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Marcelo Crivella e os eleitores específicos

No documento Estudos Linguísticos (páginas 67-71)

METACOGNITIVE APPROACH ON THE CONSTRUCTION OF CAMPAIGN TEXTS OF

3. ANÁLISE DOS DADOS

3.2. Domínio sexualidade

3.2.3. Marcelo Crivella e os eleitores específicos

O léxico-chave referente ao domínio de experiência cultural sexualidade é enquadrado e validado pelos eleitores específicos do candidato Marcelo Crivella de acordo com a concepção de sexualidade judaico-cristã, que consiste na atividade sexual realizada com seres humanos, adultos e vivos, consoante as convenções tradicionais cristãs, com a finalidade de manifestações afetivas ou de procriação. Sob essa percepção/conceptualização, a sexualidade diz respeito à atração sexual entre indivíduos de diferentes sexos, ou seja, atração de um homem por uma mulher ou de uma mulher

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por um homem. Convém destacar que tudo o que foge a essa concepção, como, por exemplo, a homossexualidade, é considerado, por esse grupo de eleitores, transtorno sexual. Entendemos, aqui, os conceitos de transtorno sexual não no sentido psicológico dos termos, em que a homossexualidade, por exemplo, quando aceita pelo próprio indivíduo, não é considerada dessa forma. Mas, neste artigo, analisamos no sentido tradicionalista cristão neopentecostal, em que a homossexualidade é considerada um comportamento inaceitável perante a sociedade, portanto seria um pecado.

Tendo isso em vista, podemos asseverar que o eleitorado específico possui estas hipóteses sobre o candidato Marcelo Crivella, levando em conta o domínio de experiência cultural sexualidade:

(i) Marcelo Crivella é um ótimo candidato, pois “defende os princípios morais cristãos” e “protege a relação entre homem e mulher, em consonância com a tradicionalista moralidade sexual pentecostal”.

(ii) Assim, professando a moralidade sexual, o candidato governaria a cidade do Rio de Janeiro de uma forma mais adequada em comparação aos demais concorrentes.

Considerando a postulação dessas hipóteses, os textos de campanha política eleitoral de Marcelo Crivella apresentarão ideias e conceitos em que os eleitores específicos acreditarão, tendo suas crenças e suas expectativas confirmadas na leitura e na apreensão das ideias desses textos. Vejamos, além das apresentadas acima, algumas respostas dos questionários que comprovam nossas afirmações:

(i) “Gabeira fere os princípios morais cristãos e receita a regulamentação da prostituição, cancelando o crime de exploração sexual.

(ii) “A Bíblia ensina que homem que se deita com outro homem, como se mulher fosse, comete abominação.”

(iii) “Homossexuais são seres seriamente afetados por Satanás. Só a cura espiritual é capaz de solucionar esse grande mal.”

(iv) “Defesa dos homossexuais, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da criminalização da homofobia.”

(v) “Eles devem voltar para o armário.”

(vi) “Não sou contra os homossexuais, mas os pastores dizem que devemos defender o casamento entre homens e mulheres e a família tradicional. Não podemos deixar que ele imponha uma ideologia que vai totalmente contra a bíblia e a religião.”

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(viii) “Não é um grupo religioso que está contra, é a sociedade num todo que professa a moralidade, a cultura da família tradicional. É um atentado contra a bíblia sagrada, contra o Criador, que fez macho e fêmea.”

(ix) “A sociedade toda será voltada aos gays.”

(x) “Esse candidato fez passeata com os gays e simpatizantes.” (xi) “Voto no Crivella que é contra os homossexuais (...).”

(xii) “Gabeira é falso, mascarado para ganhar essas eleições. Afinal, ele tá segurando legal a onda da veadagem e no lance da maconha. Dum velho veado maconheiro, pulou prum senhor respeitável, ex-guerrilheiro, exilado pai e marido. As aparências enganam (e homem que é homem nunca usa tanguinha de crochê).”

