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Educação e desenvolvimento comunitário num processo de transição autogestionário

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Academic year: 2021

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                João Carlos Pereira Caramelo   

Educação e desenvolvimento comunitário  

num processo de transição autogestionário

          Tese de Doutoramento em Ciências da Educação  Fevereiro de 2009   

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Educação e desenvolvimento comunitário  

num processo de transição autogestionário

  João Carlos Pereira Caramelo  2009

 

       

Dissertação  apresentada  à  Faculdade  de  Psicologia  e  de  Ciências  da  Educação  da  Universidade  do  Porto  para  obtenção  do  grau  de  Doutor  em  Ciências  da  Educação,  sob  a  orientação  do  Prof.  José  Alberto  Correia  e  co‐orientação  do  Prof.  José  Francisco  de  Melo  Neto. 

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Resumo 

Este  trabalho  constitui  essencialmente  uma  problematização  e  uma  reflexão  teórica,  ilustrada  empiricamente a partir de um caso de  estudo  (o processo de transição para  a autogestão de  uma  usina de açúcar do nordeste brasileiro), acerca de algumas das questões que se colocam à relação  entre educação e desenvolvimento comunitário local no presente momento histórico. Este trabalho  adopta como pressuposto a simultânea importância e inevitabilidade da presença do educativo nas  dinâmicas  de  desenvolvimento  sócio‐comunitário,  seja  assumindo  a  forma  de  práticas  sociais  diversas que de forma intencional procuram produzir efeitos de transformação dos sujeitos, das suas  interacções e da sua relação com o território em que (con)vivem  e trabalham, seja na qualidade de  efeitos  induzidos  nos  sujeitos  sociais,  individuais  e  colectivos,  a  partir  do  seu  envolvimento  nos  processos e práticas sociais accionados no sentido da promoção da mudança e do desenvolvimento  comunitário.  Neste  sentido,  a  discussão  aqui  ensaiada  centra‐se,  por  um  lado,  nas  características,  funções  e  qualidades  que  os  processos  educativos  podem  adquirir,  equacionadas  a  partir  dos  sentidos  diversos  que  os  sujeitos  sociais  envolvidos  numa  dinâmica  de  mobilização  colectiva  lhe  atribuem  e,  por  outro  lado,  procura  igualmente  caracterizar  os  efeitos  educativos,  individuais  e  colectivos,  que  a  mobilização  e  participação  no  âmbito  de  um  processo  de  transformação  sócio‐ comunitária  provoca  nos  sujeitos  sociais.  O  trabalho  que  se  apresenta  constitui  ainda  uma  oportunidade  para  reflectir  as  questões  metodológicas  que  se  levantam  à  pesquisa  qualitativa  no  domínio  das  relações  entre  educação  e  desenvolvimento  comunitário,  designadamente  no  que  concerne as práticas de construção dos dados empíricos e as opções teóricas e epistemológicas que  sustentam a análise e interpretação daqueles dados e que supõem a inexorável afirmação de uma  postura  dialéctica  na  produção  de  um  conhecimento  simultaneamente  sensível  aos  sentidos  e  significados  atribuídos  pelos  sujeitos  sociais  à  sua  acção  e  às  condições  objectivas  e  estruturais  dentro das quais aquela acção e os discursos se tecem. O possível contributo para o conhecimento  em  ciências  da  educação  resultante  desta  pesquisa  situa‐se  eminentemente  na  argumentação  em  prol da necessidade do desenvolvimento de categorias híbridas de análise do educativo presente nas  dinâmicas de desenvolvimento sócio‐comunitário, bem como em prol da necessidade de resgatar a  gramática produzida no campo das abordagens críticas do desenvolvimento local e comunitário para  dar  conta  das  tensões  e  contradições  que  num  contexto  de  globalização  neoliberal  atravessam  a  definição política e educativa das dinâmicas de promoção da mudança social.  

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Resumée  

Ce  travail  est  essentiellement  une  problématisation  et  réflexion,  empiriquement  illustrée  à  partir  d’un  cas  d’étude  (le  processus  de  transition  à  l’autogestion  d’une  usine  de  sucre  du  nord‐est  du  Brésil), autour de quelques questions qui se posent à la relation entre éducation et développement  communautaire local  dans le présent moment historique. Le travail adopte comme présupposés la  simultanée  importance  et  inévitabilité  de  la  présence  de  l’éducative  dans  les  dynamiques  de  développement  sociocommunautaire,  soit  en  assumant  la  forme  de  pratiques  sociaux  diverses  qui  de  forme  intentionnel  cherchent  à  produire  des  effets  de  transformations  des  sujets,  de  ses  interactions e da sa relation avec le territoire où coexistent et travaillent, soit dans la qualité d’effets   induits dans les sujets sociaux, individuelles et collectives, à partir de sa participation dans les enjeux  et pratiques sociaux qui se mènent en marche pour promouvoir le changement et le développement  communautaire.  Dans  ce  sens,  la  discussion  qu’on  entraîne  est  centrée,  par  un  côté,  dans  les  caractéristiques,  fonctions  et    qualités  que  les  processus  éducatifs  peuvent  assumer,  réfléchis  à  partir des divers sens qui les sujets sociaux impliqués dans une dynamique de mobilisation collective  leur  attribuent  et,  par  une  autre  côté,  notre  discussion  cherche  aussi  à  caractériser  les  effets  éducatifs  ,  individuelles  et  collectives,  que  la  mobilisation  et  participations  dans  un  processus  de  changement  sociocommunautaire  apporte  aux  sujets  sociaux.  Le  travail  est  aussi  une  opportunité  pour  réfléchir  les  questions  méthodologiques  qui  se  posent  à  la  recherche  qualitative  dans  le  domaine  des  relations  entre  éducation  et  développement  communautaire,  en  particulier  dans  ce  que  concerne  les  pratiques  de  production  des  données  empiriques  et  les  options  théoriques  et  épistémologiques  qui  soutiennent  l’analyse  et  l’interprétation  de  ces  données  et  qui  supposent    inexorablement  l’affirmation  d’une  posture  dialectique  dans  la  production  d’une  connaissance  simultanément  sensible  aux  sens  e  significations  attribués  par  les  sujets  sociaux  à  sa  action  et  aux  conditions  objectives  et  structurelles  à  l’intérieur  desquelles  sa  action  et  discours  se  tissent.  La  contribution potentielle de ce travail pour la connaissance en sciences de l’éducation c’est peut‐être  la  argumentation  autour  de  la  nécessité  du  développement  des  catégories  hybrides  d’analyse  du  éducatif    qui  est  présent  dans  les  dynamiques  de  développement  communautaire,  bien  que  la  nécessité  de  récupérer  la  grammatique  produite  dans  le  champ  des  approches  critiques  du  développement local et communautaire pour appréhender les tensions et contradictions que dans  un contexte de globalisation néolibéral traversent la définition politique et éducatif des dynamiques  de promotion du changement social. 

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Abstract 

This  work  mainly  intends  to  be  a  theoretical  reflection  and  questioning,  empirically  illustrated through a case of study (the transition process to an employee ownership situation of a  sugar  cane  factory  in  the  Brazil  northeast),  of  some  of  the  issues  about  education  and  local  and  community  development  relations  at  the  present  historical  moment.  This  works  intentionally  assumes  the  relevance  and  inevitability  of  the  educative  phenomena  in  the  socio‐community  development  processes,  either  when  it  assumes  the  form  of  diverse  intentional  social  practices  intending  to  produce  transformational  effects  in  the  social  subjects,  their  interactions  and  their  relation  with  the  territory  where  they  co‐exist  and  work,  either  when  it  appears  as  unintentional  effects induced, individually and collectively, in the social subjects through their involvement in the  social  processes  and  practices  carried  way  with  the  intention  of  promoting  social  change  and  community development. In this sense, our discussion is centred, on one side, in the characteristics,  functions and qualities that educational processes may acquire, understood through the lens of the  diverse meanings that social subjects, involved in a collective mobilisation process, attribute to those  processes  and,  on  the  other  side,  aims  to  characterize  the  individual  and  collective  educational  effects that the mobilisation and participation in a socio‐communitarian change process provokes in  social  subjects.  This  work  is  also  an  opportunity  to  reflect  the  methodological  issues  raised  by  qualitative research in the field of the education‐community development relations, namely in what  concerns the practices of empirical data production and the theoretical and epistemological choices  that  underlie  the  analysis  and  interpretation  of  those  data  and  that  supposes  an  inexorable  affirmation of a dialectic approach in order to produce a knowledge simultaneously sensitive to the  senses  and  significations  attributed  by  social  subjects  to  their  action  and  to  the  material  and  structural conditions within which the action and discourse is sewed. A possible contribution of this  work to the sciences of education field knowledge lays in the arguing for the necessity of developing  hybrid  categories  to  analyse  educational  phenomena  present  in  the  socio‐communitarian  development  processes,  as  well  as  the  necessity  of  rescuing  the  theoretical  grammar  produced  in  the field of local development critical approaches hence that grammar may be able to  apprehend  the  tensions  and  contradictions  that  in  the  present  context  of  neoliberal  globalisation  cross  the  political and educative definition of social change dynamics. 

