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20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de UFPA Belém, PA. GT13 - Sociologia da Juventude

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20º Congresso Brasileiro de Sociologia

12 a 17 de julho de 2020

UFPA – Belém, PA

GT13 - Sociologia da Juventude

Trajetórias Educacionais Juvenis Interrompidas Pela Pandemia da Covid-19

Newton Malveira Freire, SEDUC CE Mayara Tâmea Santos Soares, UFC Fernanda de Lemos Rocha, SEDUC CE

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Trajetórias Educacionais Juvenis Interrompidas Pela Pandemia Da Covid-19

RESUMO

O trabalho se propõe a analisar as trajetórias educacionais juvenis interrompidas pela pandemia da Covid-19, no panorama da Educação Básica do Ceará. Entendida como um fato social amplo, a pandemia serve de perspectiva para se identificar as razões do abandono escolar pelos jovens cearenses que cursavam o ensino médio. O insumo teórico se baseia em documentos legais, como os decretos, além de materiais relacionados ao rearranjo pedagógico no período de pandemia. A metodologia utilizada é qualitativa, baseada na técnica de entrevistas semi estruturadas realizadas com estudantes de diferentes escolas da rede pública, em dois momentos distintos, a primeira em 2018 e outra, em 2020. Como resultados prévios podemos destacar que, para os alunos que abandonaram a escola nesse período de pandemia, a explicação é mais por uma questão de prioridade e menos de desistência, ou seja, se trata de um fracasso pelas imposições do momento, não pela falta de vontade.

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) tem se apresentado como um dos maiores desafios sanitários em escala global deste século. Com efeito, de todas as medidas adotadas para conter a pandemia do coronavírus no Brasil, a suspensão das atividades presenciais escolares em todos os níveis de ensino está entre as de maior impacto, tanto no que diz respeito ao controle da propagação do vírus quanto às mudanças na dinâmica de reprodução social. Difundida em escala global, a suspensão dessas atividades teve o potencial de diminuir drasticamente o movimento e a interação das populações, além de estabelecer uma nova forma de conduzir atividades simples do cotidiano que levam em consideração uma mínima interação social.

Com a educação não foi diferente. A interrupção de suas atividades presenciais deu espaço para o ensino remoto, um substituto excepcionalmente adotado neste período de pandemia (SAVIANI, 2021, p.38), e que exigiu adaptações e aquisições de novas habilidades para todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem. Por sua vez, a adoção do ensino remoto durante a pandemia do coronavírus (COVID-19) trouxe à tona, dificuldades dos atores do sistema de educação pública com a prática e acentuou ainda mais as

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desigualdades sociais, sobretudo, se pensarmos na quantidade de alunos ainda sem internet ou computador após um ano de aulas à distância.

Vale ressaltar que a educação escolar representa uma realidade mais concreta na vida de muitas crianças e adolescentes, principalmente com a universalização do ensino no final da década de 1980. O reflexo dessa assertiva perpassa vários aspectos da realidade dos jovens, visto que boa parte de suas vidas é numa escola. Embora, nos últimos anos, essa instituição possa apresentar uma relação conflituosa ou, no sentido prático da ideia, uma obrigação para a qual a criança ou o adolescente se submete a fim de obter uma comprovação de estudos básicos, ela ainda é um campo de socialização importante. Dayrell (2007, p.1106) destaca que

[...] o problema não se reduz nem apenas aos jovens, nem apenas à escola, como as análises lineares tendem a conceber. Tenho como hipótese que as tensões e os desafios existentes na relação atual da juventude com a escola são expressões de mutações profundas que vêm ocorrendo na sociedade ocidental, que afetam diretamente as instituições e os processos de socialização das novas gerações, interferindo na produção social dos indivíduos, nos seus tempos e espaços.

Ainda assim, a vida escolar, em conjunto com outros campos de socialização, constrói para muitos jovens, um sentido de futuro, uma perspectiva de vida que pode e, quase sempre, sofre percalços. Estes, por sua vez, podem representar até mesmo o final da linha dos estudos e, com isso, uma pausa ou, mais comumente, o fim de um projeto traçado com base na educação básica ou superior. Isso porque a linha que divide as obrigações inerentes ao cotidiano de muitos jovens e a disponibilidade de permanecer na escola é tênue, cedendo quase sempre para o lado das obrigações. Com o agravamento da situação devido a uma crise sanitária que desestabiliza, sobretudo, a vida financeira de diversas famílias, a disputa entre a escola e outra necessidade do cotidiano, acaba por atender a esta última situação.

Dentre os fatores que nos impulsionaram a realização da pesquisa, citamos as falas de alguns professores que participaram de reuniões técnicas organizadas pelas Coordenadorias Regionais de Educação (CREDE) e a consulta dos boletins informativos organizados pela Secretaria da Educação do Ceará (SEDUC). O relato dos docentes aponta que cada vez mais o número de estudantes diminuía nas

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aulas virtuais, que a participação deles, mesmo nas atividades assíncronas1, não

era satisfatória. Além disso, os professores mencionaram as dificuldades constantes de manter o vínculo e acompanhar o processo de ensino e aprendizagem na modalidade de trabalho remoto. Apoiados nesses dados, decidimos, portanto, verificar que fatores foram decisivos na descontinuidade das atividades educacionais dos estudantes.

