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4. A nacionalização da indústria cervejeira

4.4. Comissão de Análise e Inquérito

4.4.2. As cervejas na hora da nacionalização Os resultados do inquérito oficial

Os relatórios conclusivos do inquérito levado a cabo pela Comissão de Análise e Inquérito foram entregues no dia 30 de Julho ao Conselho da Revolução e ao Ministério da Indústria e Tecnologia, ainda que já se tivesse informado o Ministério, a 24 de Maio, sobre as principais irregularidades detectadas203. A entrega dos documentos às

Comissões de Trabalhadores deu-se a 06 de Agosto – 2 exemplares a cada comissão. É sob a perspectiva dos resultados apurados que este capítulo incide, procurando demonstrar as razões que estiveram por detrás da nacionalização da indústria cervejeira. O objectivo da Comissão de Análise e Inquérito é explícito quanto ao seu tom ideológico: “levantamento e subsequente desmantelamento das ligações que o desenvolvimento da política de controle da economia nacional mostrou como mais aconselhável”204.

Importa salientar as dificuldades que a Comissão enfrentou na realização dos trabalhos e que residem em dois pontos: (i) composição da comissão; (ii) quantidade e complexidade da documentação. A composição mostrou-se constantemente flutuante, com persistentes entradas e saídas de vogais, para além da dificuldade de encontrar técnicos qualificados e disponíveis. Considera o relatório que mesmo alguns dos elementos mais activos não “puderam dar uma assistência total porquanto permaneceram ligados aos seus locais de trabalho”205. A imensidão de documentação

existente tornou “fisicamente impossível a sua compulsão e análise”206, por culpa da

escassez de meios humanos, mas também pela complexidade das matérias em questão e pela necessidade de uma conclusão rápida. O grupo elaborou 14 sub-relatórios que compõem as várias irregularidades encontradas. Sucintamente, os resultados dos

202 Diário Popular, 19/05/1975, p. 12.

203 Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros, Comissão de Inquérito, Informação da Comissão de

Inquérito relativa à intervenção do Estado no Grupo da Sociedade Central de Cervejas, 24/05/1975.

204 Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de

Cervejas, Nota prévia, p. 3.

205 Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de

Cervejas, Nota prévia, p. 2.

trabalhos organizam-se formalmente na seguinte temática, apesar dos pontos não serem estanques em si mesmos:

1. A SCC e o Grupo SCC 2. Operação Nó

3. Operação Brasil

4. Sub-operação Vita Finance 5. Contrato SCC/Carlsberg 6. Distribuição indevida de

resultados

7. Fusão das Vidreiras

8. Portugália/Estrela 9. Improve 10. Jansen 11. Gastos confidenciais 12. Sobrefacturações Moçambique 13. Sobrefacturações Cuca 14. Transferências de capitais de Angola

A lógica de análise que adoptei segue de perto os pontos acima evocados, ainda que procure acrescentar e comparar com dados do Ministério da Indústria e Tecnologia, trazendo igualmente o eco que os relatórios repercutiram na imprensa escrita207, que

haviam sido cuidadosamente enviados (na versão resumida, em formato de comunicado) pelo Ministério da Comunicação Social para os jornais, como indica o «Comércio do Porto»208. As comissões de delegados sindicais da banca estão atentas aos

resultados da investigação, procurando relacionar o seu trabalhado de fiscalização com estas comissões, como é o caso do BESCL209. As principais conclusões a que o grupo

chegou destacam-se em dez pontos:

i. “Utilização sistemática da SCC como fonte de financiamento de outras empresas, com manifesto prejuízo da SCC;

ii. Empolamento exagerado das remunerações e gastos com os accionistas-administradores; iii. Descapitalização da SCC em proveito próprio de administradores (ou quotistas);

iv. Exportação ilícita de capitais;

v. Abuso de confiança, burla e furto, nomeadamente desvio de participações das empresas do grupo em empresas cervejeiras no Brasil ultrapassando os 150 mil contos;

vi. Irregularidades fiscais e falsas declarações a organismos do Estado; vii. Transacção ilegal de acções;

viii. Elevada dependência da banca;

207 De forma maciça nas duas primeiras semanas do mês de Agosto, sobretudo no Jornal do Comércio, A

Capital, Expresso, O Jornal, República, Jornal Novo e Comércio do Porto. No início de 1976, com o

recrudescimento do debate em torno da nacionalização das distribuidoras, alguns jornais retomam estes assuntos, nomeadamente o Diário de Lisboa e o Gazeta da Semana.

