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CAPÍTULO I A Cristologia na perspectiva da América Latina

3 Os conceitos principais e as categorias da missão de Cristo

3.2 A noção de Reino de Deus 

Um aspecto importante da cristologia da América Latina é apresentar o Reino de Deus como ponto relevante para a nossa reflexão e um dos pontos dessa pesquisa, onde teremos um capítulo que abordará esse assunto de uma maneira mais ampla. Mas nesse momento gostaria de relatar a noção do Reino de Deus como um aspecto fundamental e relevante na Cristologia. Na verdade, quando se fala em Reino naturalmente se fala na figura e na pessoa de Jesus Cristo, pois os dois estão interligados nesse aspecto.

A relação entre cristologia e Reino sempre foi apresentada como um ponto fundamental na produção teológica da cristologia da Libertação. Na verdade, quando se produz conteúdos profundos que abordam as questões do Reino de Deus, como a última realidade para Jesus e a perspectiva do Reino, sua parcialidade histórica é sem dúvida um dos pontos fundamentais como chave de leitura, para que tenhamos uma compreensão do Reino no embate da cristologia da América Latina.

A questão da ultimidade do Reino de Deus na missão de Jesus aparece tanto no aspecto teológico, refletindo qual a última realidade para Jesus, como no aspecto histórico, questionado o que é o Reino de Deus para Jesus. A questão escatológica é: como se fazer próximo ao Reino de Deus? Em relação à problemática teológica da ultimidade do Reino, para Jesus certamente não é a dimensão institucional da Igreja, pois o último para o Jesus é o Reino de Deus, o qual foi o centro e o marco da sua pregação, dizendo de sua proximidade. O que está em evidência na relação entre Jesus e o Reino de Deus, é mais do que a simples relação entre ambos, é a explicitação histórica transcendental que o Reino reclama para si33.

Sobre a questão relacionada à problemática histórica do que é o Reino para Jesus, parece que os principais teólogos da América Latina não se satisfazem com algumas conclusões que afirmam que Jesus jamais se pronunciou abertamente quanto ao que é o Reino de Deus, mas sim, falava da sua proximidade. Jon Sobrino diz que a alternativa frente a tal impasse posto sobre essa questão, encontra-se no fato de que não se deve considerar simplesmente o que Jesus disse sobre o Reino e sua proximidade, mas também o que Jesus realizou em forma de serviço para esse próprio Reino34.

Na verdade, o Reino é uma proximidade enquanto boa notícia anunciada, de modo especial aos pobres, fazendo com que possamos compreender que o Reino de Deus para Jesus representaria impreterivelmente, um reino que se aproxime em primeiro lugar, da figura do pobre, um reino para os pobres. Entendemos o motivo da vida de Jesus,isto é, estar a serviço aos pobres, como os primeiros destinatários do reino35.

A proximidade do Reino voltada em primeira ordem para os pobres no plano da missão assumida por Jesus, não quer e nem tem a pretensão de esgotar a parcialidade do Reino, objetivada pela prática histórica de Jesus. Essa realidade representaria um grande

33 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação

Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 42.

34 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo,

Loyola-Vozes, 1985, pp. 123-125.

35 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo,

reducionismo teológico do que é o Reino para Jesus. Sendo assim, não era a intenção de Jesus somente anunciar o Reino aos pobres, mas sim buscar a liberdade de sua miséria real, ou seja, não foi projeto de Jesus somente estabelecer uma esperança para eles, mas postular uma práxis que se concretizasse em práticas de libertação. É nessa questão que se situa a sua atividade libertária, solidária e de denúncia das estruturas de pecado.

A questão é problemática, ou seja, de cunho escatológico, como se faz o próximo o reino de Deus? Segundo alguns teólogos o Reino “já chegou, mas ainda não”. De fato seria essa alternativa para entender o levantamento da problemática, mas do ponto de vista de uma cristologia da libertação, com uma atenuação, podemos descrever que “se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e me siga” (cf. Mc 8, 34). Significa na tônica do estreitamento entre escatologia e seguimento, o seguir a Jesus diante daquilo que Ele disse e fez em favor do Reino, acreditando que tamanha esperança e práxis, fazem presente e próximo o Reino de Deus.