 

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Dedicatória 

                    Aos trabalhadores e trabalhadoras de Catende  À minha mãe  Ao meu pai (in memoriam)  Ao meu irmão,     À Sónia 

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Agradecimentos 

Aos trabalhadores e trabalhadoras de Catende pela inspiração que constituem para os que precisam  de acreditar que é possível construir um mundo mais justo. Em particular devo agradecer aos trabalhadores e  trabalhadoras  que  se  disponibilizaram  gentilmente,  muitas  vezes  interrompendo  os  seus  afazeres,  para  conversarem comigo e me dizerem das suas vidas;  

Aos meus orientadores José Alberto Correia (FPCEUP) e José Francisco de Melo Neto (UFPB) a quem  devo  a  oportunidade  de  ter  conhecido  e  vivido  em  Catende  uma  das  experiências  humanamente  mais  marcantes  da  minha  vida.  E  também  por  me  terem  ajudado  a  pensá‐la  (se  tal  não  aconteceu,  não  é  certamente  da  sua  responsabilidade,  mas  exclusivamente  da  minha).  E  a  ambos,  igualmente,  um  agradecimento especial pelo indizível da relação de amizade que com eles mantenho; 

Aos colegas e amigos da FPCEUP que me incentivaram constantemente e com quem pude partilhar  sofrimentos  e  dúvidas  e  a  cuja  solidariedade  profissional  e  amizade  pessoal  se  deve  a  criação  de  condições  para  que  este  trabalho  se  fizesse,  muitas  vezes  com  o  sacrifício  abnegado  das  suas  próprias  condições  de  trabalho (devo em particular destacar os professores Manuel Matos, Manuela Terrasêca, Teresa Medina e José  Alberto  Correia  que  asseguraram  imensas  aulas  por  mim).  E  também  a  todos  aqueles  a  quem  deixei  de  acompanhar  nos  projectos  de  pesquisa  comuns,  em  particular  nos  momentos  mais  penosos  da  tese,  não  porque  o  meu  contributo  fosse  importante  para  esses  projectos,  mas porque  se  viram  obrigados  a  suportar  nas suas costas um compromisso que era também meu; 

Aos amigos e amigas de ambos os lados do Atlântico com quem me cruzei nesta longa viagem e que  pelos seus conselhos e alentos amigos, acolhimento, trabalho generoso, escuta sensível e palavra partilhada  foram  imprescindíveis  à  chegada  a  bom  porto  desta  empresa.  Em  Portugal  e  no  Brasil  sempre  estiveram  presentes  e  disponíveis,  são  parte  deste  trabalho  já  que  tudo  fizeram  para  me  ajudar  e  neles  encontrei  inspiração e, várias vezes, a força para não abdicar. Não posso então deixar de agradecer profundamente a:  Ademar Aires, Alexandra Sá Costa (pela tua inteligência, duro labor e perspicácia crítica inesgotáveis), Amélia  Lopes,  António  Magalhães,  Ariana  Cosme,  Arnaldo  Liberato,  Bete,  Bruno  Monteiro,  Carina  Coelho,  Carlinda  Leite,  Cláudia  Rodrigues  (leitora  crítica  e  oráculo  lúcido),  Cleide  do  Nascimento,  Cristina  Rocha,  D.  Dora,  Edilene  do  Nascimento,  Elisabete  Ferreira,  Fátima  Pereira,  Fernanda  Dantas  (in  memoriam),  Francisco  Mendonça, Helena Araújo, Helena Barbieri, Henrique Vaz, Humberto Lopes, Irene Terrasêca, Isabel Menezes,  Ivonaldo Leite, Izabel Mota, João Francisco Souza, Laura Fonseca, Lenivaldo Lima, Leonor Terrasêca, Luciano  Correia,  Luís  Carlos  Martins  (autor  de  uma  leitura  e  revisão  minuciosa,  inteligente  e  questionadora),  Luísa  Álvares  Pereira,  Luzitânia  Lima,  Manuel  Matos,  Manuela  Ferreira,  Manuela  Terrasêca,  Margarida  Felgueiras,  Maria José Magalhães, Mário Borba, Marivaldo Andrade, Natércia Pacheco, Orquídea Coelho, Paulo Nogueira,  Paul Singer, Preciosa Fernandes, Risadalvo da Silva (São), Rosa Nunes, Rui Canário, Rui D’Espiney, Rui Trindade,  Rui Leal, Sofia Marques da Silva, Sónia Dantas (obrigado, mil vezes infinito!), Sónia Kruppa, Teresa Medina e  Tiago Neves. E que a vida me permita demonstrar‐lhes o significado que todos têm para mim.  

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Siglas 

ABONG  Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais 

ABRINQ  Fundação  ABRINQ  –  Instituição  sem  fins  lucrativos  criada em  1990  com o objectivo de mobilizar a sociedade para questões relacionadas  aos direitos da infância e da adolescência  ACR  Animação dos Cristãos no Meio Rural  ADENE  Agencia de Desenvolvimento do Nordeste  ADS  Agência de Desenvolvimento Solidário  ANTEAG  Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão  e Participação Accionária  Articulação das   Entidades na Mata Sul 

Espaço  de  reflexão  em  que  Associações  Urbanas  e  Rurais,  Organizações  Não  Governamentais,  Movimento  Sindical  de  Trabalhadores  Rurais  e  Centros  de  Mulheres  se  articulam  em  torno  de uma agenda comum para o desenvolvimento sustentável da Zona  da Mata Sul de Pernambuco  ATR  Açúcar Total Recuperado  BAG  Bolsa Autogestionária  BID  Banco Interamericano de Desenvolvimento  BNDES  Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social  BNE  Banco do Nordeste  CCBA  Centro Cultural Brasil Alemanha  CDI  Comité de Democratização da Informática 

CDI  Centro (ou Comité) de Democratização da Informática  CEAAL  Conselho de Educação de Adultos da América Latina 

CEAS  Centro de Estudos e Acção Social 

CENTENAS  Central de entidades associativas do município de Catende 

Centro de Mulheres do Cabo  Organização  Não‐Governamental,  emergente  das  lutas  populares  e  da  explosão  do  movimento  de  mulheres  na  década  de  80,  vem  desenvolvendo  acções  que  visam  conscientizar  as  mulheres  sobre 

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fortalecendo a luta das mulheres contra as desigualdades de género  e pela afirmação da cidadania. As acções do CMC são substanciadas  em  processos  e  práticas  sócio‐educativas  inspiradas  no  feminismo  que resgatam a mulher enquanto sujeito e cidadã  CENTRU  Centro de Educação dos Trabalhadores Rurais  CNBB  Confederação Nacional dos Bispos do Brasil  CONAB  Companhia Nacional de Abastecimento  CONDEPE  Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana  CONTAG  Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura  CPI  Comissão Parlamentar de Inquérito  CPT  Comissão Pastoral da Terra  CUT  Central Única dos Trabalhadores  DAP  Declaração de Aptidão  DRT  Delegação Regional do Trabalho  EIC  Escola de Informática e Cidadania  EMBRAPA  Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária  FASE  Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Nacional  e do Estado de Pernambuco  FAT  Fundo de Amparo ao Trabalhador  FBB  Fundação Banco do Brasil 

