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Educação e linguagem: desdobramentos pedagógicos com base nos estudos da pragmática

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS - MESTRADO

JULIANA SCHEIBNER DELLAFAVERA

EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

Desdobramentos pedagógicos com base nos estudos da pragmática

Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS - MESTRADO

Juliana Scheibner Dellafavera

EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

Desdobramentos pedagógicos com base nos estudos da pragmática

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer

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AGRADECIMENTOS

Concluir esta dissertação é a concretização de um sonho que no início parecia muito distante e quase impossível de ser alcançado, mas depois de muito esforço e dedicação chegar ao final desta etapa é uma grande satisfação. No entanto, esta caminhada não foi percorrida apenas por mim, logo esta conquista não é só minha. Ela só foi possível porque algumas pessoas participaram ativamente de cada passo. Umas mais outras menos, mas todas importantes nesse processo de aprendizado.

Quero expressar minha gratidão às valiosas contribuições do meu orientador, professor Dr. José Pedro Boufleuer, que desde o início me incentivou e me guiou nesta caminhada.

Ao meu esposo, Fernando Dellafavera, pela motivação demostrada tanto em palavras como pelo próprio exemplo na busca constante pela aprendizagem e na superação dos seus limites.

Aos membros da banca pelas contribuições e aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Unijuí, que participaram do meu crescimento intelectual.

Não poderia deixar de mencionar aqui a professora Ercilia Ana Cazarin que despertou em mim o desejo de ser pesquisadora através do seu próprio testemunho de aprendizagem.

Enfim, a todos aqueles que de uma forma ou de outra demostraram a sua vibração com minha conquista.

E, embora pareça clichê, quero agradecer a Deus pelo fôlego da vida, pois se não fosse pela fé eu nem teria começado essa jornada, uma vez que no início tudo parecia impossível...

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RESUMO

O presente estudo tematiza a linguagem e suas concepções na perspectiva de suas vinculações com o campo educacional. Parte-se do pressuposto de que o homem é um ser que se constitui na e pela linguagem e que, por isso, é capaz de interagir com os outros seres humanos. Tendo isso em vista, nos sentimos instigados a perguntar sobre as diferentes perspectivas que a linguagem adquiriu no curso da história, bem como essas perspectivas influenciaram a educação. Neste sentido, orientamo-nos pela suposição de que as diferentes concepções que a linguagem adquiriu ao longo do tempo se articulam com os também diferentes modos de compreensão do conhecimento, da racionalidade e, por decorrência, da educação. Com isso, pressupomos que linguagem e educação estão entrelaçadas, uma não existindo sem a outra. Com base neste entendimento, buscaremos saber, num primeiro momento, quais concepções de linguagem se fazem presentes no que podemos chamar de paradigma metafísico e paradigma moderno, sob cujos pressupostos a educação foi compreendida em boa parte de sua história. Num segundo momento, tomaremos a linguagem entendida como processo de interação como sendo uma das bases de sustentação do que vem a constituir-se o paradigma da comunicação. Assim, assumimos a hipótese de que uma compreensão mais aprofundada desse entendimento da linguagem permitirá também uma melhor explicitação e percepção do alcance da concepção comunicativa da educação. Com base nos estudos da linguagem que se colocam na perspectiva da pragmática acreditamos poder vir a indicar possíveis inferências e desdobramentos para o campo da educação, o que faremos no terceiro momento da dissertação. Assumimos, para todos os efeitos, a perspectiva de que a concepção comunicativa de educação é a que melhores respostas é capaz de oferecer aos desafios da formação das novas gerações.

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ABSTRACT

This study addresses the language and its conceptions from the perspective of its associations with the educational field. It starts from the assumption that man is a being who is constituted in and by the language, therefore is able to interact with other human beings. This way, we feel encouraged to ask about the different perspectives that the language has acquired in the course of History, as well as the way these perspectives have influenced education. In this sense, we were guided by the assumption that the different conceptions that language acquired over time are also articulated with the different ways of understanding knowledge, rationality and, by consequence, education. Thus, we assume that language and education are intertwined, one cannot exist without the other. Based on this understanding, we will pursuit to know, at first, which conceptions of language are present into what we can call modern and metaphysical paradigm, under which assumptions education was largely comprised during its history. Secondly, we will take the language comprehended as the process of interaction, and one of the foundations of what it is considered the communication paradigm. Thus, we assume the hypothesis that a deeper understanding of this language comprehension will also allow us a better explanation of the scope and perception of communicative conceptions of education. Based on studies of language, which come from the pragmatic perspective, we believe we might come to indicate possible inferences and developments for the field of education, which we will do in the third stage of the dissertation. We assume, for all purposes, the prospect that the communicative conception of education is the one that is able to provide answers to the challenges of preparing the generations to come.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 7

I EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NOS PARADIGMAS ONTOLÓGICO E MODERNO ... 11

1.1 Racionalidade e paradigmas da educação ... 11

1.2 O paradigma metafísico ... 14

1.2.1 O paradigma metafísico e a linguagem como expressão do conhecimento ... 15

1.2.2A educação no paradigma metafísico ... 22

1.3 O Paradigma Moderno ... 23

1.3.1 O paradigma moderno e a linguagem como instrumento de comunicação ... 25

1.3.2 A educação no paradigma moderno ... 29

II EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NO PARADIGMA DA COMUNICAÇÃO: A PRAGMÁTICA ... 32

2.1 O paradigma da comunicação ... 32

2.2 O paradigma da comunicação e a linguagem como interação ... 35

2.2.1 A linguagem na perspectiva dos estudos da pragmática ... 38

2.2.2 As contribuições de Grice ao estudo da pragmática ... 42

2.2.3 A teoria dos atos de fala de Austin ... 48

2.2.4 As contribuições de Wittgenstein para o estudo da linguagem em ação ... 52

2.2.5 As contribuições de Habermas para uma compreensão ampliada da linguagem 54 III O OPERAR PEDAGÓGICO NO MEDIUM DA LINGUAGEM: DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO À LUZ DA PRAGMÁTICA ... 57

3.1 A Subjetividade e a intransparência da linguagem ... 57

3.2 A construção pedagógica do ser humano... 61

3.3 Educação, Linguagem e Interação ... 64

3.4 O sujeito e as ações linguísticas ... 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 79

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Diante dos desafios impostos à educação nos tempos atuais, o que mais se espera do professor é a sua capacidade não só de ensinar, mas de desenvolver no aluno o gosto pela aprendizagem. Mas como enfrentar a agilidade da tecnologia e ser um professor que atenda as necessidades emergentes relacionadas à educação no século XXI? A resposta não é tão simples como se gostaria. Apesar das dificuldades impostas pelo nosso tempo, marcado por transformações constantes e aceleradas, os desafios não podem nos intimidar a ponto de desanimarmos, contudo devem servir de estímulo para repensarmos constantemente a nossa prática.

A linguagem permeia todos os campos do conhecimento e é na e pela linguagem que nos constituímos como sujeitos. Mesmo que essa afirmativa já suponha um determinado entendimento do lugar da linguagem na vida humana, é ela que nos instiga a perguntar sobre as diferentes perspectivas que a linguagem adquiriu no curso da história, aliado à pergunta de como tais perspectivas influenciaram a educação. Nesse sentido, orientamo-nos pela suposição de que as diferentes concepções que a linguagem adquiriu ao longo do tempo se articulam com os também diferentes modos de compreensão do conhecimento, da racionalidade e, por decorrência, da educação. Com isso pressupomos que linguagem e educação estão entrelaçadas, uma não existindo sem a outra. E quando nos referimos à educação, estamos falando do ensino escolar, isto é, da instrução pública.

