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Estudos Linguísticos

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Academic year: 2021

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Os Organizadores...6 A UTOPIA POLIFÔNICA DE BAKHTIN E AS VOZES DA MÍDIA

Adriana Nadja Lélis Coutinho ...7 CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E LINGUAGEM DE PROFESSORES TERENA, REGIÃO AQUIDAUANA – MS

Alessandra Manoel Porto...26 O CORPO DOS BONECOS: FIGURAS MASCULINAS SOBRE O OLHAR DA LINGUAGEM

Alessandra Rodrigues Santos...35 UMA ABORDAGEM METACOGNITIVA SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS TEXTOS DE CAMPANHA POLÍTICA ELEITORAL DE MARCELO CRIVELLA: O DOMÍNIO SEXUALIDADE

Aline Mendes Amantes...48 SOBRE A FORÇA E ORIENTAÇÃO ARGUMENTATIVA DE “PORÉM”

Andréa Lopes Borges...79 ANÁLISE DO DISCURSO SOBRE A VELHICE NO ESTATUTO DO IDOSO

Andreia Maria Ribeiro Silva; Diana Junkes Martha Toneto...93 RELEVO COMO ESTRATÉGIA DE CAPTAÇÃO NO DISCURSO PUBLICITÁRIO: ANÁLISE DE UM COMERCIAL DA DANONE

Antonio Wallace Lordes...103 A APROPRIAÇÃO DO DISCURSO PUBLICITÁRIO PELO DISCURSO PROMOCIONAL COMO ESTRATÉGIA DE CAPTAÇÃO

Antonio Wallace Lordes; Terezinha Côgo Venturim...121 O DISCURSO AMOROSO DO SÉCULO XXI: ECOS DO AMOR ROMÂNTICO

Cláudia Madalena Feistauer...133 ENTRE O DISCURSO RELIGIOSO E O DISCURSO SOBRE O FEMININO: ASPECTOS DO FUNCIONAMENTO DE UMA SEMÂNTICA GLOBAL NOS TEXTOS DE VISÃO MISSIONÁRIA

Daiane Rodrigues de Oliveira...143 “POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E OUTRAS ESTÓRIAS”: UMA ANÁLISE DO LÉXICO Edna Silva Faria...155 NOS LIMIARES DA FICCIONALIDADE: ENUNCIAÇÃO E SIGNIFICAÇÃO NO DISCURSO LITERÁRIO DE AFFONSO ÁVILA

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UMA LÍNGUA VISUAL NA UNIVERSIDADE: POR QUE, O QUE E COMO ENSINAR? Etiene Abreu...186 ATUAIS TENDÊNCIAS DA SEMIÓTICA FRANCESA

Fernando Moreno da Silva...199 “DEBAIXO DOS CARACÓÍS DOS SEUS CABELOS”: POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NA MPB

Flávia Aparecida Soares; Maria Flávia Figueiredo ...215 CATEGORIZAÇÃO DAS VARIAÇÕES DE ESCRITA: RELATO DE INTERVENÇÃO NA ORTOGRAFIA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Francis Arthuso Paiva...230 O DISCURSO POLÍTICO DE POSSE: UMA ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DO ETHOS NOS DISCURSOS DE FHC E LULA

Geisa Fróes de Freitas...252 FALARES DE UM POVO: LAÇOS ENTRE CULTURA, LÉXICO E SOCIEDADE

Gisele Martins Siqueira; Maria Sueli de Aguiar...272 LINGUÍSTICA DE CORPUS E ENSINO DE TERMINOGRAFIA PARA ALUNOS DE LETRAS E TRADUÇÃO: UMA PROPOSTA

Guilherme Fromm...285 MENAS E OS DISCURSOS SOBRE A LÍNGUA

Heloisa Mara Mendes...303 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS PARA A CONSTITUIÇÃO DE CORPORA EM PESQUISAS DE VARIAÇÃO/MUDANÇA LINGUÍSTICA

Juliana Bertucci Barbosa; Talita de Cássia Marine; Daniel Soares da Costa; Niguelme Cardoso Arruda...320 CORRELAÇÃO ENTRE POSIÇÃO E EXTENSÃO DO VOCATIVO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO DOS SÉCULOS XIX E XX

Juliana Costa Moreira...346 AS VOGAIS POSTÔNICAS DO SÉCULO XIII: UM OLHAR SOBRE A ESCRITA DA ÉPOCA

Juliana Simões Fonte; Gladis Massini-Cagliari...362 USO DOS ADVÉRBIOS JÁ E AGORA COMO CONECTORES DE CONTRAJUNÇÃO Kátia Maria Capucci Fabri...380 RELATIVAS PREPOSICIONADAS: A FORÇA DA ESCOLA

Marilza de Oliveira...399 PROCESSO DE REFERENCIAÇÃO NO DISCURSO MIDIÁTICO: POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA-COTAS RACIAIS

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A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS RETÓRICO FEMININO NO DISCURSO DE DILMA ROUSSEFF

Marina Gláucia Verzola; Maria Flávia Figueiredo...426 TENSÃO ENTRE A MEMÓRIA OFICIAL E A MEMÓRIA ALEGÓRICA: O ESQUELETO ACHADO NO PAÇO IMPERIAL NOS PRIMÓRDIOS DA REPÚBLICA

Marina Pózes Pereira Santos; Pascoal Farinaccio...445 A SEMIÓTICA VISUAL EM “A VIDA SE INICIA MUITO ANTES DO QUE SE PENSA” Maristela de Souza Borba...464 PIRANGA E OURO BRANCO: UM ESTUDO SOBRE A ABERTURA DAS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS

Melina Rezende Dias...478 TESSITURA E TECEDURA: DISPOSITIVOS DE ANÁLISE EM MATERIALIDADES DO DISCURSO ARTÍSTICO

Nádia Régia Maffi Neckel...503 NEGOCIAÇÃO INTERSUBJETIVA E ARGUMENTAÇÃO: UM ESTUDO DAS ESTRATÉGIAS DE PERSUASÃO EM EDITORIAIS DA IMPRENSA PAULISTANA DE BAIRRO

Paulo Roberto Gonçalves...519 O USO DO CONECTIVO ONDE E A APRENDIZAGEM DA ESCRITA

Priscilla Barbosa Ribeiro...539 UM CONTRAPONTO ENTRE O DISCURSO NORTE-AMERICANO E O ISLÂMICO VEICULADOS PELA REVISTA CAROS AMIGOS

Rosemeire de Jesus Ferrarezi Becari...552 VIOLÊNCIA DISCURSIVA NA/DA ESCOLA: ALGUNS SENTIDOS

Silvana Aparecida Bastos Vieira da Silva; Marlon Leal Rodrigues...565 MARCAS LINGUÍSTICAS PRESENTES EM ANÚNCIOS DE JORNAIS DOS SÉCULOS XIX e XX

Sílvia Maria Vieira...581 A REFERENCIAÇÃO EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS: UMA ANÁLISE LINGUÍSTICO-DISCURSIVA

Solange Aparecida Faria Cardoso...605 “OMO FAZ, OMO MOSTRA”: UMA POSSÍVEL ANÁLISE DE PROPAGANDAS DE SABÃO EM PÓ

Valéria Netto Valente...625 O HÍFEN NA ANÁLISE SILÁBICA AUTOMÁTICA DO PORTUGUÊS

Vera Vasilévski...641 REFERÊNCIA E SENTIDO

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ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM ESTUDO SOBRE COMO CHEGAMOS AOS MULTILETRAMENTOS

Viviane Raposo Pimenta; Valdete Aparecida Borges Andrade; Cláudia Gomes Silva Guimarães...676

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6 APRESENTAÇÃO

A Revista do SELL da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), desde sua criação, em 2007, publica somente artigos decorrentes de trabalhos apresentados no SELL - SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS – anterior à publicação do volume da revista.

A terceira edição do SELL, que se realiza, sem falha, na sequência dos anos ímpares desde 2007, aconteceu nos dias 12, 13 e 14 de maio de 2011 e teve como tema CONHECIMENTOS EM DIÁLOGO: LINGUAGENS E ENSINO. Dessa forma, visamos à interação entre a área de Letras e Linguística e estudiosos de áreas afins, tais como a Comunicação, a Psicologia, a Educação, a História, a Fonoaudiologia etc. Durante o evento, conseguimos propiciar o debate, em alto nível, das questões relacionadas, na atualidade brasileira e internacional, à formação de professores e ao ensino de línguas e literaturas, dada a importância dessas disciplinas na formação básica dos educandos, essencial para o desempenho positivo no ensino superior.

