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2.2 O paradigma da comunicação e a linguagem como interação

2.2.3 A teoria dos atos de fala de Austin

A Teoria dos Atos de Fala foi criada por John Austin, na Universidade de Harvard, EUA, em 1955, publicada no livro intitulado “Quando dizer é fazer”. Nessa obra, a ideia defendida pelo autor é que dizer é muito mais do que transmitir informações, é também uma forma de agir no mundo. Uma questão fundamental inquietava o filósofo: “o que fazemos com as palavras quando falamos?” A sua principal contribuição foi a ideia de que a linguagem é ação que é realizada através do dizer e não apenas uma representação da realidade.

A crítica de Austin à semântica formal dá-se na medida em que o teórico supõe que as afirmações não serviam apenas para descrever ou declarar coisas, comprovando-as com a realidade (podendo ser verdadeiras ou falsas). Dessa forma, ele questiona a visão descritiva da língua e tenta mostrar que certas afirmações não servem para descrever, mas sim para realizar ações. Para o autor, em sua primeira fase de estudos, existem dois tipos de afirmações que podem ser diferenciadas da seguinte maneira: as constatativas e as performativas. As primeiras dizem respeito às declarações que descrevem, representam a realidade e podem ser verdadeiras ou falsas. E as outras são aquelas afirmações que não descrevem nada, mas ao dizer realizam alguma ação. E são essas que lhe interessam (FIORIN, 2002).

Austin verifica que certos enunciados na forma afirmativa, na primeira pessoa do singular do presente do indicativo da voz ativa, apresentam as seguintes características: 1º) não descrevem nada e, portanto, não são verdadeiros nem falsos. 2º) ao serem executados/proferidos, correspondem a uma ação. Assim, ao

se pronunciar enunciados, tais como “eu afirmo”, “eu peço desculpas”, “eu aposto”, por exemplo, a finalidade não é a de se fazer declarações falsas ou verdadeiras. Ao pesquisar essa questão, Austin percebe que certos enunciados são ações, ou seja, que ao dizer, o indivíduo fazer ao mesmo tempo está realizando uma ação (FIORIN, 2002, p. 170 -173).

O referido autor observa outro fato em relação aos performativos. Além de serem enunciados, as circunstâncias em que as palavras são ditas devem ser adequadas. Ele ressalta que um performativo falado inadequadamente não é falso, mas nulo, ou seja, a intenção não foi alcançada. Por exemplo, quando alguém que não é o noivo ou a noiva pronuncia um "sim" perante um juiz, isso não significa que o que foi falado é falso, apenas não teve sucesso porque foi enunciado por uma pessoa que não tinha permissão para responder (Idem.).

Tendo em vista o funcionamento feliz ou sem falhas de um enunciado performativo, Austin recomenda alguns critérios que precisam ser satisfeitos para que um enunciado seja bem-sucedido, afinal, o sucesso não depende exclusivamente de quem faz uso da linguagem, mas de uma série de fatores. A estes ele denominou "condições de felicidade”. Para alcançar o seu objetivo, ele organiza as principais categorias de sucesso de um performativo (FIORIN, 2002):

1) [...] “Determinadas palavras pronunciadas em certos momentos têm por convenção um determinado efeito”. Logo, as pessoas que irão fazer uso da palavra devem considerar as situações apropriadas para a realização de um determinado proferimento. Isso significa que o locutor deve ter autoridade para executar o ato. Assim, por exemplo, [...] “se um faxineiro (e não o presidente da câmara) diz “Declaro aberta a sessão”, o performativo não se realiza, porque o faxineiro não tem autoridade para abrir a sessão”. Consequentemente aquilo que foi pronunciado é nulo, sem efeito, vazio (FIORIN, 2002, p. 171).

2) A enunciação deve ser efetuada corretamente pelos participantes, caso contrário, o performativo será nulo. Por exemplo, para realizar um divórcio é preciso que haja uma execução correta por parte do juiz e dos interessados na separação, caso contrário o performativo se torna inválido (Idem).

3) A enunciação deve ser realizada coerentemente pelos participantes, ou seja, devem ter a intenção de se conduzirem de maneira adequada. Ambos devem proceder com o mesmo discurso. Por exemplo: [...] “quando alguém diz ‘aposto dez reais como vai chover’, para que o ato de apostar tenha sucesso, é preciso que o outro aceite a aposta, enunciando a aceitação” (FIORIN, 2002, p. 172).