O presente trabalho se detém, portanto, não em um dos vários obstáculos à continuidade dos estudos escolares de muitos jovens, mas em um fato social amplo, pois faz parte da realidade de muitos estudantes em todos os países. Dessa forma, a pesquisa objetiva analisar as trajetórias educacionais interrompidas pelo COVID-19, no panorama do ensino médio do Ceará, identificando as razões do abandono escolar pelos jovens nesse período.

O Decreto Estadual Nº 33.510, do dia 16 de março de 2020, estabeleceu a suspensão das aulas até 02 de abril. No entanto, em virtude do aumento do número de casos de contaminação, houve prorrogação e adiamento das atividades presenciais com posteriores atualizações no citado documento. Sendo assim, o retorno das aulas na escola, programado para acontecer ao longo de 2020, não foi possível.

Vale deixar claro que, após o governo estadual sofrer forte pressão do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (SINEPE-CE), com a veiculação de propagandas e outras estratégias midiáticas com apelo a abertura dos estabelecimentos de ensino, até a conclusão da pesquisa e escrita do referido texto, a retomada das atividades escolares, seja na modalidade presencial ou híbrida, ainda não tinha acontecido. As escolas públicas de ensino médio seguem fechadas, mas no mês de maio, foi iniciada a vacinação dos profissionais da educação, grupo pertencente à fase 4 do processo de imunização coletiva. Ao que tudo indica, provavelmente a retornança às unidades escolares será gradual e levará em conta uma série de protocolos de segurança e recomendações técnico científica que envolve não só a SEDUC, mas outras instituições que atuam

1Nomenclatura utilizada no EAD para destacar ferramentas que não estão conectadas no momento

real, ou seja, não é necessário que os alunos e professores estejam conectados ao mesmo tempo para que as tarefas sejam concluídas e o aprendizado seja adequado.

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conjuntamente nos comitês de estudo para organizarem esse regresso, no decorrer do segundo semestre letivo do ano 2021.

Nesse cenário, o ensino remoto se insere na dinâmica das aulas, reinventa à docência e traz uma questão que, em pleno século XXI, com todo o avanço tecnológico gerado, faz repensar sua capacidade de atender à nova demanda. Afinal, segundo Saviani (2021, p.43), o ensino remoto foi colocado como única possibilidade de substituição ao funcionamento das escolas, mas nenhum profissional foi preparado para um momento como esse, tampouco os estudantes. Abriu-se um espaço enorme às tecnologias e educação à distância (EAD), incorporando práticas educacionais que nem sempre apresentam um ponto pacífico, e não parecem que venham a ser pacificadas no período que ainda se apresenta de isolamento social.

Esse novo momento [...] discutindo, refletindo sobre esse ensino remoto em sua totalidade. Sem previsão nenhuma do retorno das aulas presenciais, aquele antigo normal idealizado por muitos, está longe de voltar. E a preocupação com a qualidade da aprendizagem é muito grande. Saúde mental e equilíbrio emocional também devem ser levados em conta porque agora, mais do que nunca, estamos distantes fisicamente e sequer conseguimos sentir nosso aluno. Esses fatores devem estar associados durante todo o período do isolamento. Se os adultos, pais e profissionais estão enfrentando dificuldades (física, emocional, financeira...), imaginem nossos adolescentes e jovens, trancados em seus quartos, fazendo aquilo que mais gostam nesse novo século que é estar ligado nesse mundo virtual. E desassistidos muitas vezes. (HACKENHAAR & GRANDI, 2020, p.57)

Constata-se, porém, que a forma como os profissionais da educação tiveram e/ou estão tendo que se adaptar rapidamente à nova realidade não reflete, necessariamente, em um ritmo similar de acompanhamento dos estudantes. Isso porque estes não fazem parte de um grupo homogêneo, mas apresentam práticas, representações, símbolos e rituais os quais marcam uma identidade juvenil. Na construção desses aspectos, a escola pode não apresentar mais o título de lugar principal de socialização, mas ainda assim, representa relevância, principalmente quando os planos, aspirações e perspectivas dependem dessa instituição para acontecer, ou que são despertadas através do convívio escolar.

Em vista disso, percebendo que existe uma dinâmica entre as várias juventudes e a escola, como bem explica Dayrell (2007, p.1125), que por sua vez já apresenta uma tensão, faz-se necessário a análise dessa mudança em tentar trazer esse convívio para fora do espaço físico, como ele pode repercutir e se

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desdobrar em várias dificuldades. Logo, nosso trabalho escrito mostra-se essencial para discutir sobre como a junção de fatores e causas multidimensionais levaram adolescentes, sobretudo, a desistirem de estudar.

DESENVOLVIMENTO

Os sistemas de ensino e a educação podem ser vistos como máquinas de subjetivação, pois em algum período eles preparam o jovem para exercer uma função social. Entretanto, em determinado momento esse jovem se depara com um aparato muito forte que é a escola, uma instituição que constantemente sinaliza que ele precisa se situar socialmente e orienta como fazer para ocupar certos espaços, muitas vezes, esse ideal se torna uma única verdade da qual ele está exposto, e obviamente, não abre margem para ele exercer sua criatividade ou até mesmo se reinventar.