Em relação às apresentações orais de trabalhos, no III SELL foram apresentadas 300 (trezentas) propostas de Comunicação Individual, 20 (vinte) de Comunicações Coordenadas (incluindo, cada uma, quatro trabalhos). Foram dessas apresentações que selecionamos, via pareceristas externos, 110 artigos para esta edição da Revista do

SELL.

A terceira edição Revista do SELL está dividida em três números, apresentando os trabalhos por ordem alfabética do primeiro nome dos autores e contemplando as seguintes áreas:

Número I – Estudos Linguísticos Número II – Estudos Literários

Número III – Estudos em Línguas Estrangeiras e outras áreas

Ressaltamos que os dados e conceitos contidos nos artigos, bem como a exatidão das referências, serão de inteira responsabilidade do(s) autor(es).

Agrademos a contribuição de todos. Foi por meio de suas contribuições acadêmicas que pudemos concretizar a publicação de mais uma edição da Revista do

SELL.

Os Organizadores Profa. Dra. Juliana Bertucci Barbosa Prof. Dr. Carlos Francisco de Morais Profa. Ms. Elizandra Zeulli

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7 A UTOPIA POLIFÔNICA DE BAKHTIN E AS VOZES DA MÍDIA

BAKHTIN'S POLYPHONY UTOPIA AND THE VOICE OF MASS MEDIA

Adriana Nadja Lélis Coutinho (PG – UFPE) adrianalelis@uol.com.br

RESUMO: A riqueza temática do pensamento bakhtiniano representa avanços

incalculáveis para os estudos da linguagem. No entanto, o reconhecimento tardio e o descompasso na recepção da obra de Bakhtin no ocidente deixaram lacunas significativas na compreensão de muitos de seus conceitos, dentre os quais o de Polifonia. Este estudo objetiva analisá-lo à luz do pensamento bakhtiniano e investigar suas possibilidades de utilização para apreciação de novos objetos, especialmente as mídias digitais. Para tanto, pretende-se repensar o conceito de polifonia, analisando suas características fundamentais: equipolência, plenivalência e imiscibilidade. Propõe-se também uma comparação da proposta bakhtiniana com a Teoria Polifônica de Ducrot, buscando alternativas de utilização desse conceito em objetos alheios à literatura. Em seguida, pretende-se verificar nas mídias interativas e redes sociais possibilidades de realização da utopia polifônica de Bakhtin. Finalizando, defende-se que esses novos espaços discursivos possibilitam maior liberdade de participação, abrem espaço para que essa participação se dê de forma mais igualitária (equipolência), que as vozes aí presentes se manifestem de maneira plena (plenivalência) e que mantenham sua independência umas das outras (imiscibilidade). Donde se deduz que representam lugares potenciais para que se investigue a manifestação do fenômeno em toda a radicalidade do conceito, como formulado por Bakhtin.

PALAVRAS-CHAVE: Polifonia; Bakhtin; Mídia

ABSTRACT: The richness thematic of the thoughts of Bakhtin represents incalculable

advances for the language studies. However the late recognition and the disorder in the reception of the work of Bakhtin in the Occident left significant gaps in the understanding of many of their concepts, among the ones of the Polyphony. This study aims to analyze it according to the thoughts of Bakhtin and to investigate its possibilities of use for appreciation of new objects, especially the digital medias. To reach this goal, we intend rethink the polyphony concept, analyzing its fundamental characteristics: equipollence,

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plenivalence and immiscibility. We also intend to make a comparison of the bakhtinian proposal with the Polyphonic Theory of Ducrot, seeking alternatives of use of this concept in objects strange to the literature. Next, we intend to verify in the interactive Medias and social nets possibilities of accomplishment of the polyphonic utopia of Bakhtin. To conclude, we defend that those new discursive spaces make possible more freedom participation, they open space for that participation happens in a more equalitarian way (equipolência), that the voices there presents are showed in a full way (plenivalência) and that they maintain their independence one of the others (imiscibilidade). It is deduced that they represent potential places so that it is possible to investigate the manifestation of the phenomenon in the whole radicalism of the concept, as formulated by Bakhtin.

KEYWORDS: Polyphony; Bakhtin; Media

Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. Tudo nas cordas dos violões ecoa E vibra e se contorce no ar, convulso... Tudo na noite, tudo clama e voa Sob a febril agitação de um pulso. Cruz e Sousa

1. INTRODUÇÃO

Para enveredar pelo universo dialógico da teoria bakhtiniana, é necessário, antes de tudo, assumir posição no diálogo, tomar uma palavra que responde a outras e que não somente responde, mas também interroga, e ainda ser capaz de permitir que o diálogo permaneça aberto, o que exige a consciência vigilante de que o texto é constitutivamente inacabado, e de que nada se pode ou se deve fazer para mudar tal estatuto. Se a questão se fecha, ou simula um fechamento ilusório, o discurso não é polifônico, não se inscreve, portanto, no ideal vislumbrado pelo Mestre.

Este ensaio, portanto, aceita e deseja participar do diálogo como uma voz que, inspirada na voz do autor no romance de Dostoiévski, deixa que as personagens falem, e que participa do diálogo, não como espectador passivo, mas com um ativismo dialógico, que se fundamenta no respeito “à consciência viva e isônoma do outro” (BAKHTIN, 2003, p. 339). Assim como a voz do herói vislumbrada na poética de Dostoiévski, essa voz não pode gritar, não pode vencer. Por isso, o objetivo (ou a utopia) deste ensaio – mais do que defender uma posição sobre a questão (e tal posição existe e se deixa entrever no

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discurso) – é permitir que essa voz se exponha à voz do outro, que seja questionada, desvelada, desdobrada.

Este texto, na verdade, não começa aqui e não tem um único dono. Ele se inicia – ou prossegue, se considerarmos, como pensou Bakhtin, que os discursos sempre se inscrevem num grande e inconcluso diálogo – na disciplina Abordagens Discursivas1

, num debate cuja finalidade era discutir possibilidades de observar os objetos da mídia à luz da teoria de Bakhtin. Naquele momento, percebeu-se a complexidade do conceito de polifonia, tal como o formulou esse autor, e a dificuldade em identificá-lo em textos de mídia, onde os filtros são elementos constitutivos, mesmo considerando-se as novas mídias interativas, em que a autonomia de um autor/mediador é cada vez mais relativa.

Questiona-se, então: é possível pensar na polifonia bakhtiniana em textos midiáticos? Ou ainda: Se a polifonia, nos termos formulados por Bakhtin, não pode se manifestar na mídia, como explicar a ocorrência de vozes que “escapam” e que “invadem” os discursos da mídia?

Obviamente, tais questões continuarão abertas, uma vez que o inacabamento é a condição de existência desse ensaio. No entanto, pretende-se repensar o conceito de polifonia, à luz da definição do próprio autor, buscando extrair dele suas características fundamentais, o que se fará no capítulo 2. Em seguida, no capítulo 3, propõe-se uma comparação com a proposta de Ducrot, autor da teoria polifônica da enunciação, de modo a identificar possibilidades de utilização desse conceito em objetos alheios ao texto literário. O capítulo 4 será destinado a uma tentativa de vislumbrar nos novos objetos da comunicação, como as mídias interativas e as redes sociais, possibilidades de realização da utopia polifônica de Bakhtin. Finalizando, serão esboçadas considerações em resposta às indagações que originaram essa discussão.

2. NAS SUTILEZAS DO CONCEITO

A riqueza e a variedade temática do pensamento bakhtiniano representam avanços incalculáveis e inquestionáveis para os estudos da linguagem. No entanto, o reconhecimento tardio, devido às circunstâncias políticas que marcaram a trajetória intelectual de Bakhtin, e o descompasso na recepção de sua obra no ocidente, ocasionado pela tradução e divulgação dos escritos desse autor em momentos cronologicamente diversos da ordem em que foram produzidos, ocasionaram uma série

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Disciplina do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ministrada pelas professoras Isaltina Maria Azevedo de Mello Gomes, Yvana Fechine, Cristina Teixeira Vieira de Melo e Karla Regina Macena Pereira Patriota.

