontecimento ético, e o cognitivo poderia ser organizado através do significado do material, o que permite, por exemplo, que a poesia apresente um acabamento da forma a partir de um sentimento de uma atividade. Dessa forma, para Bakhtin o objeto incluiria o seu criador no campo estético.