FETAPE  Federação  dos  Trabalhadores  na  Agricultura  do  Estado  de  Pernambuco 

FIAN  Food First ‐ Information & Action Network 

FINEP  Financiadora de Estudos e Projectos 

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FKA  Fundação Konrad Adenauer 

FUNDAJ  Fundação Joaquim Nabuco 

FUNDEF  Fundo de Manutenção e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e  de Valorização do Magistério 

IAA  Instituto do Açúcar e do Álcool 

IBAMA  Instituto  Brasileiro  do  Meio  Ambiente  e  dos  Recursos  Naturais  Renováveis  IBASE  Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Económicas  IBGE  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística  INCRA  Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária  MCT  Ministério da Ciência e Tecnologia  MDA  Ministério do Desenvolvimento Agrário  MDS  Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome  MST  Movimento dos Trabalhadores Sem Terra  ONG  Organização Não Governamental  PAA  Programa de Aquisição de Alimentos  PEQ  Plano Estadual de Qualificação Profissional  PNRA  Plano Nacional de Reforma Agrária  PNUD  Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento  PROALCOOL  Programa Nacional do Álcool 

PROMATA  Programa  de  Apoio  ao  Desenvolvimento  Sustentável  da  Zona  da  Mata de Pernambuco 

PRONAF  Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar 

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PRORURAL  Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural 

PUAMA  (Rosa  que  Nasce  nas  Pedras) 

Associação  dos  Jovens  da  Zona  Urbana  e  Rural,  Filhos  e  Filhas  dos  Trabalhadores e Trabalhadoras do Projecto Catende Harmonia 

SEBRAE  Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa 

SENAES  Secretaria Nacional de Economia Solidária 

SENAR  Serviço Nacional de Aprendizagem na Agricultura 

SEPLANDES  Secretaria  de  Planejamento  e  Desenvolvimento  Social  do  Estado  de  Pernambuco  SINDAÇUCAR  Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Açúcar e do Álcool  SOS Corpo  Instituto Feminista para a Democracia  SRA  Secretaria de Reordenamento Agrário  STR  Sindicato de Trabalhadores Rurais  SUDENE  Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste  UFPB  Universidade Federal da Paraíba  UFPE  Universidade Federal de Pernambuco  UFRPE  Universidade Federal Rural de Pernambuco  UNEFAB  União Nacional das Escolas de Famílias Agrícolas do Brasil  ZPA  Zona de Produção Agrícola 

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Glossário 

“Aceder ao  PRONAF” 

Nos últimos anos, já durante a vigência do primeiro Governo do Presidente Lula  da  Silva,  foi  criado  o  Programa  Nacional  de  Fortalecimento  da  Agricultura  Familiar  que  permite  o  acesso  a  várias  linhas  de  crédito  bonificado  aos  agricultores  familiares.  O  Projecto  Catende  Harmonia  fomentou  a  candidatura  dos  trabalhadores  a  créditos  para  custeio  e  investimento  no  âmbito  do  Programa  Cana  de  Morador.  Este  processo  implica  o  recenseamento  dos  trabalhadores  e  a  elaboração  de  candidaturas  através  do  preenchimento  de  formulários técnicos que, por vezes, são acompanhados de pequenos projectos  descritivos  da  utilização  prevista  para  o  crédito.  Após  a  aprovação  das  candidaturas,  o  dinheiro  é  distribuído  aos  trabalhadores  através  do  Banco  do  Brasil. 

Administração da  Usina 

A designação comummente aplica‐se ao grupo de pessoas que inclui o Síndico  da  massa  falida,  os  assessores  técnicos,  o  advogado  dos  trabalhadores  demitidos  em  1993  e  os  responsáveis  pela  área  financeira  da  Usina  Catende.  Neste  sentido,  os  trabalhadores  não  se  incluem  na  administração  que  lhes  aparece  enquanto  corpo  relativamente  autónomo  no  empreendimento  autogestionário em que participam. 

Agrofloresta  Projecto  que  visa  promover  a  defesa,  preservação  e  recuperação  da  Mata  Atlântica  nas  terras  do  projecto  Catende  Harmonia  através  da  mobilização  e  participação social em actividades de educação ambiental, reflorestamento de  áreas de preservação permanente e áreas degradadas, procurando melhorar as  condições de vida dos moradores e da população em geral. 

“Apontamento da  Usina” 

Trabalho  realizado  durante  o  período  de  entressafra  pelos  operários  da  indústria  e  alguns  serviços  externos  e  que  consiste  na  desmontagem  total  da  maquinaria, a sua limpeza, reparação ou substituição e a recolocação da fábrica  em condições de moer. 

Associação de  Moradores 

Organização  representativa  dos  moradores  de  um  engenho,  é  eleita  pelos  próprios moradores e normalmente representada pelo/a seu/sua presidente é  o principal elo de ligação entre a Usina Catende e as comunidades rurais e tem  participação  no  Comité  Gestor  do  Projecto  Catende  Harmonia.  Algumas  das  Associações  de  Moradores  desenvolvem  projectos  no  âmbito  das  suas  comunidades com o apoio do Projecto Catende Harmonia ou de algum dos seus  parceiros e, mais raramente, de modo autónomo. 

Barracão  Nos  engenhos  existia  um  armazém,  normalmente  explorado  por  alguém  da  confiança do “senhor de engenho” quando não mesmo da propriedade deste,  onde  os  trabalhadores  rurais  se  abasteciam  dos  produtos  necessários  à  sua  subsistência.  Comummente,  o  salário  dos  trabalhadores  era‐lhes  distribuído  pelo  responsável  pelo  barracão  e  nele  eram  automaticamente  abatidos  os  valores em débito de datas anteriores (“descontar em folha”). Em tempos mais  longínquos,  os  trabalhadores  recebiam  um  vale  (e  não  um  salário)  que  trocavam por bens nestes estabelecimentos. Estas práticas desapareceram, mas  as  construções  em  que  funcionaram  os  barracões  ainda  permanecem  nos  engenhos. 

Biofábrica  Proposta pela FINEP, entidade do Governo Federal, prevê a implementação na  Usina  Catende  de  uma  unidade  de  pesquisa  e  manipulação  genética  que  permita,  num  primeiro  momento,  aprimorar  a  semente  de  cana‐de‐açúcar  a  empregar  no  plantio  da  área  específica  do  Projecto  Catende  Harmonia  e,  posteriormente, realizar um trabalho semelhante a propósito de outras culturas 

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Cana de Morador  Programa  encetado  pelo  Projecto  Catende/Harmonia  a  partir  de  1998  e  que  consta da distribuição aos trabalhadores/moradores dos engenhos de parcelas  de  terra  para  cultivo  de  cana‐de‐açúcar,  ficando  os  trabalhadores  com  o  compromisso de vender à Usina Catende a produção resultante. Este programa  integra‐se  nas  medidas  de  incentivo  à  agricultura  familiar,  uma  vez  que  o  seu  pressuposto é de que é a unidade familiar que desenvolve autonomamente as  tarefas  agrícolas,  assume  os  custos  de  produção  e  usufrui  dos  proventos  resultantes. A Usina presta apoio técnico, quer no acompanhamento dos tratos  culturais,  quer  nos  procedimentos  que  permitem  o  acesso  aos  programas  estatais de crédito para apoio à produção agrícola familiar. 

