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Diante da crise que assolou a modernidade deparamo-nos com o terceiro paradigma que se caracteriza por uma proposta neomoderna centrada na linguagem pragmática. O reconhecimento de que a linguagem é essencial na constituição da vida humana acarreta a virada linguística. Esta expressão é usada para definir uma forma de interpretação que se faz de um tipo de pensar que se torna predominantemente hegemônico num determinado período. O paradigma da linguagem está voltado às mudanças provocadas pelos estudos da linguagem, os quais se interessam pela construção do sentido, levando em conta a linguagem em uso. Nesta perspectiva, o sentido se constitui através das relações estabelecidas pelos interlocutores, considerando que a linguagem é a estrutura que organiza as relações humanas.

A virada paradigmática implica na negação daquilo que Boufleuer (2006, p. 7) denomina de [...] “tradicional equação do conhecimento”. Nos paradigmas anteriores pressupõe-se a existência de uma relação sujeito-objeto a partir da qual são tematizadas os assuntos da razão humana e de suas concretizações, como a cultura e a sociedade. Nesses casos, tanto no paradigma metafísico como no paradigma moderno, o sujeito se depara com o mundo como objeto a ser apreendido ou transformado. O condutor do significado de racionalidade é ou o sujeito reflexivo que torna visível um mundo já posto, ou o sujeito que persegue finalidades de conhecimento e de domínio particularmente constituídos.

Numa direção distinta a daquela dos paradigmas metafísico e moderno [...] “projeta-se, hoje, um sentido de racionalidade como entendimento intersubjetivo acerca das diferentes realidades que constituem o mundo dos homens” (BOUFLEUER, 2006, p. 7). Dessa forma, institui-se uma relação intersubjetiva entre os sujeitos e, consequentemente, o atuar da razão passa a ser um acontecimento social, uma relação intersubjetiva. Neste caso, o centro da razão passa a ser a linguagem, que é uma peculiaridade da condição humana.

Neste sentido, a racionalidade é percebida como o [...] “resultado de um entendimento construído entre sujeitos acerca das diferentes realidades que constituem o mundo humano” (BOUFLEUER, 2001, p. 57). Sendo assim, o conhecimento surge como um entendimento dos sujeitos sobre algo em comum. Por isso, o saber é sempre dependente de argumentos, de acordos linguisticamente mediados, com o que ele configura uma construção efêmera, sempre passível de revisão.

O referido autor acrescenta que

Mais do que a guinada de um mundo que “se descobre” para um mundo que “se produz”, indica-se aqui para um novo lugar da razão, o que resulta em mudanças efetivamente radicais para as interações humanas que se orientam para processos de aprendizagem nos âmbitos da cultura e da sociedade, como é o caso das interações pedagógicas (Idem).

Na razão comunicativa a linguagem é o componente fundante, visto que os sujeitos, [...] “antes mesmo de uma relação objetiva com o mundo, já estão dotados da capacidade da linguagem e da ação para relacionar-se com o mundo” (LIBÂNEO, 2003, p. 4). Dessa forma, o entendimento entre as pessoas passa pela ação comunicativa. A ênfase não está mais na relação sujeito-objeto, mas na relação entre as pessoas e as proposições. Contudo, não se trata, apenas, de uma comunicação baseada em reconhecimento do outro, trata-se de estabelecer a realidade, por meio das defesas daquilo que se assevera e, com isso, se possa garantir um entendimento comum e compartilhado dessa realidade. Assim, o saber deixa de ser uma relação com os objetos e passa a ser uma relação social argumentativa.

Marques (1993) destaca que

A reconstrução da modernidade em seu desgaste pós-moderno só se pode realizar como reconstrução do conhecimento, na passagem do paradigma mentalista, ou da autoconsciência individual, em direção a novo paradigma centrado no medium universal da linguagem pragmática ancorada no mundo da vida sob o primado da Ética, ou da elucidação da vontade coletiva através da ação comunicativa, isto é, do diálogo da palavra e da ação em permanente abertura à participação de todos em igualdade de condições (p. 71).

