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4. A nacionalização da indústria cervejeira

4.6. Os processos nas restantes empresas

A investigação permitiu a recolha e o tratamento de informação sobre a evolução de outras empresas cervejeiras em Portugal – Cergal, Imperial, Copeja, Empresa de Cervejas da Madeira – que poderá ser útil ao nível comparativo, com o grande processo da Central de Cervejas (apesar dos materiais disponíveis serem pouco representativos).

A tese de mestrado de Miguel Pérez Suárez240, sobre as comissões de

trabalhadores durante o PREC, traz um sucinto relato dos acontecimentos da Cergal – Cervejas de Portugal, onde o surgimento de uma comissão com tendência de extrema- esquerda anima todo o processo reivindicativo. Logo na sequência do 25 de Abril é organizado um plenário de trabalhadores com participação maciça, sendo eleito um grupo de trabalho com poderes para criar uma Comissão de Trabalhadores (sete elementos). O caderno reivindicativo apresentado reclama a melhoria salarial e a redução do número de horas de trabalho241, sendo acompanhado por um processo voraz

de saneamento dos quadros superiores, marcado fortemente pela prisão do Conde de Caria (Bernardo Mendes de Almeida), em Outubro de 1974, na sequência do 28 de Setembro242. Em Setembro de 1974 a CT cria o órgão de comunicação «A Luta»,

influenciado pela ideologia de extrema-esquerda, anti-imperialista e anti-PCP (Manuel Monteiro, um dos elementos da CT vai ser depois deputado da União Democrática Popular na Assembleia da República). A Comissão de Trabalhadores tomou parte activa na manifestação anti-Nato a 7 de Fevereiro de 1975, chegando a paralisar o trabalho durante a visita dos militares da Nato à fábrica, no dia 10, afirmando que se tratava de uma “provocação”243. O grande celeuma da Cergal prende-se com a questão financeira e

a participação, em moldes complexos, de António Champalimaud e do Banco Pinto & Sotto Mayor, na elevação do capital social aos 250 000 contos nos finais de 1974244. A

questão financeira reveste-se da maior gravidade. Com um passivo superior ao capital

240 SUÁREZ, Miguel Ángel Pérez, Contra a exploração capitalista. Comissões de trabalhadores e luta

operária na revolução portuguesa (1974-1975). Tese de mestrado. Lisboa: FCSH, 2008.

241 Ibid, p. 85.

242 Diário Popular, 04/10/1974, p. 21. 243 Diário Popular, 12/02/1975, p. 19.

244 Champalimaud, apesar do acordo estabelecido sob a forma de sindicato de empresas tomador de

acções – por força de proibições legais, mas que nunca chegou a existir –, em que o Banco seria utilizado apenas como fonte de pagamento, sugere um administrador para a Cergal que se vai auto-representar, ao invés de representar o referido Banco. O que é certo é que após a nacionalização da banca e com a mudança de corpos gerentes, o banco passa a ser confundido com o tal sindicato por parte da Administração e dos trabalhadores da Cergal, que lançam ataques violentos à instituição, ameaçando com uma manifestação em frente à sede do mesmo (clamando pela nomeação de um administrador-delegado do Banco para o Conselho de Administração).

social, a empresa não tinha capacidade para cumprir os compromissos a curto prazo e carecia urgentemente de financiamento, que não vinha sendo facilitado :

“Os salários dos trabalhadores são pagos com o produto das vendas que, se neste momento é suficiente, nos meses de Inverno não chega nem para satisfazer metade das pessoas.