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de mal-entendidos e deixaram lacunas significativas na compreensão e na divulgação de valiosos conceitos na comunidade científica brasileira, dentre os quais o de polifonia.

Como grande parte dos conceitos bakhtinianos popularizados no mundo ocidental, a noção de polifonia disseminou-se na esfera acadêmica brasileira relacionada à presença de vozes diversas no interior do discurso, fossem elas explicitamente mostradas ou apenas subentendidas. Tal compreensão levou à utilização desse conceito como sinônimo de dialogismo, de intertextualidade ou de heterogeneidade discursiva, por exemplo, sem que se ressaltasse o caráter ideológico que tais vozes revelam.

Como acrescenta Tezza (2006), os estudos bakhtinianos sobre a obra de Dostoiévski provocaram uma universalização do conceito de polifonia como uma espécie de “positivo literário”, identificando-o como algo essencialmente bom. Para esse autor:

Aconteceu uma interessante fusão entre dois planos do conhecimento: o que era, por princípio, a definição técnica de um gênero passou discretamente a ser entendido como um valor desejável na vida: nós devemos ser polifônicos. (TEZZA, 2006; p. 237)

Para Tezza (2006), o próprio Bakhtin é também responsável por tal fusão, ou confusão, como denunciam alguns críticos. Como ele explica, em Problemas da poética de Dostoievski, o autor faz uma exortação direta e incisiva para que se abandonem os hábitos monológicos, contrariando o tom técnico e impessoal que normalmente se impõe em sua linguagem. Tal fato, associado a sua história pessoal e ao contexto da União Soviética naquele momento, são, para Tezza (2006, p.237), “um convite irresistível a especulações”.

A polifonia bakhtiniana, de fato, origina-se da presença de vozes ideológicas distintas no discurso, sem que se possa assegurar a prevalência de uma dessas vozes sobre as demais. Como explica Bezerra (2005), Bakhtin formulou uma tipologia universal do romance, fundamentada nas modalidades monofônica e polifônica. Como ele esclarece, o dialogismo e a polifonia associam-se ao caráter amplo e multifacetado do universo romanesco, à presença de grande número de personagens, à capacidade do autor para “recriar a riqueza dos seres e caracteres humanos traduzidos na multiplicidade de vozes da vida social, cultural e ideológica representada.” (p. 192)

No monologismo, por outro lado, o outro aparece como mero objeto, resultado da “reificação” (coisificação) do homem, produto da sociedade de classes e do capitalismo. Para Bakhtin, como ilustra Bezerra (2005), o autor do monólogo assume para si o

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processo de criação, e não incorpora, nesse modelo, a consciência responsiva e isônoma do outro. O monólogo é visto como algo acabado, é surdo à voz do outro, ignorando sua força decisória.

É por isso que, para Bakhtin, como acrescenta o autor, foi na era capitalista, e mais especificamente na Rússia, que o romance polifônico pôde realizar-se, uma vez que “a essência conflituosa da vida social em formação não cabia nos limites da consciência monológica segura e calmamente contemplativa e requeria outro método de representação.” (p. 193). Por isso que, na representação literária, essa transição do monologismo para o dialogismo, cuja forma suprema é a polifonia, representa a libertação do indivíduo da consciência do autor e sua instituição como sujeito de sua própria consciência. Tal transição exige uma postura radicalmente nova do autor na concepção do personagem, restituindo ao homem reificado sua subjetividade.

O conceito de polifonia, vale enfatizar, foi formulado a partir da observação do texto literário. Analisando um fenômeno peculiar na obra de Dostoiévski, especificamente relacionado à relação entre o autor e as personagens, incluída aí a constituição do herói dostoievskiano, Bakhtin utilizou uma metáfora musical para descrever um tipo de autoria que se dá pela orquestração de uma multiplicidade de vozes distintas e potencialmente equânimes.

É importante compreender a metáfora proposta por Bakhtin, que escolhe precisamente o termo polifonia por designar o fenômeno musical em que várias vozes ou melodias se sobrepõem simultaneamente, em contraposição a uma unidade rítmica padrão, na qual as vozes executam o mesmo movimento melódico, unissonamente, ou então são executadas como acompanhamento a uma melodia à qual se subordinam. Em Dostoiévski, de modo semelhante ao estilo musical da época medieval, a voz do autor não se sobrepõe às vozes dos personagens que ele cria. Tampouco prevalece um ponto de vista sobre os demais. Como explica Bakhtin (2005, p. 4), comparando esse autor com Goethe em Prometeu:

Dostoiévski não cria escravos mudos (como Zeus), mas pessoas livres, capazes de colocar-se lado a lado com seu criador, de discordar dele e até rebelar-se contra ele.

A multiplicidade de vozes e consciências imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski. Não é a multiplicidade de caracteres e destinos que, em um mundo objetivo uno, à luz da consciência uma do autor, se desenvolve nos seus

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romances; é precisamente a multiplicidade de consciências equipolentes e seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo sua imiscibilidade. Dentro do plano artístico de Dostoiévski, suas personagens principais são, em realidade, não apenas objetos do discurso do autor mas os próprios sujeitos desse discurso diretamente significante.

Percebe-se claramente, na explicação do autor, a caracterização desse fenômeno a partir de uma tríade de fatores sem os quais ele não seria possível: equipolência, imiscibilidade e plenivalência. A equipolência acentua especificamente a igualdade de condições para que essas vozes se manifestem, sem que se possa vislumbrar sobrevalência ideológica da voz do autor ou do herói imperando sobre as demais. A imiscibilidade diz respeito à independência que as vozes assumem, umas em relação às outras, garantindo a autonomia de seus pontos de vista. E a plenivalência revela a garantia de que cada voz preserve seu valor pleno, que se manifeste de modo exato, absoluto, sem, contudo se concluir, fechar ou acabar.

Analisando o uso do conceito de polifonia, Fiorin (2008, p.82) alerta:

Observe-se que polifonia é, então, diferente de dialogismo, heteroglossia e plurivocidade. Dialogismo diz respeito ao modo de funcionamento real da linguagem, que faz um enunciado constituir-se constituir-sempre em relação a outro. Heteroglossia e plirivocidade concernem à realidade heterogênea da linguagem e às línguas sociais diversas que circulam numa dada sociedade. A polifonia refere-se à equipolência de vozes. A plurivocidade não implica a polifonia, embora a polifonia acarrete necessariamente a plurivocidade. Confundir essas duas realidades é deixar de apreender a dimensão política das vozes.

Para Bakhtin (2005), o romance polifônico é uma criação de Dostoiévski. A polifonia é, para esse crítico, a chave artística dos romances do autor. Em sua obra, como pondera o filósofo russo, a voz do herói sobre si e sobre o mundo equipara-se com a voz comum do autor e se coaduna com as vozes de outros heróis, apresentando-se de forma tão plena quanto as demais. É essa multiplicidade de consciências plenivalentes e imiscíveis e sua interação em posição correlata com a voz do autor que constitui, para ele,

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a ideia criativa de Dostoiévski. Com essa tese, Bakhtin (2005) põe em xeque os estudos até então formulados acerca desse autor, que, como denuncia, foram “incapazes de penetrar na arquitetônica propriamente artística” (p. 6) de suas obras, limitando-se a explorá-las em torno de uma cosmovisão monológica ético-religiosa do autor e do conteúdo de suas obras.

Para Tezza (2006), os estudos de Bakhtin identificam na obra de Dostoiévski valores que são considerados por muitos críticos justamente como falhas ou defeitos.

O que poderias parecer um “defeito formal” em Dostoievski, o seu suposto “mal-acabamento”, era de fato a expressão de uma literatura cujo centro estava exatamente na idéia do “não-acabamento” do homem, um conceito bastante produtivo na visão bakhtiniana do romance. (TEZZA, 2006; p. 236)

A idéia do não-acabamento do homem, por si só, implica na destituição do autor de sua onipotência, o que, na história da literatura, até aquele momento, representa uma revolução. De fato, a originalidade de Dostoiévski para o crítico russo não está na apreciação do indivíduo a partir da cosmovisão do autor, mas justamente na reunião de individualidades imiscíveis – livres e independentes do autor –, mas integrantes de seu plano. Como explica Bakhtin (2005; p. 11):

Isto, obviamente, não significa que a personagem saia do plano do autor. Não, essa independência e liberdade integram justamente o plano do autor. Esse plano como que determina de antemão a personagem para a liberdade (relativa, evidentemente) e a introduz como tal no plano rigoroso e calculado do todo.