Cartilha  Brochuras construídas pela equipa de educação e editados pela UFPB no âmbito  de  um  projecto  financiado  pela  ONG  Manos  Unidas  com  os  títulos  “Por  uma  cultura  de  autogestão”  e  “Técnicas  e  custos  do  plantio  da  cana”.  Constituem  instrumentos  pedagógicos  (didácticos?)  que  integram  informação  sobre  o  projecto  Catende  Harmonia  e  sobre  a  produção  canavieira  e,  essencialmente,  um  conjunto  de  questões  e  de  exercícios  para  dinamizar  sessões  de  formação/debate  com  os  trabalhadores.  A  designação  é  comummente  empregue para identificar conjuntos de materiais de formação sistematizados   Cestas básicas  Nos períodos de grande crise económico‐financeira, particularmente entre 1995 

e 1996, o projecto Catende Harmonia teve de recorrer à aquisição de alimentos  básicos  que  distribuiu  numa  lógica  emergencial  pelos  trabalhadores.  Nos  períodos  de  atraso  prolongado  de  pagamento  dos  salários,  a  aquisição  e  a  distribuição de cestas básicas pelos trabalhadores continua a ocorrer. 

Chalé do Alto  Antiga  Casa  Grande,  hoje  transformada  em  Centro  de  Formação  do  Projecto  Catende Harmonia e espaço de reunião do Comité Gestor do Projecto Catende  Harmonia e das Associações de Moradores. Casa de traça colonial sobranceira à  cidade de Catende 

Chalés da Usina  O património da Usina Catende integra um conjunto de casas de traça colonial  que são hoje utilizadas ao serviço do Projecto Catende Harmonia e que eram as  casas  dos  “senhores  de  engenho”.  A  maior  e  mais  preservada  dessas  casas,  principal casa dos usineiros, situada lateralmente à fábrica, serve de habitação e  refeitório aos técnicos que estão deslocados em Catende durante a semana de  trabalho. 

CPI em Catende  Comissão  Parlamentar  de  Inquérito  ordenada  pelo  Governo  Estadual  de  Pernambuco  à  Usina  Catende  em  1999.  Esta  Comissão  foi  a  Catende  realizar  uma  auditoria  sobre  o  possível  mau  uso  de  fundos  públicos  transferidos  pelo  anterior  governo  do  estado  que  tinha  sido  presidido  por  Miguel  Arraes,  defensor  desde  a  primeira  hora  do  processo  vivido  em  Catende.  A  CPI  não  identificou qualquer irregularidade na Usina Catende e o seu encerramento foi  pedido pelos mesmos que a solicitaram 

“Colectivo”  Figura  invocada  para  designar  o  conjunto  de  integrantes  do  Projecto  Catende  Harmonia.  Normalmente,  na  prática,  refere‐se  essencialmente  ao  grupo  de  pessoas  constituído  por  representantes  das  Associações  de  Moradores,  Administração  da  Usina,  Sindicatos  de  Trabalhadores  Rurais,  Técnicos,  Assessores,  Equipa  de  Educação...que  se  reúne  periodicamente  para  tomar  conhecimento,  debater  e  decidir  em  torno  de  questões  conjunturais  e  estratégicas do projecto. É essencialmente uma figura de “geometria variável”  mas de forte ressonância simbólica no projecto Catende Harmonia. 

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Comissão de Fábrica  Representantes dos operários da fábrica. A sua participação e relação no/com o  Projecto  Catende  Harmonia  foi  severamente  comprometida  na  sequência  da  greve  de  Dezembro  de  2003,  de  que  os  operários  foram  protagonistas.  A  sua  conotação  com  o  Sindicato  dos  Trabalhadores  da  Indústria  do  Açúcar  e  do  Álcool, opositor por várias vezes ao processo vivenciado em Catende, é também  uma forte razão para o ostracismo e apagamento a que na prática a Comissão  de Fábrica foi votada na vida do Projecto Catende Harmonia. 

Comité Gestor  Comissão  permanente,  mas  de  composição  flutuante,  que  pode  integrar  representantes das Associações de Moradores, dos Sindicatos de Trabalhadores  Rurais,  dos  operários,  dos  funcionários  administrativos,  da  Administração  da  Massa  Falida  que  reúne  semanalmente  para  tomar  conhecimento,  debater  e  decidir assuntos estratégicos ou conjunturais do Projecto Catende Harmonia. A  sua  origem  encontra‐se  no  processo  de  venda  de  açúcar  à  CONAB  em  2004,  quando foi decidido constituir uma comissão que deveria estudar a prioridade  dos  investimentos  a  realizar  com  o  dinheiro  proveniente  dessa  venda.  Esta  comissão  inicial  alargou‐se  na  sua  composição  e  a  periodicidade  do  seu  encontro tornou‐se semanal. 

Companhia Agrícola  Harmonia 

Entidade  criada  em  1998  com  a  intenção  de  se  constituir  em  herdeira  do  património  da  usina  Catende  após  o  encerramento  do  processo  judicial  de  falência  e  ainda  com  o  intuito  de  criar  uma  organização  com  um  estatuto  jurídico que permitisse ultrapassar as limitações da massa falida na relação com  entidades  externas.  Manteve  um  estatuto  legal  relativamente  ambíguo  e  não  entrou no léxico comum dos trabalhadores para se referirem à Usina Catende.  CONAB (venda de 

açúcar) 

A  Companhia  Nacional  de  Abastecimento  gere  um  Programa  de  Aquisição  de  Alimentos  provenientes  de  agricultura  familiar  para  o  Governo  Federal.  Os  alimentos  assim  adquiridos  são  utilizados  no  âmbito  de  políticas  públicas  de  combate à fome, de que o exemplo mais reconhecido é o Programa Fome Zero.  O  Projecto  Catende  Harmonia,  através  dos  seus  trabalhadores,  organizados  pelas associações de moradores, montou uma operação de venda de açúcar à  CONAB  como  se  de  um  produto  de  agricultura  familiar  se  tratasse  o  que  lhe  permitiu  em  dois  anos  consecutivos  um  aporte  de  recursos  suficiente  para  atravessar a entressafra. 

Consórcio de Jovens  Trabalhadores  Rurais 

Projecto candidatado em parceria com a FASE ao Governo Federal (Ministério  do  Desenvolvimento  Agrário)  e  designado  “Juventude  com  Harmonia”  com  o  intuito  de  estimular  o  espírito  empreendedor  dos  jovens  e  promover  o  protagonismo  juvenil  através  de  acções  de  qualificação  (formação),  visando  igualmente a promoção de um desenvolvimento local sustentável.  Cooperativa  Harmonia de  Produção  Agroindustrial dos  Agricultores e  Agricultoras  Familiares   Entidade criada em finais de 2004 e que de acordo com os seus estatutos visa  “a  integração  social  e  produtiva  dos  cooperados;  a  associação  cooperada  de  bens  e  serviços  para  o  exercício  de  sua  atividade  econômica,  no  interesse  comum  e  sem  finalidade  lucrativa,  compreendendo  a  execução  de  atos  cooperativos,  direcionados,  entre  outros,  à  realização  e  oferta  coletiva  da  sua  produção  familiar  e  dos  seus  serviços;  celebração  coletiva  de  operações  comerciais  e  contratos;  cobrança  e  recebimento  do  preço  contratado  para  os  seus produtos e serviços; registro, controle e distribuição dos resultados, sob a  forma de produção ou de valor referencial, bem como a apuração e a atribuição  aos cooperados das despesas da sociedade” 

Credores da Usina  O conjunto de trabalhadores demitidos pelos usineiros sem verem respeitados  os seus direitos trabalhistas (salários e indemnizações) e que aguardam o final  do  processo  judicial  de  falência  para  receber.  O  maior  grupo  de  credores 

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vezes faz‐se coincidir a designação de credores com a de demitidos – mas o seu  número total ascende a cerca de 3000 pessoas. 

Cursos da Massa   

Expressão  utilizada  para  designar  os  cursos  e  respectivos  estágios  de  cariz  profissionalizante desenvolvidos com jovens pelo Projecto Catende Harmonia e  realmente  intitulados  “Curso  de  Técnicas  de  Gerenciamento  em  Produção  Agrícola” e “Curso de Técnicas de Produção na Agroindústria Canavieira”  Cursos da Fundação 

Banco do Brasil 

Conjunto  de  acções  de  capacitação/formação  em  torno  da  autogestão  e  economia  solidária  realizados  com  cerca  de  400  trabalhadores/moradores  do  Projecto Catende Harmonia no ano de 2005, financiados pela Fundação Banco  do  Brasil.  A  produção  numa  perspectiva  de  economia  solidária  e  autogestionária  foi  eleita  como  eixo  central  do  trabalho  educativo  destes  cursos, a partir do qual se definiram como possíveis temáticas as questões do  crédito e da produção canavieira. 

