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A Hermenêutica da opção pelos pobres 

CAPÍTULO III O Reino de Deus é a referência e a centralidade para os Teólogos da

1 O Reino de Deus na cristologia da América latina

1.1 A Hermenêutica da opção pelos pobres 

A hermenêutica refere-se ao seguimento de Jesus Cristo que nos remete inicialmente á ideia de caminhar atrás de alguém, mas nos evangelhos esta palavra adquire a conotação de seguir alguém como um discípulo segue o seu Mestre. Discipulado e seguimento no contexto que iremos imprimir são palavras sinônimas.

Alguns dirão que para seguir Jesus basta imitar as suas virtudes, segui-lo consiste em tomar o seu caminho histórico. A história de Jesus é que mostra o caminho para o Pai e para os homens. Como a identidade de Jesus de Nazaré lhe é dada por ser e agir histórico, do mesmo modo a identidade do discípulo lhe é conferida pelo reflexo da história de Jesus em sua vida.130 Sua história pessoal e seu processo de vida no-lo fazem conhecer melhor que seus próprios ensinamentos, uma vez que eles só adquirem sentido frente à sua vida, num âmbito global e coerente.

129 VEDOATO, Pe. Giovani Marinot, Jesus Cristo na América Latina – Introdução à Cristologia da

Libertação, Editora Santuário, 2010, p. 26-27.

Para comunicar conosco, Deus se humaniza, ou seja, se utiliza das mediações humanas para nos comunicar, fazendo seu filho nascer de uma mulher, dentro e a partir de um contexto histórico e definido. O seguimento tem incidência histórica, na continuação do mesmo caminho. A perspectiva do caminho nos leva a compreender que a ação de Jesus teve repercussões histórico-sociais. Trata-se, de atualizar não tanto as ações do Mestre, mas a significação delas.131 Ao assumirmos em nossas ações a construção do Reino de Deus, nos tornamos verdadeiros seguidores de Jesus.

A partir do contexto latino-americano, em nossa atual situação de opressão, essa construção do Reino tem que ser libertação, devendo a cristologia oferecer um saber sobre Cristo que por sua natureza propicie a construção do Reino de Deus. “Y como esse Reino se hace em contra de La opresion Del antirreno, esse saber de Cristo deve saber de liberacion”.132

A hermenêutica que devemos compreender deve ser que a opção de Jesus é pelos excluídos, porque em toda a pregação de Jesus. Ele tinha como a realidade última o Reino de Deus, e os destinatários do Reino que são esse grupo que não tinha vez, e voz. O próprio Deus era visto dentro dessa realidade mais ampla. Ele nunca define concretamente o que é o Reino, mas diz que está próximo, além de acentuar sua novidade, sua exigência, seu escândalo. Sobrino comenta: Se Jesus o tivesse definido, teria ultrapassado sua própria historicidade e seu aparecimento na terra não teria sido de maneira humana.133

Não é por isso que o Reino de Deus torna-se uma incógnita insolúvel, descaracterizada de conteúdo e forma, pois é possível deduzir o que Jesus pensava sobre este reino por meio de três vias de averiguação proposta pelo próprio Sobrino.134

1) Via nocional: consiste em averiguar a noção de Reino de Deus que Jesus teve, comparando-a com às noções já existentes em Israel, cujo pressuposto é a consciência histórica de Jesus.

2) Via do destinatário: ou seja, os pobres. A partir deles se saberá algo do reino.

3) Via da prática de Jesus: a partir de suas palavras e atos, pressupõe-se que o que Jesus fez estava a serviço do anúncio do Reino.

131 MANZATTO, Antonio. Cristologia,Teologia e Antropologia, Revista cultural Teológica, São Paulo, V19 p.

15, Abril’Junho 1997.

