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A partir das concepções do paradigma da comunicação, entendo que é a linguagem que constitui as relações humanas e sem ela não é possível haver entendimento. Dessa forma, o significado e o contexto passam a ser os elementos centrais da ação comunicativa e precisam ser apreendidos para que o sentido seja estabelecido. Libâneo (2003, p. 2) destaca que [...] “nesse paradigma, antes da relação sujeito-objeto, há a linguagem”. Ela é a primeira realidade humana, na qual a intersubjetividade antecede a relação sujeito-objeto. A apreensão do real se dá pela relação dialógica, de modo que se compreenda o real na rede das experiências culturais e subjetivas.

Ainda na mesma linha de reflexão, Libâneo (2003, p. 2) argumenta que a linguagem não é apenas um [...] “sistema que reflete significados, mas constrói significados”, ou seja, por um lado, existem fatores sociais e culturais que compõem a linguagem; mas, por outro, os indivíduos estabelecem significados, constituindo vínculos que caracterizam cada ato comunicativo. Para o referido autor são essas práticas discursivas que compõem os sujeitos, bem como as suas identidades e os seus modos de agir. A educação assume uma função ativa de aprendizagem grupal e da potenciação do alargamento cognitivo, proporcionando, segundo Marques (1992, p. 560), uma expansão do [...] “horizonte cultural, relacional e expressivo, na dinâmica das experiências vividas e na totalidade da aprendizagem da humanidade pelos homens”.

A partir da constituição do paradigma da comunicação e do entendimento da linguagem como interação, as dúvidas e as incertezas passam a fazer parte do cotidiano de quem atua na educação, pois os critérios tidos como certos já não sustentam mais essa nova forma de pensar a educação. No lugar da certeza instala- se o questionamento e uma constante avaliação do processo educativo, incluindo a prática pedagógica do professor. Além disso, os conhecimentos prévios dos alunos passam a ser considerados, assim como a pluralidade dentro da sala de aula. Neste paradigma o professor perde o “status” de possuidor do saber. Assim, a escola assume a função de desenvolver uma educação integral que possibilite ao aluno inserir-se no mundo, tendo acesso às razões que o sustentam.

Marques (1993, p. 111) destaca que é defendida uma visão pluralista de educação, na qual as aprendizagens significativas [...] “são as que se orientam para novas competências comunicativas nos campos da cultura, da vida em sociedade e da expressão das personalidades libertas de qualquer amarra”. Dessa forma, o diálogo é fundamental para que a aprendizagem aconteça. O aluno aprende através da interação, o professor, por sua vez, deixa de usar métodos prontos e passa a fazer a ponte entre o conhecimento e o educando, facilitando a aprendizagem. Além disso, todo o esforço do aluno é valorizado e o erro não é mais visto como um vilão. Dessa forma, o saber contribui para a formação de um cidadão crítico, reflexivo e, principalmente, ativo.

O diálogo supõe um encontro entre iguais, porém a educação não é uma relação entre iguais. Aqui entra a questão da subjetividade no encontro pedagógico. No diálogo cada interlocutor tem o direito de expor o seu ponto de vista, no entanto quando se trata de educação, professor e aluno não desempenham o mesmo papel. Um (professor) tem a função de mostrar ao outro (aluno) o caminho que já foi percorrido histórica e culturalmente. A dinâmica dialógica faz-se necessária e se instaura no processo pedagógico. No entanto, o objetivo da aprendizagem só será atingido através do empenho do educando em superar as suas limitações e ao aprender formular as suas próprias concepções acerca do mundo (BOUFLEUER, 2006).

O uso da palavra adequada na hora certa é postulado pedagógico fundamental, embora não se possa incorrer na ilusão de que, pelo fato de usarem as mesmas palavras, estejam todos operando com os mesmos conceitos, quer dizer, com a explicitação dos mesmos sistemas de relações percebidas. Somente a prática continuada da mesma linguagem em situações diferenciadas permite um consenso mais efetivo ou o entendimento comum sobre o sistema de relações conceituais empregado (MARQUES, 1992, p. 77-78).