O debate acerca da juventude é necessário para compreender o longo processo para que essa categoria fosse reconhecida como seus direitos legítimos e dispostas a requisitar políticas públicas sociais para o atendimento de suas demandas. Sabemos que o estudo e a importância da juventude como temática sociológica é corrente, como também é recente dentro da própria cultura e história da humanidade.

O que quero lembrar é muito simplesmente que a juventude e a velhice não são dadas, mas construídas socialmente, na luta entre os jovens e os velhos. As relações entre a idade social e a idade biológica são muito complexas. (...) Nada há aqui que não seja muito banal, mas que faz ver que a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; e que o fato de se falar dos jovens como de uma unidade social, (...) e de se referir esses interesses a uma idade biologicamente, constitui já uma evidente manipulação.” (BOURDIEU, 1983, p.152-153)

Fica claro, portanto, que a categoria juventude ganhou diversas abordagens e perspectivas na Sociologia, mas ainda precisa ser mais discutida dentro do campo escolar em geral, para além de disciplinas específicas, ou centradas nas Ciências Humanas.

Contudo, reconhecemos que a juventude é uma categoria que extrapola em muito tal limitação, e na perspectiva sociológica, a entendemos como momento de construção de identidade e de projeto de futuro, que compreende, conforme Lima

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Filho (2014, p.105), não apenas mudanças corporais, mas simbologias, estilo de vida, que se relaciona com a estética, ao consumo e à identidade.

Queremos destacar que a figura dos jovens a qual faremos menção no decorrer do texto, refere-se a alunos da escola pública, moradores da zona rural e da zona urbana, estudantes que precisam de transporte escolar para ir à escola, alunos que moram nos mais diversos arranjos familiares, indivíduos que enfrentam dificuldades econômicas e que esbarram em sonhos, ou temem até sonhar, pelas dificuldades que percebem ao longo de sua trajetória escolar e que se descortinam futuramente, como baixa oferta de trabalho e difícil acesso ao ensino superior. Essa realidade juvenil serve como uma referência para que a disciplina de Sociologia, assim como as demais que compõem a grande área de Ciências Humanas, possam estudar a escola para além de um simples ambiente de trabalho, e como diz Dayrell (2003, p.40) problematizar a cultura juvenil contemporânea, evidenciando, por meio dela, os anseios e os dilemas vividos pela juventude.

A universalização da educação básica gera para sociedade o espaço das realizações e das aspirações. Se pensarmos a juventude como uma categoria de estudos, podemos afirmar que a partir do momento em que a escola reconhece o jovem além da sua expressão de estudante, atenta para ouvi-lo e atender suas demandas, ela pode contribuir de forma mais dinâmica para a formação e trajetória de vida desses jovens.

Sendo assim, a escola de certa forma, para alguns jovens acaba se tornando o único espaço destinado ao ensino e aprendizagem, onde em seu processo formativo vai atuar e interagir com diferentes atores. Vejamos alguns trechos adaptados das entrevistas realizadas.

A escola pra mim é uma instituição na qual, pra mim, no meu olhar, é aquilo que testa o nível do meu conhecimento. É(pausa) porém, também proporciona portas, claro que dependente do seu interesse, abri-las, dando passagem para algo maior, algo novo, algo que vai lhe proporcionar mais conhecimento, como por exemplo, História, contas de Matemática mais avançadas, o Inglês né, o estudo de línguas, por exemplo, a Filosofia, a história dos filósofos, a história da Ética, dentre outros. É pra mim, no meu olhar uma instituição na qual onde abre portas, para novos conhecimentos, para você avançar o seu nível de conhecimento naquela instituição, pra levar pra você, pra sua vida, até porque, a gente estuda pra num futuro, pra quando a gente, por exemplo, arranjar um emprego, digamos de contabilidade, que tenha contabilidade né, por exemplo, nós é (pausa)... meio que(pausa)...conseguir efetuar aquilo sem ter alguma interferência alguma interrupção. Então, pra mim, é um conhecimento que se querendo ou não é utilizado no futuro, é algo que vai servir, nada que

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se é passado é meio que seja em vão, digamos. (Estudante A1, 1ª série, 2018)

A escola pra mim é o começo de tudo. Eu acho, sabe? Porque é lá (ela estava na escola quando deu essa entrevista mas mesmo assim falou como um lugar distante ou no campo das ideias) que você vai aprender, vai conhecer pessoas, o que vem de cada pessoa, por que tem tantas pessoas na escola, e aí que você vai ver e conhecer a vida das pessoas, algumas coisas são diferentes da sua vida, e outras são parecidas com você. (Estudante A2, 1ª série, 2018)

A escola é o lugar onde a gente aprende muita coisa, muita mesmo, com a vida. E os amigos assim, vamos dizer assim, eu estudo a tarde, e eu tenho uma melhor amiga aqui, eu sinto isso como se fosse bom! Eu gosto, eu sinto mais perto das minhas amigas, sem ter nada pra fazer...sim, tem a hora de estudar, mas também tem o intervalo, que a gente conversa. (Estudante A3, 1ª série, 2018)

Para os respondentes, a escola se caracteriza como o lugar do desenvolvimento intelectual e emocional. Percebe-se a necessidade de um ensino que promova não só o desenvolvimento cognitivo, mas que tenha em seu cerne o desenvolvimento integral do aluno. É o local onde se estuda e aprende coisas novas. É também, território de socialização, do encontro com os amigos, da diversão, dos romances e de muitas cobranças pela quantidade de disciplinas presentes no currículo.

