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A viragem neo-liberal: a recuperação da Teoria da Modernização e a Teoria da Escolha Pública

A  partir  da  constatação  de  que  nem  as  perspectivas  dominantes,  nem  as  perspectivas radicais por si só (ou em si mesmas) dão conta de oferecerem “soluções”  teóricas  sobre  e  práticas  para  o  desenvolvimento,  assiste‐se  recentemente  a  um  movimento  no  sentido  de  procurar  a  convergência  entre  aspectos  da  Teoria  da  Modernização  e  de  outras  perspectivas  e  a  criação  de  perspectivas  híbridas,  nomeadamente a partir da incorporação na Teoria da Modernização de elementos da  Teoria da Dependência e da Teoria do Sistema Mundo o que permitiria dar conta de  forma  integrada  dos  factores  económicos  e  socioculturais  do  desenvolvimento,  internos e externos, bem como obviar ao desvio etnocentrista e burguês da teoria da  modernização.  No  entanto,  a  comensurabilidade  entre  estas  perspectivas  tem  igualmente  sido  posta  em  causa  pela  perda  de  coerência  teórica  que  aporta  a  cada  uma das perspectivas e vem sendo igualmente discutida pelos obstáculos a que  está  sujeita,  que  particularmente  implicaria  ultrapassar  as  substanciais  diferenças  ideológicas que as caracterizam. 

Mas,  a  par  dos  esforços  teóricos  de  criar  uma  teoria  híbrida  assistimos,  essencialmente  nas  últimas  duas  décadas,  a  uma  viragem  que  tende  a  abandonar  a  perspectiva desenvolvimentista em favor do neoliberalismo, numa espécie de “contra‐

revolução”  liberal  face  ao  impacto  que  o  pensamento  keynesiano  teve  durante  os 

“trinta gloriosos anos” que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, particularmente no  seio da teoria do crescimento económico e da modernização. Particularmente durante  os  anos  1950  e  1960,  a  maioria  dos  teóricos  das  correntes  dominantes  do  desenvolvimento rejeitavam a ênfase da economia neoclássica nas forças de mercado  e  no  crescimento  “outward‐oriented”  (virado  para  o  exterior),  considerado  pouco  adequado  para  as  necessidades  de  rápido  desenvolvimento  dos  países  do  Terceiro  Mundo  e  advogavam  ainda  a  importância  de  uma  intervenção  de  iniciativa  estatal,  através  do  planeamento  e  do  investimento,  para  sustentar  as  fases  iniciais  dos  processos  de  crescimento  económico  e  de  modernização  que  permitiriam  a  sustentação  futura  do  processo  de  desenvolvimento,  desconfiando  assim  da  capacidade de o mercado vencer a inércia inicial. 

A  viragem  neoliberal,  e  portanto  em  direcção  a  uma  forte  ortodoxia  económica  neo‐clássica,  foi‐se  forjando  lentamente  já  em  finais  dos  anos  1960  e  insinuou‐se  em  sectores  como  o  do  comércio  internacional  e  da  planificação  do  desenvolvimento  acompanhando  o  declínio  do  paradigma  desenvolvimentista,  mas  a  verdadeira  viragem  acontece  com  a  chegada  ao  poder  na  Alemanha  (Federal),  Inglaterra  e  nos  Estados  Unidos  de  um  conservadorismo  anti‐Keynesiano  protagonizado  particularmente  por  Margaret  Thatcher  e  Ronald  Reagan  que  com  os  seus  economistas  neo‐clássicos,  pela  visibilidade  e  influência  nas  instâncias  internacionais que passam a ter e auxiliados pela crise económica vivida pelos países  do  Sul,  operam  “a  profound  change  in  the  accepted  economic,  financial,  and 

sociopolitical orthodoxy, which placed a new emphasis on supply‐side factors, private  initiative,  market‐led  growth,  an  outward‐oriented  development,  while  turning  away  from  old  developmentalist  policies  based  in  demand  stimulation,  import‐substitution,  state  intervention,  and  centralized  development  planning”  (Brohman,  2001:27).  A 

contra‐revolução  liberal  enfatiza  três  aspectos:  i)  a  adopção  do  monetarismo  como  doutrina económica, ii) o anti‐Keynesianismo e a iii) monoeconomia.  