Escola de  Informática e  Cidadania 

Projecto de  instalação de uma  sala  de  computadores  no  agrupamento  escolar  Herculano Bandeira e de formação de monitores de informática, articulado pela  associação  de  jovens  PUAMA  junto  do  Centro  Cultural  Brasil/Alemanha  que  financiou  a  aquisição  do  equipamento  e  a  formação  dos  jovens  como  monitores.  Esta  Escola  pretende  prestar  serviços  –  cursos  de  informática  –  à  comunidade  da  cidade  de  Catende  e  dos  engenhos  da  Usina  Catende,  bem  como aos alunos do próprio grupo escolar. Este projecto inscreve‐se no que o  Projecto Catende Harmonia considera ser a promoção do protagonismo juvenil  e  aparece  igualmente  designado  em  outros  momentos  como  Núcleo  de  Inclusão Digital. 

Empresa de  trabalhadores 

Expressão  encontrada  para  traduzir  a  ideia  de  empresa  autogestionária  nas  conversas,  reuniões  e  debates  com  os/as  trabalhadores/as  enquanto  rumo  desejado/visado do Projecto Catende Harmonia. 

Engenho  Comunidades  rurais  constituídas  pelos  arruados,  isto  é,  o  conjunto  das  habitações  dos  moradores  dos  engenhos  e  uma  área  agrícola  envolvente,  normalmente de grande dimensão para o cultivo de cana‐de‐açúcar. Em outras  regiões  corresponde  ao termo  de  fazenda.  O termo  mantém  uma  ressonância  colonial  já  que  nesse  contexto  o  engenho  correspondia  também  ao  local  de  transformação da cana‐de‐açúcar. 

“Entrar no FAT”  O Fundo de Amparo ao Trabalhador envolve a suspensão temporária do vínculo  laboral e do exercício de actividade profissional (por 5 meses) – com incidência  no  período  de  entressafra  –  em  troca  da  frequência  de  acções  de  formação  desenvolvidas pela Usina, Sindicatos ou outras entidades para os trabalhadores  que reúnam as condições de o fazer, assegurando os trabalhadores uma bolsa  de  qualificação  profissional  (paga  pelo  FAT)  cujo  diferencial  face  aos  salários  que  esses  trabalhadores  receberiam  normalmente  é  assegurado  pela  Usina.  Este é um instrumento mobilizado pela Usina para a redução dos seus encargos  no período em que menos força de trabalho é necessária. 

Entressafra  Período compreendido normalmente entre Março e Setembro de cada ano em  que  a  moagem  (transformação)  da  cana‐de‐açúcar  é  interrompida  atendendo  ao ciclo vegetativo da cana‐de‐açúcar, se procede ao apontamento da fábrica –  isto é, à sua desmontagem, reparação e remontagem – e a tratos culturais no  campo. 

Equipa da Harmonia  Nome genérico atribuído ao conjunto de técnicos/as que têm uma intervenção  na  planificação,  organização,  gestão,  animação  e  avaliação  em  diversos 

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educação)  intencionalidade e/ou finalidade educativa.  Grupo Escolar 

Herculano Bandeira 

Escola  montessori  que  pertence  à  Usina  e  é  por  si  financiada.  Fica  situada  no  coração  da  cidade  de  Catende  e  os  seus  alunos/as  são  essencialmente  os  filhos/as  dos  operários  da  fábrica  e  ainda  algumas  crianças  provenientes  dos  engenhos  próximos  à  cidade,  filhos/as  de  trabalhadores  rurais  da  Usina  Catende. O grupo escolar tem cerca de 400 alunos e integra crianças até aos 14  anos.  Até  ao  início  dos  anos  90  esta  escola  coordenava  uma  rede  de  escolas  (entre 15 a 20) dos engenhos da Usina Catende. 

Hierarquia do  campo 

Na coordenação  da  produção  da  cana  os engenhos  estão  agrupados  Zonas  de  Produção  Agrícola  –  ZPAs.  Essas  zonas  são,  grosso  modo,  correspondentes  às  antigas  capitanias  coloniais,  para  as  quais  o  senhor  de  engenho  nomeava  um  capitão. Este, por sua vez, tinha ao serviço um administrador por engenho que  comandava  um  conjunto  de  funcionários  chamados  cabos,  que  ordenavam  o  trabalho dos trabalhadores agrícolas. Os administradores e cabos permanecem  no  Projecto  Catende  Harmonia  ainda  que  com  funções  diferenciadas  das  que  lhes  eram  acometidas  no  tempo  das  capitanias.  Os  antigos  capitães  foram  substituídos por Supervisores de ZPAs. 

“Juiz da massa”  Designação  comum  para  o  juiz  encarregue  do  processo  de  falência  da  Usina  Catende. 

Lavoura branca  Produtos agrícolas produzidos numa lógica de subsistência familiar (segurança  alimentar) pelos trabalhadores/as em pequenas áreas de roçado, normalmente  junto  dos  núcleos  habitacionais  rurais.  Esta  prática  era  praticamente  proibida  no  período  anterior  à  falência  da  Usina  Catende  e  ao  início  do  processo  autogestionário  dado  que  ou  as  terras  estavam  integralmente  ocupadas  com  cana‐de‐açúcar  ou  as  culturas  eram  sujeitas  a  uma  destruição  sistemática  a  mando dos usineiros. 

Liderança(s)  comunitária(s) 

Expressão  utilizada  para  designar  a  pessoa  ou  conjunto  de  pessoas  reconhecidas  pelo  Projecto  Catende  Harmonia  como  tendo  uma  influência  marcante  nas  suas  comunidades  rurais  (engenhos)  e,  ao  mesmo  tempo,  identificada com os princípios e valores do projecto. Por vezes coincidem com  os/as presidentes das associações de moradores. Destas pessoas é esperado um  papel  mobilizador  nas  comunidades,  que  se  constituam  em  elos  de  comunicação  entre  o  projecto  e  os  moradores/trabalhadores  ou  que  ocupem  papéis interventivos em iniciativas propostas ou desenvolvidas pelo projecto.  Mata Atlântica  Todo o território abrangido pelas terras da Usina Catende foi em tempos idos 

floresta  com  características  muito  próprias  designada  Mata  Atlântica,  progressivamente foi devastada para fazer avançar o cultivo da cana‐de‐açúcar.  Hoje  restam  pequenas  áreas  protegidas  legalmente,  normalmente  em  locais  onde,  pelas  características  do  relevo,  o  cultivo  de  cana‐de‐açúcar  não  seria  possível ou rentável. 

Massa Falida  Estatuto  jurídico  da  Usina  Catende  na  sequência  do  pedido  de  falência  requerido  pelos  trabalhadores  e  aceite  por  um  juiz  da  vara  de  falências  de  Recife.  Este  estatuto  tem  importantes  consequências  na  preservação  do  património  da  Usina  para  futuro  pagamento  das  dívidas  trabalhistas  acumuladas  pelos  Usineiros  e  permitiu  a  recuperação  do  património  considerado alienado fraudulentamente pelos Usineiros até cinco anos antes do  pedido de falência. Por outro lado, este estatuto impõe evidentes limitações na  relação  com  entidades  públicas  ou  privadas,  como  por  exemplo  Bancos  ou 

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Morador(es)  Designa os trabalhadores rurais e respectivas famílias que habitam em qualquer  um dos 48 engenhos da Usina Catende. 

