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As contribuições de Habermas para uma compreensão ampliada da linguagem

2.2 O paradigma da comunicação e a linguagem como interação

2.2.5 As contribuições de Habermas para uma compreensão ampliada da linguagem

Além desses filósofos acima referidos, Habermas, fundamentalmente, se preocupou em estudar a linguagem. Seu pensamento foi influenciado pela teoria da pragmática. É relevante ressaltar que a sua importância consiste no fato de ter sido capaz de identificar pontos inacabados ou mal elaborados nos apontamentos dos filósofos anteriores e sugerir novos caminhos. Assim, ele propõe a teoria da Ação Comunicativa que sugere o [...] “entendimento linguístico entre os sujeitos envolvidos na comunicação que coordenam seus planos de ação sobre a base de acordos motivados comunicativamente, a partir da negociação de pretensões por meio do agir comunicativo” (NEITZEL, 2009, p. 27).

A fundamentação do conceito de ação comunicativa [...] implica necessidade de demonstração do potencial gerador de entendimento da linguagem. Tal demonstração terá de ser feita na perspectiva de um estudo da linguagem que considere o contexto interativo em que as expressões linguísticas se inserem. É por isso que o “agir comunicativo” busca suas referências nas teorias pragmáticas da linguagem: são elas que analisam as expressões linguísticas sob o ponto de vista de seu emprego em contexto comunicativo (BOUFLEUER, 2001, p. 37).

Boufleuer (2001), em seus estudos sobre a teoria da ação comunicativa, afirma que para a pragmática [...] “a linguagem sempre é vista a partir de sua dupla estrutura” (p. 37): a parte performativa e a parte proposicional. A primeira estabelece um tipo de intersubjetividade que estabelece a expressão linguística num determinado contexto e que anuncia o uso comunicativo da linguagem. Dessa forma, deixa claro o sentido em que um conteúdo é usado, ou seja, refere-se à intenção do locutor, bem como a ação que ele está a realizar. Já a segunda permite a comunicação entre os falantes que fazem o uso cognitivo da linguagem. Assim, é verbalizado o teor de um enunciado, sobre o qual se busca o entendimento.

Habermas destaca que [...] “um falante, ao comunicar-se com um ouvinte sobre algo, dá expressão àquilo que ele tem em mente” (apud BOUFLEUER, 2001, p. 38). Para tanto, conforme Habermas, entram em questão três relações que envolvem o enunciado: a intenção do locutor, o estabelecimento de um vínculo interpessoal entre os interlocutores e a enunciação [...] “de algo no mundo” (p. 39).

No segundo capítulo do seu livro “Pensamento pós-metafisico: estudos filosóficos”, intitulado “Guinada pragmática”, Habermas aborda questões importantes

que envolvem a ação e a linguagem. Boufleuer (2001, p. 39), citando Habermas, afirma que [...] “entender-se com alguém sobre determinada coisa significa alcançar um consenso sobre esta mesma coisa”. Para tanto se apresentam as pretensões de validez. Estas compõem o ponto de “convergência do reconhecimento intersubjetivo por parte de todos os participantes. Elas desempenham um papel pragmático na dinâmica que perpassa a oferta do ato de fala e a tomada de posição do destinatário” (HABERMAS, 1990, p. 81).

Para Habermas, [...] “o consenso sobre algo mede-se pelo reconhecimento intersubjetivo da validade de um proferimento fundamentalmente aberto à crítica” (p. 77). Neste sentido, o entendimento entre dois sujeitos depende do consenso que estes terão sobre o assunto discutido, uma vez que o consenso é formado implicitamente pelo reconhecimento recíproco da compreensão do que é dito, da veracidade do pronunciamento e do desempenho adequado dos interlocutores.

Habermas ressalta que o entendimento ocorre através de um processo que visa um acordo entre os interlocutores e que este não pode ser imposto por nenhuma das partes. Nesta perspectiva o autor destaca que um acordo entre os interlocutores não pode ser imposto nem forçado por uma das partes. [...] “As ações de fala não podem ser realizadas com dupla intenção de chegar a um acordo com um destinatário sobre algo e, ao mesmo tempo, produzir algo nele, de modo casual” (1990, p. 71).