 

O monetarismo é a doutrina mais influente no desenho da teoria neoliberal e  das suas extensões no campo do desenvolvimento, particularmente os programas de  ajustamento estrutural levados a cabo pelo FMI e pelo Banco Mundial. Esta doutrina  essencialmente  advoga  a  manutenção  de  baixas  taxas  de  juros  para  promover  o  crescimento e está preocupada com a quantidade de dinheiro que circula numa dada  economia,  situação  directamente  imputada  à  acção  dos  governos,  já  que  é  esta  que  determina  absolutamente  o  preço  dos  bens.  Nesta  óptica  os  problemas  macroeconómicos,  como  o  endividamento  ou  a  pressão  inflacionista,  vividos  por  alguns países são vistos essencialmente como um fenómeno monetário em resultado  de excessivos gastos do governo e estimulação da procura que leva a que a quantidade  de dinheiro que em dado momento circula seja insustentável.  

A  crítica  neoliberal  à  intervenção  estatal  numa  lógica  keynesiana  acentua  a  responsabilidade desta pela situação de estagnação económica vivida pelos países do  Terceiro  Mundo,  sugerindo  que  esta  crise  não  é  causada  por  factores  externos  (neocolonialismo  ou  desigualdades  estruturais  globais)  mas  sim  em  resultado  de  políticas internas conduzidas na crença ilusória de que o Keynesianismo promoveria o  desenvolvimento,  situação  que  só  poderia  ser  superada  pela  rejeição  da  intervenção  estatal keynesianista em favor de políticas baseadas na teoria económica neoclássica,  isto é, que promovessem a redução do papel do Estado à condição de promotor de um  enquadramento em que o mercado pudesse operar eficientemente.  

Por  fim,  a  perspectiva  monoeconómica  sustenta  que  a  teoria  económica  neoclássica ortodoxa é igualmente aplicável em qualquer contexto nacional, e mesmo  se estes são atravessados por particularidades, os agentes económicos e os mercados  funcionam  de  acordo  com  lógicas  que  são  comuns  a  todos.  Nesta  perspectiva,  os  problemas  dos  países  do  Terceiro  Mundo  não  requerem  uma  abordagem  específica,  antes  são  abordáveis  a  partir  de  princípios  económicos  universais  e  permeáveis  a  soluções  gerais,  aqueles  problemas  e  o  seu  eventual  agravamento  só  têm  um  responsável:  a  perversão  por  parte  dos  paradigmas  dominantes  do  desenvolvimento  dos  princípios  da  economia  neoclássica.  O  modelo  de  desenvolvimento  neoliberal  é  baseado  numa  leitura  neoclássica  da  história  económica  do  mundo  capitalista 

industrializado.  Nesse  sentido,  enfatiza  sobretudo  os  elementos  do  desenvolvimento  tais  como:  i)  Crescimento  conduzido  pelo  mercado;  ii)  Poupança  crescente  e  investimento  privado  baseado  em  elevados  lucros;  iii)  Industrialização  gradual  (inicialmente de indústrias leves); iv) Difusão de inovação e dos avanços tecnológicos  através  de  uma  progressiva  integração  económica  global;  v)  Progressivo  “efeito 

dominó” dos benefícios do crescimento a todas as classes sociais, sectores económicos  e regiões geográficas.    O modelo neoliberal providencia um poderoso meio de simplificar complexos  processos sociais de desenvolvimento de modo a que uma agenda para a produção de  política possa estabelecer‐se baseada na teoria microeconómica da teoria económica  neo‐clássica.  A  economia  neoclássica  exemplifica  a  expansão  do  positivismo  através  das ciências sociais com a utilização do “método científico”, o seu enfoque ontológico  em  factos  empíricos  e  eventos,  a  sua  derivação  de  generalizações  tipo‐lei  e  a  sua  promessa  de  resultados  predizíveis  baseados  na  replicabilidade  dos  seus  modelos.  O  modelo  neoclássico  e  por  extensão  o  neoliberal  focam‐se  na  esfera  do  mercado  de  trocas  e,  via  agregação,  extraem  conclusões  generalizáveis  à  sociedade  toda  de  um  nível  de  análise  individual,  empregando  análises  estatísticas  sofisticadas.  Os  mecanismos de mercado são vistos como promovendo um bem‐estar mais eficiente ao  maximizarem a utilidade para cada indivíduo.  

A  abordagem  neoliberal  reduz  o  comportamento  humano  a  um  postulado  simplista:  o  do  indivíduo  isolado  e  com  interesses  próprios  que  escolhe  livremente  e  racionalmente entre cursos alternativos de acção depois de calcular os seus custos e  benefícios  de  forma  prospectiva.  Este  actor  racional,  associado  a  uma  ênfase  numa  mudança  gradual,  marginal  e  equilibrante,  estreita  o  desenvolvimento  económico  a  um  campo  em  que  o  cálculo  e  outros  procedimentos  quantitativos  podem  ser  empregados  para  conseguir  resultados  mais  científicos  e  por  isso  mais  certos.  No  entanto  este  processo  deixa  de  fora  muitos  elementos  não  económicos  do  desenvolvimento  e  adicionalmente  restringe  a  análise  económica  dos  factores,  directamente observáveis e mensuráveis, que podem mais confortavelmente encaixar 

as suas técnicas de modelização, excluindo desse modo do estudo muito do tradicional  objecto da economia política clássica (Brohman, 2001:31‐32).  

