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2. Economia da Revolução: contextualização

2.2. Conclusões e indicadores económicos

Concluindo a análise deste período, quero apenas salientar algumas das questões que considero estruturais, recorrendo para isso a alguns indicadores económicos que, certamente, espelharão melhor a realidade.

As transformações económicas conjunturais e estruturais portuguesas inserem-se numa panorâmica de rupturas mais alargada, como indica Augusto Mateus. Neste cenário é preciso não esquecer a ruptura energética, a ruptura monetária e financeira, a ruptura do tipo de crescimento industrial e a ruptura da estabilidade das formas e relações de dependência, dominação e interdependência104. Houve, portanto, uma

degradação dos termos de troca e aumento da inflação com associações múltiplas e com consequências severas para as economias importadoras. Por outro lado, os sectores financeiros saíram prejudicados com a desagregação do sistema monetário internacional, com o aumento das taxas de juro e a sobrevalorização do dólar. Estas mutações afectaram as economias semi-periféricas, com características de dependência e com uma industrialização atrasada. Acrescente-se a isto a conjuntura político-social portuguesa, mergulhada no caos e na indefinição económica, que se vê de repente com um aumento de cerca de meio milhão de retornados e assiste à derrocada das trocas comerciais com as ex-colónias e a uma diminuição das exportações para o mercado europeu. Estar num limbo político-económico, que se vai assumindo progressivamente como socialista, mas que não se desliga dos mecanismos liberais da economia de mercado é, no mínimo, bastante exigente.

As transformações evidenciaram-se sobretudo no mercado de trabalho, nas políticas sociais, na distribuição dos rendimentos e na regulação económica. A alteração das relações de força entre os trabalhadores e os empregadores é um dos principais destaques e efeito dos movimentos sociais que irromperam logo após a revolução, com incidência nas empresas, mas também nos campos. Já aqui referi as vitórias conseguidas no domínio da liberdade sindical, da regulamentação da greve, dos aumentos salariais, ao que se pode agregar o “alargamento do direito a férias pagas, o subsídio de desemprego, a redução do máximo semanal do tempo de trabalho”, entre muitas outras

104 MATEUS, “O 25 de Abril, a transição política e as transformações económicas", in O País em

mudanças105. Não deve ser menorizado o alcance destas medidas e o trabalho de vários

agentes sociais, como as comissões de trabalhadores e de moradores, os sindicatos, os partidos políticos e até o patronato. O melhoramento das políticas sociais na área da educação, da saúde e da segurança social estão estreitamente relacionados com estes aspectos, constituindo as bases da construção de um verdadeiro Estado-Providência. Quanto ao tema da distribuição dos rendimentos, podemos falar numa política de aumentos salariais até 1976, que ocorre simultaneamente com a imposição de um tecto salarial e com a introdução do salário mínimo.

No entanto, vários autores consideram que estas medidas, ligadas ao controlo dos preços, tiveram um efeito negativo para a competitividade das empresas no contexto de problemas que já aqui tratei (recessão, inflação, desemprego, mão-de-obra pouco qualificada, balança comercial negativa, juros elevados, diminuição de remessas). Reflecte-se neste ponto a velha questão das políticas orçamentais e monetárias expansionistas ou contraccionistas. Parece, neste caso, existir uma clara política orçamental expansionista – uma das principais inovações face ao regime anterior –, que pretendia impulsionar a procura interna, mas, ao mesmo tempo, convivia com a aplicação de uma certa política de austeridade, que procurava conter a inflação e proteger os consumidores através do controle dos preços. Os resultados estão longe de ser consensuais: se, por um lado, evitaram quedas mais acentuadas na actividade económica e uma maior igualdade económica e social, por outro, poderão ter conduzido a um ciclo vicioso de impedimento de competitividade106. A reforma agrária assentou

particularmente numa base volúvel, com unidades colectivas de produção efémeras, já para não falar da insustentabilidade de um clima verdadeiramente hostil nestas regiões. Emanuel Reis Leão refere que “este movimento [...] se desenvolveu à margem de qualquer projecto delineado pelo poder político, tendo a sua cobertura surgido já na fase final do processo”107.

105 LOPES, José da Silva. “Portugal e a transição para a democracia: que modelo económico?", in

Portugal e a Transição para a Democracia (1974-1976), ed. Fernando Rosas. Lisboa: Colibri, 1999, pp.

176-177.

106 Ibid, pp. 179-180.; LOPES, José da Silva Lopes. A economia portuguesa desde 1960. Lisboa: Gradiva,

1996, pp. 25-26.

107 LEÃO, Emanuel Reis. “Das transformações revolucionárias à dinâmica europeia", in Portugal

A conjuntura macroeconómica do período em análise encontra-se resumida no seguinte quadro108:

1973 1974 1975 1976

Consumo privado (taxa de variação real, em %) 10,5 6,2 3,7 4,3

Consumo público (tvr em %) 7,8 17,3 6,6 7

Investimento (tvr em %) 8,4 7,7 -12,3 0,1

Exportações (tvr em %) 11,7 -12 -14,1 -0,8

Importações (tvr em %) 11 6,2 -22,7 6,2

PIB (tvr em %) 11,2 1,1 -4,3 6,2

Taxa de inflação (em %) 7,8 27,9 20,5 18,2

Salários/rendimento (em %) 50,3 55,6 68,6 67,6

Défice do Orçamento Geral do Estado (% do PIB) -0,9 2,1 3,8 6,2

Saldo da balança de transacções correntes - BTC (milhões de dólares) 349 -882 -817 -1289

Saldo da BTC (em % do PIB) 3 -6 -5,5 -8,2

Taxa de desemprego (em%) - 2,2 5,6 6,7

Salários reais (tvr em %) - 12 9 -1,5

Taxa de desvalorização do escudo (em %) - 3,3 2,3 9,1

Taxa de crescimento M2 (em %) - 13,7 12,3 16,7

Dívida externa (milhões de dólares) - - - 2892

Dívida externa (tvr em %) - - - -

A maioria dos indicadores conhece maus resultados no ano de 1974 e 1975, surgindo uma ligeira melhoria a partir de 1976. De facto, os números são impressionantes: a inflação dispara, acompanhada do decréscimo e até quebra no produto, motivada pela “desorganização na produção e pela quebra verificada na procura agregada”109; há também um decréscimo das exportações, fruto de factor

exógenos, como a recessão mundial, mas também consequência de fracos resultados em algumas áreas, nomeadamente no turismo e na relações comerciais com as ex-colónias; o investimento conhece, da mesma maneira, resultados negativos, explicados por várias causas: “perda de confiança da classe empresarial; crise do sector exportador; aumento [...] dos custos de produção”110; desequilíbrio da balança de transacções correntes, onde

a fuga de capitais é um objecto a ter em conta; são evidentes ainda os deficits orçamentais e o aumento do desemprego.

108 Adaptados de Ibid, p. 177 e 182. 109 Ibid, p. 178.