De acordo com Marques (1992), a sala de aula deve ser entendida como um espaço de encontro [...] “para as relações educativas do face a face e, sobretudo, do ouvido a ouvido” (p. 562), superando a fragmentação dos saberes. Para que isso seja possível, é importante destacar que, conforme Benveniste (1991), o sujeito se constitui na e pela linguagem e a partir do seu uso ele é capaz de interagir na sociedade.

Na sociedade a convivência entre os homens só é possível através da linguagem. Gadamer (2011) destaca que

É somente pela capacidade de se comunicar que unicamente os homens podem pensar o comum, isto é, conceitos comuns e, sobretudo aqueles conceitos comuns, pelos quais se torna possível a convivência humana sem assassinatos e homicídios, na forma de uma vida social, de uma constituição política, de uma convivência social articulada na divisão do trabalho. Isso tudo está contido no simples enunciado: o homem é um ser dotado de linguagem (p. 174).

Benveniste afirma que entender a linguagem como instrumento é uma noção simplista que deve nos encher de desconfiança, pois a [...] “linguagem está na natureza do homem, que não a fabricou” (1991, p. 285). O referido autor também atesta que não percebemos nunca o homem afastado da linguagem e não o vemos

nunca inventando-a. Assim, [...] “é um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição do homem” (Idem.).

Benveniste (1991) destaca que a natureza imaterial da linguagem, o seu funcionamento figurado, a sua disposição articulada e o fato de que tem um conteúdo, já são suficientes para desconfiar dessa comparação da linguagem a um instrumento, que tende a desagregar do homem a propriedade da linguagem. O referido autor trata o conceito de subjetividade como a habilidade do locutor de se propor como sujeito. Essa capacidade é definida [...] “não pelo sentimento que cada um experimenta de ser ele mesmo (esse sentimento na medida em que podemos experimentá-lo não é mais que um reflexo)” (p. 286), porém como a integração psíquica que extrapola a totalidade das experiências vividas que agrupa e que garante a conservação da consciência. Essa [...] “subjetividade não é mais que a emergência no ser de uma propriedade fundamental da linguagem. É “ego” que diz ego” (Idem).

Para Benveniste, a consciência de si mesmo só é plausível se sentida por contraste. Ele afirma que eu não pronuncio eu a não ser conduzindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu.

Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois implica em reciprocidade - que eu me torne tu na alocução daquele que por sua vez se designa como eu. A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela que, embora sendo exterior a mim, torna-se o meu eco – ao qual digo tu e que me diz tu (BENVENISTE, 1991, p. 287).

Para Benveniste (1991, p. 287), [...] “a polaridade das pessoas é na linguagem a condição fundamental, cujo processo de comunicação é uma consequência totalmente pragmática”. Polaridade única em si mesma e que proporciona um tipo de contraste no qual não se localiza o equivalente em lugar nenhum fora da linguagem. No entanto, essa polaridade não significa igualdade nem simetria. O autor atesta que

[...] ego tem sempre uma posição de transcendência quanto a tu, apesar disso nenhum dos dois termos concebe sem o outro, são complementares, mas segundo uma oposição “interior/exterior” e ao mesmo tempo são

reversíveis. Procure-se um paralelo para isso, não se encontrará nenhum. Única é a condição do homem na linguagem (Idem.).

Gadamer4 (1999) entende a linguagem como medium do conhecimento hermenêutico. Dessa forma, ele atesta que quanto mais legítima uma conversação, [...] “menos ela se encontra sob a direção da vontade de um dos interlocutores” (p. 559). O resultado de uma conversação ninguém pode saber antecipadamente, pois o seu sucesso ou o seu fracasso depende do acordo entre os interlocutores.