208 Comércio do Porto, 14/08/1975, p. 6.

209 COMISSÕES DE DELEGADOS SINDICAIS DO BANCO ESPÍRITO SANTO E COMERCIAL DE

ix. Má gestão e outros procedimentos gravemente negligentes na condução da actividade empresarial;

x. Desvio de fundos da actividade corrente de algumas empresas”210.

4.4.3. “Um capitalismo bem tirado”211. A Sociedade Central de Cervejas

como cabeça do grupo

Pela análise até agora efectuada, com especial incidência para o capítulo 1.5.2. e para o digrama apresentado, parece redundante uma afirmação como a que intitula esta secção. Mas, vale a pena acrescentar alguns indicadores que elucidam na perfeição a situação financeira do grupo entre 1965 e 1974. A debilidade financeira é uma das principais características do capitalismo português nesse período, e o grupo SCC não foge à regra. De acordo com Soares Bento, são vários os canais pelos quais as empresas eram sugadas da parte da mais-valia produzida: (i) dividendos; (ii) encargos financeiros; (iii) remunerações especiais ao Conselho de Administração212. Veja-se o caso da Central

de Cervejas: os accionistas-administradores absorviam 450 000 contos, dos quais 237 096 sob a forma de dividendos e 216 317 em remunerações213; as participações

financeiras subiram, neste período, de 1 660 para 347 413 contos, sem qualquer entrada de rendimento nesta empresa; o passivo aumentou igualmente de 94 173 para 1 387 473 contos, dos quais 961 815 correspondiam ao passivo a curto prazo. Estes números correspondem a constatações muito simples, mas significativas da estrutura financeira da empresa: mais de 70% dos lucros foram distribuídos – rendimentos ou remunerações (a distribuição de dividendos e de remunerações era das mais elevadas das empresas que entretanto foram nacionalizadas, como se comprova na primeira tabela); autofinanciamento muito reduzido e investimento forte noutros sectores, provocando endividamento elevado (cerca de 165 mil contos de prejuízo); situação financeira perigosa (cf. segunda tabela)214. No anexo I, as tabelas 1, 2 e 3 reflectem a panorâmica

geral do sector segundo os dados que aqui apresentei.

210 Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de

Cervejas, Nota prévia, pp. 4-6.

211 Jornal do Comércio, 06/08/1975, p. 8.

212 BENTO, Soares. “Os prejuízos das empresas nacionalizadas - algumas causas (conclusão)", in

Economia e Socialismo, n.º 12–13, Março de 1977: 70–77.

213 Os dividendos referentes a 1973, no valor de 54.296 contos foram pagos à custa de um empréstimo

externo mediado pelo BESCL, com prejuízo claro para a amortização da dívida à banca.

214 Como muito bem descreve o Jornal do Comércio a 08 de Agosto de 1975, “perder dinheiro significava

Dividendos/Capitais próprios x 100 Tabaco 11% Celulose 6,7% Covina 5,2% Cerveja 4,7% Siderurgia 4,1% CUF 1,6% Cimento 1,0% Adubos 0,4%

Fonte: BENTO, Soares. “Os prejuízos das empresas nacionalizadas - algumas causas (conclusão)", in Economia e

Socialismo, n.º 12–13, Março de 1977: 70–77.

Encargos financeiros/Capital próprio

Siderurgia 12,7% Adubos 8,6% Celulose 8,5% Cerveja 6,8% CUF 1,6% Tabaco 3,5% Cimentos 0,9% Covina 0,6%

Fonte: BENTO, Soares. “Os prejuízos das empresas nacionalizadas - algumas causas (conclusão)", in Economia e

Socialismo, n.º 12–13, Março de 1977: 70–77.

Esta imagem ampliada de uma realidade que parecia perfeita mostra ainda a necessidade de recurso ao crédito para fazer face aos investimentos, aumentando a dependência face à banca nacional e estrangeira, bem como o autêntico sorvedouro que esta empresa constituía para os accionistas, que raramente injectavam capital (excepção no ano de 1973, com a entrada de 150 000 contos). Os capitais próprios são, na sua maioria, resultantes de autofinanciamento – limitado – ou de incorporações, o que capitaliza ainda mais a imagem da Sociedade Central de Cervejas como «banco» do grupo, concedendo créditos e adiantamentos sem juros ou com juros muito reduzidos às empresas associadas e accionistas (na ordem dos 307 000 contos entre 1965-1974 como se extrai da análise da seguinte tabela). Uma das consequências directas desta estratégia reside no aumento crescente das imobilizações (cerca de 680 000 contos em 1974).

“[Os accionistas] partiam do princípio que o desenvolvimento da empresa se poderia basear no auto-financiamento, mas, ao mesmo tempo, esqueciam essa hipótese e absorviam, em dividendos e remunerações, somas muito mais avultadas do que as atribuídas para reservas”215.

