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A nacionalização que se deseja. Notas para uma breve História da indústria cervejeira nacional: do Estado Novo às nacionalizações revolucionárias

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Academic year: 2021

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Contemporânea, realizada sob a

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AGRADECIMENTOS

«As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpas. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes. Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras.

E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do Disse ou Tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão – e por essa via entram na imortalidade do Verbo. Ao lado de Sócrates, o presidente da junta afixa o discurso que abriu a torneira do marco fontanário. E as palavras escorrem tão fluidas como o "precioso líquido". Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envoltos também num murmúrio manso, represo e conciliador. Há de tudo no orfeão: tenores e tenorinos, baixos cantantes, sopranos de dó de peito fácil, barítonos enchumaçados, contraltos de voz surpresa. Nos intervalos, ouve-se o ponto. E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares.

Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que não se oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.

(4)

Daí que seja urgente mondar as palavras para que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte – ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do acto.

Há também o silêncio. O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão.»

(Saramago, José, in Deste Mundo e do Outro. Lisboa: Editorial Caminho, 1997)

Porque as palavras simples não atraiçoam:

(5)

“A nacionalização que se deseja”

Notas para uma breve História da indústria cervejeira nacional: do Estado Novo às nacionalizações revolucionárias

Filipe Guimarães da Silva

RESUMO

PALAVRAS-CHAVE: indústria cervejeira, desenvolvimento industrial, nacionalizações, revolução portuguesa.

A presente dissertação enquadra teoricamente a análise da história da indústria cervejeira portuguesa numa visão sistémica das políticas de desenvolvimento à escala nacional, tendo em conta os contornos políticos e as opções essenciais. Esta indústria assume um papel de relevo, desde logo pela componente tecnológica e pelo tecido modernizador que lhe é conferido no contexto da indústria portuguesa de dimensão mais reduzida.

Os impactos da industrialização tardia, insertos num quadro internacional no qual Portugal progredia a contraciclo, tiveram certamente o pendão contraproducente de exacerbar alguns problemas estruturais da economia portuguesa, sendo que o sector cervejeiro, apesar de se encontrar parcialmente desenquadrado desta realidade, carece de uma visão estratégica global. O papel do Estado enquanto agente económico merece uma atenção especial, tendo em conta os dois grandes períodos em análise – o Estado Novo e o PREC.

(6)

“A nacionalização que se deseja”

Notes for a brief history of the portuguese brewing industry: from “Estado Novo” to the revolutionary nationalizations

ABSTRACT

KEYWORDS: brewing Industry, industrial development, nationalizations, portuguese revolution.

This dissertation fits theoretically the analysis of the portuguese brewing industry’s history in a systemic view of the development policies at national level, taking into account the political contours and the main options. This industry plays a major role for its technological component and modernizing industrial fabric which is given by the portuguese industry, although on an smaller scale.

The impacts of late industrialization, inserted in an international framework in which Portugal counter-cyclically progressed, certainly had the counterproductive effect to exacerbate structural problems of the portuguese economy. The brewing industry, despite being partially unframed from this reality, lacks a strategic global vision. The role of the State as an economic agent deserves special attention, regarding the two great periods under review – “Estado Novo” and “PREC”.

(7)

Índice

Introdução ... 1

1. As “cervejas de Salazar e Caetano” ... 6

1.1. O longo “século XIX” ... 6

1.2. Da concentração aos anos 50 ... 9

1.2.1. A II Guerra Mundial, a abertura de mercados externos e o problema da cevada ... 11

1.3. Reapetrechamento sectorial, actualização técnica e expansão dos anos 50 ... 15

1.3.1. A indústria cervejeira e a lavoura nacional ... 18

1.3.2. O potencial produtivo vs. consumo ... 19

1.3.3. Industrialização ou surto industrial. O II Congresso da Indústria Portuguesa e o sector cervejeiro em equação ... 21

1.4. A reorganização forçada por um convite inesperado: o sector cervejeiro e a abertura externa ... 24

1.4.1. Na senda da investigação. As novas unidades industriais ... 27

1.4.2. Balanço da indústria cervejeira no final da década e a nova abertura do condicionamento industrial ... 29

1.5. Uma estabilidade relativa: os efeitos de um crescimento ilusório ... 33

1.5.1. Diagnóstico sectorial de 1974. O IV Plano de Fomento ... 34

1.5.2. Redes de interesses, grupos e monopolismo ... 35

1.5.3. O sector cervejeiro e a economia portuguesa nas vésperas da Revolução .... 37

2. Economia da Revolução: contextualização ... 42

2.1. Revolução e transformações ... 42

2.2. Conclusões e indicadores económicos ... 52

3. As nacionalizações ... 55

3.1. Que plano de nacionalizações? ... 56

3.2. As fases das nacionalizações ... 59

3.2.1. Setembro de 1974 ... 59

3.2.2. Março de 1975 ... 60

3.2.3. Abril de 1975 ... 63

4. A nacionalização da indústria cervejeira ... 66

(8)

4.1.1. Do movimento reivindicativo de 31 de Janeiro ao pedido de nacionalização

... 68

4.1.2. Guerra de comunicados ... 72

4.1.3. As sequelas do 11 de Março ... 76

4.2. Sobre o controlo operário na SCC ... 80

4.3. A Comissão Administrativa ... 83

4.4. Comissão de Análise e Inquérito ... 85

4.4.1. Congelamento das contas bancárias – a primeira grande medida da Comissão de Análise e Inquérito ... 87

4.4.2. As cervejas na hora da nacionalização. Os resultados do inquérito oficial ... 89

4.4.3. “Um capitalismo bem tirado”. A Sociedade Central de Cervejas como cabeça do grupo ... 91

4.4.4. “Receita para um monopólio”. Os meandros das “operações” ... 94

4.5.5. Outras situações ... 100

4.5. Os trabalhos do Ministério da Indústria e Tecnologia ... 104

4.6. Os processos nas restantes empresas ... 107

4.7. A “nacionalização que se deseja” sempre se realiza ... 110

4.8. Breve síntese do processo de reestruturação do sector ... 112

Conclusão ... 118

Fontes e bibliografia ... 120

Fontes Primárias e Secundárias ... 120

1. Arquivos e bibliotecas ... 120

2. Publicações periódicas – boletins, jornais e revistas ... 120

3. Documentação dos órgãos de soberania, da Administração Central e de departamentos governamentais ... 122

4. Congressos ... 124

5. Documentação empresarial ... 124

6. Relatórios, balanços e contas ... 125

7. Memórias, entrevistas, intervenções e livros de militares e políticos civis ... 125

8. Outras fontes ... 127

Fontes Orais ... 128

Bibliografia ... 128

1. Bibliografias, cronologias, dicionários e estatísticas ... 128

(9)

3. A indústria/industrialização portuguesa durante o Estado Novo ... 129

4. Obras e estudos sobre o Processo Revolucionário Português ... 131

5. Economia da Revolução ... 133

6. Nacionalizações ... 136

7. Movimentos sociais, sindicalismo e partidos ... 138

8. Questões jurídicas e constitucionais ... 138

9. Outra bibliografia ... 138

(10)

LISTA DE ABREVIATURAS

AICP – Associação da Indústria Cervejeira Portuguesa BdP – Banco de Portugal

BESCL / BES – Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa / Banco Espírito Santo BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento / Banco Mundial BPA – Banco Português do Atlântico

BTC – Balança de Transacções Corrente CDS – Centro Democrático e Social

CERCOPIM – junção da Cergal, Copeja e Imperial CIP – Confederação da Indústria Portuguesa COPCON – Comando Operacional do Continente CP – Caminhos de Ferro Portugueses

CRP – Constituição da República Portuguesa

CRSC – Comissão de Reestruturação do Sector Cervejeiro CT – Comissão de Trabalhadores