Não se pagou o imposto de Transacções referente a Janeiro; não se pagam fornecedores; não se pagam as contribuições para a Previdência; reforma-se letras por inteiro”245

Relativamente à Imperial – União Cervejeira Portuguesa e à Copeja – Companhia Portuguesa de Cervejas (ligada tecnicamente à Heineken), os dados são muito limitados no que diz respeito ao processo de luta no pós-25 de Abril (ambas iniciam a actividade comercial em 1975, sendo que a primeira produz a cerveja Marina e a segunda coloca no mercado a Clok). 14 de Agosto de 1975 marcou o início da luta dos trabalhadores da fábrica da Imperial, em Loulé, que reivindicavam o pagamento de salários, melhores condições laborais e manifestavam-se contra a existência de trabalho eventual. A evolução da situação económica e financeira da Imperial, entre 1973 e 1977, resumida nos quadros seguintes (em complemento com as tabelas 2 e 3 no anexo I) indica o estado desastroso da empresa logo no primeiro ano de comercialização (a insuficiência do seu capital próprio dificultou o suporte dos elevados encargos financeiros):

1973 1974 1975 1976 1977

Produção em unidades físicas - - - 8 063 964 (Prev) Receitas (exploração e outras, 103 contos)

- - 103 163 192 517 Despesas (103 contos) - - 140 225 251 520 Resultado (103 contos) - - 37 062 -59 003 Subsídios O.G.E. ou outros - - - - Despesas c/ pessoal em % de receitas - - 28,3 40,3 Remuneração média mensal (contos) - - 7,7 9,2 Receita média por trabalhador - - 238,5 364 Despesas c/ Pessoal - - 39 822 77 629 N.º de trabalhadores 85 151 432 529 Remunerações base - - - 58 429 Horas extraordinárias - - - 3 131 Prestações suplementares - - - 2 149

245 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo do Conselho da Revolução, Serviço de Vigilância

Económica e Social, Caixa 6, n.º 122, doc. 119, Cergal, documento manuscrito sobre a situação financeira da Cergal.

1973 1974 1975 1976 1977 Capital - - 75 000 75 000 (Prev) Reservas - - 29 910 20 910 Resultados - - -40 689 -59 003 Situação líquida - - 35 221 36 907 Endividamento total - - 301 285 466 447 Dívidas à Previdência - - - - Dívidas ao Estado - - - - Endividamento externo - - - 29 461 Avales do Estado - - - -

Fonte: Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças, Arquivo/SETF/GSEF/037008/001/0065, Imperial Na Empresa de Cervejas da Madeira, detida parcialmente pela Sociedade Central de Cervejas e por capitais estrangeiros (cf. quadro 2, anexo H), as notícias que indicavam a nacionalização da empresa não caíram bem junto dos trabalhadores. O próprio governador do Distrito do Funchal enviou um telegrama ao ministro do Comércio Interno, a 20 de Agosto, comunicando esse descontentamento246:

“(...) TRABALHADORES EMPRESA CERVEJAS MADEIRA DAR PARTE GRANDE DESCONTENTAMENTO DO PESSOAL RELATIVAMENTE A NACIONALIZACAO DA EMPRESA QUE NAO TINHA PROBLEMAS E EM QUE A PRODUCAO ATINJIU BOM NIVEL STOP GOVERNADOR CIVIL STOP INFORMA QUE ASPECTO NACIONALIZACAO PODE REFORCAR IDEIAS CONTRA CONTINENTE (...)”247.

A guerra no mercado cervejeiro reabriu-se no início de 1975 com a entrada em funcionamento da Copeja e da Imperial, mas era uma guerra com características suicidas para estas novas empresas. Os custos da produção e da distribuição, os investimentos realizados e o domínio total da Central de Cervejas cortavam todos os canais de respiração possíveis, abrindo dois pólos no mercado – um orientado para a expansão lucrativa (com todas as dificuldades e problemas já aqui referenciados), que era liderado pela SCC (em conjunto com a CUFP); e outro seguindo uma estratégia (que não o era enquanto estratégia) de sobrevivência, que só a espaços – por motivos de falha de abastecimento por parte daquelas duas ou por ponta de consumo prolongada –, conseguia utilizar a totalidade da capacidade produtiva instalada.

246 Após a nacionalização o conflito adensa-se, chegando os trabalhadores a pedir a desnacionalização da

mesma.

247 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Caixa 1138 EAD, Processos Colectivos, E8.34,