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3. As nacionalizações

3.2. As fases das nacionalizações

3.2.2. Março de 1975

A partir de 11 de Março, com a radicalização da situação, a orientação económica vai assentar na reforma agrária e na intervenção sistemática do Estado nas empresas, consubstanciada numa aparente política de nacionalizações. As ocupações de empresas que se acentuam logo a partir de 12 de Março fazem acelerar a tomada de decisão, sob a batuta do recente Conselho Superior da Revolução.

Na reunião do Conselho da Revolução de 13 de Março, começou logo a discussão das grandes opções da política económica portuguesa. No que toca às nacionalizações, José da Silva Lopes (ministro das Finanças), Jacinto Nunes (Governador do Banco de Portugal) e Medina Carreira tinham preparado um projecto pseudo-revolucionário126 para a banca, que deveria ser apresentado na reunião. O plano

previa a intervenção temporária, com duração de seis meses, através da substituição das administrações por administradores nomeados pelo Estado127. Os autores do documento

referem que se tratava de uma “intervenção de emergência do Estado na banca, por forma a evitar a fuga de capitais em massa. Era uma intervenção temporária, que retirava a gestão aos accionistas privados”, mas o projecto não foi aprovado pelo CR128.

E não o foi porque se encontrava irremediavelmente ultrapassado pelos acontecimentos. Já estava em cima da mesa um plano de nacionalização da banca, sem texto de projecto de lei, que parecia agregar os vários elementos, até porque nesse momento era esse o projecto e a luta dos trabalhadores da banca, e evitava o risco de fuga de capitais, pois, como referiu Silva Lopes (segundo palavras de Vasco Lourenço), “ou se nacionalizava

126 Mas que no fundo pretendia apenas a abertura da banca, que havia sido ocupada pelos trabalhadores. 127 Filipe S. FERNANDES e Hermínio SANTOS. Os excomungados de Abril: os empresários na

Revolução. Lisboa: Dom Quixote, 2005, p. 86.

128 GOMES, Adelino e CASTANHEIRA, José Pedro. Os dias loucos do PREC. Lisboa: Expresso-

já ou, daqui a oito dias, arriscávamo-nos nacionalizar apenas as paredes...”129. No

seguimento da nomeação de administradores do Estado para a banca, Silva Lopes apresenta a sua demissão, percebendo que “quem mandava naquilo não era eu, eram os sindicatos”130, ou como referiu Mário Murteira: “nós éramos mais espectadores numa

grande movimentação popular do que actores”131.

Alguns dos nomes que devem ser retidos no âmbito das nacionalizações são: Francisco Pereira de Moura, Mário Murteira, José Joaquim Fragoso (com apoio de Costa Leal e Mário Brandão Ferreira), para além de João Cravinho e João Martins Pereira, “paladinos das nacionalizações”132.

Nesta sequência, no dia 14 de Março, o Conselho da Revolução antecipa-se à decisão dos bancários e promulga o Decreto-Lei n.º 132-A/75133, que estabelece a

nacionalização das instituições de crédito – “mais de vinte milhões de contos em carteira de títulos, mais de cento e sessenta milhões de contos em carteira comercial e mais de duzentos e trinta milhões de contos em depósitos”134 – e, no dia seguinte,

através do Decreto-Lei n.º 135-A/75, são nacionalizadas as companhias de seguros – “trinta e duas companhias, a que correspondem três quartos do mercado, e a parte nacional de oito outras”135. Apenas as pequenas instituições não capitalistas e as de

capital estrangeiro não são abrangidas pelos decretos. Ficam de fora as seguintes instituições de créditos: Crédit Franco-Portugais e os departamentos portugueses do Bank of London & South América e do Banco do Brasil. Já as seguintes companhias de seguros não são nacionalizadas: Europeia, Metrópole, Portugal, Portugal Previdente, A Social, Sociedade Portuguesa de Seguros e O Trabalho. O caso da banca e dos seguros é ainda especial pelo facto de os diplomas nacionalizadores referirem-se a um sistema bancário como um todo, “não identificando, uma a uma, as empresas que se queriam nacionalizar”136.

129 Ibid.

130 FERNANDES, Filipe S. e SANTOS, Hermínio. Os excomungados de Abril: os empresários na

Revolução.Lisboa: Dom Quixote, 2005, p. 86.

131 Ibid, p. 88. 132 Ibid, p. 90.

133 “A lei revolucionárioa jamais promulgada”, segundo Costa Gomes.

134 MARTINS, Maria Belmira e ROSA, José Chaves. O grupo Estado: análise e listagem completa das

sociedades do sector público empresarial. Lisboa: Edições Jornal Expresso, 1979, p. 9.

135 Ibid, p. 9.

136 NUNES, A. J. Avelãs, A garantia das nacionalizações e a delimitação dos sectores público e privado

Não há como entender esta mudança de fundo, se não forem compreendidos os principais elementos que estão presentes nos decretos. Assim, é possível elencar alguns considerandos. Os primeiros dizem respeito à nacionalização da banca137, enquanto o

segundo grupo faz alusão à nacionalização das companhias de seguros138:

! “Necessidade de concretizar uma política económica antimonopolista que sirva as classes trabalhadoras e as camadas mais desfavorecidas;

! Sistema bancário, na sua função privada, se tem caracterizado como um elemento ao serviço dos grandes grupos monopolistas;

! Sistema bancário constitui a alavanca fundamental de comando da economia, e que é por meio dela que se pode dinamizar a actividade económica;

! Recentes acontecimentos de 11 de Março vieram pôr em evidência os perigos que [...] existem se não forem tomadas medidas imediatas no campo de controle efectivo do poder económico;

! [...] Atenção [à] realidade nacional e [à] capacidade demonstrada pelos trabalhadores da banca na fiscalização e controle do respectivo sector de actividade”.

! “Elevado volume de poupança privada retido pelas sociedades de seguros e que tem sido aplicado não em benefício das classes trabalhadoras mas com fins especulativos e em manifesto proveito dos grande grupos económicos;

! Proliferação de sociedades de seguros constituídas, que têm conduzido a uma concorrência desleal;

! Necessidade de proporcionar maior segurança aos capitais confiados às sociedades de seguros;

! As elevadas somas de capital em poder das sociedades de seguros devem ser aplicadas em investimentos com interesse nacional;

! Necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores de seguros na apreciação de situações irregulares no domínio da gestão que já haviam imposto até a intervenção do Estado”.

Com os processos em marcha, são nomeadas, pelo Governo, comissões administrativas para as empresas nacionalizadas e delegados governamentais para as restantes companhias que tinham participação expressiva de capitais estrangeiros, com base nos Decretos-Lei anteriores, especialmente o de 25 de Novembro (660/74).

137 NEVES, Orlando. Textos históricos da revolução. Lisboa: Diabril, 1975, p. 301. 138 Ibid, p. 304.

Os elogios partidários às nacionalizações reproduzem-se em todos os quadrantes políticos, mas já com alguma moderação nos sectores mais à direita. O PS fala numa decisão que, fazendo já parte do seu programa, criava condições para a “construção do socialismo”139; o PCP realça a vitória da “aliança Povo-MFA”140; já o PPD, defendendo

um caminho rumo ao socialismo, coloca algumas reservas, pois “substituir um capitalismo liberal por um capitalismo de Estado não resolve as contradições com que se debate hoje a sociedade portuguesa”141. Enfim, a transição para o socialismo está

definitivamente na ordem do dia.