CUCA – Companhia União de Cervejas de Angola CUF – Companhia União Fabril

CUFP – Companhia União Fabril Portuense D.L. – Decreto-Lei

DGCI – Direcção-Geral do Comércio Interno EBC – European Brewery Convention

EBIC – EFTA Brewery Industry Council EBWP – EFTA Brewers Working Party

EFTA – Associação Europeia de Livre Comércio EKA – Empresa Angolana de Cervejas

FMI – Fundo Monetário Internacional

(11)

GP – Grupo Cervejeiro Português JSN – Junta de Salvação Nacional MCI – Ministério do Comércio Interno

MDE/S – Movimento Dinamizador Empresa/Sociedade MDP – Movimento Democrático Português

MES – Movimento Esquerda Socialista MFA – Movimento das Forças Armadas MIT – Ministério da Indústria e Tecnologia

MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola MRPP – Movimento Reorganizativo do Partido Proletário NOCAL – Nova Empresa de Cervejas de Angola

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico PCP – Partido Comunista Português

PIB – Produto Interno Bruto

PPD – Partido Popular Democrático

PREC – Processo Revolucionário em Curso PRP – Partido Revolucionário do Proletariado PS – Partido Socialista

SCC – Sociedade Central de Cervejas / Central de Cervejas SEE – Sector Empresarial do Estado

SIL – Skol International

SIPSA – Skol International de Participações TAP – Transportes Aéreos Portugueses

TLP – Empresa Pública de Telefones de Lisboa e Porto TVR – Taxa de Variação Real

UDP – União Democrática Popular VAB – Valor Acrescentado Bruto FBCF – Formação Bruta de Capital Fixo

(12)

Introdução

Como as investigações são feitas de avanços e recuos, de constantes amadurecimentos intelectuais, com honestidade assumo o irrealismo operacional do estudo que me propus fazer na etapa inicial. De facto, a primeira hipótese levantada para o início dos trabalhos procurava analisar o processo das nacionalizações enquanto um todo, na óptica das relações, com um único sujeito colectivo – o Conselho da Revolução.

Iniciado o primeiro contacto com as fontes disponíveis, caí abruptamente numa realidade que me parecia imensa e ainda por desbravar no campo historiográfico. O que seria mais importante? Uma análise superficial das nacionalizações, que fizesse o levantamento da literatura existente complementada pela análise do Arquivo do Conselho da Revolução? Talvez não passasse de uma síntese, por muito conveniente que pudesse ser. Uma análise do impacto das nacionalizações nas estruturas laborais portuguesas da época, sob o prisma da História Social? Seria um desafio interessante, mas certamente inoperante para uma tese de mestrado. Ora, decidimos pela análise de um sector que fosse fortemente representativo da estrutura capitalista portuguesa num duplo sentido: primeiro, necessitava de estar imbuído das idiossincrasias do regime salazarista. E se o estava! A indústria cervejeira – objecto de estudo – era um dos principais potentados industriais do Estado Novo, na sua vertente monopolista e na sua relação com o poder político. Em segundo lugar, era ponto obrigatório constituir-se como fidedigno representante do processo nacionalizador de 1974-76. E aqui, também o era, fazendo uma ponte interessante entre o Estado Novo e a revolução que eclodiu no pós-25 de Abril, numa escala que o associava aos principais sectores nacionalizados, ainda que a sua nacionalização ocorresse apenas a 30 de Agosto de 1975.

Curioso, porém, é que a indústria cervejeira portuguesa terá sido a única indústria deste tipo a ser nacionalizada em todo o mundo até aos dias de hoje. Qual a racionalidade económica? Quais as razões por detrás desta decisão? Estas são algumas das perguntas que orientaram a investigação, mas que só podiam ser compreendidas se se realizasse uma contextualização estruturada do Estado Novo e do Processo Revolucionário em Curso.

O Estado da Arte, relevando as questões relacionadas com o desenvolvimento económico (estruturação industrial, ciência, tecnologia e inovação, internacionalização,

(13)

papel do Estado e modelos económicos) organiza-se em três grandes temáticas: (i) a industrialização durante o Estado Novo; (ii) as nacionalizações no contexto social, político e económico do período revolucionário português; (iii) a evolução/história do sector cervejeiro em Portugal.

A historiografia em torno do Estado Novo encontra-se, actualmente, bastante desenvolvida, ainda que na vertente económica escasseiem estudos sólidos de cariz sectorial, apesar dos excelentes trabalhos realizados sobre a industrialização e os seus mecanismos (Francisco Pereira de Moura1, José Maria Freire Brandão de Brito2, Maria

Fernanda Rollo3), e no que diz respeito à génese e evolução dos grupos

económico-financeiros (Américo Ramos dos Santos e outros4).

Para o período revolucionário, a literatura subdivide-se em quatro níveis: um primeiro, que comporta os textos de enquadramento, onde se incluem as secções relativas às nacionalizações, dos quais destacam-se a obras de António Reis (Portugal

Contemporâneo e História de Portugal Contemporâneo) e José Mattoso (volume Portugal em Transe, de José Medeiros Ferreira), bem como o livro coordenado por

Fernando Rosas sobre a transição portuguesa (Portugal e a transição para a

democracia, 1974-1976), e outro coordenado por José Maria Brandão de Brito (O País em Revolução); de um segundo nível, consta a historiografia de contextualização

político-social que examina as relações de natureza institucional, destacando-se as

1 MOURA, Francisco Pereira de et al. Estrutura da economia portuguesa. Sep. da Revista do Centro de

Estudos Económicos, n.o 14. Lisboa: INE - Centro de Estudos Económicos, 1954; MOURA, Francisco

Pereira de et al., Estudo Sobre a Indústria Portuguesa. II Congresso da Indústria Portuguesa. Lisboa: Bertrand, 1957; MOURA, Francisco Pereira de. Reorganização das Indústrias, Estudos de economia aplicada 14. Lisboa: Associação Industrial Portuguesa, 1960; MOURA, Francisco Pereira de.

Planeamento Industrial e Desenvolvimento Regional, 2 vols. Lisboa: A.E. ISCEF, 1967; MOURA,

Francisco Pereira de. Por onde vai a economia portuguesa? Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1969.

2 BRITO, José Maria Brandão de. Industrialização portuguesa no pós-guerra (1948-1965): o

condicionamento industrial. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989; BRITO, José Maria Brandão de

(coord). Do marcelismo ao fim do império. Lisboa: Editorial Notícias, 1999; BRITO, José Maria Brandão de (coord.). Engenho e Obra. Uma abordagem à História da Engenharia em Portugal do século XX. Lisboa: Dom Quixote, 2002).

3 ROLLO, Maria Fernanda. “A Indústria Nacional”, in História de Portugal: o Estado Novo (1926-1974),

ed. José MATTOSO, vol. 7, 8 vols. Lisboa: Estampa, 1998; ROLLO, Maria Fernanda. “A industrialização e os seus impasses”, in História de Portugal: o Estado Novo (1926-1974), ed. José MATTOSO, vol. 7, 8 vols. Lisboa: Estampa, 1998; BRITO, José Maria Brandão de e ROLLO, Maria Fernanda. “Ferreira Dias e a Constituição Da Companhia Nacional De Electricidade”, in Análise Social xxxi, n.º 130–137 (1996): 343–354.