“...à necessidade de reorganização dos tempos e espaços escolares(...) Significa levar em conta a diversidade que compõe o universo do jovem, as relações sociais, as especificidades culturais e ambientais, em outra perspectiva de elaboração curricular... O currículo também daria visibilidade às identidades dos sujeitos envolvidos no ato educativo: quem são essas pessoas, que referências culturais carregam, de que valores são portadoras, que representações constroem a partir de sua inserção num contexto social específico, como se veem e como interpretam esse contexto, como se expressam”. (DAYRELL, 2013, p.79)

A rigidez do currículo, da obrigação do cumprimento do conteúdo programático contrasta fortemente com as demandas da juventude. Repensar o currículo e permitir o uso de novos métodos pedagógicos, podem contribuir para transformar a escola a fim de minimizar a exclusão, pois a escola de massa não promove a equidade e não produz efeitos positivos para a sociedade.

Todavia, como mencionamos nos parágrafos anteriores, a pandemia interferiu no campo educacional, retirando os jovens do espaço escolar, minimizando os contatos sociais e limitando a capacidade de aprendizagem, troca e interações entre seus pares. Por mais que a escola tenha cessado suas atividades presenciais, ela não parou de funcionar. Essa instituição se virtualizou,

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perdeu a grandeza do seu espaço físico e foi reduzida aos monitores dos aparelhos eletrônicos, onde as atividades tinham sempre links de acesso, câmeras e microfones ligados ou não durante a aula. Porém, nem todos os alunos dispunham de condições materiais para acompanhar os estudos remotamente. Sendo assim, constatamos que SEDUC, realizou diversas ações planejadas para tentar garantir o acesso desses jovens ao conteúdo anual programático, tais como busca ativa por parte dos professores diretores de turma, grêmio estudantil, impressão e entrega em domicílio de material autoral desenvolvido pelos professores em todas as disciplinas, bem como chips que permitiram acesso à internet. Contudo, incorreram prejuízos significativos, pois apesar dos esforços, houve aqueles discentes que não tiveram acesso às aulas online com as explicações e atenção devidas para aprendizagem dos conteúdos pedagógicos.

Os impactos da pandemia foram visivelmente sentidos com o término do ano letivo de 2020. Após uma consulta ao Sistema Integrado de Gestão Escolar2

(SIGE), fizemos um cruzamento de dados referentes à quantidade de estudantes regularmente matriculados nas escolas de ensino médio e o número de estudantes que não concluíram a série que cursaram, nos anos 2019 e 2020. Em 2019, ano que antecedeu a pandemia, tivemos um total de 416.703 estudantes matriculados e 1.579 estudantes que não finalizaram seus estudos, podendo ser levantados aqui vários indicadores. Já no ano seguinte, o sistema registrou cerca de 375.483 pedidos de matrícula e assinalou um total de 2.457 estudantes que, por alguma razão, evadiram ou abandonaram a escola.

Os dados mostram que se compararmos os dois períodos letivos, 2019 e 2020, percebemos uma diminuição no número de matrículas de um ano para outro e inversamente notamos um aumento de pessoas que, por razões desconhecidas, não tiveram a chance de permanecerem na escola e avançarem nos seus estudos.

Essa realidade mostra que a pandemia intensificou as causas históricas de exclusão escolar, como a falta de vagas para crianças da educação infantil e jovens que se desinteressam das aulas devido ao contexto de vulnerabilidade social que vivem.

2 Plataforma da Secretária de Educação do Ceará que reúne informações acadêmicas dos alunos

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Logo, percebemos que a escola, que outrora era o lugar onde o estudante está na busca de um futuro melhor, com oportunidade de refletir sobre si mesmo, descobrir novos conhecimentos, desenvolver ideias, expressar opiniões e dizer aquilo que pensa, ficou num plano secundário. Porém, vale frisar que a evasão escolar no Ensino Médio não tem uma causa única. Vai se diferenciar de acordo com a faixa etária, raça, gênero, região e realidade socioeconômica.

Nos locais da pesquisa, são vários os relatos de estudantes sem equipamentos ou conexão à internet, famílias em situação econômica cada vez mais frágil, professores com crescentes dificuldades em manter os alunos engajados nas aulas remotas e a comunidade escolar ansiosa e temerosa pela perspectiva da volta às aulas presenciais. Até que a situação educacional não se estabeleça como antes, se algum dia será como conhecíamos, precisamos fazer uso do ensino remoto e entender que, infelizmente, o resultado dessa combinação de fatores faz crescer o temor entre educadores e pesquisadores, de que as circunstâncias impostas pela pandemia façam com que mais estudantes simplesmente desistam da escola, reforçando as nada agradáveis estatísticas de evasão escolar no Brasil.

Ensino remoto, na concepção de Carreiro (2020, p.30), requer instrumentalização do professor para sua atuação profissional, de modo a compartilhar as vivências que os fortalecem para os desafios do ensino à distância, considerando a importância de manter a qualidade de saúde física e mental do educador para promover sua ação educativa, passando pelo reconhecimento da diversidade de necessidades e dos diferentes perfis dos alunos, muitos dos quais vivem em situação de vulnerabilidade social. Por sua vez, Sousa Leite (2020, p.61) destaca que estudos remotos exigem do educando, além de condições materiais, também estrutura mínima para estudo, um espaço domiciliar, clima adequado silencioso, apoio da família, como também, organização e disciplina, ou seja, uma maturidade que muitos jovens ainda não estão preparados de forma definitiva.