Assim como a linguagem, a educação nem sempre foi pensada da mesma forma. Se durante muitos anos o aluno era visto como um receptor de conteúdos e/ou informações, hoje ele é tido como um sujeito que interage com o conhecimento e o professor passa a ser aquele que vai orientar/guiar o educando pelo caminho da aprendizagem.

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Apesar de o estudo da linguagem ter ficado historicamente secundarizado1 no âmbito da filosofia, hoje ele é considerado de suma importância, permitindo o estabelecimento de novas correlações entre linguagem e educação, novas formas de filosofia da educação. Durante muito tempo, os estudiosos da linguagem estavam voltados única e exclusivamente aos aspectos formais e estruturais da língua, com o que ela permanecia numa condição meramente instrumental, isto é, como meio de transmissão para algo que se produzia em outro âmbito. Tudo o que dizia respeito à linguagem em uso era posta de lado, ou seja, era descartado, considerado como algo sem valor. Os estudos da pragmática operam essa guinada para a compreensão da linguagem como âmbito em que algo efetivamente é produzido e, inclusive, como âmbito indispensável da produção de tudo o que é considerado mundo humano.

O presente trabalho assume o entendimento de que a linguagem e a educação estão intimamente relacionadas, de modo que, ao repensarmos a compreensão acerca de uma, consequentemente estaremos repensando a outra. Embora as concepções de educação possam ser estabelecidas de diferentes modos, inspira-nos o modo de compreendê-las em suas distintas configurações na ótica do modelo de racionalidade que as orienta. Para isso tomamos como referência o modo de abordagem estabelecido por Mario Osorio Marques na sua concepção de “paradigmas da educação” (1992; 1993). Nessa construção teórica, que já serviu de referência para diversas leituras acerca da educação, o autor propõe uma correlação entre modelos educacionais identificáveis na tradição pedagógica ocidental e modos de entender a razão que em diferentes momentos da tradição filosófica se estabeleceram de forma hegemônica.

De acordo com Marques é possível identificar três modos básicos de situar a educação, ou três paradigmas educacionais que têm marcado a tradição pedagógica: o paradigma metafísico ou das essências, o paradigma moderno da subjetividade e o paradigma da linguagem ou da comunicação. A esses três paradigmas ele vincula, respectivamente, as concepções da racionalidade metafísica, que se orienta pelo pressuposto de uma constituição essencial do mundo que, na educação, torna-se objeto de aprendizagem dos alunos; da racionalidade

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Na teoria do conhecimento clássica o saber era passível de acesso sem a linguagem,

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moderna, que encontra no sujeito autorreferente o fundamento do mundo a ser transmitido e/ou projetado em espaços de educação; da racionalidade comunicativa, que elege o entendimento intersubjetivo como parâmetro de compreensão, de crítica e de construção do mundo, a ser apresentado às novas gerações em processos pedagógicos de aprendizagem com vistas a sua sempre necessária renovação.

Pressupondo essa correlação entre concepções de educação e modos de compreender a razão humana, no presente trabalho me proponho a explicitar a concepção de linguagem pressuposta, de forma mais ou menos explícita, nesses diferentes modos de configurar a educação. Para isso me amparo de uma linha de estudos sobre a linguagem que considera que ela também pode ser concebida sob três perspectivas básicas: como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como processo de interação (TRAVAGLIA,1995; GERALDI, 2003). Acredito que essas três concepções de linguagem permitem, também, uma correlação com os paradigmas da educação e respectivos modelos de racionalidade que os sustentam.

Apoiada nessa hipótese de que essa correlação entre concepções de linguagem e modos de situar a educação é possível, busco entender, num primeiro momento, quais concepções de linguagem se fazem presentes nos paradigmas metafísico e moderno. Sustento que no paradigma ontológico se faz valer, fundamentalmente, uma compreensão da linguagem como forma de expressão do pensamento, ao passo que o paradigma moderno pressupõe, de forma bastante evidente, o entendimento da linguagem como instrumento de comunicação. Essas duas concepções de educação deixaram marcas tão profundas nas formas de pensar e fazer dos educadores de modo a poderem ser identificadas nos meios pedagógicos atuais. É com base na herança grega, especialmente de Platão e de Aristóteles, e de parte da herança moderna que busco estabelecer essas correlações entre educação e linguagem na ótica desses dois paradigmas. De comum emerge a noção de linguagem em seu papel secundarizado, de alguma forma sempre instrumental, bem como sua vinculação ao princípio operativo das relações sujeito-objeto.

Por fim, e numa certa obviedade, tomaremos a linguagem entendida como processo de interação como sendo uma das bases de sustentação do que vem a

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constituir-se o paradigma da comunicação. Assim, assumindo a hipótese de que uma compreensão mais aprofundada desse entendimento da linguagem permitirá também uma melhor explicitação e percepção do alcance da concepção comunicativa da educação, debruçar-me-ei sobre os estudos da linguagem que se colocaram na perspectiva da pragmática. Estabelece-se, assim, o núcleo teórico que embasará a presente pesquisa, configurando o seu segundo momento, que permitirá, por sua vez, inferências e desdobramentos para o campo da educação, o que nos propomos no terceiro momento da dissertação. Assumo, para todos os efeitos, a perspectiva de que a concepção comunicativa de educação é a que melhores respostas é capaz de oferecer aos desafios da formação das novas gerações.

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I EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NOS PARADIGMAS ONTOLÓGICO E MODERNO

1.1 Racionalidade e paradigmas da educação

As noções educativas da sociedade foram desenvolvidas com o intuito de inserir os sujeitos na cultura, principalmente os das novas gerações. Boufleuer (2002, p. 2) explica que a educação visa ser a [...] “expressão do estágio de desenvolvimento da razão do homem no que concerne às relações que ele estabelece com a natureza, com os outros e consigo mesmo”. Deste modo, entende-se que a educação é o entendimento do que é a razão e esta determina o que a sociedade pensa sobre o que constitui o “humano”. Nesse sentido, a espécie humana é uma espécie aprendente, mutável e por isso mesmo se diferencia das demais existentes na natureza. E é em função disso que os indivíduos são capazes de estabelecer um relacionamento com os outros, determinando as regras para as suas interações.

Tendo em vista que “humanizar” é a finalidade da educação, então, o modo de atuar dessa finalidade depende de como se concebe o modo de operar da própria razão. Diante disso, é possível constatar que a razão adquiriu diferentes concepções ao longo do tempo. Assim como a racionalidade tem a ver com um entendimento da vida humana, a educação é uma forma de ação que se articula com a vida em sua totalidade. Quando se trata da importância ou da necessidade da educação, [...] “se está pensando em coisas a serem aprendidas como desejáveis para a orientação de uma vida humana” (BOUFLEUER, 2009, p. 253-254).

Na cultura ocidental, o entendimento acerca da razão possibilitou diversas formas de conceber o conhecimento e também permitiu diversas concepções acerca da educação. Nesse sentido, [...] “os paradigmas do conhecimento são explicitados pela compreensão do operar da razão”. No entanto, para podermos pensar sobre esse tema temos que considerar algumas questões, tais como: O que é paradigma? O que é conhecimento? “Conhecemos de vez ou a cada vez”? Como a educação é entendida por cada modo de operar da razão? Que concepções a linguagem adquiriu ao longo do tempo e como isso influenciou o desenvolvimento da educação?