4 SANTOS, Américo Ramos dos. “Abertura e bloqueamento da economia portuguesa”, in Portugal

Contemporâneo, 1958-1974, ed. REIS, António, vol. V. Lisboa: Publicações Alfa, 1989; SANTOS,

Américo Ramos dos. “Desenvolvimento monopolista em Portugal: estruturas fundamentais”, in Análise

Social XIII, n.º 49 (1977): 69–95; RIBEIRO, José Félix et al. “Grande indústria, banca e grupos

financeiros”, in Análise Social XXIII, n.º 99 (1987): 945–1018; LISBOA, Manuel. A Indústria

(14)

excelentes investigações de Kenneth Maxwell5 e, mais recentemente, de Maria Inácia

Rezola6; no domínio económico, salientam-se Augusto Mateus7, José da Silva Lopes8 e

Ernâni Rodrigues Lopes9, com trabalhos de dimensão temporal alargados e, numa

perspectiva de compreensão da estrutura capitalista portuguesa, surgem necessariamente os trabalhos de Maria Belmira Martins10; por fim, a questão das nacionalizações

encontra-se ainda por explorar na sua multitude de domínios (história social11, história

empresarial, história dos organismos ministeriais), o que se comprova pela escassa produção historiográfica neste sentido (apenas secções de livros em obras gerais12, e

uma obra de natureza sociológica de José Manuel Leite Viegas13). Só a recente tese de

doutoramento de Ricardo Noronha (2011), sobre a nacionalização da banca, veio reabrir as linhas de investigação neste domínio.

A existência de diversas obras de memórias e depoimentos enriquece a historiografia em torno da revolução portuguesa. No entanto, há que distingui-las em dois grupos: memórias e/ou depoimentos de participantes ou observadores primários do

5 MAXWELL, Kenneth. A construção da democracia em Portugal. Lisboa: Presença, 1999.

6 REZOLA, Maria Inácia. Os militares na revolução de Abril: o Conselho da Revolução e a transição

para a democracia em Portugal, 1974-1976. Lisboa: Campo da Comunicação, 2006.

7 MATEUS, Augusto. “O 25 de Abril, a transição política e as transformações económicas”, in O País em

Revolução. Lisboa: Editorial Notícias, 2001.

8 LOPES, José da Silva. A economia portuguesa desde 1960. Lisboa: Gradiva, 1996; LOPES, José da

Silva. “Portugal e a transição para a democracia: que modelo económico?”, in Portugal e a Transição

para a Democracia (1974-1976). Lisboa: Colibri, 1999.

9 LOPES, Ernâni Rodrigues. “O desenvolvimento económico-social desde o pós-guerra 45 e a integração

europeia. Dilemas portugueses”, in Portugal e a Europa: 50 anos de integração. Lisboa: Verbo, 1996.

10 MARTINS, Maria Belmira. Sociedades e grupos em Portugal. Lisboa: Estampa, 1973; MARTINS,

Maria Belmira e ROSA, José Chaves. O grupo Estado: análise e listagem completa das sociedades do

sector público empresarial. Lisboa: Edições Jornal Expresso, 1979.

11 SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos, LIMA, Marinús Pires de e FERREIRA, Vítor Matias. O 25 de

Abril e as lutas sociais nas empresas. Lisboa: Afrontamento, 1977; LIMA, Marinús Pires de et al.

“Controlo operário em Portugal (I)”, in Análise Social, n.º 47, 1999: 765–817; LIMA, Marinús Pires de et al. “Controlo operário em Portugal (II)”, in Análise Social, n.º 48, 1999: 1049–1146; PATRIARCA, Fátima. “Que justiça social’”, in Portugal e a Transição para a Democracia (1974-1976). Lisboa: Colibri, 1999. Resurgiu, recentemente, o interesse por estas linhas de investigação, como provam as teses de Miguel Ángel Pérez Suárez (Contra a exploração capitalista. Comissões de trabalhadores e luta

operária na revolução portuguesa, 1974-1975) e de Diego Palacio Cerezales (O poder caiu na rua: crise de Estado e acções colectivas na revolução portuguesa).

12 LEÃO, Emanuel Reis. “Das transformações revolucionárias à dinâmica europeia”, in Portugal

Contemporâneo, 1974-1992, vol. 6, ed. REIS, António. Lisboa: Publicações Alfa, 1990, pp. 173–183;

FERREIRA, José Medeiros. Portugal em Transe, vol. VIII História de Portugal, dir. José Mattoso. Lisboa: Editorial Estampa, 1994; FRANCO, António de Sousa. “Economia,” in Portugal, 20 anos de

Democracia, ed. REIS, António. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994.

13 VIEGAS, José Manuel Leite. Nacionalizações e privatizações, Elites e cultura política na história

(15)

25 de Abril de teor ensaístico; e a recolha de testemunhos de natureza historiográfica, nomeadamente a que foi conduzida por Maria Manuela Cruzeiro14.

A presente investigação segue uma estratégia multidisciplinar (porque o objecto assim o compele) de utilização sistemática de fontes primárias em várias frentes e que interceptam segmentos analíticos de várias ordens – história industrial/empresarial, história do movimento operário e dos conflitos sociais, história dos organismos oficiais estatais e militares, história da ciência, inovação e tecnologia e história das relações internacionais/política internacional –, naquilo que pretende ser uma história de dinâmicas, não tão preocupada com as correntes interpretativas teleológicas. Feita esta declaração de princípios, não significa, naturalmente, que a análise e interpretação do objecto em questão não esteja marcada por factores inerentes à evolução intelectual do investigador no decorrer deste período.

Uma breve referência para os arquivos consultados, que foram da maior relevância no intuito de obter informações sobre o processo de nacionalização. Cita-se aqui o Arquivo do Conselho da Revolução, essencial para a recolha de documentação associada às Comissões de Trabalhadores e à Comissão de Análise e Inquérito; também o Arquivo Central da Secretaria da Presidência do Conselho de Ministros e o Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças. Outros fundos documentais existentes na Associação Industrial Portuguesa, na Direcção-Geral das Actividades Económicas e no Departamento de Prospectiva e Planeamento, foram proveitosos para a realização da tese.

Realizado, de forma sucinta, o estado da questão, é perfeitamente observável a carência de investigações científicas sobre a temática no domínio da História. Este trabalho procura constituir, declaradamente, um ponto de partida e uma proposta teórica de pesquisa (em aberto) para a realização, a longo prazo, de uma História das nacionalizações em Portugal durante o PREC, que carece ainda de investigações científicas estruturadas, num projecto que defendo ser urgente realizar ao nível sectorial e numa dialéctica não autocentrada nas nacionalizações.

***

14 CRUZEIRO, Maria Manuela. Costa Gomes: o último marechal. Lisboa: Editorial Notícias, 1998;

CRUZEIRO, Maria Manuela. Vasco Gonçalves: um general na Revolução. Lisboa: Notícias editorial, 2002; CRUZEIRO, Maria Manuela. Melo Antunes: o sonhador pragmático. Lisboa: Notícias, 2004; CRUZEIRO, Maria Manuela. Vasco Lourenço: do interior da Revolução. Lisboa: Âncora Editora, 2009.

(16)

A estrutura da tese é necessariamente cronológica, dividida em quatro capítulos temáticos. O primeiro faz uma retrospectiva que, dadas as limitações da tese, é incompleta, da indústria cervejeira durante o Estado (entre 1934, data da concentração industrial, e 1974). Aqui será abordada a génese desta indústria em Portugal e o seu desenvolvimento no contexto da evolução da economia nacional. A análise radica em quatro pontos-chave: (i) concentração industrial; (ii) investimento/reapetrechamento; (iii) reorganização sectorial e (iv) expansão.

No segundo capítulo é apresentada, num formato de síntese, a evolução dos acontecimentos fundamentais do período revolucionário português e os movimentos de continuidade e de ruptura, suportados pela utilização de dados estatísticos. Entretanto, no capítulo 3, entramos num campo de análise mais exclusivo – nacionalizações –, antecâmara do 4º capítulo, onde se analisa de forma mais particularizada o objecto de estudo, através da exposição do processo reivindicativo na Sociedade Central de Cervejas e das suas consequências imediatas – intervenção estatal e processos análogos – e a longo prazo – nacionalização e reestruturação do sector cervejeiro.