132 Sobrino. Jon. Cristologia Sistemática Jesus Cristo, El Mediador Absoluto Del Reino De Dios, Mysterium

Liberationis, San Salvador: UCA EDITORES, 1991, p. 589

133 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 108 134 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 108-109

Claramente que seguindo essa orientação, a hermenêutica do Reino de Deus de fato se revela a todas as classes de marginalizados, e que há por pressuposto que Ele é a Boa Notícia, ou seja, o que é bom para os pobres faz parte da essência desse Reino. A missão de Jesus é compreendida como sendo dirigida aos desfavorecidos: Fui enviado para anunciar a Boa Nova aos pobres (Lc4,18). Mas quem são eles? Na linha de Is 61,1s, são os que gemem sob algum tipo de necessidade básica.

“Assim pobres são os famintos e sedentos, os nus, os forasteiros, os enfermos, os prisioneiros, os que choram, os que estão oprimidos por um peso real (Lc 6,20-21;Mt25,35s). Neste sentido, os pobres são os que vivem curvados (anawim) sob o peso de alguma carga-que Jesus interpretá muitas vezes como opressão-,aqueles para viver e sobreviver é uma carga duríssima”.

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São considerados também pobres, os marginalizados, pecadores, publicanos, prostitutas, os menores abandonados, os de profissões desprezíveis. O Reino de Deus que se a aproxima é para eles parciais e tem como conteúdo fundamental a vida e a dignidade. Nele, os últimos serão os primeiros, e se ele é para os pobres, em sua essência, ele tem que ser no mínimo um Reino de Vida.

Em suas pregações, Jesus defende a vida básica e condena a criação de tradições humanas que vão contra a vontade de Deus em favor da vida, como nos exemplos de anular a ajudar aos necessitados ( Mc,8-13) e na proibição de comer espigas em campos e em dia de sábado ( Mc 2,23-28 par)

“Jesus, por fim, torna central o símbolo primário da vida:a com a comida e o pão. Jesus come com os publicanos ( Mc 2,15-17),gesto simbólico que não se reduz ao puro comer,mas que o inclui. Faz pouco caso das abluções rituais antes da comida ( Mc7,2-5;Mt15,2), sendo aquelas,instituições humanas,e esta,vontade divina. Multiplica os pães para sublinhar independentemente da intenção cristológica e litúrgica do relato-que se deve dar comida ao faminto, e o relato diz explicitamente que comeram e foram saciados (Mc 6,30-

44;Mc 8,1-10;Mt 15,32-39). No juízo escatológico (Mt 25,35.40) quem dá de comer ao faminto encontra Deus.”136

O Reino de Deus oferece no mínimo aquilo que é maximo para os pobres, ou seja,a vida. Aí observa uma divisão fundamental entre aqueles que já tem à vida e as sobrevivências garantidas e aqueles aos quais isto não é garantido. O conteúdo religioso da Boa Nova fundamenta-se necessariamente na libertação material de todo tipo de injustiça. A Boa- Noticia só se tornará efetivamente boa na medida em que ocorrerem a libertação dos oprimidos e a justa distribuição dos bens. Boa Notícia de que eles deixarão de ser empobrecidos.

Assusta a oficialidade religiosa o fato de que este Reino toma partido dos marginalizados, dos fracos e desprezados e, frente aos que murmuram contra a bondade e a misericórdia de Deus, Jesus surpreende com uma única resposta possível: Deus é assim.

Existe o perigo de propiciar ou tolerar uma fé alienante, que leva á invasão irresponsabilidade-, e uma fé infantil, que leva á irrealidade – o docetismo de sempre-,é recorrente na Igreja. Para superá-lo, é necessário voltar ao seguimento de Jesus.

Jesus não deixou atrás de si uma escola, no estilo dos filósofos gregos, para continuar aprofundando-se na verdade última da realidade. Tampouco pensou numa instituição dedicada a garantir no mundo a verdadeira religião. Jesus pôs em marcha um movimento de seguidores que se encarregassem de anunciar e promover seu projeto do Reino de Deus. Daí provém a igreja de Jesus. Não há nada mais decisivo para nós do que reativar sempre de novo, dentro da igreja, o seguimento fiel á pessoa de Jesus. O seguimento de Jesus é a única coisa que nos faz cristãos.