Policlínica Gouveia  de Barros 

Edifício que albergou um hospital dedicado ao atendimento dos trabalhadores e  trabalhadoras  da  Usina  Catende  nos  tempos  do  seu  apogeu  económico.  O  edifício  retomou  em  parte  a  sua  funcionalidade  original  com  o  trabalho  que  nele  desenvolve  a  Comissão  de  Mulheres  da  Policlínica  no  âmbito  da  saúde  sexual e reprodutiva da mulher.  Programa Cana de  Morador  Iniciativa que desde 1998 confere aos moradores/trabalhadores rurais da Usina  Catende o direito a plantar cana‐de‐açúcar em terras cedidas para o efeito pela  administração da massa falida e que, tornando‐os fornecedores de cana para a  usina,  é  uma  forma  complementar  ao  assalariamento  de  geração  de  renda  individual  e,  igualmente,  de  comprometimento  com  o  projecto  colectivo  de  manutenção do funcionamento da Usina. 

Projecto de  Piscicultura 

Esta iniciativa animada essencialmente pelo Centro Josué de Castro, do Recife,  integra‐se  no  esforço  de  diversificação  produtiva  e  começou  por  ter  uma  preocupação central com a questão da segurança alimentar das populações dos  engenhos.  Nesse  sentido  desenvolveu‐se  num  conjunto  de  engenhos  a  experiência  de  construção  de  barreiros  (pequenas  represas  ou  lagoas)  para  reprodução e criação de peixe. Num segundo momento previa‐se (prevê‐se) a  possibilidade  de  criação  de  peixe  em  escala  económica  o  que  implica  a  sua  distribuição  e/ou  comercialização.  Este  projecto  tem  integrado  uma  dimensão  de capacitação/formação dos moradores dos engenhos onde decorre.  

Projecto Catende  Harmonia 

Designação genérica atribuída aos processos experienciados na Usina Catende  desde o pedido de falência articulado pelos trabalhadores junto das instâncias  judiciais  em  1995  e  que  dá  origem  à  instituição  de  um  processo  de  co‐gestão  envolvendo os trabalhadores e a administração judicial da massa falida. 

Projecto de  produção de  sementes de milho 

Iniciativa que teve como proponente a associação de jovens PUAMA, mas sem  uma  existência  independente  do  Projecto  Catende  Harmonia,  envolveu  vários  parceiros  de  entre  os  quais  se  destaca  o  Ministério  do  Desenvolvimento  Agrário. Com a colaboração de técnicos e pedagogos da EMBRAPA, 4 grupos de  jovens  de  diferentes  engenhos  experimentaram  o  processo  de  cultivo,  transformação  e  comercialização  de  sementes  de  milho  a  partir  de  uma  organização  de  unidades  colectivas  e  solidárias  de  trabalho,  integrando‐se  assim numa experiência de diversificação produtiva agrícola. 

PUAMA (Rosa que  Cresce nas Pedras) 

Associação  constituída  por  jovens  dos  engenhos  e  da  cidade  de  Catende,  integrando  essencialmente  rapazes  e  moças  que  frequentaram  os  cursos  e  estágios  realizados  pelo  Projecto  Catende  Harmonia.  Tem  como  finalidade  dinamizar  projectos  geradores  de  renda  e  emprego  voltados  para  os  jovens  filhos/as de trabalhadores/moradores do projecto. 

Safra  Período compreendido normalmente entre Setembro e Março de cada ano em  que  se  procede  ao  corte  da  cana‐de‐açúcar  e  à  sua  transformação  em  açúcar  e/ou álcool nas usinas (fábricas). 

Sala da Harmonia  Espaço  atribuído  à  Companhia  Agrícola  Harmonia  nas  instalações  da  Usina  Catende.  Por  extensão  passou  a  designar  as  pessoas  que  aí  trabalham,  nomeadamente os técnicos ligados especificamente à intervenção educativa e à  administração do processo de acesso dos trabalhadores ao crédito 

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Síndico da massa  falida 

Administrador  nomeado  pela  justiça,  com  o  acordo  dos  credores  da  massa  falida, com a incumbência da preservação e gestão do património e actividade  da Usina Catende até à conclusão do processo judicial de falência. 

Situação contratual  face à Usina  Catende 

Os  trabalhadores  rurais  podem  encontrar‐se  em  várias  situações  contratuais  face  à  Usina:  de  modo  genérico  há  os  fichados  que  são  os  que  possuem  um  contrato  sem  termo  com  a  Usina  e  os  safristas  que  constituem  o  grupo  de  trabalhadores  contratado  sazonalmente  em  face  do  aumento  de  volume  de  trabalho durante o período da safra (no campo e na indústria).  

Usina Catende  Designação  genérica  do  complexo  agro‐industrial  que  envolve  26  mil  hectares  de terras e a fábrica de transformação da cana‐de‐açúcar situada na cidade de  Catende.  O  termo  usina  é  simultaneamente  usado  para  designar  a  parte  (a  fábrica)  e  o  todo  (o  conjunto  fábrica  +  terras).  A  designação  jurídica  oficial  da  Usina  Catende  antes  da  falência  era  Companhia  Industrial  do  Nordeste  Brasileiro. 

Usineiros  Designação  utilizada  para  os  antigos  proprietários  da  Usina  Catende  e  mais  genericamente para todos os que são “donos/patrões de usinas”. 

Venda antecipada  Prática  comum  durante  praticamente  os  primeiros  dez  anos  do  projecto  Catende  Harmonia,  consiste  na  venda  de  parte  da  futura  produção  ainda  durante  o  período  da  entressafra  a  “atravessadores”  (intermediários  especuladores)  do  mercado  do  açúcar  a  preços  normalmente  baixos.  Esta  prática  permitia  alguma  capitalização  da  Usina  para  atravessar  o  período  da  entressafra mas, inevitavelmente, colocava‐a na situação de ter de entregar em  tempo  de  safra  parte  da  sua  produção  a  um  preço  muito  abaixo  do  então  vigente  no  mercado.  Esta  prática  foi  tão  mais  danosa  quanto  o  açúcar  teve  quebras  sucessivas  de  preço  de  safra  para  safra  o  que  obrigou  o  projecto  a  entregar  cada  vez  mais  açúcar  para  pagar  aos  atravessadores  a  quem  tinha  vendido antecipadamente.  

ZPA  Zonas de Produção Agrícola correspondem a unidades territoriais que dividem a  área  total  de  terra  da  Usina  Catende  e  de  acordo  com  as  quais  as  tarefas  do  cultivo e corte da cana‐de‐açúcar são realizadas. Os engenhos da Usina Catende  são  identificados  não  só  pelo  seu  nome  próprio  mas  igualmente  pela  sua  pertença a uma das 6 ZPA existentes. 

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Todo o mundo é composto de mudança,  Tomando sempre novas qualidades.    Continuamente vemos novidades,  Diferentes em tudo da esperança;  Do mal ficam as mágoas na lembrança,  E do bem, se algum houve, as saudades.    O tempo cobre o chão de verde manto,  Que já coberto foi de neve fria,  E em mim converte em choro o doce canto.    E, afora este mudar‐se cada dia,  Outra mudança faz de mor espanto:  Que não se muda já como soía.    “Mudam‐se os tempos, mudam‐se as vontades”  Luís Vaz de Camões      Mas na Usina é que vi  aquela boca maior  que existe por detrás  das bocas que ela plantou;  que come o canavial  que contra as terras soltou;  que come o canavial  e tudo o que ele devorou  que come o canavial  e as casas que ele assaltou;  que come o canavial  e as caldeiras que sufocou.  Só na Usina é que vi  aquela boca maior,  a boca que devora  bocas que devorar mandou.        que as canas expulsaram  das ribanceiras e vazantes  e que essa gente mesma  na boca da usina são os dentes  que mastigam a cana  que a mastigou  enquanto gente;  que mastigam a cana  que mastigou anteriormente  as moendas dos engenhos  que mastigavam antes outra gente;  que nessa gente mesma,  nos dentes fracos que ela arrenda,  as moendas estrangeiras  sua força melhor assentam.    Por esta grande Usina  olhando com cuidado eu vou,  que esta foi a usina  que toda esta Mata dominou.  Numa usina se aprende  como a carne mastiga o osso,  se aprende como mãos  amassam a pedra, o caroço;  numa usina se assiste  à vitória, de dor maior,  do brando sobre o duro,  do grão amassando a mó;  numa usina se assiste  à vitória maior e pior,  que é a de pedra dura  furada pelo suor.    “Encontro com a Usina” (excerto), in O Rio.  João Cabral de Melo Neto     