(17)

1. As “cervejas de Salazar e Caetano”

1.1. O longo “século XIX”

A indústria cervejeira em Portugal – em moldes modernos – remonta ao início do século XIX, sendo indicada a Real Fábrica de Cerveja e Genebra do Valle Pereiro, pertencente a Claude Sauvinet, como a primeira digna de registo. As primeiras unidades de fabrico de cerveja caracterizavam-se pela sua reduzida dimensão, descapitalização, produção local e pelo uso de equipamento rudimentar e obsoleto, cujas propriedades pertenciam, de forma geral, a cidadãos estrangeiros. Reconhecem-se as seguintes fábricas no século XIX15:

i. Fábrica pertencente a Jacques Maillard: rua Flor da Murta (1833); ii. Fábrica da Cerveja Trindade, de Manuel Moreira Garcia: Lisboa (1834); iii. Michael Gerards & C.ª: rua do Tesouro Velho (1855). Mais tarde transferida

para terreno da Casa de Bragança, alugada a John Henri Jansen, sócio de Michael Gerards, passando a denominar-se Fábrica de Cerveja Jansen; iv. Fábrica de Cerveja Leão, propriedade de José Varela e Jacinto Franco

(ex-empregados da Jansen) e de António Monteiro: interior de um pátio de Arroios (1878);

v. Fábrica da Piedade, de Maximiliano Schreck e Frederico Vintchel: rua da Piedade, Porto (1883).

A situação de concorrência verificada era prejudicial para as empresas, daí que algumas fábricas da zona do Porto tenham concordado a concentração das mesmas, formando a Companhia União Fabril Portuense, SARL a 7 de Março de 1890, com um capital inicial de 125 contos de réis. A sociedade é o resultado da fusão de seis fábricas cervejeiras da região do Porto – Fábrica Piedade (fábrica central), Fábrica do Melo, M. Achvek & C.ª, J.J. Chentrino & C.ª, J.J. Persival & C.ª, M. Schreck – e a Fábrica de Ponte da Barca. Em 1889, o inquérito industrial registava um capital fixo de sete contos de réis, treze trabalhadores, com produção anual de cerveja e gasosa de 90 mil dúzias e 4 mil litros de licores e outras bebidas. A facturação seria cerca de 9 contos e 200 mil réis, sendo que os salários oscilavam entre os 240 e os 400 réis por dia, com o número

15 II CONGRESSO DA INDÚSTRIA PORTUGUESA. II Congresso da Indústria Portuguesa, Relatórios

(18)

médio de 200 dias/ano de trabalho e cerca de 13 horas/dia no Verão e 10 horas/dia no Inverno. Há que destacar, ainda, a existência de duas fábricas de cerveja nas ilhas: uma na Madeira, Empresa de Cervejas da Madeira, que surgiu em 1872 pela mão de Henry Price Miles; e a Fábrica de Cervejas e Refrigerantes João de Melo Abreu, criada em 4 de Maio de 1892, nos Açores.

Logo no início do século é fundada a Companhia de Cervejas (1903), para onde entra a Fábrica Leão que, em 1912, passa a denominar-se Germânia e, em 1916, Portugália (já nas instalações da Almirante Reis). Em 1921, após a construção de uma malteria destinada à produção de malte a partir de cevadas nacionais, adopta o nome de Companhia Produtora de Malte e Cerveja Portugália, com capital social de 3 500 contos. Em 1922, a própria Portugália decide a criação da Empresa Produtora de Garrafas, preconizando já o tipo de política que mais adiante encontraremos.

A CUFP vai, entretanto, reorganizando o seu funcionamento, nomeadamente através do encerramento de algumas fábricas, como a da Ponte da Barca e sobretudo com a incorporação de técnicos alemães na empresa. Já no regime republicano, a Fábrica da Piedade e a Fábrica do Leão acordam a repartição do capital social, passando a CUFP a possuir duas fábricas em regime de concorrência, ainda que a última estivesse destinada a produzir para Marrocos. Por esta altura, os lucros com a exportação para as colónias representavam cerca de 20 865$00.

Em 1919, forma-se a Sociedade de Cervejas (capital social de 100 contos), sucedida posteriormente pela Companhia de Cervejas Estrela (capital social de 720 contos). A fabricação de cerveja fica a cargo de um anterior técnico da Portugália, Richard Eisen. Em 1923, a Companhia de Cervejas Estrela coloca na rua, de forma inédita, os novos carros de distribuição que são puxados por três muares16.

No campo social, realça-se a admissão da mão-de-obra feminina no rescaldo da I Guerra Mundial, em 1920, embora ainda a título experimental, num contexto de expansão da CUFP, que acabará por entrar em concorrência na zona norte do país com o sector cervejeiro de Lisboa a partir de 1926. Noutro âmbito, esta data marca a distinção internacional da indústria cervejeira, pela vitória do Grand Prix, e a conquista de três medalhas de ouro. Segue-se, em 1927, o lançamento da Super Bock. Finalmente, em Março de 1922, é formada a Companhia de Cervejas de Coimbra (capital social de 300

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contos), na avenida Navarro, que inicia a laboração dois anos mais tarde. Contabilizam-se as Contabilizam-seguintes unidades fabris no ano de 1925:

i. Companhia Produtora de Malte e Cerveja Portugália ii. Companhia de Cervejas Estrela

iii. Fábrica de Cervejas Trindade iv. Fábrica de Cerveja Jansen

v. Companhia de Cervejas de Coimbra vi. Companhia União Fabril Portuense

Através de um relatório apresentado ao II Congresso da Indústria Portuguesa em 1957 por Sebastião José de Oliveira – engenheiro da SCC –, ficamos a conhecer as principais dificuldades que o sector enfrentava no início dos anos 30:

“[O] mercado português era demasiado pequeno para tanta fábrica, e baixas as possibilidades de todos os produtores de cerveja para a poderem exportar, tendo-se tornado, por isso, muito forte a concorrência entre eles”, sendo que os clientes aproveitavam-se exigindo descontos sobre descontos sem que o consumidor ganhasse algo. Além do mais, “a diferença entre o preço do custo da cerveja e o da venda ao público era absorvido, quase por completo, pelos intermediários”, daí a necessidade urgente de crédito por parte das empresas17.

Parece, no entanto, que esta afirmação acaba por absorver desde o seu início a explicação dogmática dos benefícios da concentração, ainda para mais veiculada por alguém que representava os interesses da maior e principal produtora de cervejas nacional. Os problemas não se cingiam apenas a questões concorrenciais conjunturais, mas sim a uma questão estrutural mais complexa, explicada também pelo atraso tecnológico das fábricas em questão e da não articulação com sectores agrícolas essenciais à produção, aliada ao problema crónico do mercado nacional e à falta de consumidores (até pela novidade do produto e pela preferência por bebidas vinícolas). A própria depressão económica destes anos agravou a situação, daí que se tivesse estabelecido um convénio, em 1930, para evitar a concorrência desleal, cuja duração foi muito fugaz. Assim, em 1933, as fábricas estavam às portas da falência, com excepção da Portugália que havia realizado uma série de negócios durante a I Guerra Mundial, granjeando-lhe algumas reservas financeiras.

17 II CONGRESSO DA INDÚSTRIA PORTUGUESA. II Congresso da Indústria Portuguesa, Relatórios

(20)

1.2. Da concentração aos anos 50

É a imagem de uma guerra suicida que é necessário ter em conta e que explica, por um lado, a necessidade de concentração empresarial que ocorre a 21 de Junho de 1934, marcando um ponto de viragem no seio do sector cervejeiro português. Da lista de fábricas anteriormente apresentada, só a Companhia União Fabril Portuense recusava este cenário, sendo que todas as outras se associaram na Sociedade Central de Cervejas (onde se impõem os interesses da família Vinhas, detentora da Portugália), apesar de a Fábrica Trindade ser desmantelada e a Jansen cessar o fabrico, encerrando em 1936. No fundo, o tipo de funcionamento é um modelo aperfeiçoado das várias tentativas de convénios que haviam sido testadas e que assentavam na divisão regional do mercado e fixação de preços, numa espécie de regime cartelizado ou até monopolista.

