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1. As “cervejas de Salazar e Caetano”

1.3. Reapetrechamento sectorial, actualização técnica e expansão dos anos 50

1.3.3. Industrialização ou surto industrial O II Congresso da Indústria Portuguesa e

É de fulcral importância ligar estas últimas alterações no sector cervejeiro com a realidade industrial portuguesa e com as acções políticas que foram adoptadas, desde logo com o surgimento do planeamento económico, através dos planos de fomento, e com a necessidade de uma estruturação industrial mais séria e mais profunda, que alguns sectores da sociedade vinham proclamando há algum tempo, mas que o regime havia negligenciado na sua ânsia gritante de assegurar estabilidade em pontos-chave da área financeira, mas sobretudo no campo social (veja-se a estratégia do I Plano de Fomento e a aposta em sectores-motores, mas a imprudência para com algumas condições a montante). O sector cervejeiro absorvia todos estes “vícios”. Veja-se: preparava a modernização das infra-estruturas e dos equipamentos, mas a origem de tais máquinas era estrangeira, dada a inexistência de uma indústria de bens de equipamentos em Portugal. De certa forma, podemos concluir que, pela análise efectuada, a indústria

cervejeira assume-se como um sector que, em certo sentido, vai remando contra algumas marés, chamando a si o processo de inovação e modernização tecnológica, ainda que sem os pressupostos necessários à competitividade internacional. Mas, não seriam já os reflexos das novidades de cooperação europeia a ditar algumas das posições?

É no II Congresso da Indústria Portuguesa e dos Economistas que todas estas questões vão ganhar forma e respostas concretas e coerentes, aparecendo em cima da mesa, pelo próprio Marcello Caetano, a questão da integração europeia, a preocupação com a competitividade internacional e o papel da iniciativa privada. Uma série de conclusões vai depois ganhar corpo na economia e na sociedade portuguesa, com especial relevância no II Plano de Fomento (industrialização e reorganização industrial), se bem que a sua forma não constituísse ainda o projecto mais elaborado relativamente à indústria, vendo-se ultrapassado pelos acontecimentos na cena internacional e pela adesão de Portugal à EFTA, colocando um ponto final, uma ruptura, não total, dos comportamentos e práticas que subsistiam do passado.

Os dois primeiros planos de fomento nada indicam quanto à situação do sector cervejeiro, negligenciando por completo uma indústria que estava numa fase importante de modernização. Existe apenas uma pequena menção – num relatório preparatório do II Plano de Fomento para as indústrias transformadoras – à relação entre a capacidade produtiva e o consumo que é bastante baixa – 1,838. Nesta posição de falta de informação não se encontra apenas a indústria da cerveja, mas todo o sector das bebidas, não esquecendo, naturalmente, a pouca informação estatística existente, que segue os traços daquilo que foi desenhado por altura do II Congresso da Indústria, cujo papel de Pereira de Moura foi fundamental, como arauto da reorganização industrial, da interdependência industrial e do efeito motor sobre as regiões39.

Após a autorização concedida, em 1956, para a instalação de uma fábrica de cerveja no Porto, vão surgindo as primeiras grandes críticas ao condicionamento industrial, expressas de forma vincada no II Congresso da Indústria, mais precisamente na sessão 32, sobre a indústria de cerveja, presidida por Manuel Vinhas. Apresentaram-

38 PRESIDÊNCIA DO CONSELHO. INSPECÇÃO SUPERIOR DO PLANO DE FOMENTO, Relatório

final preparatório do II Plano de Fomento. III) Pesca IV) Minas. V) Indústrias transformadoras. VI) Electricidade. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1958.

39 c.f Estrutura da Economia Portuguesa, 1954; Estudo sobre a Indústria Portuguesa, 1957;

se algumas conclusões que representam com bastante nitidez a dupla concepção que existia em torno do condicionamento industrial, que mais não é do que um simples instrumento de interesses, variando conforme as acções que se vão tomando. Assim, percebe-se a defesa quase incessante do condicionamento industrial, como factor-chave da modernização da indústria cervejeira, resultante da concentração, mas também a discordância para com o “poder discricionário ministerial, por poder quebrar uma determinada linha de rumo e progresso”, por ter criado uma “vida difícil com o licenciamento de novas fábricas”40 a um sector que estaria bem considerado na própria proposta de Lei de Fomento e Reorganização Industrial, e que até concedeu assistência “voluntária ao seu pessoal, mais do dobro do que lhe foi exigido”41, ou pela falsa

questão da concorrência que o governo entendeu introduzir, entre outros argumentos. O despacho ministerial de 20 de Fevereiro de 1956 ao pedido de José Joaquim Gonçalves de Oliveira (de 13 de Maio de 1952) surge numa altura em que, aparentemente, nada fazia prever a sua autorização, até pela situação em que se encontravam as fábricas do sector. As razões invocadas prendem-se com a necessidade de se “alcançar, outra vez, um nível mínimo de saudável concorrência de que a respectiva indústria parece ter-se afastado”, nunca colocando em causa a sua crescente importância para a economia portuguesa42. O despacho indicava ainda uma série de

condições a que a instalação estava sujeita e que traduziam as evoluções recentes na área científica, como a obrigatoriedade de possuir um laboratório e técnicos devidamente qualificados. A empresa, posteriormente denominada de Nacerel – Sociedade Nacional de Cerveja e Refrigerantes, nunca chegou a entrar em funcionamento, acabando por se concentrar na CUFP em 1960.

40 II CONGRESSO DA INDÚSTRIA PORTUGUESA. II Congresso da Indústria Portuguesa. Actas das

sessões, vol. 3, 9 vols. Lisboa: s.n, 1957.

41 Cerveja, n.º 3, II, Março de 1956.

1.4. A reorganização forçada por um convite inesperado: o sector