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Do auto‐questionamento à identificação de dimensões mobilizadoras para a  pesquisa________________________________________________________________________ 5 Finalidades, objectos e teses do trabalho de pesquisa __________________________ 14 A estrutura do trabalho __________________________________________________ 28 I SECÇÃO – O PANO DE FUNDO DA PESQUISA ___________________________________ 33 As teorias e as práticas do desenvolvimento ____________________________________ 35 As origens da noção de desenvolvimento ____________________________________ 40 A Teoria do Crescimento Económico e a Teoria da Modernização_________________ 45 A Teoria da Dependência _________________________________________________ 65 A viragem neo‐liberal: a recuperação da Teoria da Modernização e a Teoria da  Escolha Pública _________________________________________________________________ 79 As teorias de um desenvolvimento alternativo ________________________________ 84 A emergência do local e da problemática do desenvolvimento local ___________ 138 O desenvolvimento comunitário ________________________________________ 163 A relação educação‐desenvolvimento ____________________________________ 187 Desenvolvimento Local e Educação ______________________________________ 191 II SECÇÃO – INTERROGAÇÕES E PROBLEMATIZAÇÕES CONCEPTUAIS ________________ 225 Elucidação e problematização de referentes teóricos da pesquisa enquadradores  da análise ____________________________________________________________________ 227 III SECÇÃO – FUNDAÇÕES METODOLÓGICAS∙ ___________________________________ 253 As opções metodológicas da pesquisa ______________________________________ 255 O estatuto do conhecimento em/sobre o desenvolvimento comunitário e local e  cientificidade educativa____________________________________________________ 257 O processo discursivo de análise adoptado – a dialéctica ______________________ 267

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Do "estranhamento ao entranhamento": a negociação do acesso ao terreno e os  usos sociais do pesquisador ______________________________________________________ 277 As opções “técnicas” de recolha de dados (as notas de terreno, as entrevistas e a  análise documental) ____________________________________________________________ 303 As notas de terreno___________________________________________________ 304 As entrevistas _______________________________________________________ 320 A pesquisa documental________________________________________________ 327 IV SECÇÃO – ILUSTRAÇÕES E RE‐INTERROGAÇÕES _______________________________ 333 O contexto da pesquisa: algumas referências sócio‐históricas e a sua dimensão  sócio‐política __________________________________________________________________ 335 A Usina Catende: uma breve sócio‐história entre a ascenção, a queda e a  ressurgência __________________________________________________________________ 357 As raízes da mobilização social em Catende: os movimentos sociais no campo  pernambucano e o trabalho da Igreja Católica progressista ____________________________ 371 As raízes da luta entre a história social e a história pessoal: a produção social  de militantes da intervenção política e sócio‐educativa _____________________________ 384 Educação, política e sindicalismo e conscientização dos trabalhadores _________ 397 O colapso da Usina Catende e a busca de alternativas: a luta sindical e dos  trabalhadores _________________________________________________________________ 409 A luta que começa ou o momento de «turbulência identitária» e os  fraccionamentos internos de um novo «sujeito histórico» ___________________________ 415 A entrada dos trabalhadores para a administração da massa falida da Usina  Catende e os desafios a enfrentar _________________________________________________ 445 A educação no processo de transição autogestionária em Catende: abordagem  sintagmática e paradigmática ____________________________________________________ 467 A formação de massas ________________________________________________ 471 A formação profissional de cariz político__________________________________ 516 A formação de quadros num contexto da diversificação organizacional ________ 551 Considerações finais ______________________________________________________ 565 Bibliografia Referida ______________________________________________________ 597

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Bibliografia Consultada ____________________________________________________ 609 Listagem de Anexos _______________________________________________________ 629

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Índice de Quadros e Gráficos 

Quadro 1 – Principais características do desenvolvimento endógeno  104  Quadro 2 – Caracterização da abordagem da self‐reliance  108  Quadro 3 – Processos e resultados do Empoderamento  117  Quadro  4  –  Componentes  do  conceito  de  desenvolvimento  comunitário  (ONU, 

1954)  166  Quadro 5 – Concepções de desenvolvimento comunitário  180  Quadro 6 – Ideais‐tipo de animação  209  Quadro 7 – O grau de urbanização no município de Catende  347  Quadro 8 – A evolução da população no município de Catende  348  Quadro 9 – A evolução da população na cidade de Catende  348  Quadro  10  –  Estrutura  fundiária  no  município  de  Catende:  Estabelecimentos 

agrícolas x Tipo de propriedade e Área agrícola ocupada x Tipo de propriedade 

350 

Quadro  11  –  Estrutura  fundiária  no  município  de  Catende:  quantidade,  área  e  percentagem de imóveis rurais em 1991 e 1998 

350 

Quadro 12 – N° Imóveis Rurais x Área agrícola ocupada  351  Quadro 13 – Indicadores de produção da Usina Catende  366  Gráfico  1  –  Rendimento  médio  de  cana‐de‐açúcar  por  hectare  no  Brasil  e  no 

município de Catende, 1990 e 1999 

368 

Figura 1 ‐ A produção educativa dos militantes e activistas em Catende   

388 

Quadro  14  –  Gramática  do  Desenvolvimento  Local  vs  Gramática  da  Educação  Escolar 

583 

   

   

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Introdução geral

Do auto-questionamento à identificação de dimensões

mobilizadoras para a pesquisa

O envolvimento no trabalho que aqui se apresenta é o prolongamento natural  de um percurso pessoal e profissional que temos vindo a fazer no campo da educação  de  adultos  e  do  desenvolvimento  local  durante  os  últimos  12  anos,  em  várias  instituições  e  espaços  de  intervenção  social.  É  por  aí  que  gostaríamos  de  começar,  mostrando  como  o  percurso  seguido  neste  trabalho  está  eivado,  em  primeiro  lugar,  pela  nossa  implicação  psico‐afectiva  e  profissional1,  e,  depois,  pela  tensão  entre  o  primado  da  teoria  que  envolve  a  razão  científica  e  a  contingência  do  real,  entre  o  desejado e o possível, entre o projectado e o realizado2 mesmo se a depuração formal  da escrita de trabalhos de investigação não é, geralmente, muito sensível a este tipo  de “desvio”. Neste sentido, não é por acaso que partilhamos com Ardoino (2000:214) a  ideia  de  que  se  até  há  bem  pouco  tempo  “os  aléas3,  as  peripécias,  os  avatares  da  investigação eram relegados para o estatuto de caixa negra, que pouco importava ter  em consideração”, hoje devem constituir‐se em materiais com direito de pertença ao 

produto  final,  na  medida  em  que  permitem  firmar‐se,  para  o  autor,  num  dispositivo  com o qual e através do qual o pesquisador pode “trabalhar explicitamente a relação 

1 Como muito bem o diz Alberto de Melo (2002:437), “ a vida consiste em uma combinação de acaso e  opção, resultando as escolhas de um emaranhado de ideias e emoções”.

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  Em  certa  medida,  a  relação  estabelecida  com  o  “objecto”  e  as  decisões  sobre  um  percurso  de  investigação revelaram‐se inseparáveis e concomitantes. Nesse sentido, o objecto não deixou de ser um  sujeito deste processo e o percurso não se limitou a ser escolhido, ajudou‐nos a escolhê‐lo. De acordo  com  Isabelle  Stengers  (1991:175  e  sgs.),  este  processo  obedece  ao  estabelecimento  de  uma  relação  “empática” com o objecto caracterizada pela “possibilidade que não seja o investigador, mas o material  que  “pose  problème”,  que  tenha  uma  história  a  contar,  que  é  necessário  aprender  a  decifrar”.  Nesta  perspectiva,  a  “descoberta”  confunde‐se  com  “a  aprendizagem  com”  e  o  questionamento  hipotético  passa  pela  “dissolução  do  eu  consciente,  por  uma  abertura  que  “deixa  vir  a  nós”  o  material,  mas  que  significa,  do  mesmo  modo,  o  abandono  do  conjunto  de  procedimentos  intelectuais  explícitos  que  permitem aos epistemólogos construir modelos de racionalidade” (Stengers, 1991). 