O primeiro Conselho de Administração da Sociedade Central de Cervejas é eleito em Julho do mesmo ano, com a seguinte composição: António Marques de Freitas (Portugália), Camilo Infante de la Cerda (Jansen), Cândido Sotto Mayor (Coimbra), Estolano Dias Ribeiro, José Maria Dias Ferrão e M. H. de Carvalho Ltd.ª (Estrela). O capital inicial perfilhava os 100 000 escudos, divido do seguinte modo: Portugália e Estrela com 40,9%, Jansen com 10,2% e Coimbra com 8%18.

O mesmo Sebastião José de Oliveira, seguindo a lógica do seu discurso, vangloria o tipo de concentração efectuado, por ter sido consumado livremente e sem a intervenção do Estado, “numa época em que poucas pessoas consideravam necessário o condicionamento da indústria e muito menos a concentração”19. De facto, o grau de concentração na indústria transformadora no final da década de 30 era insignificante, constituindo o sector cervejeiro uma das excepções – juntamente com as indústrias de base e tabacos, que por sinal registavam os valores de formação bruta de capital fixo mais elevados –, servindo, inclusive, como exemplo a seguir para futuras concentrações industriais (cf. tabelas seguintes).

Grau de concentração da indústria cervejeira (1937-1939)

N.º de fábricas N.º de operários N.º de operários por fábrica

Valor do equipamento industrial (1938; 103 escudos)

5 707 141 7 000

18 MARTINS, Américo. Central de Cervejas: 50 Anos de actividade. Lisboa: Central de Cervejas, 1985,

p 27.

19 II CONGRESSO DA INDÚSTRIA PORTUGUESA, II Congresso da Indústria Portuguesa, Relatórios

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Grau de concentração da indústria transformadora (1937-1939) Grupos segundo o n.º de operários por

fábrica N.º de fábricas Percentagem do n.º de fábricas no total Mais de 400 6 0,14 De 200 a 399 28 0,65 De 100 a 199 598 13,86 De 50 a 99 156 3,62 De 20 a 49 1 299 30,11 De 10 a 19 1.599 37,07 Menos de 10 628 14,56 Totais 4 314 100

Nota: Tabelas adaptadas de ROLLO, Maria Fernanda. “A indústria nacional”, in História de Portugal: o Estado Novo

(1926-1974), ed. José Mattoso, vol. 7, 8 vols. Lisboa: Estampa, 1998

Curiosamente, a indústria da cerveja, à semelhança de outros sectores que caminhavam na direcção da monopolização industrial, não tinham, de todo, a chancela de organismos corporativos, sendo justificado, de acordo com Fernanda Rollo, pelo facto de a organização corporativa apresentar-se como um “instrumento fundamental para a cartelização da «infantaria empresarial»”20, onde o Estado teria urgência de tratar dos vários conflitos nas indústrias menos concentradas.

As informações sobre o sector cervejeiro nesta fase inicial são ainda muito escassas, tal como a existência de dados estatísticos. Ainda assim, no tocante à produção é possível observar os números relativos aos anos de 1932-1934 e de 1938, percebendo, desde logo, a natureza incipiente da produção no início da década e a grande alteração que o ano de 1938 nos dá a conhecer.

Ano Produção continental (litros)

1932 203 957 1933 184 800 1934 176 402 1938 6 528 381

Nota: Tabela construída com base nos dados da Indústria Portuguesa (n.º 85, VIII, Março de 1935, p. 60; n.º 143, XIII, Janeiro de 1940, pp. 51-53) A Lei n.º 1956 do Condicionamento Industrial, de 1937, veio reforçar a política de concentração e a limitação da concorrência, pela capacidade do poder estatal autorizar ou recusar a implantação de novas indústrias e a introdução ou substituição de maquinaria, fazendo notar a corporatização como produto do Estado. Não negligenciando as suas lógicas diferenciadas, nos sectores industriais com maior grau de

20 ROLLO, Maria Fernanda. “A Indústria Nacional,” in História de Portugal: o Estado Novo

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concentração, a política de condicionamento industrial constituiu, segundo Fernanda Rollo, “um estímulo real à implementação ou defesa da concentração”21. O grau de consensualidade é geral neste período, apenas surgindo uma ou outra voz de fundo, que se insurge em algumas matérias. A validação destes argumentos é perfeitamente justificada pela análise do condicionamento industrial na indústria cervejeira portuguesa, seguindo de perto a evolução que Brandão de Brito propõe22. Assim, para o final do decénio de 30, surge apenas um pedido de instalação, prontamente recusado pela Direcção-Geral da Indústria:

Ano Empresa Motivo Informações Boletim

1937-1938

António Vahia de Castro (representante de grupo financeiro)

Pedido de instalação

Fabrica de cerveja e

refrigerantes 15-09-1937 Portugália, Estrela, Coimbra, Jansen e

CUFP Reclamação

Contra António

Vahia de Castro 20-10-1937 António Vahia de Castro (representante

de grupo financeiro) Despacho ministerial Indeferido 29-06-1938 Portugália Despacho ministerial Deferido (laboração na Almirante Reis) 29-06-1938

Nota: tabela construída com base nos dados do Boletim da Direcção-Geral da Indústria Contudo, a luta pelo mercado interno continuou entre a Sociedade Central de Cervejas e a Companhia União Fabril Portuense, a primeira situada a Norte e a segunda no Centro e Sul do país, não impedindo, porém, que estabelecessem um acordo comercial sobre os preços e condições de venda, bem como o regime de permuta de informações técnicas.

1.2.1. A II Guerra Mundial, a abertura de mercados externos e o problema da cevada

A II Guerra Mundial veio pôr a nu as dificuldades que se faziam sentir na indústria nacional, e o sector cervejeiro não escapou. Por outro lado, abriu um novo horizonte aos industriais do sector no que diz respeito às novas possibilidades de exportação. A Guerra obrigou a indústria da cerveja a recorrer a sucedâneos, como a farinha de pau, trinca e o mosto de vinho, que exigiam vários tratamentos correctivos, sendo para esse efeito criada a marca Nevália, com o intuito de proteger as outras

21 Ibid.

22 BRITO, José Maria Brandão de BRITO. Industrialização portuguesa no pós-guerra (1948-1965): o

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marcas relativamente à fraca qualidade das matérias-primas. Os efeitos da guerra foram também visíveis na indústria vidreira nacional, arrastando consigo o sector das cervejas, dada a sua ligação. No campo legislativo promulgaram-se, durante o período, despachos que autorizaram a exportação temporária de garrafas de vidro normais acondicionando cerveja (D. L. n.º 31.983, de 4-1942; n.º 32.601, de 30-12-1942; n.º 33.449, de 27-12-1943, n.º 33.740, de 28.06.1944; n.º 34.341, de 28-12-1944). As cevadas nacionais, quando usadas, eram irregulares e de má qualidade e a importação das mesmas sofreu restrições muito fortes durante o período balizado pela guerra, como comprova o estudo de alguns documentos da época. É o que nos mostra uma carta enviada pela direcção da Associação Industrial Portuguesa ao ministro das Finanças, após a análise de um pedido da Portugália:

“Carece aquela Empresa para a laboração da sua fábrica, de cerca de 1.000 toneladas de malte que habitualmente importava da Checoslováquia e da Dinamarca, em períodos normais (...). Dadas as dificuldades presentes em consequência do estado de guerra na Europa, contava aquela empresa, no corrente ano, proceder à maltagem na sua fábrica, de cerca de 1.000 toneladas de cevada nacional. Acontece, porém, que chegada agora a época das colheitas se verifica que a produção de cevada no país foi insignificante, não chegando sequer para as necessidades mais urgentes da lavoura e da pecuária (...).