Como reconstrução, a neomodernidade não rejeita os ideais da razão, pelo contrário, reitera a força da razão que aparece na multiplicidade de suas vozes

abertas às questões da reconstrução hermenêutica. Marques (1993), afirma que é hora de mudar o enfoque do paradigma da relação sujeito-objeto por outro: o da relação comunicativa que se institui na interação entre sujeitos. Nesse novo paradigma, a racionalidade adota a conduta dos protagonistas de um processo comunicativo e a forma como eles conduzem a sua conversação, objetivando o entendimento. Para tanto, foram necessárias sucessivas “viradas linguísticas”, pelas quais se deposita o diagnóstico no plano pragmático da linguagem em uso tornando- se possível inserir relações com o mundo.

Para Marques (1992) a linguagem passa a ser entendida além dos seus aspectos semânticos, envolvendo os falantes [...] “numa ativa relação de entendimento entre si sobre algo” (p. 559). Dessa forma, a linguagem pragmática é constituída por pressupostos dialógicos, isto é, espera-se dos interlocutores um acondicionamento que garante a reciprocidade e a simetria, em igualdade de condições e oportunidades quanto à inteligibilidade, à veracidade e à integridade moral.

Orienta-se esta pesquisa, para todos os efeitos, pelo entendimento de que a concepção de linguagem determina o modo como o professor age em sala de aula. Por isso se torna tão importante estudá-la e entendê-la como processo de interação social. Neste sentido, encontro suporte teórico na teoria da pragmática. A proposta dessa teoria é estudar a linguagem nas situações concretas de fala, buscando ver quais são os significados atribuídos tanto pelo locutor como pelo interlocutor. Além disso, a pragmática se preocupa em analisar como os falantes organizam o que pretendem dizer, considerando o contexto, as inferências feitas pelos receptores e, ainda, observa o não dito como parte do que é comunicado. Para a sustentação desse novo modo de compreender a linguagem, faço referência aos estudos já feitos na área da pragmática, os quais entendem, basicamente, a linguagem como ação, estando vinculada a um contexto, ou seja, a um determinado uso. Com base nessa linha de compreensão da linguagem, apresento algumas inferências para o campo da educação.

O meu intuito é refletir sobre a importância que a linguagem adquire no ato de ensinar, uma vez que ela perpassa todas as disciplinas escolares. Sendo assim, entendo que é necessário ensinar o aluno a refletir, a raciocinar, a desenvolver o

modo de pensar científico que exige o desenvolvimento das habilidades de observação e de argumentação acerca da linguagem.

Neste sentido, não posso deixar de refletir sobre uma questão importante que envolve o processo educativo: a prática pedagógica do professor em sala de aula. Esta é determinante e, entre outros fatores, é responsável pela reconstrução do conhecimento tanto do professor como do aluno, a partir de suportes teóricos que sustentam a metodologia usada. Mesmo que o educador não tenha consciência disso, a concepção teórica que ele tem sobre a linguagem é fundamental para o encaminhamento prático em sala de aula.

Tendo em vista que a linguagem é essencial para a constituição do sujeito, analisar as peculiaridades que a permeiam é imprescindível para compreender o processo que a envolve e quais estratégias podem ser usadas pelos participantes de um ato comunicativo. Neste sentido, a pesquisa propõe uma reflexão sobre os modos de compreender a educação e a linguagem, visualizando os seus desdobramentos, especialmente nas ações de mediação do professor no processo de ensino-aprendizagem da interpretação da linguagem, bem como entender os diversos aspectos envolvidos na sua compreensão, auxiliando, assim, na prática pedagógica do educador.

A linguagem é uma característica essencialmente humana. Entre as peculiaridades que a envolvem está a troca, o diálogo, ou seja, a interação entre locutor e interlocutor. Este recria a realidade através da representação feita por aquele. Quem fala faz surgir por meio do discurso um acontecimento e quem ouve reproduz esse acontecimento à luz da sua própria experiência.