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A capacidade de ser racional possibilitou ao homem a organização da vida em sociedade, a qual pode ser especificada em diferentes momentos históricos através do uso da razão humana. É importante ressaltarmos que a influência da tradição é imprescindível na constituição dos referenciais, que, por sua vez, compõem a disposição dos paradigmas. Estes estão profundamente articulados com os conceitos e as crenças adquiridos ao longo da vida, e nos incentivam ou impedem de concretizarmos determinadas ações. Isso está diretamente relacionado com a educação, já que os padrões internalizados no decorrer da formação irão definir a ação humana no processo educativo.

Neste sentido, refletir sobre os aspectos históricos e culturais que deram sustentação a cada paradigma é importante, pois, deste modo, poderemos entender o desenvolvimento não só da razão humana, mas também da própria educação. Sendo assim, faz-se necessário destacar, conforme Marques (1992), que o colapso de um determinado paradigma ou o aparecimento de um novo não está relacionado a uma percepção cronológica, mas, sim, pelo movimento da tradição. Dessa forma, necessitamos realizar a interpretação das tradições da educação, porque estamos imersos na tradição e porque dela não podemos nos desprender, sem uma reflexão abrangente.

Marques (1992, p. 547) afirma que é [...] “imperioso repensar a educação nos seus paradigmas, entendidos estes como as estruturas mais gerais e radicais do pensamento e da ação educativa”. Para o referido autor, na visão platônica paradigma é um modelo abstrato que ao ser introduzido na cultura contemporânea por Thomas Kuhn rompe com o conceito de linearidade na evolução da ciência, [...] “mostrando-a em desenvolvimentos cíclicos, instáveis, exigentes de mudanças bruscas em suas regras sujeitas aos sistemas de valores e crenças básicas de uma época e de uma específica comunidade científica” (Idem). O autor destaca também que o conhecimento científico é frágil e incerto, sempre com a possibilidade de ser invalidado.

Para Thomas Kuhn (1978), [...] “paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (p. 219). Dessa forma, entende-se que paradigma é a representação dos aspectos que caracterizam a educação. Tendo em

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vista que essas características trazem implicações importantes e significativas na ação educativa, observamos que elas se fundamentam nas ideias de um determinado grupo, denominado de comunidade científica.

Marques acrescenta que

Colocamos aqui a questão dos paradigmas não apenas no âmbito da evolução das ciências singulares ou de setores da atividade humana, mas no sentido abrangente de toda ação humana e de todo conhecer em seus eixos de mudanças mais radicais, não estritas, esporádicas ou parciais. E a colocamos, ao mesmo passo, sob o signo da permanente reconstrução histórica em que os paradigmas não se sucedem apenas, mas se interpenetram e permanecem na novidade de nova estruturação na cultura e nas cabeças, necessitados de se distinguirem para sabermos qual deles nos comanda (1992, 547).

De acordo com Marques (1992), citando Edgar Morin, diante dos desafios contemporâneos é preciso não apenas aprender ou reaprender, mas [...] “sim reorganizar o nosso sistema mental para reaprender a aprender” (p. 548). Assim, torna-se fundamental tematizar os paradigmas, ressaltando que repensar a educação não significa abandonar o passado, ou seja, a tradição. Afinal, estamos imersos na tradição e não podemos abandonar ou nos libertar de seus condicionantes, sem uma profunda reflexão seguida de uma ampla discussão, abrangendo todos os interessados na proposta das aprendizagens atualmente imprescindíveis.

Neste sentido, o mesmo autor afirma que...

Reconstruir não significa ignorar o passado que, na cultura e em cada homem, continua presente e ativo, vivo e operante, mas impõe que nele penetrem e atuem novas formas que o transformem e o introduzam na novidade de outro momento histórico e outros lugares sociais. [...] Os paradigmas básicos do saber, que se sucederam interpenetrados e que continuam operantes, necessitam recompor-se em quadro teórico mais vasto e coerente. Sem percebê-los dialeticamente atuantes, não poderemos reconstruir a educação de nossa responsabilidade solidária (Idem).

Com base nessa perspectiva é possível visualizar três paradigmas, a saber: 1) O paradigma metafísico; 2) O paradigma moderno e 3) O paradigma da linguagem pragmática ou da ação comunicativa. A nossa intenção aqui é verificar a que concepções de educação tais paradigmas podem ser vinculadas e de como em cada um deles se compreende a linguagem. Iniciemos com o paradigma metafísico, situando-o à luz da constituição histórica do pensamento humano.

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1.2 O paradigma metafísico

O primeiro paradigma é fundamentado em duas grandes vertentes: a greco-romana e a judaico-cristã. Por influência hegemônica dessas duas tradições o pensamento ocidental foi formado. Pela tradição judaica aprendemos a ouvir e a aceitar os caminhos recomendados por Deus, tido como um ser superior criador de tudo e de todos. Para essa tradição o ser humano deveria buscar a orientação divina para dirigir os seus caminhos e acertar nas suas decisões. Por outro lado, a civilização grega, que se baseava no sentido da visão, entendia que o ser humano necessitava desvendar a “luz” aprendendo a conhecer, a dominar e a conhecer a si próprio e ao mundo que está a sua volta.

Para Marques (1992) somos herdeiros e continuadores destas duas vertentes histórico-culturais, sendo a modernidade a expressão de tendências potencialmente inscritas nessas tradições. A tradição greco-romana, porém, predominou no processo constitutivo do pensamento moderno. Já no que se refere à linguagem, muito do que acerca dela se entende é atravessado/influenciado pelo pensamento de Platão e de Aristóteles, como veremos mais adiante.

Os filósofos gregos ao perseguirem a questão do conhecimento se deram conta de que a natureza e a sociedade apresentavam uma série de problemas. Alguns acreditavam que tudo é movimento e, dessa forma, tudo passa. O próprio ciclo da vida apresenta um início e um fim, no qual o homem nasce, cresce e morre, dando lugar a outros homens. A partir desse entendimento, surge uma questão central: como podemos conhecer se tudo é passageiro? Boufleuer (1995) ressalta que é preciso estabilizar o movimento. É nessa perspectiva que se estabelece de modo hegemônico a solução essencialista ou metafísica para o problema do conhecimento, para a qual contribuíram Platão e Aristóteles.

Marques (1992, p. 550) afirma que

A cultura grega é uma cultura aristocrática: a do filósofo dedicado à contemplação. O contexto metafísico d a reminiscência, é uma constante da espiritualidade grega, com Sócrates e Platão se transforma na vida contemplativa e com Aristóteles busca traduzir a visão em palavra (logos), pela qual o pensamento realiza a correspondência com o ser das coisas. A contemplação do ser para sempre, para além das aparências físicas (ton meta ta physicá) é o princípio da Filosofia. A virtude está na contemplação

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do eterno em sua intrínseca qualidade de totalidade escondida por trás das aparências, sendo critério para a visão a imutabilidade do objeto visto. Marques (1993) atesta que a procura de um esclarecimento coerente para o conhecimento humano apareceu com a própria filosofia. Os gregos são os responsáveis pelas primeiras elaborações teóricas sobre o modo de operar da razão no processo de formação do conhecimento humano. Neste sentido, Aristóteles procurou traduzir a visão em palavra (logos), pela qual se busca uma conexão com o pensamento, com o ser das coisas e aparece no discurso como fato independente radicado na realidade. Dessa forma, o constante retorno e o tempo circular fundam as diferenças entre o universal e o particular, o cerne e a exterioridade, a forma e a matéria, a alma e o corpo. Nesse aspecto é posta a coerência conjugada da disjunção entre a afirmação e a negação, o certo e o errado, lógica pronunciada por nexos apropriados por si mesmos, como decisões formais autônomas dos conteúdos, formas que o sujeito cognoscente apreende, mas não constrói.