O autor continua

[...] seja através da intervenção direta na situação e ação, seja indiretamente, através de uma influência calculada sobre os enfoques proposicionais de um oponente. Aquilo que se obtém visivelmente através da gratificação ou ameaça, sugestão ou engano, não pode valer intersubjetivamente como acordo; tal intervenção fere as condições sob as quais as forças ilocucionárias despertam e geram “contatos” (Idem.).

Habermas (1990) apresenta os atos de fala de Austin e a partir deles elabora a sua própria teoria, a do agir comunicativo. Os atos locucionários compreendem o dizer algo, nos atos ilocucionários o falante concretiza uma ação ao dizer algo, como por exemplo, fazer uma promessa, e através dos atos perlocucionários o falante busca causar um efeito sobre seu ouvinte. Segundo Habermas, [...] “a força

consensual do entendimento linguístico, isto é, as energias de ligação da própria linguagem, tornam-se efetivas para a coordenação das ações” (p. 71).

Por meio da teoria dos atos de fala de Austin, Habermas procurou mostrar duas formas de interação: o agir estratégico e o agir comunicativo. Este apresenta uma força consensual do entrosamento linguístico, isto é, as energias de união da própria linguagem tornam-se efetivas para a organização das ações, enquanto que aquele [...] “o efeito de coordenação depende da influência dos atores uns sobre os outros e sobre a situação da ação” (1990, p. 71).

Para Habermas (1990), o agir comunicativo depende do emprego da linguagem dirigida ao entendimento, preenchendo condições mais rigorosas. Ele afirma que os interlocutores envolvidos no diálogo [...] “tentam definir cooperativamente os seus planos de ação, levando em conta uns aos outros, no horizonte de um mundo da vida compartilhado e na base de interpretação comuns da situação” (p. 72). Além disso, o autor destaca que, para atingir os seus objetivos, os falantes e os ouvintes falam e ouvem alternadamente através de processos de acordo.

Neste sentido, o agir estratégico se diferencia do agir comunicativo, uma vez que a organização bem sucedida da ação não está sustentada na racionalidade teleológica dos planos particulares de ação, mas na força racionalmente motivadora de ações de entendimento, consequentemente, numa racionalidade que se revela nas condições solicitadas para um acordo alcançado comunicativamente.

III O OPERAR PEDAGÓGICO NO MEDIUM DA LINGUAGEM: DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO À LUZ DA PRAGMÁTICA

A partir do momento em que a linguagem deixou de ser secundarizada no âmbito da filosofia, os estudos relacionados a ela permitiram o estabelecimento de novas correlações entre linguagem e educação, ou seja, novas formas de filosofia da educação. Os estudos da pragmática proporcionaram uma virada na compreensão da linguagem, tanto no que diz respeito à produção de sentidos como na produção de tudo o que é considerado mundo humano. Diante dessa nova perspectiva, a linguagem não poderia continuar sendo vista como um meio com condições ideais, impecavelmente transparente, através do qual se pudesse estabelecer uma relação com o mundo.

De acordo com as concepções de linguagem apresentadas na primeira seção desta pesquisa, a transparência da linguagem seria nossa segurança de acesso sem desvirtuamento ao mundo real. Com a mudança de pensamento, percebeu-se que a tão censurada opacidade da linguagem não era algo inconveniente que deveria ser evitado, mas sim a qualidade natural e própria da linguagem, em todas as suas manifestações, resultando disso que longe de ser uma forma de transmissão, é repleta de artifícios e condutas inesperadas, quase sempre resistentes ao domínio do seu usuário. Ressalto que a linguagem não é mais um mero instrumento, [...] “mas um fenômeno poderoso em si, alheio à vontade humana e, frequentemente, às suas pretensões e intenções conscientes. ‘A linguagem nos fala’, como sintetizou o filósofo Martin Heidegger” (RAJAGOPALAN, 2010, p. 252).

Tendo em vista esta perspectiva, nesta seção reflito sobre a intransparência da linguagem, estabelecendo, também, inferências e desdobramentos para o campo da educação.