A relação entre Jesus e o Reino de Deus reclamou para si a explicação de duas realidades: o Reino como realidade última para Jesus, e o seu significado sob o olhar teológico-histórico e escatológico e sua incidência no âmbito da atividade histórica de Jesus. Ao mesmo tempo, por outro lado, sua proximidade através de Jesus enquanto historização radicaliza algo fundamental ao seu respeito. De fato, o Reino de Deus inicia e começa a ser vivido nessa história, parcializando horizontalmente, sobretudo a partir de uma prática de fé libertaria, voltada de modo substancial aos seus primeiros destinatários: os marginalizados.

Nesse aspecto, com certeza, pode-se afirmar sem medo de cometer qualquer equivoco teológico, e sendo fiel às limitações que foram dadas na sistematização relacionada ao povo de Deus, que a ação missionaria de Jesus, uma vez voltada para a realidade última, que é o Reino de Deus e sua relação com a história dos homens, inegavelmente é uma opção evangélica.

Uma vez que a noção do Reino de Deus está relaciona à cristologia da libertação, onde se privilegia a via dos destinatários (os pobres) para abordar o tema do Reino, os mesmos ajudam a compreender melhor os conteúdos de tal realidade. Cabe nesse momento, tendo em vista que já foi enfatizado no que se entende por reino historiado, questionar de fato o que nós entendemos por pobres36.

36 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação

Na cristologia da América Latina procura-se valorizar o contexto de liberdade em prol da vida que o ser humano necessita para alcançar sua felicidade, ou seja, o que a pessoa precisa para viver. Afirmar-se que o Reino de Deus anunciado por Jesus é a centralidade da vida cristã e a missão da Igreja. É claro que nessa afirmação o que destaca não é uma cristologia em benefício de um Cristo abstrato, mas uma Cristologia que procura valorizar o Reino de Deus que revela e compreende uma maneira de se fazer Igreja.

Sobrino mostra que o Reino de Deus é o ponto central do Antigo Testamento, como forma de exprimir o desígnio salvífico de Deus e a esperança do povo, principalmente Israel que passou por inumeráveis vicissitudes, problemas e tragédias, mas manteve sempre uma esperança baseada em sua fé. Não confinou Deus a um nebuloso além, mas teve a experiência de sua passagem pela história, e de forma muito concreta. No Egito, Deus escutou os clamores de um povo oprimido e desceu para libertá-lo, essa foi a origem de sua confissão de fé e de sua esperança37.

Fato também importante em relação à Cristologia da América Latina, quando se trata de Reino de Deus, é que quando Deus age, o mundo torna-se se seu Reino, por isso, antes de Reino, é preciso mencionar o reinado de Deus. Quanto ao conteúdo, esse reinado torna real, antes de tudo, o ideal anelado de justiça. Isso mostra que Deus que reina no mundo pelo fato de ser bom e misericordioso com todas as suas criaturas (cf. Sl 86,15s; 145,9), transforma uma realidade histórico-social injusta em outra justa, na qual reina a solidariedade e na qual não há excluídos (cf. Dt 15,4). Então, destaca-se que o reinado de Deus deve ser compreendido como libertação, não só como ação benéfica, mas como ação do próprio Deus. Nesse ponto, tem uma dimensão histórica porque se trata de libertação de opressões objetivas, embora o olhar traga uma abertura à transcendência; e social, pois é libertação e justiça para um povo, ainda que olhar vá dirigindo-se ao pessoal. E, como dissemos, é teologal, porque Deus revela a sua realidade ao passar assim e não de outra maneira pela história.

Mas é importante destacar que o Reino, é um dom de Deus, torna-se uma tarefa de um povo, a qual é central na Escritura, e é muito importante lembrar isso quando se pensa a missão da Igreja atual. Em outras palavras, a forma de ação de Deus é, compassiva, libertadora, promotora de justiça, e deve ser também a forma de agir de Israel: “Não haverá pobres entre vós, partilhareis os frutos da colheita com todos, ajudareis o estrangeiro, e a viúva” (cf. Dt 15 e 26. Lv 19). Assim sendo, Israel não só por ser eleito o escolhido, será povo

37 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há Salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São

de Deus. A escolha não comporta, pois, um privilégio acima dos demais povos. É antes, uma grave responsabilidade e compreender isso é importante, pois a consciência de ser escolhido contém em si sempre graves perigos também na Igreja38. Recordar que o Antigo Testamento tem uma preocupação com o povo de Israel, significa relatar que o Deus daqueles povos é o mesmo que continua agindo no contexto dos povos latino-americanos e por isso esse ponto é uma das noções fundamentais do Reino de Deus na cristologia latino-americana.

3.3 Um aspecto importante do “Jesus histórico” é mostrar a sua missão para os povos