A liberdade relativa da personagem não perturba a rigorosa precisão da construção assim como a existência de grandezas irracionais ou transfinitas na composição de uma fórmula matemática não lhe perturba a rigorosa precisão.

É importante destacar que a visão polifônica em Dostoiévski não implica na dissolução da unidade do romance. Tal unidade existe e está acima do estilo e do tom pessoais do autor, não se rompe nem se mecaniza, como esclarece Bakhtin (2005). O autor compara

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ainda a unidade do romance em Dostoiévski à unidade do universo einsteiniano, ressaltando o relativismo e a complexidade que os aproximam: “É como se os diferentes sistemas de cálculo aqui se unificassem na complexa unidade do universo einsteiniano” (BAKHTIN, 2005; p. 15).

O relativismo e a complexidade na polifonia do romance dostoievskiano não refletem passividade e impotência do autor diante das consciências que “orquestra”, como advogaram alguns críticos dessa teoria. Na realidade, como defende Bakhtin (2003), há um tipo particular de ativismo do autor no romance polifônico, de caráter dialógico.

O nosso ponto de vista não afirma, em hipótese alguma, uma certa passividade do autor, que apenas monta os pontos de vista alheios, as verdades alheias, renunciando inteiramente ao seu ponto de vista, à sua verdade. A questão não está aí, de maneira nenhuma, mas na relação de reciprocidade inteiramente nova e especial entre a minha verdade e a verdade do outro. O autor é profundamente ativo, mas o seu ativismo tem um caráter dialógico especial. (...) Esse ativismo que interroga, provoca, responde, concorda, discorda etc., ou seja, esse ativismo dialógico não é menos ativo que o ativismo que conclui, coisifica, explica por via causal, torna inanimada e abafa a voz do outro com argumentos desprovidos de sentido. (BAKHTIN, 2003; p. 339)

A igualdade e independência das personagens e sua vocação para a liberdade são, no romance polifônico, marcas do projeto de criação literária e participam, portanto, do plano do autor. Nesse sentido, representam, mais do que uma mera concessão do autor, um projeto de coautoria, como ressalta Bakhtin (2003), defendendo que as personagens do romancista russo são espécies de coautores de suas obras.

O projeto autoral de Dostoiévski, ancorado na coparticipação ativa dos personagens que caracterizam a polifonia, tal como descrito por Bakhtin, associa-se com a noção do outro defendida por este autor. Como explica Teixeira (2006), o dialogismo bakhtiniano e a psicanálise representam questionamentos radicais à unicidade do sujeito falante – segundo o qual cada enunciado possui um único autor –, uma vez que tais abordagens rejeitam a imagem do locutor como centro e fonte consciente dos sentidos, bem como da língua como instrumento de comunicação desses sentidos. Apesar desse importante ponto em comum, os autores propõem caracterizações distintas do outro. Como acrescenta Teixeira (2006, p.232):

No entanto, o outro de Bakhtin não se confunde com o Outro lacaniano, noção esta que se fundamenta na concepção de um sujeito dividido,

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que enuncia, sem saber o que diz, uma fala que diz muito sobre este saber. (...) Em Bakhtin, o outro tem consciência, é sempre “o outro de um outro” (interlocutor, discurso, superdestinatário) [...]

O outro de Bakhtin – aquele dos outros discursos, o outro-interlocutor – pertence ao campo do discurso, do sentido construído com as palavras “carregadas” de história. O outro do inconsciente, do imprevisto do sentido, de um sentido “desconstruído” no funcionamento autônomo do significante, que abre dentro do discurso uma outra heterogeneidade – de outra natureza – além da que estrutura o discurso para Bakhtin, está ausente do horizonte deste.

O outro bakhtiniano, portanto, inscreve-se no discurso dialogicamente. É no romance polifônico que a presença deste outro se faz de forma mais explícita e radical, dada a equipolência e independência que tais vozes assumem nessa forma de expressão. Daí a raridade da ocorrência da polifonia e a preciosidade de tal fenômeno na teoria de Bakhtin. O próprio autor manifestou, em seus últimos depoimentos, dificuldade em identificar tal equipolência em obras de outros autores do universo literário. Imaginar a polifonia bakhtiniana em textos não-literários, especialmente no campo das mídias no mundo contemporâneo, soa, então, como um sonho impossível, dada a natureza centralizadora dos discursos desse campo.

Ocorre que, para além dos arroubos frankfurtianos, é possível vislumbrar a manifestação de vozes dissonantes em textos midiáticos e é necessário investigar sistematicamente como tal fenômeno pode ser descrito. Daí a questão: É possível, respeitando a radicalidade do conceito bakhtiniano, identificar a polifonia nos textos midiáticos? Ou ainda: Há uma alternativa à teoria de Bakhtin para analisar a polifonia em outros objetos, para além do texto literário?

O linguista francês Oswald Ducrot é um dos responsáveis pela disseminação do conceito de polifonia no mundo atual. O autor, no entanto, embora retome a teoria bakhtiniana para justificar a denominação, propõe na verdade um novo conceito, o que leva, muitas vezes, ao uso do termo polifonia, associado à teoria bakhtiniana, sem que se refira, de fato, à proposta do autor russo. A compreensão do conceito de polifonia em Ducrot, bem como a comparação de sua teoria com a proposta bakhtiniana, pode auxiliar a elucidar as peculiaridades dessa teoria e vislumbrar alguma possibilidade de utilização para investigar novos objetos.

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16 3. A TEORIA POLIFÔNICA DE OSWALD DUCROT

Ao propor o esboço de uma teoria polifônica da enunciação, Ducrot retoma a metáfora bakhtiniana, mas o faz sem incorporar suas características essenciais, uma vez que, como ele mesmo argumenta, a teoria de Bakhtin “sempre foi aplicada a textos, ou seja, a sequências de enunciados, jamais a enunciados de que esses textos são constituídos” (DUCROT, 1987; p. 161). A proposta polifônica desse autor, por outro lado, consiste em demonstrar que em um enunciado isolado se pode fazer ouvir mais de uma voz. Ou seja, enquanto Bakhtin trabalha numa perspectiva do texto, com ênfase em aspectos discursivos, Ducrot propõe uma abordagem cuja perspectiva direciona-se para os enunciados, com ênfase em aspectos semânticos.

Desse modo, seguindo a mesma tendência dos estudos bakhtinianos e da psicanálise, mas tendo como objetos de análise os enunciados, a perspectiva teórica desenvolvida por Ducrot tem como finalidade principal contestar o postulado da unicidade do sujeito falante, dominante nos estudos do que ele chamou de “lingüística moderna”, associados ao comparativismo, ao estruturalismo e ao gerativismo.

Situando seus estudos no interior da disciplina Pragmática Semântica ou Pragmática Linguística, Ducrot (1988) argumenta que em um mesmo enunciado se manifestam vários sujeitos com status linguísticos diferentes, relacionados a funções também diferentes, a saber: o sujeito empírico, o locutor e o enunciador.

O sujeito empírico de um enunciado, como explica Ducrot (1988), é o autor efetivo, o produtor do enunciado, cuja identificação, como ele argumenta, é bastante complexa, não somente pelo fato de que aquilo que as pessoas verbalizam em seus discursos são repetições de outros discursos formulados anteriormente, mas também porque, nas conversações cotidianas, no geral não se faz mais do que repetir o que se acabou de escutar. De todo modo, para Ducrot (1988), como linguista, não é relevante identificar o sujeito empírico do enunciado. Para ele, a determinação do sujeito empírico não é um problema linguístico.