Pensando de que forma a pandemia do coronavírus influenciou a vida pessoal e educacional dos jovens, e consequentemente como essas mudanças bruscas, repentinas e imediatas, interferiram para que eles interrompessem seu itinerário formativo, trajetórias, sonhos e projetos de vida, apresentaremos agora o encadeamento metodológico pelo qual passou nossa pesquisa.

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Para a realização do presente trabalho, a abordagem utilizada foi qualitativa, segundo a qual envolve a obtenção de dados descritivos; o contato direto do pesquisador com a situação; enfatiza mais o processo que o produto e retrata a perspectiva dos participantes (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.12). No que concerne a técnica, optou-se pelas entrevistas semiestruturadas com alunos do Ensino Médio da Rede Pública, que até o término letivo do ano 2020, estavam matriculados em unidades de ensino nas cidades de Redenção, Russas e Juazeiro no interior do Ceará, e na capital Fortaleza, e que deixaram de estudar no primeiro período da pandemia da Covid-19 e não mais retornaram. A escolha por essa técnica de pesquisa se deu pelo fato de que esse tipo permite maior liberdade ao pesquisador, sem que fuja da proposta estudada, além de produzir uma melhor amostra da população de interesse, como explica Boni (2005, p.70).

Em 2018, quando cursamos o mestrado em Sociologia pelo ProfSocio na Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito de uma das disciplinas, realizamos uma pesquisa com jovens estudantes de escolas públicas estaduais cearenses, com perfil variado, desde a série e faixa etária. Nessa atividade, três dos autores aqui presentes conseguiram entrevistar um total de 12 estudantes, alguns estavam iniciando o Ensino Médio enquanto outros estavam no último ano dessa etapa de escolarização. Todos os colaboradores estavam regularmente matriculados em unidades de ensino, circunscritas em determinados bairros com diferentes contextos socioeconômicos na cidade de Fortaleza.

A pesquisa tinha como proposta compreender o que os discentes pensavam sobre a escola, as representações, sentimentos, visões, dentre outras questões ligadas à vida pós ensino médio, planos futuros e expectativas de trabalho. Essas e outras demandas contidas no roteiro da entrevista foram fundamentais para aprendermos que na atualidade, os jovens têm vivenciado uma escolarização expandida no tempo de suas vidas, paralelamente à valorização social das certificações que a escola proporciona. Para tanto, vejamos o que diz Penatieri (2012):

Ser jovem é ser e estar como sujeito com tempos de vida permeados pela vivência estudantil. [...] com trajetórias escolares diferentes e, por vezes, desiguais, cujas consequências sobre a finalização da educação básica e seus projetos têm seus reflexos. [...] O momento do Ensino Médio, assim como da juventude é o de maior responsabilidade e maturidade frente à vida escolar, uma nova etapa, sendo essa uma das possibilidades da

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escola de estabelecer novas possibilidades de construção de espaços de autonomia junto a esses/as jovens alunos. Ao concluir a Educação Básica, os/as jovens alunos/as apresentam visões diferenciadas sobre inúmeras situações vividas na escola e sobre diversos contextos vivenciados ao longo de sua própria trajetória estudantil. Vivenciam a “vida de jovem aluno” afetada por variados aspectos, sobretudo, os efeitos da globalização; as exigências cada vez maiores do mercado de trabalho; entre outras, pondo em reflexão a própria função da escola na contemporaneidade, bem como o direito do cidadão a uma educação de qualidade. (PENATIERI, 2012, p.136)

Percebe-se, porém, que descobrir diferentes trajetórias e os sentidos atribuídos à elas podem ajudar no enfrentamento dos desafios atuais do Ensino Médio, no que concerne à relação dos jovens com a escola. Por sua vez, sinaliza também, a necessidade de que as instituições criem, cada vez mais, canais de comunicação para ouvir os estudantes e suas particularidades. Em posse do material, apresentamos um relatório escrito e um seminário com os dados da pesquisa.

Com a pandemia, a educação brasileira passou a sofrer fortes impactos negativos gerados pela não realização de aulas presenciais nas escolas em todo o território nacional. Dessa forma, tivemos a ideia de realizar um outro momento de entrevista, com os estudantes que em 2018 estavam ingressando no Ensino Médio e em 2020 eram possíveis concluintes. A busca de informações centrava-se nas percepções deles em relação à distância da instituição escolar, já que nesse período estavam supostamente estudando em seus domicílios, vivendo isolados e distantes dos colegas de sala, tendo que aprender a conviver com as tristezas, se adaptar às incertezas, abrir mão de coisas que faziam em suas atividades rotineiras. Era de nosso interesse também apurar o que havia mudado com o ensino remoto, quais eram as perspectivas em relação ao projeto de vida e por que razão havia deixado os estudos.