O paradigma metafísico parte do pressuposto de que a realidade do mundo está dada, seja sob a forma de particulares já determinadas no mundo, seja sob a forma de particulares pré-estabelecidas na consciência dos sujeitos. O homem como ser racional pode chegar a desvendar as particularidades no mundo ou fazê-las brotar a partir de sua consciência. Além disso, a característica fundamental da razão metafísica é a de ser teleológica. A referência que se lança para além do mundo imanente ilumina o curso possível/desejável de todo ser humano. Portanto, para esta forma de entender a educação aclaram-se reciprocamente o passado, o presente e o futuro. Caso o sentido esteja posto, o futuro se estabelecerá de modo implacável. Sendo assim, importa somente executar os afazeres necessários ou ativar os meios imprescindíveis para sua efetivação. Este paradigma predominou ao longo da Antiguidade e da Idade Média (BOUFLEUER, 2007).

1.2.1 O paradigma metafísico e a linguagem como expressão do conhecimento A linguagem afeta aquilo que constitui a singularidade da humanidade e a natureza da racionalidade. Assim, [...] “cada um de nós se encontra imerso na linguagem como em seu lugar natural, ali onde dominamos nossa presença no mundo e nossa humanidade”. Disso decorre uma representação espontânea da natureza da linguagem, quase sempre amparada nos conhecimentos que todo

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mundo adquire com a gramática escolar. O homem é definido pela [...] “linguagem e pela razão, o que significa que, sem linguagem, não haveria racionalidade” (AUROUX, 2009, p. 8 – 9).

Neste sentido, consideramos essencial abordar a concepção de linguagem no campo da educação, uma vez que a maneira como o professor concebe a linguagem acaba condicionando o seu trabalho em termos de ensino. Travaglia (1995, p. 21) afirma que [...] “a concepção de linguagem é tão importante quanto à postura que se tem relativamente à educação”. Neste mesmo sentido, o referido autor apresenta três possibilidades de conceber a linguagem: linguagem como expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como processo de interação. No presente momento interessa-nos a acepção que considera a linguagem como expressão do pensamento, considerando as correlações que temos em mente para com o paradigma metafísico.

De acordo com Travaglia (1995), para a concepção que entende a linguagem como “expressão do pensamento” o indivíduo representa o mundo através da linguagem, a qual tem como função refletir o pensamento e, consequentemente, seu conhecimento de mundo. Neste caso, e sob esse entendimento, quando as pessoas não se expressam bem é porque não sabem organizar o pensamento. Os adeptos dessa forma de pensar acreditam que [...] “a expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução” (p. 21).

A enunciação é um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece. As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia individual, e da capacidade de o homem organizar de maneira lógica seu pensamento dependerá a exteriorização desse pensamento por meio de uma linguagem articulada e organizada (TRAVAGLIA, 1995, p. 21).

Neste sentido, o autor destaca que se presume que existam normas que precisam ser seguidas para a organização coerente do pensamento e, consequentemente, da linguagem.

Para Geraldi (2003), esta concepção ampara os estudos tradicionais e continua tendo seus defensores na atualidade, caracterizando-se pela ênfase às regras da gramática normativa como finalidade principal do ensino, isto significa que

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para falar e escrever impecavelmente é necessário seguir as normas, sem considerar a interação. As regras são baseadas na forma como os escritores mais prestigiados fazem uso da língua, privilegiando a norma culta. Assim, tudo o que foge daquilo que é considerado padrão é avaliado como errado, devendo ser corrigido. Os professores adeptos desta visão preocupam-se demasiadamente com conceitos e normas gramaticais e orientam o trabalho da escrita apenas para a codificação do pensamento, buscando que o aluno internalize totalmente o que escreveu, sem levar em consideração os conhecimentos prévios do educando.

Para os adeptos desta concepção a fala é uma imitação da escrita. O texto é visto como modelo para a leitura e para a reprodução. Dessa forma, nota-se a valorização da forma em relação ao conteúdo. Em suas atividades escolares, os alunos empregam palavras deslocadas da realidade, construindo frases soltas, fragmentadas, sem estabelecer sentido algum, cumprindo as exigências pré-estabelecidas (GERALDI, 2003).

Muitos dos problemas discutidos na atualidade já foram, de alguma forma, debatidos na antiguidade. A tradição grega influenciou o pensamento ocidental através das suas reflexões sobre o conhecimento, a verdade e, claro, a linguagem. Desde aquela época, do ponto de vista político, a linguagem era um instrumento de dominação das classes menos favorecidas. Dominar a linguagem significava que tudo o que não se enquadrava no modelo da linguagem ideal era desconsiderado e excluído. Assim, uma cultura era imposta enquanto outra era anulada.

Platão e Aristóteles foram dois grandes filósofos que contribuíram para a formação do conhecimento. Vejamos como esses dois filósofos gregos se situaram frente à questão da linguagem, considerando o ambiente próprio em que se engendrou o pensamento filosófico ocidental. O primeiro vai discutir se a linguagem é produto da natureza ou da cultura e o segundo vai entendê-la como símbolo do real.

Na antiguidade os povos não eram indiferentes aos problemas relacionados à linguagem. A especulação pela origem das palavras foi o pontapé inicial que desencadeou o interesse por ela na filosofia grega. Os filósofos gregos passaram a se preocupar em explicar a origem e a natureza da linguagem, bem como a

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afinidade entre as palavras e as coisas. Para eles a linguagem estava integrada à interpretação dos fenômenos naturais e à sua relação com as instituições sociais. Uma das principais preocupações dos gregos era esclarecer se as palavras se associavam naturalmente às coisas ou se as nomeavam de forma arbitrária, convencional. Assim, surgiram dois pensamentos opostos: os naturalistas e os convencionalistas. Estes argumentavam que essa relação era puramente arbitrária e aqueles acreditavam que existia uma relação inseparável entre o som e o sentido.

Platão buscava entender como os nomes das coisas foram criados. No diálogo “Crátilo”, é questionada a constituição, bem como a função e o uso dos nomes. Para tanto, era indagado se o que imperava na língua era a natureza ou a convenção. Lyons (1979, p. 4) destaca que [...] “essa oposição da ‘natureza’ e da ‘convenção’ era um lugar comum da especulação filosófica”. O referido autor atesta que afirmar que certa instituição era natural equivalia a dizer que ela tinha procedência em princípios permanentes e imutáveis fora do próprio homem, e por isso era inviolável; já afirmar que era convencional equivalia a dizer que era o simples resultado do costume e da tradição, ou seja, de alguma combinação implícita, ou contrato social, entre os membros da comunidade. Nesse caso, o contrato poderia ser infringido, uma vez que foi feito pelos homens.

A principal distinção entre a discussão naturalista e a convencionalista estava no entendimento de uma conexão ou não entre o significado de uma palavra e a sua forma.

Os adeptos da escola naturalista afirmavam que todas as palavras eram, de fato, apropriadas por natureza às coisas que elas significavam. Ainda que isso nem sempre pudesse ser evidente ao leigo, diziam eles, podia ser demonstrado pelo filósofo capaz de discernir a “realidade” que estava atrás da aparência das coisas. Nasceu assim a prática da etimologia consciente e deliberada. O termo em si – formado do radical grego etymo-, “verdadeiro”, “real” – denuncia a sua origem filosófica. Estabelecer a origem duma palavra e, por ela, o seu “verdadeiro” significado, era revelar uma das verdades da “natureza” (LYONS, 1979, p. 4).