Quanto ao locutor, Ducrot (1988) o define como a pessoa supostamente responsável pelo enunciado, a quem se atribui a responsabilidade da enunciação no próprio enunciado, caracterizada por determinadas marcas, como o uso da primeira pessoa. O autor chama a atenção para o fato de que o locutor pode ser completamente diferente do sujeito empírico, pois muitas vezes a pessoa que assume a responsabilidade pelo enunciado nem sempre o produziu, como é o caso de determinados objetos nos quais se escrevem frases orientando o uso, simulando a fala do próprio objeto. Há ainda, segundo ele, enunciados sem locutores, como os provérbios, cuja responsabilidade pode

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ser atribuída a uma sabedoria coletiva e histórica, situada além de qualquer subjetividade individual.

Finalmente, Ducrot (1988) caracteriza a função do enunciador como a origem dos diferentes pontos de vista apresentados no enunciado. Nesse sentido, os enunciadores não se identificam como pessoas, mas como “‘puntos de perspectiva’ abstratos” (p. 20). Como explica o autor, o locutor pode se identificar com algum dos enunciadores apresentados, mas geralmente guarda certa distância deles. É sobre a função do enunciador que se volta a análise da teoria polifônica da enunciação de Ducrot. O humor e a negação, segundo ele, são exemplos nos quais se identifica a presença de mais de um enunciador.

Como argumenta Ducrot (1988), o que caracteriza o enunciado humorístico é o fato de apresentar pelo menos um ponto de vista insustentável, absurdo, o qual nunca é atribuído ao locutor. Além disso, no enunciado humorístico não há nenhum ponto de vista oposto ao ponto de vista absurdo. Ele qualifica de irônicos os enunciados nos quais o ponto de vista absurdo é atribuído a determinado personagem a quem se quer ridicularizar. A expressão irônica “Ah, muito bonito!”, por exemplo, apresenta um enunciador que faz uma avaliação favorável da ação à qual se refere, de modo que tal avaliação pareça absurda. Essa avaliação, obviamente, não pode ser atribuída ao locutor, que não se identifica com o enunciador favorável à ação apreciada. Há aí, portanto, dois pontos de vista opostos, ou dois enunciadores.

Quanto à negação, esse autor apresenta uma definição linguística desse conceito, inspirada em Freud:

Diré que en un enunciado negativo no-P, hay por lo menos dos enunciadores: Un primer enunciador E1 que expresa el punto de vista representado por P, y un segundo enunciador E2 que presenta um rechazo de ese punto de vista. Un enunciado negativo es pues una especie de diálogo entre dos enunciadores que se oponem el uno al outro. (DUCROT, 1988; p 23)

O autor segue afirmando que a negação diferencia-se do humor porque, embora também apresente um enunciador que afirma algo inadmissível do ponto de vista do locutor, apresenta também um outro enunciador que contesta esse ponto de vista insustentável. A diferença principal é, pois, o fato de que na negação o enunciado inadmissível aos olhos do locutor é rebatido por um outro enunciador. É o que ocorre, por exemplo, com o título de um artigo jornalístico sobre a guerrilha nas Filipinas: “Niguna potencia extranjera (pienso en la URSS) sostiene a los guerrilleros” (DUCROT, 1988; p

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25). Para o autor, esse enunciado apresenta dois pontos de vista: um enunciador E1 positivo, que não pode ser identificado com o locutor, o qual acredita haver uma potência estrangeira sustentando os guerrilhairos, e um enunciador E2 que o contradiz.

A negação é, para ele, semelhante a uma peça de teatro, cujo enunciado, a despeito de sua aparência monológica, apresenta um diálogo cristalizado. Nesse diálogo instaurado no interior do enunciado se manifesta a polifonia. Nessa abordagem, no entanto, o conceito de polifonia restringe-se ao nível do enunciado e não implica uma análise da função do autor, como explica Ducrot (1987, p. 169):

Ressaltar-se-á que não faço intervir na minha caracterização da enunciação a noção de ato – a fortiori, não introduzo, pois, a noção de um sujeito autor da fala e dos atos de fala. Não digo que a enunciação é o ato de alguém que produz um enunciado: para mim é simplesmente o fato de que o enunciado aparece, e eu não quero tomar partido, no nível destas definições preliminares, em relação ao problema do autor do enunciado. Não tenho que decidir se há um autor e qual é ele.

Percebe-se aí claramente a distância que a polifonia de Ducrot assume em relação ao conceito original, o que permite afirmar que esse autor propõe um outro conceito, com a finalidade de observar objetos distintos do que propôs Bakhtin. Não se identificam nessa abordagem os três fatores característicos da polifonia bakhtiniana: a equipolência, a imiscibilidade e a plenivalência, uma vez que não importa para Ducrot se há ou não igualdade de condições para que essas vozes se manifestem, se tais vozes são independentes umas das outras ou se cada voz preserva seu valor pleno. De fato, analisando-se a partir de uma ótica bakhtiniana, poder-se-ia dizer que os enunciados observados por Ducrot na negação e no humor são monológicos, uma vez que sempre apontam para a prevalência ideológica de determinado ponto de vista.

O conceito proposto por Ducrot, no entanto, parece ter se popularizado como a noção de polifonia de Bakhtin, o que pode também ajudar a explicar a confusão conceitual no meio acadêmico. Mas, se a abordagem proposta por Ducrot não considera as vozes ideológicas em constante diálogo na arena discursiva, como é possível pensar na polifonia, numa perspectiva semelhante ao que propôs Bakhtin, em novos objetos, especialmente nos textos midiáticos?

4. RUMO À UTOPIA POLIFÔNICA DE BAKHTIN: AS VOZES DA MÍDIA

A identificação de uma atitude verdadeiramente radical do autor, de permitir que as vozes do mundo se manifestem livremente, sem as amarras que o poder da pena impõe,

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sem o comando que constrói de forma constitutiva qualquer discurso, na realidade representa uma sintonia fina com a verdadeira utopia de Bakhtin, como destaca Faraco (2003). Há no pensador russo um profundo compromisso com a livre manifestação das consciências, com a liberdade e com a autonomia do sujeito, que não é único nem solitário, mas que se constrói e constrói sua história num grande e ininterrupto diálogo. Como frisa Faraco (2003, p. 72):

O diálogo é aí [no Círculo de Bakhtin] mais que apenas uma grande metáfora para tratar de assuntos de uma certa semiótica social, de uma filosofia da linguagem. Bakhtin não é apenas o filósofo das relações dialógicas em sentido amplo; o diálogo é também, no seu pensamento, a metáfora daquilo que poderíamos considerar como sua grande utopia.

A utopia de um mundo polifônico, em que vozes plenivalentes e consciências imiscíveis interagem num diálogo inconcluso, associa-se, como explica Faraco (2003), com a história pessoal de Bakhtin, profundamente marcada pela censura e pelo cerceamento da liberdade, inclusive com a imposição do exílio e a negação à participação na vida acadêmica. Para Schnaiderman (2005), Bakhtin deixa uma importante lição “sobre a importância da multiplicidade de vozes em nosso mundo – uma lição essencialmente de afirmação democrática e antiautoritária, partida de alguém que era vítima direta da violência stalinista.” (p. 15).

Está claro, vale ratificar, que o conceito de polifonia foi formulado por Bakhtin a partir da observação do texto literário, e especificamente de um autor, Dostoiévski, a quem considera o criador de um novo gênero, o romance polifônico. Como salienta Brait (2009), o conceito de polifonia não foi dado previamente, de modo que pudesse ser aplicado aos textos escolhidos. Para a autora, a obra de Dostoiévski é que levou Bakhtin à concepção do romance polifônico e sua arquitetura. Está claro também que a popularização do conceito não o reproduz em sua radicalidade, o que o torna, como denunciam vários de seus comentadores brasileiros, um conceito avulso.

Deve-se argumentar, entretanto, que o horizonte último de Bakhtin é o homem que fala na cultura. Não o herói arquetípico dos poemas épicos, mas o homem que pensa e que se manifesta livremente, sem subordinar-se à imagem objetificada do herói. Na figura do herói bakhtiniano, a palavra sobre si mesmo e sobre o mundo ressoa tão plenamente como a palavra do autor, como pondera Bakhtin (2005).