Empresas Dívida em 1974 (contos)

Adegas Camilo Alves* 12 500 Companhia Indústria de Cervejas e Refrigerantes da Guiné* 55 784 Companhia União Fabril Portuense 19 619 Companhia de Cervejas Jansen 2 491 Companhia Vidreira de Moçambique 1 139 Empresa Cervejas da Madeira* 7 089 Fábrica de Cervejas e Refrigerantes João de Melo Abreu 4 235 Fábrica de Cervejas Reunidas Moçambique 1 520 Sociedade Águas do Luso* 2 936

Urfil* 13 875

Empresa Águas do Vimeiro 4 443

Lemoc 5 520

Nota: Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de Cervejas, A SCC e o Grupo SCC, p. 12. *SCC com participação directa. É sobre este assunto que transcrevo alguns excertos da Acta n.º 590 de uma reunião do Conselho de Administração realizada em 31 de Janeiro de 1972 e da Acta n.º 606, de 26 de Outubro de 1972 (sobre a posição na Skol Brasil), bem como de uma reunião privada datada de 06 de Março de 1967, com a presença dos homens fortes da empresa, que decidiu a requisição de um pedido de empréstimo ao Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa no valor de 105 milhões de contos. Existia, da parte dos administradores, a clara consciência de que a estratégia empreendida se traduzia na degradação contínua da empresa, como se pode comprovar:

Acta n.º 590

“O Snr. Eng. Moniz Galvão, no uso da palavra diz: [...] o problema que defrontamos [situação financeira da empresa] é muitíssimo grave e pode, mesmo, conduzir ao desaparecimento da Empresa (...). Esse problema já não é de hoje mas já de há muito tempo (...).

Cada um de nós, sejam quais forem os interesses que tem em jogo, deve pensar e dar primazia aos interesses conjuntos (...).

Juntemos os trapinhos para salvar a SCC.”216

215 Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de

Acta n.º 606

“(...) o Snr. Dr. Moreira Rato diz que, talvez sem grande base, sempre se pensou que o problema da SKOL era uma troca de posição que não viria trazer – como em termos monetários globais não traz – encargos financeiros. A verdade é que assim não é, e que a prazo muito curto – questão de dias – se torna necessário encontrar os meios financeiros para pagar mais de 50.000 contos à SIL.”

O Snr. Comandante Matoso: [...] de há muito tempo que nós vimos insistindo nas responsabilidades que a SCC estava a tomar, sem termos feito previamente um planeamento geral.”217

Reunião privada

“continua a movimentar-se ou a gravitar sobre si própria, o que tanto significa dizer, sobre uma estrutura em que os seus sócios se mantêm estáticos no que interessa ao apoio ou auxílio imediato de tesouraria e, no que interessa à rentabilidade anualmente auferida, no que respeita às verbas distribuídas e arrecadadas”.218

Para além de alguns privilégios já aqui referidos, os administradores tinham ainda direito a uma verba anual de 100 contos que substituía a obrigatoriedade de compra de automóvel, enquanto os administradores-adjuntos recebiam 50 contos de crédito anual e uma viatura paga pela empresa.

A principal crítica para o estado da situação da empresa, em 1974, residia na política desproporcionada de aumento de participações financeiras em empresas sem qualquer tipo de rentabilidade. O ano de 1974 marcou, por outro lado, o início da deterioração da situação económica, como se depreende pelo prejuízo de 90 750 contos (cf. tabela 1 do anexo I), ainda que a empresa continuasse em expansão.

4.4.4. “Receita para um monopólio”219. Os meandros das “operações”

Para compreender as irregularidades encontradas neste tipo de esquemas, é necessário extrapolar as questões técnicas específicas para um “nível de crítica política

216 Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de

Cervejas, A SCC e o Grupo SCC, doc. n.º 3 em anexo.

217 Ibid. 218 Ibid.

aos critérios e objectivos postos em prática”220. São, essencialmente, dois os casos que

apresentarei – a Operação Brasil e a Operação Nó – mas que têm características muito semelhantes e entrecruzam dinâmicas e actores com objectivos comuns. Os pressupostos delineadores continuam a inserir-se na dicotomia interesse do grupo vs. interesse da nação, que se resume a outro binómio: financiamento para expansão vs. limitações estruturais do país (dependência económica, burocracia, entrada e saída de divisas, etc.). Só assim se percebem os vários pagamentos no estrangeiro sem autorização oficial das entidades competentes, porque esta seria demorada ou negada, encarecendo o negócio. Estes processos demonstram com bastante nitidez a dinâmica de dois mecanismos fundamentais numa sociedade capitalista: a banca e a lei. A primeira, neste tipo de relações, canaliza o dinheiro e dirige-o de acordo com a estratégia concertada entre os grandes grupos (fornece o caminho para a saída do dinheiro, oferece garantias de crédito externo para as operações ilegais, etc.); a lei é constantemente ultrapassada pela sua complexa interpretação. A Operação Brasil é um caso paradigmático do uso conveniente da lei e da banca por parte dos administradores.

