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O feminismo protestante e a competência discursiva cristã no que diz respeito à mulher

No documento Estudos Linguísticos (páginas 145-147)

VISÃO MISSIONÁRIA

3. O feminismo protestante e a competência discursiva cristã no que diz respeito à mulher

A historiadora Élisabeth Sledziewski (1991) afirma que a Revolução Francesa foi uma mutação decisiva na história das mulheres, na medida em que põe em causa a hierarquia dos sexos. Com a Revolução, as mulheres alcançaram direitos na sucessão dos bens, a maioridade civil e a possibilidade de testemunhar nos registros civis e, principalmente, direitos sobre o estado civil e o divórcio. O casamento é estabelecido

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como um contrato civil, em que os dois contratantes “são igualmente responsáveis e capazes de verificar por si mesmo se as obrigações criadas pelo seu acordo são corretamente executadas” (SLEDZIEWSKI, 1991, p.45). A nova lei do casamento abre uma

nova possibilidade: aquela que pode escolher o marido, também deveria poder escolher o governo. No entanto, a possibilidade da mulher se colocar em pé de igualdade com o homem no corpo político causou reações contrárias mesmo entre os revolucionários franceses. Filósofos justificavam que era a própria natureza (a vocação natural feminina para cuidar do lar e a sua fragilidade) que exigia que as mulheres se mantivessem fora da vida política. Em resposta a isso, diferentes textos foram produzidos no sentido de tentar mostrar a igualdade entre as partes. Embora os enfoques fossem diferentes, uns de caráter mais filosófico, outros políticos e outros éticos, todos defendiam a igualdade entre os sexos.

No campo da religião cristã, a questão da igualdade entre os sexos toca diretamente o texto bíblico sobre submissão feminina de autoria do apóstolo Paulo:

Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos. (Efésios, 5:22-24).

Esse texto tem sido objeto de diversos comentários na teologia cristã. Discutindo o papel da mulher na religião, Jean Baubérot (1991) afirma que o protestantismo se afasta do catolicismo, na medida em que considera a vida secular e a vida conjugal um lugar privilegiado para a mulher, porém, no que diz respeito ao sacerdócio, esse também ainda não é aceito para as mulheres. Segundo o autor, a situação das mulheres no protestantismo é marcada por uma certa ambivalência. De um lado, a concepção do sacerdócio universal proposta por Lutero faz com que haja uma preocupação com a instrução das mulheres nos países protestantes, o que leva a um relativo avanço da educação nesses países no século XIX. Mas, por outro lado, as mulheres são excluídas de exercerem a função pastoral, por causa da concepção social dominante da repartição dos papéis masculino e feminino e, principalmente, pelas passagens das epístolas de Paulo relativas às mulheres.

De acordo com Baubérot, nos Estados Unidos, as mulheres protestantes participaram de campanhas antiescravagista. Essa participação começou com um artigo de um jornalista calvinista que pedia que as mulheres da alta sociedade lutassem pela libertação das mulheres negras, “entregues à crueldade e à “concupiscência” dos homens” (BAUBÉROT, 1991, p.247). Diante dessa conclamação, essas mulheres

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organizaram um movimento antiescravagista feminino. Elas acusavam as igrejas de manter em situação de inferioridade os negros, mesmo quando livres. Muitas faziam protestos diante de um numeroso auditório, o que fez com que a associação dos pastores congregacionalistas publicasse uma carta na qual, a partir de citações do Novo Testamento, defendia que o papel das mulheres não consistia em tratar de assuntos públicos. Baubérot afirma que com essa carta, a questão de gênero somou-se à da escravidão. Para o autor, a união dessas duas questões foi muito importante, porque talvez as mulheres pudessem ter se calado diante da argumentação dos pastores no que diz respeito às mulheres, porém viam no combate da escravidão uma causa divina.

Em resposta a carta dos pastores congregacionalistas, Sarah Grimté publica, em 1838, Letters on Equality of the Sexes, and the Condition of Woman, considerado o primeiro manifesto feminino protestante. Neste, a autora afirma que a Bíblia, corretamente traduzida e interpretada, não ensina a desigualdade entre homens e mulheres, mas, ao contrário, propõe que ambos foram criados com os mesmo direitos e deveres. Chamamos a atenção nessas cartas para a interpretação que Grimté (1838) faz das postulações do apóstolo Paulo a respeito da mulher. A autora afirma que o principal suporte para o dogma de que as mulheres seriam inferiores e, por consequência, submissas ao marido, é encontrado em algumas epístolas desse apóstolo. A respeito dessas, a autora afirma que, quando Paulo diz que a mulher deve ser submissa ao marido, ele estava sob influência de preconceitos judeus, os quais não permitiam, por exemplo, que mulheres lessem nas sinagogas. Nesse sentido, para Grimté, nessa questão, Paulo não falava como um cristão, mas como um judeu. A autora defende que pensar que o homem é superior a mulher é uma ordem divina seria um absurdo, e a única justificativa para isso seria paixão humana pela supremacia, o que caracterizaria, na concepção da feminista, o homem como uma criatura corrupta e caída. Assim, ela conclui que Paulo, enquanto cristão, não poderia afirmar a inferioridade feminina.

Analisando o texto de Grimté (1838) segundo a hipótese da semântica global, podemos afirmar que, para ela, o que falha no texto de Paulo é que este segue a semântica global da doutrina judaica e não da doutrina cristã. A autora não reconhece essa submissão como um postulado da sua competência discursiva cristã, mas como o da competência de seu Outro: o judeu.

4. As interpretações da submissão feminina em Visão Missionária

No documento Estudos Linguísticos (páginas 145-147)