Antes, os jovens tinham oportunidades de planejamento de futuro; e, até mesmo [...] poderiam almejar ter uma situação financeira melhor que a de seus pais. Hoje, as incertezas [...] geram uma insegurança em todos os jovens. Logo, uma crise que afete as perspectivas de conquistas, mudanças, e liberdade financeira e ainda acentua as desigualdades sociais e incertezas na população afetará principalmente os jovens, por estarem vivendo esse tempo presente, refletindo assim os efeitos da crise na sociedade, pois a juventude é como um espelho que reflete o que ocorre de positivo e negativo no âmbito social. [...] É importante colocar também que [...] aquilo que o jovem estudou hoje já não se faz tão próximo. Muitos jovens que antes [...] estavam estudando, ainda não necessariamente estão trabalhando naquilo em que estudaram. [...] Não é cabível arriscar previsões num mundo social tão complexo como o de

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hoje. Porém, parece notório que nos próximos anos, com a recessão global e local produzida pela pandemia da Covid-19, a sociedade será amplamente atingida… (LIMA & ABREU, 2020, p.71)

A partir da delimitação metodológica, a busca pelos entrevistados passou por uma análise prévia e difícil. Dos 12 alunos que se dispuseram a conversar conosco e ceder seus depoimentos para nós em 2018, apenas 7 foram localizados, desse total, 2 haviam concluído o Ensino Médio no ano anterior, 4 estavam regularmente matriculados cursando a 3ª série e 1 não estava mais frequentando as aulas em um determinado estabelecimento de ensino há dias. Nossa atenção e trabalho seria acessar esse jovem que havia cessado seu vínculo com a escola para entrevistá-lo novamente e logo em seguida comparar os relatos obtidos.

Como estratégia, contamos o professor diretor de turma (PDT)3 da

respectiva unidade escolar onde o estudante estava matriculado para que ele pudesse mediar esse possível encontro. Recorremos ao professor diretor de turma porque esse profissional, desde a suspensão das atividades presenciais, vem atuando no processo de busca ativa dos estudantes, numa ação articulada em rede, empreendendo um conjunto de esforços realizados no cotidiano das escolas, tais como: monitoramento diário da infrequência, divulgação nas rádios e nas redes sociais, elaboração de atividades para a recuperação de conteúdo, encontros virtuais com as famílias, visitas domiciliares e parcerias com as comunidades, são algumas das estratégias utilizadas no âmbito da rede estadual. Toda essa mobilização tem como finalidade encontrar alternativas para reverter quadros de infrequência e de abandono, além de abrandar os impactos da pandemia na aprendizagem. Assim sendo, identificamos no PDT, um grande suporte para nos auxiliar nessa aproximação com o nosso colaborador.

Após longas tentativas, sempre contando com a ajuda do PDT e atentando a todas as determinações legais pelo fato de estarmos entrevistando um respondente menor de idade, conseguimos agendar uma entrevista via chamada de vídeo em aplicativo de mensagem. Depois de finalizada essa etapa, feita a

3 É um professor ou uma professora, que independentemente de sua área de conhecimento, se

responsabiliza por uma determinada turma, cabendo-lhe conhecer os estudantes individualmente, para atendê-los em suas necessidades. Além disso, são atribuições do professor diretor de turma (PDT) a mediação das relações entre a sua turma e os demais segmentos da comunidade escolar, bem como o trabalho de formação cidadã e desenvolvimento de competências socioemocionais, junto aos seus estudantes.

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transcrição das falas e transformado em texto, apresentamos aqui duas narrativas em momentos distintos do estudante que JV4 para que possamos entender como

a pandemia tem sido uma das grandes ameaças à continuidade dos estudos e do processo de ensino e aprendizagem de muitos jovens.

A escola pra mim é uma porta de entrada no futuro. Tanto no mercado de trabalho e na faculdade. Eu vejo ela como isso. Antigamente ela representava a segunda casa para mim. Ela era como se fosse um porto seguro que eu não tinha na minha casa. A palavra para descrever minha escola seria bagunça, organização, leis demais e acho que até mesmo, prisão (risos). [...] O que eu gosto da escola são os professores. Alguns. Não todos, claro. [...] As minhas expectativas quando terminar o terceiro ano é começar a faculdade logo em seguida entrar novamente no mercado de trabalho só que com o ensino superior. Pretendo cursar Física ou Engenharia Química, então, eu tenho um leque de profissões para escolher ainda eu sei. (Estudante JV, matriculado em 2018, quando cursava a 1ª série do Ensino Médio.

Já quis abandonar os meus estudos ano passado. Logo depois da operação do meu pai eu fiquei um pouco abalado e(pausa) perdi toda a vontade de estudar. Eu faltava muito na escola. Eu chegava [..](pausa). Eu terminei o ano com mais de [...] sem reprovar [...] quase sem ficar de recuperação. Passei direto. Mais eu terminei com mais de 70 faltas. Foi um momento muito complicado. Muito difícil. Eu quase que repeti no segundo ano mais...(pausa) consegui voltar para os trilhos digamos assim. [...] Ano passado eu sai da Escola Integral e fui para uma Escola Normal, porque se eu estudasse o dia todo sabia que ficava difícil encontrar alguma coisa pra ganhar grana a noite. [...] Com a pandemia, meu pai perdeu o emprego de vigia, sabe. O prédio que ele trabalhava botou um porteiro eletrônico e ele ficou desempregado. Aí cara, não me restou outra coisa a não ser tentar ajudar de alguma forma. Meu irmão é pequeno pow, não dá pra fazer nada ainda. Ai meu pai tá se virando fazendo uns trabalho aqui e acolá. Quando ela acha alguma coisa, tipo, trabalho de pedreiro e tal eu vou com ele.... (Estudante JV, deixou de estudar em 2020 quando estava cursando a 3ª série do Ensino Médio.