Para evidenciar as formas pelas quais uma palavra poderia ser espontaneamente apropriada ao seu significado, eles afirmavam que existia uma relação entre o som e a forma física da palavra. Como, por exemplo, as onomatopeias, que em grego significa invenção de nomes. Para eles a analogia essencial entre uma palavra e o seu significado era de dar nome às coisas, com o

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que as palavras imitavam tudo aquilo que era nomeado, sendo que as onomatopeias eram o núcleo do vocabulário. Porém, poucas palavras eram onomatopaicas. Para resolver esta questão institui-se o simbolismo fonético que demonstrava a referência a um ou mais sons que constituíam as palavras .

Afirmava-se que certos sons eram sugestivos, ou “imitativos”, de especiais qualidades físicas ou de atividades, sendo por isso denominados brandos, duros, líquidos, masculinos, etc. Por exemplo, podia-se afirmar que o l (ele) é um som líquido e que, portanto, as palavras líquido, fluído, etc., contém um som que é “naturalmente” apropriado para o seu significado (LYONS, 1979, p. 5) .

No entanto, quanto mais os etimologistas gregos tentavam provar o “verdadeiro” significado das palavras, mais problemas encontravam, pois muitas palavras não se encaixavam nem nas onomatopeias, nem no simbolismo fonético. [...] “A essa altura eles invocavam vários princípios segundo os quais as palavras poderiam derivar-se de outras ou relacionar-se a outras” (LYONS, 1979, p. 5).

A disputa entre os naturalistas e os convencionalistas prolongou-se por muito tempo, evoluindo, a partir do século II a.C. para a discussão sobre até que ponto a língua era regular ou irregular. Assim, os que sustentavam que ela era regular e sistemática são denominados de analogistas (naturalistas) - entendendo que as palavras poderiam ser classificadas seguindo um determinado paradigma, ou seja, um modelo - e os que defendiam a posição contrária são os anomalistas (convencionalistas). Estes não negavam a existência de regularidades na língua, mas sustentavam que se devia dar uma atenção maior ao uso das palavras, por mais irracional que isso pudesse ser.

Os anomalistas acreditavam que as palavras eram inventadas como reflexo da realidade e a partir da sua relação com as coisas ou ideias seria possível diferenciar uma parte material, sensível, sonora e outra conceitual, inteligível, convencionalmente associada à parte sonora, isto é, as palavras se consolidariam em sons proferidos em valor simbólico e seu significado seria o conceito mental que elas evocam.

Conforme Oliveira (1996), a teoria platônica entende que a linguagem e o ser estão relacionados. No entanto, é possível constatar as coisas sem os nomes. Seu principal objetivo é mostrar que [...] “na linguagem não se atinge a verdadeira

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realidade e que o real só é conhecido verdadeiramente em si sem palavras, isto é, sem a mediação linguística” (p. 22). Neste sentido, ela se torna apenas um mero instrumento. Esta ideia vigorou durante muito tempo na cultura ocidental e consequentemente atingiu a educação, como veremos mais adiante.

Aristóteles traz uma nova visão acerca dos assuntos que eram o centro das atenções dos filósofos, entre eles a linguagem. Sua preocupação focava não um aumento temático da tradição, mas, sim, uma ruptura epistemológica que conduziu a humanidade a um empenho sério de tomada de consciência dos mecanismos em jogo na concretização do conhecimento. Para alcançar a condição de conscientização epistemológica ele reflete a partir do plano do discurso humano, ou seja, da linguagem humana (OLIVEIRA, 1996).

Aristóteles se opõe teoricamente aos sofistas. Neste sentido, ele questiona o pensamento deles que visava ao poder de persuasão da linguagem. Os sofistas afirmavam que o que se profere interessa menos do que a ação de falar para alguém e que a verbalização é um instrumento de domínio nas relações humanas. Assim, [...] “a linguagem se torna uma grandeza fechada em si, perdendo sua intencionalidade essencial. Ela não aponta mais para as coisas, mas tende a substituir a ordem das próprias coisas” (OLIVEIRA, 1996, p. 27).

De acordo com Oliveira (1996), Aristóteles parte da ruptura da ligação imediata entre palavra e coisa. Dessa forma, ele procura elaborar uma teoria da significação, afirmando, com isso, que existe uma separação entre a linguagem e ser, mas sem descartar a relação entre ambos. Aqui encontramos uma diferença fundamental entre Platão e Aristóteles. Para Platão havia uma correlação entre linguagem e ser, enquanto que em Aristóteles é possível fazer uma distinção entre os dois, considerando o significado e não a apreensão objetiva das coisas.

Oliveira destaca que

Não há relação imediata entre linguagem falada e ser, pois há a mediação necessária dos estados psíquicos. (Aristóteles afirma uma correspondência imediata entre esses estados da alma e o real – daí poder-se sustentar tanto a universalidade desses estados como a universalidade das coisas.) A escritura e a palavra não têm significação em si mesmas, enquanto os estados da alma se assemelham às coisas. [...] Entre nomes e coisas não há semelhança completa: os nomes são limitados, enquanto as coisas são

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numericamente infinitas. É inevitável designar várias coisas com um único nome (1996, p. 29).

A partir desta concepção ele atesta que a linguagem é símbolo do real, isto é, as palavras não são as coisas, apenas as representam. Oliveira (1996) ressalta que o símbolo não ocupa o lugar da coisa, uma vez que não existe similaridade completa, ele exprime tanto ligação como distância. Dessa forma, o ser humano precisa aprender o sentido do símbolo para interpretá-lo e atribuir-lhe significado adequado.

O referido autor continua

Eis por que não posso dizer, por exemplo, que palavra é um signo do real. O símbolo é, ao mesmo tempo, mais e menos do que signo: menos na medida em que nada é naturalmente símbolo, portanto exige-se convenção; mais: constituição de uma relação simbólica se é intervenção do espírito determinando um sentido (p. 29).

A linguagem, para Aristóteles, não é imagem do real, mas seu símbolo, ou seja, que ela significa a realidade através da convenção. Dessa forma, Oliveira (1996) afirma que a concepção ocidental da linguagem apresenta algumas características, a saber: 1) conhecemos individualmente; 2) por meio da abstração lógica captamos a estrutura ontológica2 do mundo; 3) instituímos através de acordo os elementos da ordem estrutural do mundo e os representamos por meio de associação de símbolos e 4) transmitimos aos outros a agregação de símbolos os conteúdos conhecidos.

Neste sentido, entende-se que o homem, através da linguagem, interpreta o mundo de acordo com o seu conhecimento prévio. Nesta perspectiva, a linguagem, como já mencionamos anteriormente, não é uma mera imitação do real, pelo contrário, é a representação que o homem obtém desse real. Isso acontece por causa da capacidade que o ser humano possui de conceber o real por meio de signos e de compreendê-los como representantes do real. Essa capacidade de estabelecer uma conexão entre significado e significante3 é que torna o homem um ser racional.

2

De acordo com Oliveira (1996, p. 32), para Aristóteles é o estudo das possibilidades da comunicação humana.

3

Conceito desenvolvido por Saussure, no qual o significante é a imagem acústica e o significado é o conceito da palavra. Da junção destes dois tem-se o signo linguístico.

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1.2.2 A educação no paradigma metafísico

Considerando a configuração do paradigma metafísico pelo modo como situa a racionalidade humana, bem como em seu âmbito é compreendida a linguagem, vejamos de que forma nele é entendida a educação, ou melhor, quais implicações se põem para a educação com base nesses seus pressupostos.