(xiii) “Mais um bebedor de bebida alcoólica e traidor da esposa e que vive nos bares de olho nos homens alheios e que vive com medo dos que não faz esse tipo coisa feia.”

(xiv) “Não queremos a instalação de uma ditadura gay. Não acho que ser homossexual seja natural.”

Convém destacar que a maioria dos lexemas referentes ao domínio que analisamos nesta seção refere-se à questão da homossexualidade, sempre relacionada ao concorrente de Marcelo Crivella no pleito de 2008, Fernando Gabeira. Esse último, no decorrer campanha, defendeu opiniões próprias e firmes sobre a homossexualidade e a legalização da prostituição, sendo criticado e apontado, pelos eleitores específicos, como homossexual e usuário de maconha.

O candidato apropria-se da hipóteses dos grupos de eleitores, as quais transforma em seus objetivos, na medida precisa tomar para si a percepção/conceptualização que o eleitorado específico sobre o domínio de experiência cultural sexualidade. Na Figura 4 abaixo, representamos a estrutura metacognitiva dos processos de monitoramento e o controle, ativados na construção dos textos de campanha política eleitoral de Marcelo Crivella, em que foram ressaltadas as estratégias para que as hipóteses dos eleitores específicos passem a ser as dele, de modo que esse grupo de eleitores as mantenha.

70 Figura 4. Esquema representativo dos processos metacognitivos em relação aos eleitores

específicos no que diz respeito ao domínio de experiência cultural sexualidade.

Para mostrar-se igual ao que eleitorado específico hipotetiza, de modo a manter os votos desse grupo, Marcelo Crivella necessitaria apropriar-se da percepção/conceptualização que esse grupo tem acerca dele, no que se refere ao domínio de experiência cultural sexualidade. Todavia, embora Marcelo Crivella repita o léxico do eleitorado específico, diferentemente do que atestamos na análise dos dois outros domínios de experiência, ele e os eleitores específicos não postulam hipóteses equivalentes e não as validam da mesma maneira, havendo incompatibilidade entre suas falas (mismatching). Como veremos adiante, os mismatchings ocorrem quando o candidato, além de não se apropriar do enquadramento que os eleitores específicos realizam do domínio sexualidade, utiliza o mesmo léxico, mas com significados distintos.

Abaixo, destacamos a única passagem dos textos de campanha política eleitoral de Marcelo Crivella, em que aparece o léxico referente a esse domínio de experiência, que não foi enquadrado e validado da mesma forma que o eleitorado específico. O trecho seguinte foi retirado da subseção Carta ao Povo do Rio de Janeiro, da seção Plano de Governo.

(i) “2 – assumo o compromisso de repudiar a reprimir qualquer manifestação homofóbica na esfera do poder público municipal. A base de meu governo será o respeito à diversidade.”

Parece-nos que esse mismatching ocorre por impossibilidade de o candidato reproduzir as ideias de seus eleitores específicos sem afastar completamente os pretendidos, que não partilham da concepção judaico-cristã de sexualidade, como veremos na seção adiante, sobretudo em um contexto eleitoral em que Marcelo Crivella

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esteve polarizado com outro candidato que, digamos, lhe é antípoda: Fernando Gabeira. Nesse caso, ocorre um clássico mismatching, em que há incompatibilidade total entre as hipóteses dos eleitores específicos e do candidato, no que se refere à apropriação das hipóteses desse grupo de eleitores e ao significado do léxico utilizado, já que o eleitorado específico firma suas convicções a partir das Escrituras, da Palavra de Deus, rejeitando a homossexualidade, por exemplo, porque a identifica como pecado, como disfunção de comportamento, como transtorno sexual. Não a chama de livre opção de vida e diversidade sexual, como Marcelo Crivella faz; mas reconhece como uma opção de vida condenada por Deus – como várias outras o são.

No documento Estudos Linguísticos (páginas 67-71)