Por outro lado, quando um falante enuncia um performativo de natureza sentimental sem de fato sentir o que foi expresso, este performativo torna-se vazio, puramente verbal. Por exemplo, quando alguém diz “meus parabéns”, sem que sinta nenhuma simpatia pela felicidade do outro, o performativo se realiza, mas o locutor não adotou o comportamento adequado (Idem).

Quando Austin percebe que os performativos não davam conta de todas as situações, ele dilui a teoria e passa para a segunda fase dos seus estudos. É aí que ele apresenta uma nova perspectiva de compreensão da linguagem: que todo ato de fala é, ao mesmo tempo, locucionário, ilocucionário e perlocucionário. Não se trata de classificar os atos de linguagem, na verdade são diferentes dimensões que a linguagem pode adquirir (FIORIN, 2002).

De acordo com o filósofo, ao dizer são realizados três atos: o fonético (produzir sons, ruídos), o fático (empregar os sons, se expressar) e o rético (empregamos sentenças que são utilizadas em determinadas situações). Ao conjunto dessas três ações Austin dá o nome de ato locucionário, é o ato de dizer algo que possui significado. O segundo ato é o que Austin chama de ilocucionário, que [...] “é a realização de um ato ao dizer algo, em oposição à realização de um ato de dizer algo” (AUSTIN, 1990, p. 89). O autor destaca que o ato ilocucionário tem certa força ao dizer algo. Por exemplo, ao dizer "Que sala abafada!" não houve a simples intenção de constatar uma situação, mas a de protestar ou advertir para que alguém abra a porta ou algo semelhante. Existe também um terceiro ato, denominado de perlocucionário, que acarreta efeito/ações futuras em outro indivíduo através do pronunciamento feito, influenciando em suas decisões e atitudes.

Na continuação da sua pesquisa, Austin estabelece uma distinção entre os atos ilocucionários e os perlocucionários. O primeiro realiza a ação pelo simples fato de enunciar um performativo. Já o segundo depende da interpretação do

interlocutor. Para o autor existem especialmente três maneiras/sentidos de distinguir um ato do outro, que são: a) garantir a apreensão; b) ter um resultado; c) demandar respostas (AUSTIN, 1990, p.103).

Koch, citando Austin, afirma que é relevante ressaltar que o autor evidencia que todo ato de fala é, ao mesmo tempo, locucionário, ilocucionário e perlocucionário, caso contrário não seria um ato de fala. Ao interagir através da língua profere-se um enunciado dotado de certa força que irá produzir no interlocutor determinados efeitos, ainda que não aqueles que o locutor tinha em mente (KOCH, 1997).

Apesar disso, Austin não deu conta de separar o locucionário e o ilocucionário. Por isso, vai falar em força ilocucionária de um ato de fala, apresentada na última conferência. A força ilocucionária não está associada ao significado transparente do enunciado, pois ela está inteiramente conectada às interações sociais que se constituem entre os interlocutores, relações que podem ser de autoridade, de cooperação, entre outras. A expressão “força ilocucionária” confere um valor, um atributo especial a uma certa locução e pode ser transformada em uma ordem, uma pergunta, etc. Pode-se também entender que a força ilocucional é a dimensão que determinados enunciados assumem. Como, por exemplo, quando o marido pergunta “Você sabe que horas são?” não significa que ele quer saber o horário do momento, mas quer que a mulher se apresse para que eles não cheguem atrasados ao compromisso (FIORIN, 2002).

Para Austin o critério de sentido era estabelecido através do uso das palavras. A sua ideia central era de que a linguagem adquiria significado através do contexto, ou seja, através do agir numa determinada situação. Seu principal objetivo foi de reparar [...] “o abismo aberto pela semântica tradicional, quando foram separadas linguagem e realidade” (COSTA, 2013, p. 48). No final de suas investigações ele aceita o caráter intersubjetivo, característica da linguagem humana, porém não coloca o tema da validade do sentido nessa dimensão exclusiva, conservando-se refém da objetivação no campo da ação subjetiva. Habermas, por sua vez, com sua pragmática universal enfatizou essa questão e com ela surgiu outra demanda, que é a do princípio normativo do pensar e agir humanos (COSTA, 2013).

2.2.4 As contribuições de Wittgenstein para o estudo da linguagem em ação