3 Salvo referência explícita em contrário, as palavras e frases que aparecem a sublinhado ao longo do  trabalho correspondem a palavras ou frases que se encontram em itálico no original. Esta opção prende‐ se com o facto de termos usado como regra no corpo do trabalho a apresentação em itálico de todas as  citações  que  fazemos,  todos  os  termos  apresentados  entre  aspas  e  alguns  conceitos  que  queremos  destacar na economia do discurso.

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complexa  implicação‐distanciação  que  o  liga  ao  seu  objecto”  (idem:  214‐215),  numa 

atitude “eticamente fundamental a todo espírito científico” (idem:214)4. 

Esse percurso tem‐se traduzido na militância5 em movimentos protagonistas  de  dinâmicas  de  animação  sócio‐comunitária  que  se  afirmam  como  promotoras  de  desenvolvimento local e comunitário6 (das iniciativas em que milito poderão constituir  exemplos  particulares  a  defesa  das  pequenas  escolas  em  meio  rural,  a  educação  de  infância itinerante ou a defesa de um associativismo cidadão contra a mercadorização  do  laço  social  e  a  instituição  de  uma  sociedade  de  serviços...)7  que  é,  simultaneamente, uma militância contra as tendências políticas de desqualificação das  comunidades e dos territórios “periféricos” – designadamente o rural e o interior – que 

4  Silva  &  Pinto  (1986:132)  acrescentam  ainda  que  as  “’histórias  de  pesquisa’  são  inegavelmente  importantes,  sobretudo  na  medida  em  que  constituam  matéria‐prima  para  uma  usualmente  não  elaborada  reflexão,  tanto  epistemológica  e  metodológica  como  especificamente  sociológica,  sobre  os  processos de pesquisa enquanto processos sociais”. Certamente que as considerações que aqui tecemos  não  têm  este  alcance,  ainda  assim,  preocupamo‐nos  em  realçar  através  delas  as  circunstâncias  envolvidas  na  construção  da  investigação,  procurando  mostrar  como  as  decisões  que  se  tomaram  no  seu  interior  não  derivaram  estritamente  de  uma  postura  de  conformidade  face  a  uma  utilização  canónica do método científico e dos seus procedimentos mas que nos fomos também envolvendo numa  “prática  que  não  procede  a  partir  de  um  julgamento  geral  decompondo  um  objecto  de  maneira  normativa, definindo a priori aquilo de que deve ser capaz, a que tipo de questão deve responder, mas  antes se dirige a uma realidade intrinsecamente dotada de significação, tratando‐se de a decifrar e não  de a reduzir ao estatuto de ilustração particular de verdade geral” (Stengers, 1991:181).

5 Esta militância é indissociavelmente política e educativa identificando‐nos perfeitamente com o modo  como  Melo  (2002:438)  se  refere  a  esta  imbricação:  “o  tipo  de  trabalho  político  que  encoraja  continuamente os cidadãos a se tornarem mais autónomos, mais informados, mais poderosos em todos  os  sectores  da  vida  pessoal  e  social  deve  denominar‐se  Educação  (crítica)  ”,  entendendo‐se  por  esta  última  uma  “  educação  [que]  já  não  pretende  fornecer  respostas  predefinidas,  mas  antes  o  oposto:  significa  estar  atento  aos  problemas  que  as  pessoas  enfrentam  e  depois  procurar  e  produzir  os  necessários conhecimentos, comportamentos e capacidades que poderão contribuir para a elaboração e  implementação das respostas mais apropriadas e eficientes” (idem: 438‐439)

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 Ao longo deste trabalho vamos referir‐nos de forma relativamente indistinta a desenvolvimento local,  desenvolvimento  comunitário,  desenvolvimento  local  comunitário  ou  desenvolvimento  comunitário  local  para  denotar  um  mesmo  conceito,  mesmo  sabendo  do  esforço  de  alguns  autores  para  estabelecerem  fronteiras  e  critérios  de  distinção  entre  estas  diferentes  formas  de  declinação  do  desenvolvimento,  como  são  por  exemplo  os  casos  de  Amaro  (2003)  ou  ainda  Fragoso  (2005).  Assumimos que a matriz de  todos estas declinações é o desenvolvimento local e, por outro lado, não  estamos  propriamente  interessados  em  embarcar  numa  exploração  essencialista  que  envolva  a  dissecação exaustiva das subtilezas destas distinções entre autores e tradições teóricas, na medida em  que entendemos que o resultado a que chegaríamos não teria uma particular relevância para o trabalho  de problematização e análise que levamos a cabo.

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 Conferir a este respeito, por exemplo, o significativo texto de Canário (2000a), onde são confrontados  e  discutidos  os  argumentos  politica  e  cientificamente  mobilizados  no  debate  acerca  do  encerramento  das  pequenas  escolas  de  1º  ciclo  em  meio  rural.  Em  contraponto,  leia‐se  por  exemplo  a  reflexão  constante de Azevedo, (1994). Para uma discussão de distintas formas de associativismo que coexistem  hoje  na  sociedade  portuguesa  e  do  seu  sentido  político  face  à  promoção  da  cidadania  é  pertinente  destacar a análise presente em Matos (2004). 

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equacionam  o  seu  desenvolvimento  estritamente  a  partir  de  juízos  de  valor  técnico‐ funcionais,  de  carácter  economicista,  gestionário  e  pendor  managerialista,  e  que  portanto  concluem  da  sua  “irracionalidade”  no  actual  contexto  societário  e  equacionam  simplesmente  o  seu  futuro  entre  a  conversão  a  um  modelo  de  desenvolvimento  ocidentocêntrico,  economicocêntrico  ou  urbanocêntrico  ou...  o  abandono  à  sua  sorte.  É  também  uma  militância  contra  certos  discursos  que  qualificariamos de “puristas” (em boa verdade, são também “higienistas”, na medida  em  todo  o  seu  argumentário  é  também  um  receituário  contra  as  contaminações  exteriores  à  pureza  original  do  local  a  que  se  referem),  apenas  aparentemente  valorizadores  das  especificidades  e  potencialidades  destes  locais  e  comunidades  periféricos, na medida em que redundam numa concepção imobilista e conservadora  deste  local  e  destas  comunidades,  tendências  bastas  vezes  camufladas  sob  um  discurso  que  apela  à  preservação  da  utenticidade  desta   comunidades    territórios  como  forma  de  resistência  à  hegemonia  urbanocêntrica  e  modernizadora,  condenando,  paradoxalmente,  estes  territórios  e  as  pessoas  que  os  habitam  ao  imobilismo como condição do

a s e

 seu desenvolvimento (Correia & Caramelo, 2003).   Como facilmente se poderá perceber, esta militância inscreve‐se num terreno  verdadeiramente  minado,  em  que  traçar  as  linhas  de  fronteira  entre  opções  conservadoras  e  desqualificantes  e  opções  progressistas  e  qualificantes  exige  um  esforço de lucidez política e teórica que ainda assim, por vezes, não é suficiente para  evitar  a  cooptação  pela  ideologia  dominante  e  conservadora  o  que,  na  ordem  da  produção, se pretendeu constituir como discurso e proposta de um “desenvolvimento 

alternativo”  que  apontam  a  um  outro  desejo  de  sociedade,  e  isto  porque  também 

vivemos num tempo em que face ao agravamento da “crise dos macro‐dispositivos de 

integração social e dos macro‐instrumentos cognitivos usados para reconhecer, gerir e  desconhecer  as  dinâmicas  sociais”  (Correia  &  Caramelo,  2001;  2003;  Caramelo  & 

Correia,  2004),  a  pretensa  revalorização  do  local/comunitário  como  dispositivo  de  gestão da questão social se tornou particularmente significativa do ponto de vista da  sua cooptação e instrumentalização política.  

Mas, como muito dialecticamente sugere Heidegger, “é no seio do perigo mais 

Referências

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