Em 1967, o Grupo Cervejeiro Português (GP ou SCC) tomou posição no capital de duas empresas cervejeiras brasileiras – Cayrú e a Londrina – que passou a controlar com a Sipsa (holding da Skol International). Este investimento foi, contudo, pago em Lisboa e Luanda sob duas formas, em dinheiro, pela Portugália, Estrela e Jansen, e o restante através de 8 600 acções da Cuca após venda fictícia e sobrefacturações (relações com a Operação Nó). No ano seguinte, os irmãos Vinhas compraram o lote de 8 600 acções aos irmãos Scarpa, após empréstimo da banca comercial (papel decisivo do Banco Português do Atlântico) e cederam metade das mesmas à Cuca.

Noutro ponto do tabuleiro, em 1966, a SCC havia investido na Skol International (SIL), com as devidas autorizações do Banco de Portugal (BdP), mas nunca chegou a existir retorno desse investimento. Esta mesma empresa detinha a Sipsa (Skol Internacional de Participações SA), que por sua vez detinha uma posição na Skol Caracú SA, que controlava, juntamente com o GP. Em 1972, a SCC decidiu tomar posição no Brasil, trocando a sua posição na Skol International (com sede nas Bermudas) pela que esta detinha no Brasil (Sipsa). O Banco Espírito Santo prestou os devidos serviços quanto à ajuda da banca estrangeira, conseguindo um empréstimo do

220 Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de

Manufacturers Hannover Trust, que posteriormente foi pago com o envio de remessas não autorizadas. No entanto, o valor da Sipsa – 2 600 000 dólares – acabou por não corresponder ao que a SCC pagou na realidade – 3 071 587,42 dólares (pelo acréscimo dos empréstimos). Na transferência não houve transparência com o BdP ao nível das autorizações e de informação. A SCC exportou apenas 1 803 000 dólares, não precisando da autorização oficial, sendo que o restante foi enviado por praças estrangeiras. O presidente da SCC, Moreira Rato, fala mesmo num “mau negócio”221.

Outras ilegalidades estão relacionadas com a necessidade de explicar a saída de 18 368 552$10 contos, que equivale ao empréstimo conseguido junto do Manufacturers Hanover Trust (saída de Caixa mediante “recibo forjado” por cinco administradores e lançado na rubrica “Contas Transitórias – SIP”).

A SCC cedeu ainda royalties pelas vendas no Brasil da cerveja Skol e Sagres à Sipsa, sem que isso resultasse na entrada de dividendos em Portugal, considerada fuga de divisas, de forma encoberta. Ainda em 1972, a Portugália, Estrela, Jansen e alguns administradores da SCC e da Cuca reforçaram as posições na Skol Caracú, através da constituição, no Brasil, da Sociedade Intercontinental de Participações (holding). O investimento foi realizado, na sua quase totalidade, pelo Grupo Cervejeiro Português (empresas e pessoas fictícias), que teria que exportar cerca de 52 000 contos para o Brasil. A parte dos particulares foi liquidada pela Cuca, mas esta não podia participar, por não ter obtido autorização em Angola para exportar capitais. Não deixa de ser interessante perceber a tipologia destes processos, pois esta operação veio apenas cobrir o que havia sido feito anteriormente, uma vez que Hans Monna já havia subscrito as acções em nome do Grupo Cervejeiro (com empréstimos junto de bancos brasileiros), facto que se considera grave, pois o GP omitiu esta situação junto do BdP. Umas das principais dificuldades encontradas foi descobrir os verdadeiros titulares das posições no Brasil, pelo seu desdobramento em três entidades: (i) entidades que realizaram as operações; (ii) entidades em nome de quem são realizadas; (iii) entidades que efectivamente pagavam as despesas/investimentos.