“[Solicitou a interferência da AIP junto do Governo] no sentido de vir a ser permitida em face das circunstâncias apontadas, e ter de adquirir aquele produto em países muito distantes, o que muito o onera, em virtude do agravamento dos preços dos fretes marítimos e seguros de guerra, visto não poder importá-lo de onde habitualmente o fazia – a sua importação isenta de direito ou, na impossibilidade de ser obtida essa concessão, apenas com a aplicação de um simples direito estatístico mínimo”. 23

Esta carta remete ainda para um velho problema da indústria cervejeira – a produção nacional de cevada –, problema este que começa já a ser pensado nesta época, mas cujos avanços só se darão após o término da guerra e, de forma mais vincada, na década de 60. Já em 1936, os representantes das fábricas de cervejas tinham refutado as alegações de uma comissão de agricultores que exigia a adopção de medidas que obrigassem a indústria da cerveja a consumir cevada nacional, justificando a rejeição pelo simples facto de que a qualidade das cevadas nacionais era muito baixa devido ao excesso de matérias azotadas e que, consequentemente, a importação de maltes

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estrangeiros era necessária, apesar de economicamente ser menos rentável. Fazia-se referência à necessidade de estudo do clima, do terreno e de outros factores para a produção de cevada de boa qualidade para a indústria cervejeira, mas eram apenas ideias não materializadas24.

Quanto à produção de cerveja, ela quase triplicou desde 1938 a 1945, passando de 6 500 000 litros em 1938 para cerca de 15 milhões, em 1945, consequência natural da exportação durante o período de guerra. Os destinos das exportações variavam geograficamente, mas tinham como ponto convergente as zonas onde se encontravam operações militares. Surge, deste modo, Gibraltar, onde a frota inglesa se abastecia, Marrocos, pela importância das suas bases e, claro está, as colónias portuguesas. Os valores detalhados da exportação da Sociedade Central de Cervejas para este período podem ser observados na tabela 1 do anexo A. Salienta-se, por mera curiosidade, que a Sociedade Central de Cervejas criou uma marca especial – Victory – cujo destino era Gibraltar.

Os números recolhidos sobre as vendas da cerveja para o continente e para o exterior (ver tabela 2, anexo A) permitem comprovar a novidade dos mercados estrangeiros e o impacto nas estratégias das empresas mas, ao mesmo tempo, deixam transparecer a ideia de que esta ilusão assentava em bases muito volúveis e pouco estruturadas. O próprio Araújo Correia, entre 1946 e 1949, em artigos publicados na

Revista do Centro de Estudos Económicos, afirma que a produção de cerveja iria

certamente diminuir, ora pela falta de mercados importadores de cevada, ora pelo desaparecimento dos mercados exportadores, regressando “à proximidade dos números antigos”25. A verdade é que, até ao final da década, a produção e a exportação vão

crescendo a um ritmo constante, notando-se, no entanto, em 1949 uma descida de ambos os níveis. O início dos anos 50 reflecte aquilo que Araújo Correia vinha anunciando, mas a situação não permaneceu assim durante muito tempo, como teremos oportunidade de ver. Uma análise para o período de 1943-1952 indica-nos mais claramente a realidade que os números anteriores trouxeram, concluindo-se que o valor absoluto da exportação cervejeira portuguesa é insignificante comparativamente ao consumo nacional:

24 cf. Indústria Portuguesa, n.º 98, IX, Abril de 1936, p. 26.

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Vendas anos 1943-1952 Continente Exportação Total

127 920 705 8 070 528 135 991 233

Nota: tabela construída com base nos dados de MARTINS, Américo. Central de Cervejas: 50 anos de actividades. Lisboa: Central de Cervejas, 1985 Outro dos pontos centrais é o fosso que divide o volume de produção da Sociedade Central de Cervejas e a Companhia União Fabril Portuense, com a primeira a produzir cerca de quatro vezes mais do que a segunda. O poder hegemónico da Sociedade Central de Cervejas aglutina praticamente todos os interesses da indústria cervejeira nacional, dominando o mercado interno.

Assinala-se, para concluir, o início da presença da indústria cervejeira em África, em 1947, através da criação da Companhia União de Cervejas de Angola (Cuca), fruto da parceria entre a Sociedade Central de Cervejas e a Companhia União Fabril Portuense, que surge como resultado da compra de 51% de capital da CUFP pela SCC. A partir desta data, a empresa sedeada no Porto dá início a um novo ciclo de expansão, com a entrada do engenheiro João Talone (que criará, mais tarde, uma equipa de projectos de novas instalações em Portugal e nas colónias), nomeadamente com o plano de renovação tecnológica iniciado nos anos 50.

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1.3. Reapetrechamento sectorial, actualização técnica e expansão dos

anos 50

Entramos em 1950 e uma das grandes preocupações do sector cervejeiro era a defesa do condicionamento industrial contra qualquer possível entrada no ramo. É interessante observar o comportamento dos vários actores neste complexo processo e a forma como foi evoluindo ao longo dos anos, nomeadamente através da pressão constante e do desmontar de argumentos daqueles que pretendiam instalar novas unidades fabris de produção de cerveja. Através da tabela 1 do anexo B torna-se perceptível esta evolução. Importa, para que a análise seja coerente com o contexto do Estado Novo, definir dois grandes marcos temporais: um primeiro que decorre desde 1937 a 1956, marcado pela rejeição de qualquer nova fábrica; o segundo período inicia-se, simbolicamente, em 1956, data da autorização concedida a José Joaquim Gonçalves de Oliveira para a construção de uma fábrica de cerveja, refrigerantes e gelo no distrito do Porto.

De 1937 a 1956 dão entrada na Direcção-Geral da Indústria/Serviços Industriais um total de 22 pedidos de instalação de fábricas de cerveja (com ou sem variante de refrigerantes e gelo). Todos obtêm a mesma resposta por parte das autoridades oficiais: “negada autorização...”. Pelo contrário, os pedidos das empresas já existentes recebem, na sua maioria, despachos favoráveis, ainda que incidam essencialmente sobre introdução ou substituição de maquinaria. Porém, o processo não se fica por aqui, uma vez que os argumentos utilizados pelas várias empresas a laborar merecem um tratamento especial neste campo, pois reflectem as ambições, as pressões existentes e a estratégia, que, por vezes, é concertada em várias frentes (interempresarial e até com o próprio Estado). Destaco, de seguida, as principais conclusões:

i. “Capacidade de produção existente é suficiente para as necessidades de consumo nacional e para a exportação;

ii. Esforço de investimento/reapetrechamento exigido ao sector não deve ser perturbado pela concorrência indisciplinada e ambiciosa;

iii. Características de indústria supercapitalizada, com unidades a mais e dimensões desproporcionadas para a capacidade de consumo;

iv. Inexistência de monopólio no sector; v. Sazonalidade do consumo;

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vi. Variação climatérica”26.

Existem, decerto, outros argumentos, mais específicos, designadamente os que surgiram por reacção aos pedidos de instalações no final da guerra, com a justificação da abundância do mercado externo. A estes, por exemplo, a CUFP afirmava que tais mercados não “oferecem possibilidades de futuro por serem destituídos de condições de estabilidade” e porque em situação de normalidade económica não iriam “querer mais a cerveja portuguesa”27.