Ao compararmos os relatos, percebemos que no contexto da pandemia, dentre os fatores que podem elevar as taxas de abandono e evasão no Ensino Médio estão a pressão econômica que enfrentam muitas famílias, e que pode empurrar os jovens para o mercado de trabalho mais cedo e a diminuição no engajamento dos estudantes com o processo educativo. Contudo, ressaltamos que esses fatores, entre outros, já estavam presentes no macro campo educacional brasileiro, e por sua vez, devem ser agravados pela crise atual, já percebidos por Pereira de Souza (2020, p. 18)

Tendo em vista que com apenas as respostas de um único colaborador não teríamos insumos suficientes para avançarmos na pesquisa e concluir nosso

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produto, julgamos conveniente conversar com outros professores diretores de turma que estavam realizando busca ativa de estudantes, supostamente aqueles que já despertavam indícios de um eventual abandono escolar, e deliberamos que seguiríamos com as entrevistas para esse público. No final, conseguimos retomar nossas entrevistas, chegando a conversar com um total de 14 estudantes, na seguinte proporção: 6 de Fortaleza, 4 de Redenção, 3 de Juazeiro do Norte e 1 de Russas.5 Coincidentemente, todos os participantes envolvidos nesse processo de

coleta de elementos para nosso trabalho foram do sexo masculino, com faixa etária de 17 anos, sendo apenas 2 maiores de idade.

Apesar das mudanças necessárias envolvendo o grupo amostral da nossa pesquisa, nesse processo de busca de informações para consolidar nosso texto e confrontar as hipóteses prévias estabelecidas ao longo desse estudo, conseguimos realizar as entrevistas pelo serviço de comunicação por vídeo Google Meet e também por WhatsApp que permite realizar chamadas vocais e de vídeo.

Embora tenhamos encontrado pouca literatura sobre a coleta de dados e informações via uso desses aplicativos disponíveis nos dispositivos móveis, Gallon et al (2017, p.115), Rodrigues & Teles (2019, p.56) destacam a aproximação desse recurso tecnológico do cotidiano com a vida profissional e acadêmica, convertendo-se em um recurso facilitador no acesso a materiais de interesconvertendo-se por meio de compartilhamento de arquivos ou discussões.

Ressaltamos que o uso dessas plataformas e aplicativos na coleta de dados da nossa investigação proporcionou registros adequados para elucidar as questões e saber como direcionar para eventuais intervenções. Esse processo foi otimizado com a utilização de dispositivos móveis, tablets e smartphones, vistos e utilizados ultimamente na visão de Pereira (2017, p.486) como os novos geradores de fontes de informação por apresentarem bom desempenho, facilidades de transporte e armazenamento.

5 Com exceção de Fortaleza, capital do Ceará, as demais cidades se localizam em diferentes regiões

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desse artigo, tivemos como propósito apresentar situações envolvendo jovens estudantes do Ensino Médio de escolas públicas do Ceará, que vivem nos mais diversos arranjos familiares, que enfrentam dificuldades econômicas, e em decorrência da pandemia, não puderam materializar seus sonhos de finalizar os estudos básicos e acessar o ensino superior. Esse retrato da sociedade atual, nos estimulou a desenvolver a referida pesquisa, refletindo atentamente para o que nos fala Dayrell (2003, p.40), sobre a necessidade de abordar a cultura juvenil contemporânea na escola é relevante para descobrirmos os anseios e/ou dilemas vividos por essa faixa etária.

Uma primeira imagem que questionam é a juventude vista na sua dimensão de transitoriedade. Esses jovens mostram que viver a juventude não é preparar-se para o futuro, para um possível “vir-a-ser”, entre outras razões porque os horizontes do futuro estão fechados para eles. O tempo da juventude, para eles, localiza-se no aqui e agora, imersos que estão no presente. E um presente vivido no que ele pode oferecer de diversão, de prazer, de encontros e de trocas afetivas, mas também de angústias e incertezas diante da luta da sobrevivência, que se resolve a cada dia. Não significa que sejam alienados ou passivos, que não nutram sonhos e desejos. Eles os têm, mas com uma especificidade (DAYRELL, 2003, p. 49)

Contudo, entendemos que ao tratar sobre o modo de ser dos jovens, o reconhecer e compreender o papel que eles exercem na sociedade, por meio das mais diversas expressões enquanto sujeitos sociais, inserir essa pauta na dinâmica da escola acaba por gerar uma tensão, tentar trazer esse convívio fora do espaço físico acaba apresentando várias dificuldades.

Enquanto instituição de socialização, Durkheim (1965, p.16) destaca que a educação é o meio pelo qual os indivíduos aprendem as normas e valores da sociedade, bem como as habilidades necessárias para conviver. Dessa forma, a sociedade tenderia a ser mais coesa diante de pessoas de origens diferentes. As escolas, nesse aspecto, funcionam como um dos mais importantes agentes de socialização, preparando também como formadora profissional. Além disso, tendo a educação também função de controle social, é destinado às escolas, dentro dessa perspectiva, o papel de evitar que os jovens permaneçam nas ruas, prevenindo o que denomina de comportamento desviante.