De fato, a conversação autêntica não é nunca aquela que teríamos querido levar. Antes, em geral, seria até mais correto dizer que chegamos a uma conversação, quando não nos enredamos nela. Como uma palavra puxa a outra, como a conversação dá voltas pra cá e para lá, encontra seu curso e seu desenlace, tudo isso pode ter talvez alguma espécie de direção, mas nela os dialogantes são menos os que dirigem do que os que são dirigidos. O que “sairá” de uma conversação ninguém pode saber por antecipação. O acordo ou o seu fracasso é como um acontecimento que tem lugar em nós mesmos [...] a conversação tem seu próprio espírito e a linguagem que nela discorre leva consigo sua própria verdade, isto é “revela” ou deixa aparecer algo que desde este momento é (GADAMER, 1999, p. 559).

De acordo com o referido autor, o interlocutor não tem total controle sobre a conversação, pois ela assume sua própria direção. Para Gadamer, ao invés dos interlocutores dirigirem a conversação eles é que são os dirigidos por ela. Entende- se que o diálogo é um processo, no qual os interlocutores estão dispostos a entrar em acordo, ou seja, proporcionar um ambiente favorável para que haja a acolhida daquilo que inicialmente lhe é estranho.

Quando Gadamer (2011) aborda a questão do homem e a linguagem, ele atesta que [...] “é de Aristóteles a definição clássica do homem como ser vivo que possui logos” (p. 173). Dessa forma, na tradição ocidental o homem é entendido como o ser que se distingue dos outros pela sua capacidade de pensar. Afirma que a palavra grega logos foi traduzida como razão ou pensar, no entanto, ela significa, principalmente, linguagem. O homem é o único ser que pode falar e pensar. Isso significa que podemos tornar visível, através da fala, algo ausente de tal maneira que até um outro possa vê-lo.

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Ressalto que há diferenças no modo de conceber a linguagem por parte de Habermas e de Gadamer. Habermas está mais preocupado em perceber como, mediante o uso da linguagem, os sujeitos expressam um modo de agir passível de ser avaliado em termos de racionalidade. Já Gadamer está mais interessado em compreender como sujeitos humanos constituem a si e a seu mundo pela linguagem.

Assim como Benveniste (1991), Gadamer (2011) também afirma que a [...] “linguagem não é nenhum instrumento, nenhuma ferramenta” (p. 176). Se a linguagem fosse um instrumento, seríamos capazes de dominá-la, isso significa que lançaríamos mão e nos desfaríamos dela assim que tivesse ela prestado o seu serviço. No entanto, isso não acontece quando pronunciamos as palavras, pois [...] “jamais nos encontramos como consciência diante do mundo para um estado desprovido de linguagem” (Idem.). O autor continua afirmando que, ininterruptamente, já fomos tomados pela nossa própria linguagem. Na verdade já estamos tão acostumados e implantados na linguagem assim como estamos no mundo. De acordo com Gadamer (2011), a linguagem nos faz conhecer as coisas que estão a nossa volta. No entanto, não é possível dispor dela como se fosse um instrumento passível de dominação.

Neste sentido, insinuar uma semelhança entre a linguagem e um instrumento seria um equívoco, pois não podemos controlar o seu uso e nem nos desfazer dela quando não precisamos mais dos seus atributos. O acesso que temos ao conhecimento e a nós mesmos só é possível pela própria linguagem. Nosso pensamento reside na linguagem, fora dela não existe a possibilidade de pensamento. Assim sendo, é impossível pensar a linguagem fora dela mesma, considerando-a como um objeto, uma vez que o pensamento é inexistente sem a linguagem. Nesse sentido, reitero que a linguagem não é um instrumento, mas o espaço no qual existimos desde o princípio como seres vivos e que conserva acessível o todo no qual permanecemos (GADAMER, 2011).

Gadamer (2011) apresenta três aspectos que ele considera serem próprias da linguagem, a saber: 1) o esquecimento essencial de si mesmo que advém à linguagem; 2) ausência de um eu e 3) universalidade da linguagem.

O autor atesta que [...] “a linguagem viva não tem consciência de sua própria estrutura, gramática, sintaxe, etc., portanto, de tudo aquilo que a ciência da linguagem tematiza” (2011, p. 179). No momento em que a escola moderna introduz a gramática e a sintaxe em sua própria língua materna em lugar de introduzi-la numa língua morta como o latim, ocorre uma das transgressões típicas do natural. Exige- se de todos um imenso esforço de [...] “abstração para tomar consciência expressa da gramática do idioma que se domina enquanto língua materna” (Idem.).