Relativamente à modernização tecnológica, os anos 50 significaram o início da mudança de paradigma neste sector, com o lançamento de planos de reapetrechamento – resposta final à notificação que o governo havia dado em 1948 no sentido da indústria se “equipar para o fabrico de todo o malte que ela necessitasse”28 – que, no caso, da

Sociedade Central de Cervejas atingiram os 100 000 contos (ver tabela 1 do anexo C), alterando profundamente o panorama das instalações industriais no ramo da cerveja, com grande destaque para a malteria da Portugália. Na SCC coloca-se como objectivo a renovação da fábrica Estrela, a criação de uma nova fábrica em Coimbra (1959), na zona de Loreto, e uma nova fábrica da Portugália para a produção de malte e outra para cerveja, realizada por fases, entre 1954-1959. Considerada umas das mais modernas instalações de maltagem da Europa, a malteria da Portugália, obra de técnicos portugueses liderados pelo engenheiro Sebastião de Oliveira e com a colaboração do subsecretário de Estado da Agricultura, Vitória Pires, ficou com uma capacidade de produção suficiente para satisfazer “todas as necessidades impostas pelo desenvolvimento industrial da cerveja”, ainda que na dependência daquilo que a lavoura nacional conseguisse produzir29. Este último ponto será fruto de uma abordagem

pormenorizada mais adiante por se tratar de um assunto essencial na construção desta

26 INDÚSTRIA CONTINENTAL DE CERVEJA, Memorial: 1953. Lisboa: Bertrand, 1953; SCC,

Condicionamento Industrial: oposição da Sociedade Central de Cervejas S.A.R.L... ao pedido de Manuel António Flor Alves da Silva e outros para a instalação de uma nova Fábrica de Cervejas. Lisboa: s.n,

1966; PELÁGIO, Humberto José Pereira, Vinculação e discricionariedade no exercício dos poderes de

condicionamento industrial: a propósito do despacho de autorização de uma nova fábrica de cerveja.

Lisboa: s.n, 1958; SCC, Condicionamento industrial: oposição da Sociedade Central de Cervejas... ao

pedido da Companhia de Cervejas e Refrigerantes Mac-Mahon para a instalação de uma nova Fábrica de Cerveja. Lisboa: s.n, 1967; SCC. Condicionamento industrial: oposição da Sociedade Central de Cervejas… ao pedido da Empresas Garrafeiras para a instalação de uma nova Fábrica de Cerveja.

Lisboa: s.n, 1966.

27 CUFP. Da Indústria nacional de cerveja. Reclamações apresentadas pela Companhia União Fabril

Portuense. Porto: s.n, 1946.

28 Cerveja, n.º 3, II, Março de 1956.

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nova estratégia industrial, assente na nacionalização da cerveja portuguesa e na política de substituição de importações. Fica no ar a frase que, lançada na inauguração da malteria da Portugália, espelhava o novo olhar sobre a indústria e sobre o papel da tecnologia e da modernização:

“a clássica letargia nacional foi forçada a dobrar a cerviz; ou, por outras palavras, a ceder perante uma vontade que ignora o desfalecimento e a tibieza de ânimo”30.

Mudou-se o paradigma, porque também se alteraram algumas coisas ao nível dos mercados tradicionais, como era o caso das colónias. Uma nova unidade fabril começa a ser montada em Luanda no ano de 1951 e já existiam outras fábricas em Lourenço Marques, locais onde a concorrência das marcas estrangeiras começava a fortalecer-se. Resulta daqui uma das principais críticas dos industrias (papel relevante de Humberto Pelágio, presidente do Conselho de Administração da SCC), que consideravam que a indústria cervejeira nacional não possuía protecção suficiente por forma a defender-se contra a concorrência externa nos mercados ultramarinos31.

Por outro lado, paralelamente à renovação das instalações e do equipamento, empreendeu-se um forte incentivo à formação técnica e ao recrutamento de técnicos cervejeiros qualificados (ver tabela de mestres cervejeiros, n.º 2, do anexo C), promovendo-se o estágio de especialistas portugueses em universidades estrangeiras, como a de Lovaina, a École de Brasserie de Nancy e a Versuchts und Lehrenstalt für Brauereu (Berlim). A lista de todos os técnicos portugueses que frequentaram estes cursos encontra-se ordenada cronologicamente na tabela 3 (anexo C). Assiste-se, consequentemente, à modificação da estruturação das empresas no sentido da intensificação em capital e redução da mão-de-obra.

Iniciou-se, em 1954, o primeiro Curso de Tiradores de Cerveja, sucessor da Escola de Tiradores de Cerveja da SCC (1951), dirigido pelo engenheiro António Alberto Martins da Fonseca, que se ampliou a todo o país (cf. tabela 4, anexo C); criaram-se circulares informativas; formou-se a Equipa Técnica Externa, composta por duas unidades automóveis que visitavam diariamente os estabelecimentos de Lisboa, realizando ainda deslocações periódicas à Província para fazer a revisão e a afinação da aparelhagem e prestar ensinamentos básicos; organizou-se a primeira reunião de agentes

30 Cerveja, n.º 3, II, Março de 1956, p. 2.

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e sub-agentes da SCC, em Junho de 1955, estrutura fundamental, mas também motivo de algumas confrontações com a própria companhia; por último, saiu o boletim/jornal da Sociedade Central de Cervejas, que se destinava aos agentes, sub-agentes e revendedores da mesma, órgão essencial e um dos muitos meios de propaganda que se intensificaram na altura32. Já em 1956, a Sociedade Central de Cervejas organizou o I

Congresso da Cerveja, realizado entre 14 a 21 de Maio no salão nobre da Câmara do Comércio – Associação Comercial de Lisboa, contando com a presença de 310 congressistas e assistentes, com o objectivo de discutir formas de aumentar o consumo de cerveja.

1.3.1. A indústria cervejeira e a lavoura nacional

A questão da inovação, ciência e tecnologia é uma das pedras angulares deste arranque, da renovação da indústria de maltagem de cevadas, com o principal objectivo de criar em Portugal a espécie de cereal própria para o consumo de cerveja, à imagem do que já acontecia noutros países, numa óptica de colaboração com os Serviços Oficiais do Estado (Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas do Ministério da Economia, Federação Nacional do Trigo e Comissão de Cevadas, nomeada oficiosamente), destacando-se o papel de Vitória Pires com o programa de valorização da cultura cerealífera. Esta ideia não era nova, remontava, aliás, a 1944/45, aos trabalhos de melhoramentos de cevadas realizados pelos engenheiros agrónomos Domingos Rosado Vitória Pires e Luís Aníbal Valente Almeida, na Revista Agronómica. Começava a ganhar terreno a concepção de que a subida do consumo só poderia ser conseguida através da melhoria da qualidade dos produtos.

Na prática, com o apoio do Comité de Cevadas da European Brewery Convention (Barley Committee), foram criados campos experimentais pelo país, onde eram testadas várias qualidades de sementes de acordo com a terra e o clima. Para tal, foi contratado um técnico de renome, Pierre Bergal, pioneiro do mesmo projecto em França. Os resultados dos testes permitiram recolher informações sobre as zonas com as características mais indicadas, bem como o tipo de semente dística ideal para a produção de cerveja, regulamentando-se a sua produção, com o controlo dos Serviços Oficiais (D. L. n.º 38.153) e com a estreita colaboração, material e financeira, da

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Sociedade Central de Cervejas33. Em 1961 existiam as seguintes infra-estruturas e

brigadas:

Campos de ensaio permanentes Brigadas Técnicas Agrícolas

Elvas – Estação de Melhoramento de Plantas Brigada de Santarém – 2 campos Tapada da Ajuda – Estação de Ensaio de Sementes Brigadas de Elvas – 2 campos Vila Franca de Xira – Sociedade Central de Cervejas Brigada de Évora – 1 campo

Brigada de Beja – 3 campos

Os excelentes desenvolvimentos nesta área acabaram por se traduzir em resultados concretos e satisfatórios: obtenção de prémios internacionais – da European Brewery Convention – nas cevadas portuguesas ensaiadas Aurore e Beka em 1957, 1958 e em 1960. Outra das amostras com bom resultado foi a Lima Monteiro34. O

aumento da qualidade reflectiu-se, igualmente no aumento da produção, da superfície cultivada e no aumento do número de produtores35, contribuindo para a obtenção da primeira classificação da cerveja Sagres na classe de cervejas Dortmund no Concurso Internacional de Gand, em 16 de Maio 1958. No entanto, este investimento vem tarde para a indústria cervejeira colonial que, em 1961, não laborava com qualquer tipo de malte nacional, contrariamente à situação de quase auto-suficiência na produção da metrópole.