Pode-se iniciar dizendo que no paradigma metafísico educar é inserir o estudante na ordem do mundo e dos homens. A formação teórica é valorizada em detrimento da aprendizagem técnica dos ofícios. Nesta concepção o ensino-aprendizagem consiste em transmitir e assimilar verdades aprendidas passivamente como inalteráveis. Ensinar e aprender são sinônimos de repetir e memorizar, enquanto que o professor é o portador do saber e os alunos são tratados homogeneamente, desconsiderando a individualidade (MARQUES, 1993).

O saber, sob o ponto de vista deste paradigma, é entendido como uma forma de tornar visível os acontecimentos e os fenômenos do mundo. De acordo com Boufleuer (2002, p. 3), [...] “a vida humana passa de uma condição de obscuridade para uma condição de luz”. O mesmo autor destaca que a educação baseada nesta concepção metafísica acredita que os educandos devam perceber tudo em sua essência, pois a razão é a capacidade de recordar o que desde sempre já estava posto.

Marques (1992, p. 550) afirma que é valorizada a formação teórica, [...] “em detrimento da aprendizagem técnica dos ofícios”. De tal modo, contrapõe-se a educação [...] “para o dizer e fazer a coisa pública, reservada aos cidadãos na polis,

e o ensino das artes mecânicas, próprio dos trabalhadores livres”. Tanto num como

no outro a educação e a instrução funcionam [...] “como exercício conscientizador dos costumes existentes”.

A escola, como lugar separado e tempo específico de uma formação proposital e sistemática, fundamenta-se no ideal da nobreza aristocrática, como sagacidade e penetração do espírito e como vigor e saúde corporal (Jaeger, p. 12-16 e 24), e se distingue do aprendizado dos ofícios exigentes de instrução, mas não da sabedoria, com a exclusão da maioria da população (escravos ou servos da gleba) no que se refere a qualquer forma de aprendizado proposital. Converte-se, depois, a escola, na Escolástica, em lugar central do acesso à verdade estabelecida (MARQUES, 1992, p. 551).

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Para Marques (1992, p. 551), o ensino nesta concepção consiste em [...] “transmitir fielmente verdades aprendidas como imutáveis; e a aprendizagem é assimilação passiva das verdades ensinadas”. Ensinar é reproduzir; aprender é memorizar. O papel do professor é determinante, [...] “insubstituível em sua qualidade de portador individual dos conhecimentos depositados na tradição cultural”.

Analisando as peculiaridades apontadas na concepção da linguagem como expressão do pensamento e as características da educação pautada na visão metafísica, percebemos que o modelo de razão e conhecimento se articula com essa visão de linguagem. Quando Boufleuer afirma que é válida ou apropriada àquela ideia que na consciência possui uma declaração que coincide com o que acontece na realidade ou que confere com a sua essencialidade, nos damos conta de que neste pressuposto o ensino-aprendizagem se fundamenta na tradução de informações e o aluno que não consegue se expressar linguisticamente de acordo com as exigências preestabelecidas não consegue organizar o seu pensamento. O sujeito usa a linguagem apenas para externar seus pensamentos e aquele que não consegue ou encontra dificuldades em fazê-lo está fadado ao fracasso.

1.3 O Paradigma Moderno

O paradigma moderno passa a tomar consistência após as grandes mudanças socioeconômicas e políticas no final da Idade Média, momento em que o ideal iluminista de, pela razão, o homem edifica seu próprio destino livre da opressão e da superstição, fundamenta a consciência humana em si mesma e o homem passa a confiar no seu próprio poder.

Neste contexto ocorre uma valorização das possibilidades próprias do homem. Ele passa a ser a referência para seus projetos, considerando ter todas as condições para se desenvolver, uma vez que tem “luz” própria. Surge, então, um homem que passa a acreditar em si, nas suas potencialidades e que vai traçando o seu próprio rumo. Deus deixa de ser o centro do mundo e o homem assume por si mesmo as tarefas antes atribuídas a ele, crendo ter todas as condições para se desenvolver sem um auxílio externo. Dessa forma inaugura-se um período cuja característica fundamental é o antropocentrismo e que privilegia a racionalidade

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entendida como uma competência inerente ao sujeito. Na razão, portanto, é depositada a esperança de um caminho seguro e feliz.

Neste novo paradigma da consciência individual como corrente de experiências e projeções, o homem cria seu universo científico e, em separado, seu próprio universo moral, segundo as normas da própria razão. As regras imanentes do funcionamento da mente se definem como epistemologia e adquirem a função metafísica de garantirem os pressupostos do conhecimento e da moralidade. Invertem-se, nesta revolução copernicana, as relações entre o sujeito e o objeto, com o domínio do sujeito sobre os objetos que ele representa e configura. Conhecer é constituir os objetos que se conhecem. O homem conhece o mundo ao transformá-lo pelos instrumentos materiais ou conceituais que elabora (MARQUES, 1992, p. 552).

Conforme Marques (1992), a razão faz-se monológica, ignorando os sujeitos em interação. A partir desse ponto de vista, o conhecimento acontece pela representação com que se relaciona com objetos que, para melhor domínio, reduz e fragmenta em especialidades compartimentadas e isoladas de todo seu contexto natural e cultural. As disciplinas científicas se fecham em seus domínios e se tornam incomunicáveis entre si e impenetráveis aos não iniciados em seus mistérios.

Neste sentido, o homem se vê como alguém capaz de delinear o seu próprio destino. Ele assume a responsabilidade pela sua trajetória e pelos rumos da sociedade, fazendo uso da razão. A filosofia moderna assume a probabilidade de que, quanto ao conhecimento, o homem não se ampare a não ser em si mesmo, ou seja, na competência da razão. Passa a existir, então, [...] “um homem que começa a acreditar em si, na sua capacidade criativa e criadora, e que, de modo ousado, vai delineando o seu próprio projeto de vida” (BOUFLEUER, 2006, p. 5). É estabelecido, dessa forma, um tempo que tem como característica principal o antropocentrismo, em oposição ao teocentrismo que marcou o paradigma metafísico. [...] “Colocado como centro de referência, o homem moderno vai privilegiar a sua racionalidade, acreditando em seu poder de lhe indicar um caminho seguro para a construção de sua felicidade” (Idem).

A tradição da filosofia moderna assume o pressuposto de que o mundo é aquele que as composições da razão subjetiva são capazes de produzir. Com isso a objetividade do mundo passa a ser constituída pela razão humana que se norteia por sua lógica própria. Ao projetar o mundo em conformidade com a ’luz‘ de sua razão, o homem abraça a tarefa de aperfeiçoar de modo contínuo as suas formas de

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conhecer com vistas ao alargamento irrestrito de seus domínios. No paradigma moderno o aspecto principal não é mais a existência de um mundo já formado que o sujeito busca desvelar, mas a probabilidade de um mundo a ser arquitetado por esse sujeito. Através do uso de sua aptidão racional, o indivíduo intervém no mundo, transformando-o.

A principal diferença entre o paradigma metafísico e o moderno é que este admite como referência um sujeito independente, capaz de estabelecer por si mesmo o domínio sobre os objetos, enquanto que naquele o conhecimento sempre depende daquilo que de alguma forma já existe. No paradigma moderno o [...] “homem conhece o mundo ao transformá-lo pelos instrumentos materiais e conceituais que elabora. Transforma para conhecer” (MARQUES, 1993, p.11). Tanto no paradigma metafísico como no moderno, a operação racional de formação do saber é algo que antecede a ação educativa.