 

Recentemente pudemos constatar a ascensão de um novo tipo de economia  política  neoliberal,  a  designada  Teoria  da  Escolha  Pública  (TEP).  Esta  perspectiva  focaliza‐se  na  alocação  de  recursos  públicos  no  mercado  político  e  enfatiza  a  redistribuição a grupos de interesse poderosos. Neste sentido pretende uma mudança  nos  estudos  sobre  o  desenvolvimento  que  conduza  ao  afastamento  da  antiga  ênfase  keynesiana  nas  falhas  do  mercado  resolúveis  através  de  um  Estado  benevolente  em  prol de uma nova ênfase neoliberal na falha política e na consideração do Estado como  “predador”:  se,  na  perspectiva  keynesiana  dominante,  o  Estado  opera  no  interesse  comum  da  sociedade  como  um  todo  e  intervém  frequentemente  para  corrigir  as  frequentes  falhas  do  mercado  ou  para  atender  a  finalidades  societais  que  se  consideram  estarem  para  além  do  âmbito  do  mercado.  Em  contraste,  o  quadro  da  Escolha  Pública  é  caracterizado  pela  crença  neo‐clássica  de  que  os  mercados  do  mundo  real  podem  ser  imperfeitos,  mas  os  Estados  (governos)  do  mundo  real  são  ainda mais imperfeitos e os primeiros são genericamente entendidos como preferíveis  face aos segundos (Brohman, 2001:32‐33). Os defensores da Teoria da Escolha Pública  sugerem  que  a  teoria  do  desenvolvimento  dominante  se  caracterizou  por  um  desvio  keynesianista  segundo  o  qual  o  Estado  nunca  se  enganaria.  No  entanto,  para  alguns  críticos  da  TEP,  a  reacção  desta  conduziu‐a  a  cair  para  o  extremo  oposto,  segundo  o  qual  o  Estado  nunca  está  certo.  Em  boa  verdade  a  TEP  encara  o  Estado  como  executante de políticas discriminatórias em favor de grupos de pressão de cujo suporte  depende e nesse  sentido  os  membros  do  Estado  usam  as  suas  posições  privilegiadas  para  extrair  “proventos”  do  processo  de  produção  política,  conduzindo  assim  a  uma  distorção do funcionamento “puro” do mercado só resolúvel pela limitação estrita da  intervenção  do  Estado.  Nesta  perspectiva  a  intervenção  do  Estado  não  é  a  solução  –  como para Keynes – mas sim o problema já que não contribuirá para a optimização do  bem‐estar  colectivo  da  sociedade,  mas  sim  apenas  para  o  bem‐estar  de  grupos  de  interesse  particulares  e  não  é,  claramente,  a  solução  para  as  “imperfeições”  do  mercado, bem pelo contrário. Na perspectiva da Teoria da Escolha Pública, o Estado é 

encarado  como  um  actor  racional  que  procura  maximizar  a  sua  utilidade  política  e  económica ao estender a sua influência aos grupos poderosos da sociedade, apesar do  abrandamento que tal acarreta para o crescimento e desenvolvimento a longo prazo. 

As críticas à TEP centram‐se na visão reducionista dos processos políticos, no  que  se  aproxima  do  neoliberalismo,  que  oferece  pouca  complexidade  na  análise  do  jogo  político  em  que  os  Estados  se  envolvem  e  onde  comportamentos  produtivos  e  “predatórios”  coexistem  de  acordo  com  uma  variedade  de  influências  internas  e  externas.  No  que  respeita  à  crítica  específica  para  dar  conta  do  fenómeno  do  desenvolvimento  nos  países  do  Terceiro  Mundo,  a  TEP  é  incipiente  na  análise  que  permite do Estado porque necessita ainda de construir uma teoria baseada no exame  das  estruturas  internas  e  mecanismos  do  Estado  em  si  mesmos  ou  na  análise  da  composição social do Estado no âmbito das mais lentas estruturas societais. 

 

Em  síntese,  Brohman  (2001:34)  sugere  que  é  dúbia  a  maior  relevância  da  perspectiva  neoliberal  para  dar  conta  dos  problemas  do  desenvolvimento  político  daqueles países face àquelas perspectivas que se desenvolveram dentro de um quadro  de pensamento Keynesiano e pautadas por um modelo pluralista do Estado.