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Pode-se afirmar, pelas próprias declarações do pensador russo, que esse autor não pôde testemunhar a realização de sua utopia além do espaço da literatura, e na obra de Dostoiévski, especificamente, como expressou em entrevista a Zbigniew Podgórzec, meio século depois de ter formulado o conceito (TEZZA, 2003). Questiona-se inclusive se tal utopia, pautada na descrição da polifonia como um “positivo literário”, não se inscreve num “dever ser”, tal como a neutralidade científica ou a imparcialidade jornalística, preceitos considerados impossíveis de se realizar plenamente, mas indispensáveis para o exercício das atividades que os propagam. Tezza (2003, p. 231), inclusive, sugere:

O conceito de polifonia é uma categoria não-reiterável; apesar de toda a aposta de Bakhtin no que ele chama de ‘novo gênero romanesco’, ele mesmo não conseguia encontrar (isso 40 anos depois, em 1974) mais do que dois ou três exemplos de romance polifônico, citando mais obras filosóficas que literárias, Camus em particular.

Mesmo que se considere, como defende Tezza (2003), que o conceito bakhtiniano de polifonia seja uma categoria não-reiterável, cabe questionar: se o mundo das mídias, tal como o conhecemos hoje, não existia para Bakhtin, é possível imaginá-lo como um lugar de manifestação de seu ideal polifônico? Ou ainda: se a mídia se caracteriza historicamente como um campo de disputa ideológica, apresentando-se como espaço de legitimação do poder hegemônico de determinados grupos sociais, como denunciam estudos das mais diversas áreas acadêmicas, como poderia oferecer espaço para a manifestação de vozes sociais tão diversas e em permanente conflito, respeitando os ideais de equipolência, plenivalência e imiscibilidade que o conceito bakhtiniano inclui constitutivamente?

A primeira questão põe em evidência um aspecto bastante significativo, que é o fato de que Bakhtin tinha como objeto de observação o texto literário, cujas vozes são orquestradas por um autor, que as cria em função de seu plano. A polifonia não é apenas um efeito de sentido, mas é parte do plano do autor, como o próprio Bakhtin reconhece. Se existem vozes que se fazem ouvir em condições de igualdade, é porque assim o autor projetou, assim desejou, assim decidiu.

Nesse sentido, observando o mundo das mídias, mesmo admitindo que as vozes que se podem representar numa reportagem, por exemplo, não são originadas exclusivamente do autor/jornalista, sua manifestação também depende de uma atitude do autor. Nesse caso, o autor seleciona não apenas o que deve ser colocado em pauta e

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quem pode falar a respeito, mas o que pode aparecer daquilo que foi verbalizado pelo entrevistado. Talvez por isso os textos jornalísticos, no geral, pareçam plurivocais, mas nunca polifônicos. Nesse sentido, pode-se associar o texto canônico de uma reportagem, por exemplo, ao romance monológico descrito por Bakhtin, em que um ponto de vista se manifesta de modo privilegiado.

Mas é importante argumentar que, assim como na autoria do romance, o discurso da mídia mobiliza estratégias de delegação de falas, o que, também de modo equivalente, pode ou não implicar em efeitos polifônicos ou mesmo na verdadeira polifonia, como realizada por Dostoiévski. O que se quer defender com isso é que, se no romance dostoievskiano, Bakhtin identifica uma abdicação irrestrita à autoridade, revelada no plano do autor, também no plano do autor do texto midiático existe a possibilidade de delegação de falas no sentido mais radical do termo, entendendo-se que delegar é transmitir poderes, autoridade.

Ademais, mesmo considerando, como adverte Tezza (2006), que a renúncia à autoridade pressuposta no romance polifônico implica que o centro significante da linguagem do autor seja colocado na perspectiva do outro – e é exatamente essa perspectiva que lhe interessa – isso de modo algum implica que o outro fale por si, sem a mediação do autor e sem a inscrição dessa fala no seu plano. Como pondera Tezza (2006; p. 245):

essa voz alheia não lhe vem intacta, a pura voz do outro se consubstanciando na minha mão. Ela chega até mim refratada, comentada, amada ou vilipendiada pelo meu olhar e pela minha intenção – mas, por mais forte que seja essa intenção, por mais pressão que eu exerça sobre a voz alheia, por mais monumental que seja minha presença diante do universo do outro, essa voz, esse ponto de vista, esse olhar alheio sobre o mundo está lá, necessariamente presente, com o seu grau de autonomia. Claro, eu abdico da autoridade direta da minha palavra, mas eu prossigo vivo no texto, na sombra de cada frase e na arquitetura do texto.

Considerando-se as novas mídias digitais, inclusive, percebe-se que a possibilidade de interatividade, a velocidade com que as informações são publicadas, repassadas e atualizadas, bem como a liberdade de participação colaborativa na construção do texto jornalístico permitem imaginar uma nova constituição da autoria

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desses textos, ancorada em valores distintos. Por mais que mantenham um autor a quem cabe gerenciar a manifestação das vozes que se inscrevem no diálogo, os personagens não são criações desse autor, eles são também autores e, em tese, existem “de carne e osso” – mas só em tese, uma vez que muitas personalidades que se mostram nas redes sociais, nos blogs e nos sites de notícias são fakes, perfis falsos, criados com a finalidade de mascarar a identidade de seu autor.

Outras características podem ser observadas em relação a tais textos. Eles, no geral, não abrem mão de determinados filtros, com os quais podem garantir certo controle sobre o que é postado, como a possibilidade de excluir participantes ou de inibir a participação de determinadas pessoas, ou ainda de selecionar previamente o que pode ser inserido. Mesmo nas redes sociais, em que se abrem debates sobre os mais diversos temas, a respeito dos quais dificilmente se pode ter algum tipo de controle, é possível a existência de filtro, comandado por algum mediador.

Além do controle por parte da própria mídia, é comum a presença no debate de profissionais que se apresentam com identidades falsas, contratados para assumirem a defesa de empresas ou de grupos sociais. Nesse caso, pode-se argumentar que a equipolência poderia desaparecer, manifestando-se aí apenas efeitos de polifonia ou simulacros de polifonia. Mas se poderia argumentar que a presença da voz da empresa ou do grupo social representado por um fake é também necessária para que se garanta a equipolência.

Outra questão importante é que esses novos espaços discursivos cada vez mais necessitam da polêmica para garantir visibilidade e para sustentar a audiência. Para tanto, precisam oferecer ao interlocutor certa garantia de que o espaço é democrático e de que as diversas vozes sociais podem manifestar-se plenamente. Daí uma disposição maior para acolher cada vez mais as vozes dissonantes, o que não assegura, no entanto, que tais espaços tenham uma “vocação” polifônica.

É possível, sim, argumentar que esses campos permitem reações ao discurso autoritário que tem caracterizado historicamente a atuação da mídia, funcionando inclusive como uma espécie de observatório da mídia tradicional. Como argumenta Barros (2007, p. 34):

Nos discursos autoritários abafam-se as vozes, escondem-se os diálogos e o discurso se faz discurso de verdade única, absoluta e incontestável. A única forma de contestar tais discursos é recuperar externamente a polêmica escondida, os confrontos sociais, ou seja,

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contrapor ao discurso autoritário um outro discurso, responder a ele, com ele dialogar, polemizar.

Desse modo, pode-se alegar que os novos espaços discursivos instaurados com o advento da Internet possibilitam maior liberdade de participação, abrem espaço para que essa participação possa se dar de forma mais igualitária (equipolência), que as vozes aí presentes se manifestem de maneira plena (plenivalência) e que mantenham sua independência umas das outras (imiscibilidade). Donde se deduz que representam

lugares potenciais para que se investigue a manifestação do fenômeno polifonia em

toda a radicalidade do conceito, como formulado por Bakhtin.

5. FINALIZANDO...

Para simular um acabamento que de fato não se pode realizar, uma vez que este ensaio precisa se inscrever no diálogo e aceitar sua incompletude e sua refutabilidade, pode-se argumentar que, assim como Bakhtin não pôde testemunhar o apogeu do romance polifônico enquanto gênero, não se pode asseverar que os textos das novas mídias sejam, por sua natureza, polifônicos. No entanto, é possível afirmar que trazem, em grande medida, potencial para a polifonia. Em primeiro lugar, assim como o romance dostoievskiano, tais textos apresentam um inacabamento constitutivo, mantendo-se, na maioria dos casos, abertos para a inscrição de novos personagens/autores e para a interlocução entre eles. Esse inacabamento é condição para a manifestação da polifonia.