No que diz respeito à produção de lúpulo, foi criado um plano semelhante ao das cevadas, mas apenas na década de 60, sob o impulso da Sociedade Central de Cervejas, que constituiu, para estes efeitos, a Lupulex.

1.3.2. O potencial produtivo vs. consumo

Com a melhoria das instalações, agudiza-se nestes anos a questão da relação entre o potencial produtivo da indústria cervejeira e o consumo no mercado continental, bem como as potencialidades de exportação. É claro para este período, como também pode ser para outras fases, que esta indústria possui uma capacidade de produção muito superior ao que são os dados do consumo, chegando a ser cerca de três vezes mais.

33 Relatório da Direcção e das Secções da AIP, 1958, p. 165.

34 BANCO NACIONAL ULTRAMARINO. “Da indústria cervejeira em Portugal,” Boletim trimestral

dos Serviços de Estudos Económicos do B.N.U, 31 de Dezembro de 1961.

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Numa perspectiva comparada, com base na produção mundial e no consumo, os números indicam-nos que o consumo anual per capita é muito mais reduzido em Portugal do que na maioria dos países da Europa, com a excepção da Grécia (ver tabela 3, anexo A). O mesmo panorama pode ser observado na produção, dado o valor absoluto reduzido da produção portuguesa em termos comparativos, apesar de aqui a produção metropolitana ter aumentado 160,3% entre 1951-1959, enquanto a produção mundial aumentou cerca de 28,8%36. Neste cenário, há que colocar, para contrabalançar, os dados sobre o consumo de vinho, que, contrariamente aos da cerveja, só são batidos por países como a França e a Itália. A capitação portuguesa de cerveja seria, no final da década de 50, de 3,51, de acordo com Humberto Pelágio37, mas mantinha-se a mais baixa do mundo.

A partir de dados recolhidos no boletim Cerveja, da SCC, foi possível construir uma tabela com os dados relativos à capitação de consumo de cerveja em Portugal, por distritos, para o ano de 1955, apesar da inexistência de informação para algumas regiões:

Capitação de cerveja por distritos em 1955

Distrito Habitantes Capitação de consumo de cerveja

Beja 278 215 1,172 Portalegre 189 044 1,156 Setúbal 260 328 3,3 Faro 284 993 1,744 Leiria 358 015 1,682 Santarém 421 450 2,583 Porto

2 194 603 0,577 (p/ cervejas do Sul e Centro) 1,065 (p/ cervejas da concorrência) Braga Viana do Castelo Vila Real Bragança Viseu 441 579 - Guarda 295 664 - Castelo branco - - Aveiro 433 395 0,656 Coimbra 415 827 1,729

Fonte: SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS. Cerveja. Ano I, n.º 1, 31 de Outubro de 1955

36 Ibid.

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Este quadro torna evidente as assimetrias existentes e os números fornecem uma visão realista das dificuldades de penetração em algumas regiões. Ao mesmo tempo, com base neles, a Sociedade Central de Cervejas iniciou um processo de expansão para o Norte do país, através de um trabalho muito forte com os seus agentes e sub-agentes, reorganizando a distribuição comercial e estabelecendo acordos com a CP e outras transportadoras para baixar o custo e expandir o produto para locais mais distantes. Uma das realidades que poderia vir a ser importante para o aumento do consumo era a questão do preço da cerveja, que permanecia inalterável desde 1947.

No II Congresso da Indústria Portuguesa foi apresentada uma tabela sobre a indústria portuguesa, fruto do trabalho de Francisco Pereira de Moura. Para o sector cervejeiro, mostra-nos o seguinte quadro, que elucida sinteticamente o que aqui foi anteriormente exposto (talvez com base nos números de 1954):

Número de unidades 4 Número de operários 739

Capacidade produtiva em 300 dias de 24 horas 33 420 000 1

Consumo 18 361 000 1

Relação entre capacidade produtiva e consumo 1,8 Percentagem de maquinismo antiquado 25

Fonte: II CONGRESSO DA INDÚSTRIA PORTUGUESA. Comunicação 1 a 74. Volume 1. Lisboa: s.n, 1957 Dados com base previsível no ano de 1954

1.3.3. Industrialização ou surto industrial. O II Congresso da Indústria Portuguesa e o sector cervejeiro em equação

É de fulcral importância ligar estas últimas alterações no sector cervejeiro com a realidade industrial portuguesa e com as acções políticas que foram adoptadas, desde logo com o surgimento do planeamento económico, através dos planos de fomento, e com a necessidade de uma estruturação industrial mais séria e mais profunda, que alguns sectores da sociedade vinham proclamando há algum tempo, mas que o regime havia negligenciado na sua ânsia gritante de assegurar estabilidade em pontos-chave da área financeira, mas sobretudo no campo social (veja-se a estratégia do I Plano de Fomento e a aposta em sectores-motores, mas a imprudência para com algumas condições a montante). O sector cervejeiro absorvia todos estes “vícios”. Veja-se: preparava a modernização das infra-estruturas e dos equipamentos, mas a origem de tais máquinas era estrangeira, dada a inexistência de uma indústria de bens de equipamentos em Portugal. De certa forma, podemos concluir que, pela análise efectuada, a indústria

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cervejeira assume-se como um sector que, em certo sentido, vai remando contra algumas marés, chamando a si o processo de inovação e modernização tecnológica, ainda que sem os pressupostos necessários à competitividade internacional. Mas, não seriam já os reflexos das novidades de cooperação europeia a ditar algumas das posições?

É no II Congresso da Indústria Portuguesa e dos Economistas que todas estas questões vão ganhar forma e respostas concretas e coerentes, aparecendo em cima da mesa, pelo próprio Marcello Caetano, a questão da integração europeia, a preocupação com a competitividade internacional e o papel da iniciativa privada. Uma série de conclusões vai depois ganhar corpo na economia e na sociedade portuguesa, com especial relevância no II Plano de Fomento (industrialização e reorganização industrial), se bem que a sua forma não constituísse ainda o projecto mais elaborado relativamente à indústria, vendo-se ultrapassado pelos acontecimentos na cena internacional e pela adesão de Portugal à EFTA, colocando um ponto final, uma ruptura, não total, dos comportamentos e práticas que subsistiam do passado.

Os dois primeiros planos de fomento nada indicam quanto à situação do sector cervejeiro, negligenciando por completo uma indústria que estava numa fase importante de modernização. Existe apenas uma pequena menção – num relatório preparatório do II Plano de Fomento para as indústrias transformadoras – à relação entre a capacidade produtiva e o consumo que é bastante baixa – 1,838. Nesta posição de falta de informação não se encontra apenas a indústria da cerveja, mas todo o sector das bebidas, não esquecendo, naturalmente, a pouca informação estatística existente, que segue os traços daquilo que foi desenhado por altura do II Congresso da Indústria, cujo papel de Pereira de Moura foi fundamental, como arauto da reorganização industrial, da interdependência industrial e do efeito motor sobre as regiões39.

Após a autorização concedida, em 1956, para a instalação de uma fábrica de cerveja no Porto, vão surgindo as primeiras grandes críticas ao condicionamento industrial, expressas de forma vincada no II Congresso da Indústria, mais precisamente na sessão 32, sobre a indústria de cerveja, presidida por Manuel Vinhas.

38 PRESIDÊNCIA DO CONSELHO. INSPECÇÃO SUPERIOR DO PLANO DE FOMENTO, Relatório

final preparatório do II Plano de Fomento. III) Pesca IV) Minas. V) Indústrias transformadoras. VI) Electricidade. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1958.

39 c.f Estrutura da Economia Portuguesa, 1954; Estudo sobre a Indústria Portuguesa, 1957;

Imagem

Tabela 1: Exportação da Sociedade Central de Cervejas entre 1943-1959:
Tabela 2: Vendas da indústria cervejeira portuguesa (1943-1952):
Tabela 4: Produção da indústria cervejeira portuguesa:
Tabela 1: Condicionamento industrial – indústria cervejeira
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Referências

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