A segunda característica essencial do ser da linguagem descrito por Gadamer (2011) é a ausência de um eu. Ele afirma que [...] “quem fala uma língua que ninguém mais compreende simplesmente não fala. Falar significa falar a alguém”. A palavra para ter significado precisa ir ao encontro de alguém. Contudo, isso não denota apenas que a coisa mencionada nessa palavra apresente-se diante de mim, mas que se expõe também àquele a quem eu falo. Nesse sentido, o falar não pertence ao domínio do eu, mas do nós.

Incorporado a isso aparece a terceira característica: a universalidade da linguagem. Ela não se constitui num campo fechado do que pode ser dito ao lado de outros campos do indizível, mas ela é “oniabrangente”. Já que o simples ter em mente já se alude a algo, não há coisa nenhuma que se tire fundamentalmente à possibilidade de ser dito. A probabilidade de proferir prossegue sem [...] “deter-se por causa da universalidade da razão”. Toda conversação possui, portanto, uma infinitude interna e não termina jamais. A conversa é interrompida, [...] “seja porque os interlocutores consideram já ter dito o suficiente, seja por não terem mais nada a dizer. Toda interrupção desse diálogo guarda, por sua vez, uma referência interna à retomada do diálogo” (p. 180).

Além desses três aspectos da linguagem, Gadamer (2001) também destaca que

Um enunciado só consegue tornar-se compreensível quando no dito compreende-se também o não dito. Uma pergunta da qual não sabemos a motivação não pode ser respondida. Pois é só a história da motivação da pergunta que abre o âmbito a partir do qual pode-se procurar e dar uma resposta. Assim, tanto no perguntar quanto no responder dá-se um diálogo infinito em cujo espaço se dão palavra e resposta. Tudo o que é dito encontra-se nesse espaço (p. 181).

O referido autor conclui que a linguagem é o núcleo do ser humano, [...] “quando considerada no âmbito que só ela consegue preencher: a convivência humana, do entendimento, do consenso crescente, tão indispensável à vida humana como o ar que respiramos” (p. 182).

Libâneo destaca que o paradigma da linguagem abre perspectivas para uma posição de reafirmação da razão crítica, sem cair nas armadilhas da descrença pós- moderna. [...] “Não é mais uma razão mentalista, programada, autossuficiente, mas

uma razão comunicativa baseada na relação compartilhada entre sujeitos, linguisticamente mediatizada” (LIBÂNEO, 2003, p. 3). Nesta proposta, os interlocutores envolvidos num processo comunicativo fundamentam suas relações na argumentação, visando o entendimento em torno de três contextos: o mundo objetivo das coisas, o mundo social das normas, o mundo das vivências e emoções. [...] “A racionalidade é alcançada não em função da busca da verdade objetiva, mas em busca de um processo argumentativo pelo qual se chega a um consenso não imposto de fora, mas acordado pelos protagonistas de uma situação comunicativa” (Idem.).

É relevante ressaltar que a principal dificuldade que enfrenta quem atua no campo da educação é a de que não há uma receita mágica para a solução dos problemas que surgem no decorrer do processo de ensino aprendizagem. Os conflitos precisam ser resolvidos por meio da linguagem. Temos a tendência de aceitá-la como um fato resolvido, com o qual estamos acostumados desde a infância, num uso prático e automático. Fazemos uso constante dela e não paramos para analisar os efeitos de sentidos provocados por esse uso e de que forma isso afeta ou não o educando.

Neste sentido, entendo, e volto a afirmar, que linguagem e educação estão intimamente relacionadas e ao repensarmos as concepções acerca de uma, consequentemente estaremos repensando a outra. No entanto, estamos habituados a uma série de ideias tidas como absolutas e nos despojarmos de toda sorte de preconceitos não é uma tarefa simples, mas é necessária e compensadora. Ressalto que é preciso um esforço singular para que se possa olhar a partir de uma nova ótica as coisas tidas como triviais.