Outra característica das novas mídias é a necessidade permanente da polêmica como forma de assegurar a atenção da audiência e de alimentar o diálogo. A necessidade de polêmica, além de permitir que as vozes em conflito se manifestem com maior liberdade, associa-se a outra característica indispensável para a sobrevivência desses gêneros: eles precisam se apresentar como espaços democráticos. Por isso, precisam pelo menos simular certa democracia.

Além disso, esses espaços discursivos são autorreguláveis. Seus participantes estão envolvidos no diálogo e precisam, por isso, estar em permanente vigilância, de modo a assegurar a equipolência das vozes que se inscrevem em tais arenas discursivas. Bakhtin, embora tenha oposto o romance à poesia, afirmando que esta era monológica e aquele polifônico, não identificou o fenômeno da polifonia no gênero, mas na obra de um autor. Para ele, o ativismo do autor do romance polifônico consistia em permitir que as vozes se manifestassem livremente. Do mesmo modo, a chave para se investigar a

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presença da polifonia bakhtiniana nas novas mídias pode se vislumbrar a partir dessa nova autoria que se instaura nesses espaços.

Mas isso é tema para um outro ensaio no mesmo diálogo...

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

________. Problemas da poética de Dostoiévski. 3. Ed. Rio de janeiro: Forense, 2005.

BARROS, D. P. L. de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. de. Diálogos com Bakhtin. Curitiba: UFPR, 2007

BEZERRA, P. Polifonia. In: BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005

________. Dialogismo e polifonia em Esaú e Jacó. In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. de (Orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

BRAIT, B. Problemas da poética de Dostoievski e estudos da linguagem. In BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: dialogismo e polifonia. São paulo: Contexto, 2009.

DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Trad. Eduardo Guimarães. Campinas, São Paulo: Pontes, 1987.

________. Polifonia y Argumentacion. Cali: Universidad Del Valle, 1988.

FARACO, C. A. Linguagem e Diálogo: as ideias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2003.

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SCHNAIDERMAN, B. Bakhtin 40 graus (Uma experiência brasileira). In: BRAIT, B. (Org.)

Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da UNICAMP, 2005.

TEIXEIRA, M. O outro no um: reflexões em torno da concepção bakhtiniana de sujeito. In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. de (Orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail

Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

TEZZA, C. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

________. Sobre a autoridade poética. In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. de (Orgs.). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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26 CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E LINGUAGEM DE PROFESSORES TERENA, REGIÃO

AQUIDAUANA - MS

CONCEPTIONS LANGUAGE AND LANGUAGE TERENA’S TEACHERS, REGION AQUIDAUANA – MS

Alessandra Manoel Porto (PG-UFMS) alemporto@yahoo.com.br

Resumo: Este artigo busca refletir os conceitos de língua e linguagem no discurso de

professores Terena, Região Aquidauana, em Mato Grosso do Sul. Os professores das escolas indígenas situadas nas aldeias da região mencionada, passam por processos de formação acadêmica superior (graduação e pós-graduação), convivem com uma educação bilingue - Terena nativa e Portuguesa, com projetos voltados à pró-revitalização da língua materna. Assim, partimos da hipótese de que há mudanças nas formações discursivas/ideológicas bem como na identidade docente desses professores indígenas, com base no relacionamento direto com os índios e com sociedade dominante. Enquanto procedimentos metodológicos, recortamos e analisamos dois excertos de uma entrevista realizada com um dos professores, cuja formação é Superior, com pós-graduação. Para isso, discutiremos alguns conceitos como identidade e sujeito presentes nas obras de Hall (2005) e Guerra (2010); e formação discursiva/ideológica de Foucault (1969, 1971 e 1990) e com ênfase nos processos de referenciação propostos por Cardoso (2003). Dessa forma, alguns resultados podem ser observados, a partir dos questionamentos que, embora em defesa da capacidade docente indígena, o sujeito busca argumentos em conhecimentos universais para sustentar seu posicionamento.

Palavras-chave: indígena, sociedade, discurso

Abstract: This paper aims to reflect the concepts of language and language in speech

teachers Terena, Region Aquidauana, in Mato Grosso do Sul. The teachers from native schools in the village from region named, are in process of formation.(Graduation and Pos Graduation), live together with a bilingual education – Native Terena and Portuguese, with project to pro-revitalization of native language. So, we start from proposed of the possible change in ideological discursive formations, based on direct relationship with the Indians and also with the society. While methodological procedures, we cut out and analyse two

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excerpts from an interview with one of the teachers, whose education and post-graduation. Fom this, We will discuss some concepts such as identity and subject of the works of Hall (2005) and Guerra (2010), discursive formation / ideological Foucault (1969, 1971 e 1990), and emphasis in the referral processes by Cardoso (2003).Thus, some results can be observed from the teacher who, although in defense of indigenous teaching capacity, the subject seeks universal Knowledge arguments to support his position.

Keywords: native, society, discourse

1. INTRODUÇÃO

A educação indígena, desde o “Descobrimento” até o século XX, esteve pautada pela catequização, civilização e pela integração forçada dos indígenas à sociedade nacional (cf. CNE/Parecer 14/99, p. 40), ou seja, eles eram obrigados a “apagar-se” para transformar-se nos moldes nacionais. Muitos são os documentos que buscaram assegurar às sociedades indígenas uma educação diferenciada, na tentativa de respeitar seu universo sociocultural. Podemos citar entre eles o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001, 1973), a Constituição Federal (1988), as Diretrizes da Educação Indígena de Mato Grosso do Sul (1994), o Decreto nº 1.904/96 (Direitos Humanos), a Lei de Diretrizes e Bases (LDB – 9.394/96), a Resolução do CEB (03/99 – criação da Escola Indígena), o Parecer do Conselho Nacional de Educação (14/99), entre outros.

Embora haja algumas conquistas significativas em relação à educação indígena, uma das grandes perdas nesse processo de “integração” e “homogeneização” foi a língua materna. Segundo Oliveira (1976), a língua materna dos Terena foi sendo “substituída” a partir do contato, principalmente dos indígenas trabalhadores com os fazendeiros e com outros profissionais, por meio da lida com o gado e na abertura de estradas que, falando somente a língua Terena, dificultaria a oportunidade de emprego e isso foi sendo passado para as próximas gerações.

Ressaltamos que o período de coleta dos dados se deu por meio exploratório (entrevista in locu), sendo entrevistados nove professores indígenas, todos com formação superior (Normal Superior Indígena), dentre eles, dois pós-graduados (com mestrado em Educação e Ciências Sociais). As entrevistas foram transcritas e organizadas em recortes que melhor atendessem ao objetivo do trabalho: analisar como se processa a relação discursiva desses professores nas comunidades bilíngues, frente às influencias da

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sociedade dominante, por meio das formações discursivas/ideológicas e, consequentemente, a construção de sua identidade.

Hoje, com os projetos sociais voltados para a pró-revitalização da língua, tanto nas escolas, como externos a elas, a exemplo do projeto “KOERU” (que significa “Papagaio”, falador) que envolve os indígenas de um modo geral no ensino oral e escrito da língua Terena. Ainda, todo esse anseio foi reafirmado com a abertura de cursos superiores específicos à formação do professor indígena, oferecidos pelas Universidades Estaduais e Federais, concentradas no Centro-oeste do estado do Mato Grosso do Sul. Desse modo, a língua materna, que no passado era motivo de preconceito do indígena na sociedade, hoje passa por uma inversão: ela é “condição primária” para a afirmação da identidade étnica.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Com a garantia de cidadania assegurada aos indígenas pela Constituição de 1988 e a reorganização da educação com a implantação das Escolas Indígenas pela LDB (art. 78) que a legitima como educação indígena, temos “deve ser intelectual e bilíngue, visando a reafirmação de suas identidades étnicas [...] além de possibilitar o acesso às informações e aos conhecimentos valorizados pela sociedade nacional”, surge, então, a necessidade de investimento na formação dos professores indígenas. Esse direito/necessidade é normatizado também por meio legal (cf. CNE/Parecer 14/99, p. 49-50) que garante aos professores indígenas, capacitação em serviço e cursos específicos de formação que atendam as peculiaridades do trabalho pedagógico em escolas específicas.