O paradigma moderno sustenta a ideia de que o sujeito fundamenta suas decisões numa intencionalidade subjetiva ao buscar o conhecimento e a orientação da ação humana. [...] “É essa intencionalidade consciente que dá sentido às nossas ações e que nos torna autônomos e livres para tomar decisões, já que somos sujeitos cognitivos e éticos” (LIBÂNEO, 2003, p. 1). Na relação sujeito-objeto, prevalece a ação do sujeito sobre o objeto, no qual o sujeito torna-se quase absoluto, independente, na constituição do conhecimento e do pensamento. Esse paradigma defende a autonomia das ideias, a autossuficiência do sujeito, sem avaliar as condições históricas e objetivas que abrangem a construção do conhecimento. Por causa disso, o paradigma moderno tende a valorizar uma linguagem única, a da razão, pressupondo [...] “o conhecimento organizado, o modelo, a visão sistemática da realidade, enfim, a ciência, ou seja, sempre há um conhecimento verdadeiro, traduzido em teorias interpretativas da realidade” (Idem).

1.3.1 O paradigma moderno e a linguagem como instrumento de comunicação Na concepção que entende a linguagem como instrumento de comunicação a língua é apresentada como um código, ou seja, como um conjunto de símbolos que se convencionam segundo regras, e que é capaz de comunicar uma mensagem, informações de um emissor para um receptor. Esse código, por sua vez, deve ser

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dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser concretizada. Como a língua, que é o código, é um ato social, envolvendo pelo menos duas pessoas, é necessário que esta seja utilizada de maneira semelhante, preestabelecida, convencionada para que a comunicação se concretize. Neste caso, a principal função da linguagem é a transmissão de informações (TRAVAGLIA, 1995).

Travaglia (1995, p.22) afirma que essa concepção [...] “levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização – na fala (cf. Saussure) ou no desempenho (cf. Chomsky)”. Isso permitiu que os interlocutores e o contexto fossem desconsiderados, em outras palavras, afastou o sujeito do processo de produção do que é social e histórico na língua. Para o referido autor, essa é uma visão monológica e imanente da língua, que a analisa segundo um ponto de vista formalista – que restringe esse estudo ao funcionamento interno da língua – e que a afasta do homem no seu contexto social. O autor destaca ainda que o estruturalismo e o gerativismo são os representantes desta concepção. O primeiro são estudos realizados a partir de Saussure, que separa a língua da fala e o segundo são estudos realizados a partir de Chomsky, o qual faz uma distinção entre competência e desempenho.

Essa concepção entende que o falante tem em sua mente uma mensagem a transmitir a um ouvinte, ou seja, as informações que devem chegar ao outro. Para isso, [...] “ele a coloca em código (codificação) e a remete para o outro através de um canal (ondas sonoras). O outro recebe os sinais codificados e os transforma de novo em mensagem (informações). É a decodificação” (TRAVAGLIA, 1995, p. 22 - 23).

A partir dessa perspectiva entendo que o ensino pautado nessa concepção de linguagem visa à reprodução de exercícios desarticulados do contexto. O professor simpatizante desta concepção de linguagem fará com que seu aluno se aproprie apenas do sistema linguístico, considerado como uma norma pronta e acabada, esperando que o educando estruture o maior número de frases dentro da norma culta. O texto é apenas uma decodificação que, para ser lido, basta dominar o código. O aluno é um mero repetidor, completando exercícios de “siga o modelo” proposto pelo livro didático (GERALDI, 2003).

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A linguagem foi considerada como um instrumento durante muito tempo por grande parte das correntes filosóficas. Ela servia apenas para descrever ou representar a realidade, cumprindo a função de dizer como as coisas são. Nesta perspectiva, ela apresenta um modelo lógico e dedutivo de raciocínio, no qual o sentido é estabelecido na relação da linguagem com o mundo a partir do conceito de verdade. No entanto, essa forma de concebê-la não foi a mais adequada para explicitar muitos fenômenos linguísticos.

Inicialmente, a análise da linguagem e do seu processo de significação era elaborada a partir de uma concepção analítica, a qual estudava a linguagem ideal. Num outro momento, ela passa a ser entendida através da ótica da pragmática, que investiga a linguagem em uso nos diversos contextos. Benveniste (1991, p. 285-286) afirma que [...] “a linguagem está na natureza do homem, que não a fabricou” e, assim, não percebemos jamais o homem afastado da linguagem. Para este autor, o homem é definido pela linguagem e é na e pela linguagem que o homem se estabelece como sujeito. Essa perspectiva de entendimento da linguagem, porém, será objeto de estudo na próxima seção.

Por outro lado, vale ressaltar que a linguagem, enquanto instrumento, é entendida como uma via de mão única, sendo o professor o único detentor do saber, reforçando-se a percepção do processo de ensino-aprendizagem como transmissão-recepção, através da transferência de informações que, teoricamente, são depositadas na mente do educando. Tendo em vista os desafios enfrentados no processo educativo e os avanços nos estudos sobre a linguagem, esta concepção além de não trazer resultados satisfatórios, não instiga no aluno a vontade de conhecer aquilo que denominamos de tradição.

É isso que também podemos verificar nos estudos de Wittgenstein, na sua primeira fase. Em sua obra “Tractatus logicophilosophicus”, ele tentou elaborar uma estrutura lógica que pudesse dar conta do funcionamento da linguagem. Neste sentido, a estrutura da linguagem deveria corresponder à realidade dos fatos. Oliveira (1996) chama a atenção para o fato de apesar das significativas diferenças entre a primeira e a segunda fase da filosofia de Wittgenstein, podemos perceber uma continuidade temática, ou seja, a sua preocupação central era a linguagem e o pensamento. Para isso o filósofo faz os seguintes questionamentos: “Que é

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linguagem? Que é pensar? Qual a relação entre falar e pensar? Que faz de um sinal físico algo que significa? Em que sentido um sinal é expressão de um pensamento” (1996, p. 94)?

O referido autor destaca, ainda, que essas perguntas fazem parte da semântica formal e retornam no pensamento de Wittgenstein. [...] “Sua intenção fundamental no Tractatus logicophilosophicus é estabelecer as fronteiras entre o que racionalmente pode ser dito e o disparate que deve ser evitado”. A ideia central de Wittgenstein é que a linguagem [...] “figura o mundo sobre o qual ela fala e a respeito do qual nos informa” (ibidem, p. 96).

Oliveira (1996) afirma que, para o primeiro Wittgenstein, uma palavra só pode ter sentido quando ela está inserida como elemento de uma frase. No entanto, o significado não é o resultado da associação da [...] “significação das palavras nelas contidas” (p. 97), mas o sentido de uma frase é o resultado das associações das significações de seus elementos.

Para o primeiro Wittgenstein a ideia central era a universalidade das funções da verdade. Isso denota a abolição de todos os modos da linguagem como negação da probabilidade de descrição de atos intencionais de qualquer natureza. Ações de fé, dúvida, desejo não podem, dentro dessa perspectiva, ser objetivados e expressos em frases dotadas de sentido. [...] “São considerados pseudocomportamentos com intenções não objetiváveis. Da dúvida, da fé, só se pode falar quando elas condicionam um comportamento externo objetivo” (OLIVEIRA, 1996, p. 112).

Nesse sentido, para o primeiro Wittgenstein, a linguagem é apenas uma descrição do mundo.

A realidade inteira é o mundo. A proposição é a figuração da realidade. A proposição é o modelo da realidade tal como a pensamos. O específico da proposição é ser verdadeira ou falsa: é verdadeira se exprime um estado de coisas que, de fato, está realizado: “Compreender uma proposição e saber o que ocorre, caso ela seja verdadeira. A proposição é descrição de um estado de coisas” [...] Ela é falsa se exprime um estado de coisas que não é de fato. O sentido de uma proposição é a possibilidade que ela tem de poder ser reconhecida como verdadeira ou falsa, isto é, o sentido de uma sentença são as circunstâncias que permitem decidir sobre sua verdade ou falsidade [...]. A proposição é, essencialmente, descritiva: ela é a articulação de uma constatação (OLIVEIRA, 1996, p. 113).