Estas operações fizeram parte de um esquema, já no período revolucionário, de tentativa de “apropriação pessoal dos bens das empresas do grupo cervejeiro no Brasil,

sob forma aparentemente regular e equitativa”222, através da criação da Vita Finance

(sede no Panamá, mas escritório em Genebra). A sociedade era titular de lotes de acções da SCC e da Portugália, que os utilizou para “pagar” à SCC, Portugália, Estrela e Jansen as posições que detinham no Brasil, enviando cartas – que a Comissão de Inquérito considerou como sendo falsas, com base nas declarações de administradores – que falavam na aceitação de um negócio que as referidas empresas haviam proposto. A responsabilidade é imputada a Manuel Vinhas, Mário Vinhas, José Manuel Martins e António Esteves (o advogado da SCC entregou as suas acções – ou as posições que as empresas detinham em seu nome – a pessoas indeterminadas), ainda que outros administradores possam estar envolvidos (todos ausentes do país). A Comissão procurou impedir a alienação das posições do grupo no Brasil, mas não teve sucesso.

As principais conclusões que resultaram da investigação desta operação são: (i) desvio de fundos da actividade corrente da empresa; (ii) transferência ilegal de divisas de Angola para o Brasil e para outros países; (iii) balanço falsificado em 1973; (iv) exportação ilegal de capitais. Refere-se também o enquadramento jurídico preparado pelo grupo que se pode observar pelo simples facto de os pedidos de exportação de capitais privados junto do Banco de Portugal terem sido requeridos por Joaquim Luís Gomes, filho do administrador do BdP, António Luís Gomes.

Associada a esta operação surge a Operação Nó – “ao pescoço de Angola”223

(diminutivo de Nocal, empresa cervejeira angolana), fundamental para perceber o funcionamento do capitalismo português na sua vertente colonial, como fonte de acumulação, através da exportação de capitais (colocações rentáveis no estrangeiro), das sobrefacturações e do monopólio. Com um investimento inicial na ordem dos 9 000 000$00, realizado pela SCC, em 1958/59, a Portugália, Estrela e Jansen, sem que tivessem investido qualquer soma, tiveram uma rentabilidade significativa até Junho de 1974: 36 000 contos, recebidos em Lisboa e o restante enviado para Luanda, e 23 000 contos em investimentos no Brasil e em Angola (EKA). Os administradores utilizaram mais tarde as acções da Nocal para indemnizarem as empresas das entregas feitas para a participação no capital inicial da Copeja e da Imperial.

222 Relatórios da Comissão de Análise e Inquérito ao Grupo de que faz parte a Sociedade Central de

Cervejas, “Sub-operação Vita Finance”.

A formação de um fundo de investimento fantasma – Unidade Atlântica, SA – alimentou este tipo de exploração colonial. Aquando da criação da Nocal, foi imposto pelo governo a condição de não participarem no capital outras empresas ligadas ao ramo. Contudo, o grupo que detinha a Cuca conseguiu entrar na Nocal, com participação adquirida através de mecanismos de diversão (empresa no Panamá), pela mão de José Guedes de Sousa (ou Guedal), representante do Grupo Cervejeiro. O principal objectivo desta empresa era permitir à Portugália, Estrela e Jansen participarem no capital da Nocal, então vedada legalmente. Foi a SCC quem desembolsou o dinheiro para a participação (cuja posição aproximou-se dos 30%), como já atrás referi, sendo que a empresa foi transferida para as empresas-mãe (nem a Nocal, nem a Unidade Atlântica existem nas participações financeiras destas empresas). A circulação do dinheiro estava bem definida: movimentava-se de Guedes de Sousa para Caetano Beirão da Veiga, com conta no «Banco Comercial de Angola», no «Pancada, Moraes e Cª» e no «Almeida, Bato e Piombino e Cª, Lda».

Os rendimentos desta operação foram aplicados em várias frentes: na compra de títulos do fundo IOS (Suíça); na já aqui tratada Operação Brasil; e no grupo cervejeiro angolano EKA, que passou a contar com uma posição de 13,5% da Cuca. Noutra modalidade distinta, foram entregues às empresas ou emprestados à Cuca, em nome das empresas: ora entregues a Guedes de Sousa/Guedal-Beirão da Veiga, ora emprestados à Cuca, com juro de 7% ao ano.

Em 1973 e 1974, o Grupo Cervejeiro, através da Estrela e da Portugália, realizou uma série de pagamentos para liquidar a sua participação no capital inicial da Imperial e da Copeja. No fundo, a participação do grupo nestas novas empresas

“insere-se num acordo mais geral de cartelização do mercado angolano entre a Cuca, Nocal e, episodicamente, a EkA e, por outro lado, na formação de um sindicato de voto entre o grupo cervejeiro e os grupos Abecassis e Guedes de Sousa, no sentido de controlarem a Nocal”224.

Este sindicato de votos reflectia-se, do mesmo modo, no mercado metropolitano,