A partir desse evento, procuramos compreender o posicionamento desses professores indígenas, incutidos nesse sistema de ensino, à luz do método investigativo foucaultiano, que concebe discurso “sob as condições positivas de um feixe complexo de relações” (Foucault, 1987, p. 51); ainda, por meio dele podemos observar no sujeito elementos de dispersão, que dependem significantemente da posição e do status que ele ocupa, dentro de um sistema de relações (IBID, p. 61).

Nessa cadeia discursiva, o sujeito vai se constituindo por meio das escolhas lexicais que procuram garantir “fielmente” suas ideologias, mas que na verdade, concordamos com Foucault (1987, p, 43), que nem sempre elas se mantém como regras, daí a dispersão, momento de riqueza discursiva, que Foucault (1987, p. 66) denomina “grupo de conceitos discordantes”. Como parte desse jogo linguístico e ideológico,

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respaldamos em Cardoso (2003, p. 116) quando concebe o processo discursivo como constitutivo das vozes do Outro (tanto como pessoa, como pessoa do discurso), recursos em que os processos de referenciação transcendem a materialidade linguística e se pautam na dimensão discursiva e ideológica.

Por meio de todos esses suportes teóricos discursivos, buscaremos compreender o processo constitutivo da identidade do professor indígena, a partir de Guerra (2010, p. 90) que diz que o índio é levado a ser cidadão sendo indígena ao mesmo tempo, e compreender sua identidade, sob a concepção de Hall (2005, p. 23), ao afirmar que o sujeito humano “está sendo “descentrado” na modernidade tardia”. Assim, como se encontra os processos idenitários dos sujeitos indígenas em questão?

3. DISCURSO: FORMAÇÃO DISCURSIVA/IDEOLÓGICA E IDENTIDADE

Trazemos para essa discussão preliminar apenas dois excertos transcritos por nós, parte dos dados coletados na entrevista com os professores Terena. Os recortes remetem ao discurso de um professor com formação superior (Normal Superior Indígena) e pós-graduado em Ciências Sociais, pertencente à Aldeia Bananal, Região Aquidauana – MS. O sujeito é falante da língua Terena, aprendeu a língua portuguesa aos onze anos de idade. Tanto o professor, como as sequências discursivas a serem apresentadas, foram selecionados dentre o corpus (entrevista transcrita), por atenderem aos objetivos deste trabalho. Os recortes foram organizados em R1 e R2. Inicialmente apresentaremos o excerto/resposta do discurso de R1, cuja pergunta feita foi “Como são organizados os conteúdos relativos ao ensino da língua Terena dentro do currículo escolar”?

R1- Os conteúdos acabam sendo descontextualizados... por exemplo... nas aldeias do Distrito de Taunay... nas escolas... ah tem arte e cultura Terena de 1º Ano até o 5º Ano... tem língua Terena eles aprendem... são alfabetizado na língua materna até 4ª série... aí fica uma janela de 6º ano ao 9º ano não tem língua Terena... não tem arte e cultura... aí vai aparecer aonde... lá no 1º ano... 2º ano... 3º ano do médio... e a janela que ficou... quatro anos isso não é por falta de reivindicar... isso não é por falta de os Terena... dos professores Terena fechar essa janela... mas quem é que fecha essa ponte... faz essa ponte pra nós... é o branco... porque é... é... é... está na mão do branco que o Secretário da Educação... tanto do estado do município... eles que vão

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determinar o momento... quando eles quiserem... não é o nosso querer quanto Terena... quanto comunidade... quanto professor... (grifos nossos)

As formações discursivas que constituem R1 remetem ao discurso pedagógico, materializadas pelos itens lexicais “conteúdos”, “escolas”, “1º ano”, “2º ano”, “3º ano do médio”, “5º ano”, 6º ano”, 9º ano”, “4ª série”, “alfabetizado”, “língua materna”, “língua Terena”, “professores”, “secretário de educação” que se apresentam numa relação de confronto com o discurso da sociedade dominante representado pelos itens lexicais “branco”, “mão do branco”, “secretário”, “estado”, “município”, prevalecendo discursivamente “uma luta” por meio do discurso em refutação à autoridade delegada ao branco para escolher e determinar o que é viável para os indígenas; autoridade essa negada para os próprios indígenas, que se julgam capazes para tais decisões. Podemos relacionar essa relação discursiva ao que afirma Foucault (1972, p. 8-9) que a produção do discurso está estritamente ligada às formações de poder, nele está impresso as ideologias dos desejos de poder.

O sujeito, em R1, é constituído por um discurso de apontamento, afirmando que, mesmo com a inclusão da língua materna (língua Terena) no currículo das escolas indígenas, é o branco quem determina quando deve iniciar e terminar a sua inserção no processo escolar, isto é, é o branco quem organiza o currículo escolar, em detrimento da capacidade dos professores indígenas. Isso é possível observar quando o sujeito afirma que “... os conteúdos acabam sendo descontextualizados [...] eles aprendem... são alfabetizados na língua materna até 4ª série... aí fica uma janela [...] aí vai aparecer aonde... lá no 1º ano... 2º ano... 3º ano do médio [...]... mas quem é que fecha essa ponte [...] é o branco [...]”. Essa situação acaba sendo conflitante, haja vista que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB – 9.394/96 - Art. 78-79) a educação indígena é de competência da União, mas com a colaboração dos sistemas de ensino estaduais e municipais, que devam garantir às escolas indígenas, serem organizadas, dentro das especificidades de cada grupo étnico. No discurso de R1 é possível observar o descontentamento do professor indígena com a delegação dadas às parcerias no que tange às escolas indígenas, sente-se sem voz étnica para fazer restabelecer um novo olhar para a capacidade docente indígena, ou seja, confirma-se o pensamento de Souza (2003, p.94) de que uma há hierarquia até chegar para toda a sociedade: conjunto de obrigações e de direitos que buscam “organizar” a relação uns com os outros. Essa

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hierarquia mencionada pelo autor representa, no discurso de R1, “delimitações de poder” – para ele, a escola é indígena, no entanto, opera sob a ideologia do estado/branco.

Diante disso, podemos afirmar que o sujeito em R1 é conhecedor de seus direitos como cidadão indígena, não concordando que as decisões, especificamente aqui, relativas ao currículo, sejam tomadas pelo branco, quando afirma “[...] está na mão do que o secretário da educação... tanto do estado como do município [...]”, tendo em vista que atualmente, muitos indígenas possuem formação acadêmica igual ou até mesmo superior a muitos brancos, além do que, são indígenas, falantes da língua Terena e conhecedores da cultura étnica, fatores que segundo R1 seriam características suficientes para colocar o professor indígena numa posição de decisão superior. Buscamos respaldo em Foucault (1990, p. 94-95) quando afirma que as relações de poder são intencionais e não-subjetivas, ou seja, não há poder que seja exercido sem metas, objetivos, onde há poder, há resistência e que ele depende de uma multiplicidade de pontos de resistência. O discurso de R1 traz imbricado esse conjunto de resistências e desejos de poder.

Há ainda no discurso de R1, algumas articulações linguísticas que podem ser consideradas como marcas de referenciação, das quais o sujeito as utiliza para reforçar sua argumentação em defesa daquilo que acredita, ou seja, para retomar o referente “conteúdos”, ele utiliza de anáforas, dentro de um processo de recategorização, não garantida pela regularidade de gênero e número, mas discursivamente, como podemos observar: para retomar “conteúdos”, que nos remete a efeitos de sentido de “língua materna”, ele traz os itens lexicais “língua Terena”, “a janela”, “essa janela”, “essa ponte” que, segundo Cardoso (2003, p.151), o discurso é constituído no processo da formação discursiva como forma de uma verdade da formação ideológica, ou seja, “os conteúdos” resumem toda a luta discursiva do sujeito, pela implantação da língua materna no currículo da escola, mas pela ideologia da etnia e não pela ideologia do branco. Isso posto, concerne à concepção de sujeito proposta por Cardoso (2003), de que ele é um espaço tenso e seu discurso surge da ilusão de que apresenta fatos novos, como evidências da verdade.

Passaremos para análise do segundo recorte, o qual denominamos R2, que corresponde às respostas da questão “Professor, há diferenças entre um Terena falante da língua materna para um não falante, para o próprio Terena e para a sociedade?”:

R2- Sim... entre nós Terena... pela comunidade não-índio ela... ela já é... ela não

Referências

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