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Olhando por uma perspectiva mais ampla, percebemos que a escola mesmo tida como espaço sociocultural, com ações dinâmicas no cotidiano, acessada e frequentada por negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, instituição essa que na concepção de Dayrell (1996), depositamos a crença no resgate do papel de todos esses atores na trama social, infelizmente não foi capaz de conter a saída dessas pessoas durante o período em que precisaram cumprir determinações legais e simbolizaram nitidamente aquilo que Foucault (1999, p.221) definiu como um espaço fechado, mas dessa vez os indivíduos não estão inseridos nesse lugar físico.

Com efeito, a pandemia e esse afastamento social, que de início se tornou provisório e mais tarde culminou como definitivo, fez com que muitos jovens passassem a ver a escola não mais como única opção, já que ela divide atenção com outros espaços e demandas, como os grupos de amigos e, principalmente, com as mídias. É o que relata alguns dos entrevistados:

“Eu já não tinha mais paciência para ir pra escola. Sabe o que é acordar cedo, pegar um ônibus velho, caindo aos pedaços e ter que ficar das 7h às 11h numa sala quente e barulhenta. Meu irmão, eu acho que aguentei foi demais. Se bem que ficar sem estudar pra mim foi ruim nos primeiros meses. Mas aí é diferente, né? Depois me acostumei. Se antes pra tá na aula às 7h, eu tinha que acordar quase de madrugada, agora eu acordo naquela hora né. Aí ligo o telefone e assisto aula deitado. Dá até pra conversar com outras pessoas e fazer o que eu não podia se eu tivesse na escola”. (Estudante A1, 3ª série, 2020)

Por outro lado, o não funcionamento presencial das escolas, a quebra das relações cotidianas, a redução do processo de socialização, de construção da aprendizagem, das materiais e simbólicas, acarretou problemas sérios e já conhecidos como a evasão escolar, reforçado pela imposição da necessidade de sobrevivência, sugerem um “futuro indeterminado” (BOURDIEU, 1998, p.174). As falas a seguir, traduzem o sentimento de jovens que deixaram de estudar para ingressarem na informalidade do mundo do trabalho:

Assim que a escola fechou, meu pai me obrigou a trabalhar com ele na colheita da castanha. Quando eu estudava de tarde eu já ajudava ele de manhã. Agora que tô em casa o dia todo trabalho com ele. (Estudante B2, 3ª série, 2020)

Eu não estava indo bem nas aulas. Sei nem como foi que eu cheguei até o 3º ano. Eu deixei de estudar de setembro para outubro. Teve uma galera que insistiu pra eu voltar e tal que ia dar certo. Mas eu tô gostando dessa

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parada de aplicativo. Ganho meu dinheirinho e tal. Se um dia der certo eu volto a estudar de novo. Mas tá tudo fechado né. Tenho pressa não. (Estudante C3, 3ª série, 2020)

A despeito das realidades serem distintas, os problemas convergem no ponto em que a pandemia do novo coronavírus fez com que escolas fossem fechadas e o fluxo de ensino-aprendizagem passasse para o ambiente online. Para essas pessoas, dar uma pausa nos estudos foi mais uma questão de prioridades do momento e menos de desistência. Não é fracasso, não é falta de vontade. O que falta mesmo é oportunidade de acesso e condições adequadas de estrutura e saúde para seguir em frente.

As evidências empíricas aqui apresentadas nos permite constatar que a pandemia não só vem causando a morte diária de seres humanos, provocando o vazio, a dor, a perda, o luto incompleto pela partida muitas vezes precoce, mas também, ela de certa forma, potencializou outros tipos de despedidas, de cancelamentos e limitações, como foi o caso de muitos jovens que não estudam mais.

Embora saibamos que o público amostral da pesquisa tenha sido muito inferior ao que esperávamos, acrescidas as limitações temporais e metodológicas impostas pelo campo, estamos convencidos que esse estudo tenha contribuído para repensar e avaliar políticas públicas de combate à pandemia do coronavírus no campo educacional. Por mais que estejamos vivendo situações desagradáveis e marcadas por um misto de sentimentos tristes que nos circundam, não perdemos a esperança de acreditar que a escola, na compreensão de Dayrell (1996) pode e deve ser um espaço de formação ampla do aluno, que aprofunde o seu processo de humanização, aprimorando as dimensões e habilidades que fazem de cada um de nós seres humanos.

Em vista disso, passados esses longos meses distante da escola, assimilamos mais que tudo que ela ainda é o espaço mais adequado e destinado ao ensino e aprendizagem dos alunos. Posto que não estejamos discutindo ações isoladas e esperando resultados imediatos, seguimos confiantes que a Sociologia refaz seu desafio constante que é compreender a juventude como uma categoria complexa, variável e capazes de contribuir para que os jovens relacionem a sua história pessoal, que possibilitem o reconhecimento e a participação juvenil num ambiente dinâmico e cheio de representações. Quando estivermos todos vacinados

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e prontos para voltar para as salas de aulas das escolas do nosso país, precisamos transformá-la em espaço vivo de construção da cidadania, pois ela é um território privilegiado para o convívio entre os diferentes.

REFERÊNCIAS

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