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Mediante a comparação com o mundo a proposição é a figuração da realidade como algo possível. Nesta fase de seus estudos Wittgenstein tem em vista uma linguagem transparente, livre de subjetividade. [...] “Pela linguagem descrevemos eventos no mundo; o mundo mesmo, porém, é indizível”. Além disso, Oliveira apresenta que, nessa perspectiva, além de não poder falar do mundo também não se pode falar da própria linguagem (OLIVEIRA, 1996, p. 113).

1.3.2 A educação no paradigma moderno

Considerando que a lógica estruturante do paradigma moderno tem sua ancoragem na razão subjetiva e no entendimento da linguagem ao modo de um instrumento de comunicação, vejamos de que forma se concebe a educação sob tais pressupostos, ou no âmbito desse paradigma.

Como linha de ação fundamental, a educação sob o paradigma moderno se faz intencional preparação para a vida e moldando-se às demandas postas ao homem capaz de produzir ativamente. O professor passa a ser um facilitador da aprendizagem. Os currículos escolares são compostos pelos conhecimentos científicos fragmentados e descontextualizados, sem relação com as demais áreas do saber. O ensino aprendizagem é organizado sistematicamente, orientado por objetivos precisos e quantificáveis sendo possível verificar o padrão de desempenho. Da mesma forma, a metodologia em sala de aula passa a ser tática, predominando as avaliações objetivas para verificar os resultados da aprendizagem cognitiva (MARQUES, 1992).

Nesta perspectiva, o grande desafio para a escola é de concretizar a análise crítica da realidade, adotando com propriedade a técnica e a ciência, ao lado da racionalidade impiedosa e absoluta. Nasce, assim, a hierarquização dos campos do conhecimento, privilegiando aquelas disciplinas tidas como exatas nos currículos escolares.

Os currículos escolares configuram-se como mera justaposição de disciplinas autossuficientes, grades nas quais os conhecimentos científicos reduzidos a fragmentos desarticulados se acham compartimentados, fechados em si mesmos e incomunicáveis com as demais regiões do saber. A elaboração cognitiva faz-se em negação das complexidades do mundo da vida, do engajamento humano e da questão dos valores, questão política, em que implica (ibidem, 554).

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Neste sentido, de acordo com Boufleuer (2006), compete à educação moderna constituir o sujeito que dá suporte a esse arrojado projeto de autoafirmação do homem em seu mundo. Na certeza de que a razão é capaz de transpor o homem para [...] “uma vida mais confortável e feliz ela também prevenirá possíveis retrocessos a um passado pautado por princípios que não os oriundos do potencial intrínseco da razão, como os da tradição e da religiosidade” (p. 6-7). Contudo, a empreitada essencial da pedagogia é a da produção de sujeitos dotados com as particularidades e destrezas imprescindíveis para o alargamento dos processos de racionalização do mundo.

O mesmo autor destaca que a educação contemporânea baseia seus processos e finalidades nesse paradigma que aposta no potencial criador do pensar e fazer do homem. Esse ponto de vista parte da concepção de que as novas gerações carecem de direção para algum sentido já antecipadamente estabelecido. Assim sendo, é por causa desse paradigma que nos últimos tempos se vem fazendo esforços na educação escolar, com a intenção de aperfeiçoar os processos pedagógicos através do auxílio dos saberes das mais diferentes ciências, e que, por fim, se buscam redimensionar papéis e objetivos da educação à luz de ponderações críticas acerca da sociedade.

Tendo em vista que o entendimento da linguagem como instrumento de comunicação tem como objetivo central a transmissão de informações, destacamos o esforço empregado em tentar deixá-la transparente, ou seja, uma tentativa de aprimorá-la de tal modo a não produzir enganos. Este ideal de perfeição também se percebe na tradição da filosofia moderna, cujo pressuposto era pautado no princípio de que aquilo que é possível conhecer corresponde às próprias possibilidades da razão subjetiva. Com isso, os poderes supostamente ilimitados da racionalidade eram vistos como “panaceia”, isto é, como solução para todos os problemas sociais.

Na educação escolar a intenção era oportunizar a aprendizagem dos conteúdos científicos e a apropriação das técnicas que visavam, além do conhecimento, o domínio racional da natureza e da sociedade. O desfio escolar passa a ser ensinar tudo para o maior número possível de pessoas e, para tanto, faz-se necessária uma técnica precisa e eficaz de racionalização dos espaços institucionalizados de ensinar e aprender. Nesta perspectiva, a linguagem assume

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uma função meramente instrumental como podemos verificar nas ideias defendidas pela semântica formal e na filosofia analítica que entendia que a função da linguagem era apenas descrever a realidade.

Partindo deste pressuposto, entendo que entre os muitos conceitos que norteiam o campo da educação, a noção do que é a linguagem gera muitas controvérsias. Conforme Guimarães (2006), o senso comum considera a linguagem como um instrumento de comunicação, que, consequentemente, afirma que dizer é informar e que a linguagem expressa essencialmente nossos pensamentos e sentimentos. Essas hipóteses sobre a linguagem foram tomadas como corretas durante muito tempo e afetaram diretamente a educação. A partir desse pensamento me questiono: quais as semelhanças existentes entre o paradigma da comunicação e a concepção que entende a linguagem como interação e como isso influenciou o desenvolvimento da educação? É o que tentarei responder na próxima seção.

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II EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NO PARADIGMA DA COMUNICAÇÃO: A PRAGMÁTICA

2.1 O paradigma da comunicação

Diante da crise que assolou a modernidade deparamo-nos com o terceiro paradigma que se caracteriza por uma proposta neomoderna centrada na linguagem pragmática. O reconhecimento de que a linguagem é essencial na constituição da vida humana acarreta a virada linguística. Esta expressão é usada para definir uma forma de interpretação que se faz de um tipo de pensar que se torna predominantemente hegemônico num determinado período. O paradigma da linguagem está voltado às mudanças provocadas pelos estudos da linguagem, os quais se interessam pela construção do sentido, levando em conta a linguagem em uso. Nesta perspectiva, o sentido se constitui através das relações estabelecidas pelos interlocutores, considerando que a linguagem é a estrutura que organiza as relações humanas.

A virada paradigmática implica na negação daquilo que Boufleuer (2006, p. 7) denomina de [...] “tradicional equação do conhecimento”. Nos paradigmas anteriores pressupõe-se a existência de uma relação sujeito-objeto a partir da qual são tematizadas os assuntos da razão humana e de suas concretizações, como a cultura e a sociedade. Nesses casos, tanto no paradigma metafísico como no paradigma moderno, o sujeito se depara com o mundo como objeto a ser apreendido ou transformado. O condutor do significado de racionalidade é ou o sujeito reflexivo que torna visível um mundo já posto, ou o sujeito que persegue finalidades de conhecimento e de domínio particularmente constituídos.

Numa direção distinta a daquela dos paradigmas metafísico e moderno [...] “projeta-se, hoje, um sentido de racionalidade como entendimento intersubjetivo acerca das diferentes realidades que constituem o mundo dos homens” (BOUFLEUER, 2006, p. 7). Dessa forma, institui-se uma relação intersubjetiva entre os sujeitos e, consequentemente, o atuar da razão passa a ser um acontecimento social, uma relação intersubjetiva. Neste caso, o centro da razão passa a ser a linguagem, que é uma peculiaridade da condição humana.

Referências

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