Embora às vezes o esqueçamos, é essa a opção primeira de um cristão: seguir Jesus. Esta decisão muda tudo, é como começar a viver de maneira diferente a fé, a vida e a realidade de cada dia. Encontrar, por fim, o eixo, a verdade, a razão de viver, o caminho. Pode viver dando um conteúdo real à adesão a Jesus; crer no que Ele creu; viver o que Ele viveu; dar importância àquilo a que Ele dava importância; interessar-se por aquilo pelo qual Ele se interessou, tratar as pessoas como Ele as tratou; olhar a vida como Ele a olhava;orar com Ele orou. Transmitir esperança como Ele transmitia.

É possível seguir Jesus por caminhos diversos. O seguimento de Francisco de Assis não é o mesmo que o de Francisco Xavier ou de Teresa de Jesus. São muito dos aspectos e matizes do serviço de Jesus ao Reino de Deus.

Seguir Jesus implica pôr no centro de nosso olhar e de nossos corações os excluídos. Situar-nos na perspectiva dos que sofrem. Fazer nossos, seus sofrimentos e aspirações. Assumir a sua defesa, O seguimento a Jesus requer viver a compaixão, e ajudar a sacudir em nós a indiferença. Não viver só de abstrações e princípios teóricos, mas aproximarnos das pessoas em sua situação concreta de seita. Não excluir nem excomungar. Fazer o projeto integrador e includente de Jesus. Derrubar fronteiras e construir pontes e ajudar a eliminar a discriminação.

Seguir Jesus Cristo é assumir a crucificação do Reino de Deus. Não deixar de definir- nos e tomar partido por medo das consequências dolorosas. Carregar o peso do antirreino e tomar a cruz de cada dia em comunhão com Jesus e os crucificados da terra. É confiar no Pai de todos, invocar seu nome Santo, pedir a vinda de seu Reino e semear a esperança de Jesus contra toda esperança.137

H. assman postulou, em seu livro Teologia desde La práxis de La liberación138. No ano de 1973, a necessidade da teologia levar em conta a situação de fome e desnutrição que matava anualmente cerca de 30 milhões de latino-americanos, para a partir daí o fazer algo teológico segundo o ator,seja algo sério e não um ato cínico. Sequer imaginava a questão do agravamento da pobreza na América latina, e as mudanças que o mundo vem sofrendo atualmente.

Em termos próprio de teologia em relação ao do seguimento, considerando-se que a realidade latino-americana com seus altos índices de fome, pobreza, violência, analfabetismo, apresenta em última instância a cruel lógica da vida e da morte, não como realidade a serem racionalizadas, mas como realidades diárias para milhões de pessoas. Parece que é oportuno útil e necessário, a luz do seguimento a Jesus e do prosseguimento de sua causa hoje, retornar a pergunta: ¨e vós,quem dizeis que eu sou? ( Mc 8,29). Ao que tudo indica, na compreensão da pergunta estará sempre presente um tipo de seguimento e, consequentemente, um prosseguimento da causa de Jesus para nossos tempos, ou seja, o seguimento de Jesus e suas devidas implicações estão profundamente perpassadas pelo conceito, não só teóricos,mas sobretudo pelo conceito práxico inserido que se tem acerca de Jesus Cristo.

137 PAGOLA, Antonio José. Jesus Aproximação Histórica. Rio de Janeiro, Vozes, 2011, p. 569-570. 138 ASSMAN, H. Teologia desde La práxis de La Liberacion, São Paulo, Ed. Paulinas, 1990, p. 40.

Atualmente, na América latina, tal processo de exclusão dos pobres é identificado como neoliberalismo econômico que acaba transformando o pobre num perdedor. Quem não tem possibilidade de competir no mercado é simplesmente eliminado. È um perdedor quem perde no mercado total perde tudo e já mais sonha com os direitos humanos. Os pobres perdem seus valores, e tornam verdadeiros lixos, que não serve mais ao sistema, ou seja, peça descartável.139

1.2 O Redescobrimento do Reino de Deus como realidade última Escatológica